segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

LIVRO: «Sauvage» de Nina Bouraoui

Eu acredito já termos talvez vivido as mesmas coisas com as mesmas pessoas e que a vida é uma roda a girar em torno dela própria. E que tudo volta, tudo recomeça. Até ao infinito. É como com as ideias: rodam incessantes e uma delas dá lugar a outra, que também noutras se desmultiplica.
Integrada na escola da ficção francesa, que leva os escritores a parecerem autobiografarem-se continuamente, Nina Bouraoui volta a revisitar o passado argelino neste seu décimo terceiro romance, que tem por protagonista e narradora uma jovem adolescente de 14 anos.
Alya, assim se chama ela, lamenta ter-se separado de Sami, o rapaz cujo amor a ajudara a superar o vazio dos seus anos infantis.
Estamos em 1981, e depois de umas férias em França na aldeia natal da mãe, os pais concluem pela impossibilidade de regressarem ao outro lado do Mediterrâneo.
A iminência da mudança já era pressentida em 1979, com a morte de Boumédiène e a acelerada islamização empreendida por Chadli Bendjedid: anunciava-se uma catástrofe, que não se adivinhava sob que forma surgiria. Pela tecnologia cada vez mais moderna e incompreensível? Pela opressiva religião? Por algo oriundo do espaço interestelar?  Mesmo à distância de uma década cresciam os sinais inquietantes da sangrenta guerra civil, que mancharia o já atormentado país do pai da escritora.
Alya vive a frustração de nem sequer ter conseguido despedir-se do cúmplice afetivo, sentindo uma inevitável culpabilidade. A Argélia convertera-se numa ainda mais perigosa prisão do que a por ela conhecida, quando passara a infância circunscrita ao reduto familiar, tendo como único espaço de liberdade a natureza selvagem em redor. Daí o título!
Passado um ano sobre o inexplicável desaparecimento de Sami, Alya procura algum conforto na escrita, como se ela lhe propiciasse a definição do seu espaço entre a infância e a idade adulta, entre o mundo dos mortos e a exaltação de se sentir viva.
É para que a memória de Sami não se perca, que escreve diariamente a história de ambos, reinventando o passado e fixando o presente, que é tempo de espera e de imaginação.
No fundo é a espera por um amor, que não regressará. E na esperança de encontrar um lugar no mundo complexo à sua volta, tão distante das planícies da Mitidja.
Pelo meio vão passando outros personagens secundários, mas que ajudam a compor o cenário em que  se move: a avó francesa dada aos esoterismos e vangloriando-se de ser capaz de comunicar com o invisível. O pai, inteligente e capaz de infundir um inquestionável respeito.
Na viagem interior ao passado temo-la de mão dada a Sami, quando, sentados à noite em pleno deserto, sentiam que, mais do que o amor um pelo outro, existia um sentimento profundo pelo mundo em si no que ele era feito de fusão entre a matéria e o espiritual.
No final, já em Argel, Alya reconhece a impossibilidade de rever Sami, mas também conclui ter sido exagerado o receio pelo fim de um mundo, que continua a rodar, a rodar, mesmo que não possibilite a reconquista de tudo quanto, entretanto, se perdeu...


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