segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Jagunçadas em perspetiva


A ocupação do Palácio do Planalto pelo jagunço começa agora, e a atenção sobre a evolução da política brasileira,  e sobretudo da sua vertente económica, será matéria de análise quase diária por tomar a proporção de estudo de caso, como o já são a de Trump na Casa Branca, a de Orban no Sandor Palace ou a de Erdogan no Cumhurbaşkanlığı Külliyesi. Porque de todos eles se espera a confirmação da desadequação dos ideários de extrema-direita com os condicionalismos de uma sociedade contraditória, mais tarde ou mais cedo «condenada» a reagir e a ensaiar rumos opostos. Pena que as esquerdas continuem sem adotar discursos convincentes quanto às esperadas propostas de quem almeja paraísos e encontra diariamente os mesmos infernos. Depressa descoroçoados com o agravamento da sua miséria, muitos dos que foram ao engano pela retórica anti-PT, só esperam que os vituperados de ontem encontrem o tom certo para se virarem na sua direção. E, quer o movimento sindical, que contribuiu para a queda da ditadura militar, quer o mais recente movimento social antiaumento das tarifas de transportes (já em si decerto fomentado pela conspiração que viria a precipitar a queda em desgraça de Dilma e de Lula), prenunciam o inevitável ricochete.
Há evidente inexperiência nos ministros, que servirão de corte mais próxima ao biltre, e choque de posições por representarem interesses de impossível convergência. Relativamente a Israel, a quem se prometeu a mudança da embaixada para Jerusalém, já se agitam os lobistas dos exportadores de carne, receosos de verem fechado o importante mercado constituído pelos países árabes. Idêntico o receio dos que não querem que a China seja hostilizada em proveito do alinhamento com a agenda comercial norte-americana. E estes focos de resistência surgem quando o jagunço ainda nem sequer tomou posse. Os tempos próximos prometem ser interessantes.
Colateralmente não encontro razões de Estado, que justifiquem a passeata de Marcelo ao Brasil, a menos que sinta saudades do tempo em que as viagens além-Atlântico se fundamentavam nos convívios amistosos com Ricardo Salgado. E quanto à escolha dos pseudojornalistas da RTP para personalidade do ano só demonstra o tipo de gente, que ali ainda se acoita!

domingo, 30 de dezembro de 2018

Crimes que nunca se poderão esquecer


Horrível é o crime de que está a ser acusada uma alemã na casa dos trinta anos, por estes dias a ser julgada, e presumivelmente condenada a prisão perpétua.
Em agosto de 2014 juntou-se ao Daesh no califado sírio-iraquiano e não tardou a integrar a polícia dos costumes, que vigiava o vestuário e o comportamento das mulheres nos espaços públicos. Casando com um militante da causa, cuidou de comprar uma miúda de cinco anos no mercado de escravos alimentado pelas minorias religiosas subjugadas pela máquina de guerra da organização. A intenção era que a criança lhe fizesse os trabalhos domésticos, mas, decerto aterrorizada, a miúda urinava no colchão onde lhe permitiam descansar. Como castigo o casal acorrentou-a no quintal, deixando-a morrer à sede sob as elevadas temperaturas da região.
Aprisionada na Turquia, aonde se deslocara para renovar o passaporte, Jennifer foi devolvida à Alemanha, sendo-lhe inicialmente permitido que regressasse a casa na Baixa Saxónia, donde nunca desistiu de voltar a partir ao encontro dos antigos cúmplices.
Terá sido quando se acumularam provas do seu crime, que entrou no radar punitivo das autoridades. judiciárias. Mas será a prisão perpétua castigo merecido para quem demonstrou tanta falta de humanidade no seu fanatismo? Sou intransigente opositor da pena de morte, mas situações assim fazem-me vacilar a convicção.

A comprovada incompetência dos políticos apartidários


A confissão do presidente da Câmara de Borba em como conhecia desde 2014 os riscos de derrocada na estrada, que viria a ser notícia neste ano de 2018 - com cinco vítimas mortais, que poderiam ter sido muitas mais, se tivesse ocorrido em dia e hora de maior tráfico rodoviário! - atesta a razão porque rejeito os entusiasmos mediáticos com movimentos de cidadãos, que concorram às autarquias, ou com outros de carácter inorgânico como os que organizaram a arruaça dos coletes amarelos. Uns e outros, por muito progressistas que se assumam, contribuem sempre para minar a necessária confiança, que os eleitores devem ter nos partidos. Como costumo dizer a quem contacto durante as campanhas eleitorais, se têm tantas críticas a fazer aos partidos, porque não fazem o que é lógico: aderirem ao da sua menor antipatia, para, por dentro, tentarem que melhor se ajustem às suas pretensões?
Mário Soares era enfático na defesa do princípio de não ser exequível uma Democracia sem partidos. Por isso defendia que eles deveriam ter meios para cumprirem o papel de proporem alternativas diversas quanto aos rumos da governação. Os movimentos, como os que deram a Borba um autarca comprovadamente incompetente, denotam um voluntarismo raramente ajustado às realidades quotidianas de uma gestão complexa como o pode ser um território condicionado por tantas variáveis. Bem podem os jornais e as televisões transformá-los em ambíguos heróis na sua constante desconsideração dos políticos partidários, que só o pudor os leva a reconhecer a evidência das suas falhadas agendas editoriais. Ao contrário do que defendem os diretores de informação dos media a função destes não é a de criticarem permanentemente a governação ou a oposição, como se alguém lhes atribuísse a responsabilidade de serem provedores dos seus imaginários leitores ou espectadores. Devem sublinhar tanto o negativo, como o positivo, mas sobretudo ser-lhes ia exigido imbuírem-se daquilo que há muito deixaram de ser : formadores de uma opinião pública informada e com pensamento crítico.

Um castigo que poderia ter algumas virtudes


Falhada a arruaça dos coletes amarelos, já os mesmos mentecaptos se apressam a convocar nova algazarra tendo o culto de Salazar como motivação. A notícia fez-me recordar uma outra, com alguns dias, sobre um contumaz caçador furtivo a quem um juiz norte-americano condenou a prisão efetiva e à obrigatoriedade de ver diariamente «Bambi», o filme dos estúdios Disney em que é antológica a cena da morte da mãe do jovem protagonista.
Não sei se a receita conseguirá aos pretendidos objetivos do magistrado, mas ele terá, porventura, recordado como o protagonista da «Laranja Mecânica» mudara de comportamento depois de sujeito a tratamento similar. Por isso mesmo não seria mal pensado que os organizadores e participantes desse novo burburinho, fossem encarcerados em nome de uma Constituição, que proíbe explicitamente as atividades fascistas, recebendo como dose complementar a contínua visualização da série de Fernando Vendrell sobre Natália Correia, Vera Lagoa e Snu Abecassis, para entenderem quão indigente era o regime, que pretendem homenagear.

A terrível ameaça escondida sob o permafrost do Ártico


Pouco se voltou a falar do sucedido na península siberiana de Yamal , onde, em setembro de 2016, se detetou um surto de antraz, que obrigou ao abate de um quarto de milhão de renas.  A culpa foi do aquecimento global, que descongelou as camadas superficiais da tundra e libertou bactérias nelas hibernadas há milhões de anos.
Mais do que a epidemia em si, rapidamente contida, ela alertou para os riscos futuros inerentes à liquidificação das camadas mais profundas do permafrost, donde se libertarão agentes patogénicos desconhecidos para a atmosfera e contra os quais os nossos organismos não estão preparados.
O risco letal de uma situação desse tipo é dos que menos se referenciam, quando se discutem as consequências do aquecimento global. No entretanto as grandes multinacionais do setor do petróleo e do gás natural pretendem silencia-lo, ansiosas por que se abram melhores condições meteorológicas para explorarem intensivamente os enormes recursos escondidos no subsolo do Ártico. Para elas o aquecimento global é música para os ouvidos e deleitam-se com líderes políticos da estirpe de Donald Trump, que lhes serve de eficiente idiota útil.

sábado, 29 de dezembro de 2018

Uma crise iminente, não tão grave quanto alguns desejariam


Na France Culture um economista (Jean-Marc Daniel) corrobora a tese de não se vir a repetir em 2019 um crescimento mundial equivalente ao verificado no ano que finda - 3,9% - e não só pelas divergências sino-americanas, nem pelas devidas aos aleatórios tweets de Trump. Estaríamos agora numa fase de inversão dos ciclos propostos por Keynes, que fazem alternar fases de expansão económica com outras de inevitáveis recessões. Mas com a vantagem desta em concreto vir a ser amortecida pelo baixo custo do petróleo no mercado internacional.
Não se prevendo diabos, nem infernos, poderemos confiar na continuação da estabilidade política tal qual conhecemos nos últimos três anos, com a recondução eleitoral dos mesmos protagonistas à esquerda. Já quanto ao reduto contrário, quem aposta nos efeitos das prometidas noites das facas longas?

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Um decadência europeia, que abre perspetivas para uma firme convalescença


Teresa de Sousa é uma das encartadas comentadoras da nossa praça para possibilitar o entendimento do que se passa na realidade europeia. A sua perspetiva é formatada de acordo com um cânone, que o último ano fez falir, mas vemo-la incapaz de pensar além da caixa, fazendo com que os seus textos, mesmo que não enfadonhos - porque o métier está lá! -, nada de novo nos dizem. Por exemplo no de hoje, no «Público», a síntese está no derradeiro parágrafo, que conclui as elucubrações, ampliadas por duas páginas: “Órfã da América, com a crescente pressão militar da Rússia junto à sua fronteira leste e a capacidade de desestabilização de Moscovo em demasiados países, sem uma liderança forte e uma visão estratégica, a Europa continuará no próximo ano vulnerável aos ventos internacionais e às debilidades das suas democracias.”
Não arriscando muito no zandingar é possível irmos mais longe e prognosticar que, apesar de ser sujeita a grandes sobressaltos - um brexit sem acordo, um parlamento europeu com um forte grupo de deputados de extrema-direita e a recuperação russa de algum ascendente nalguns dos países, outrora situados na sua órbita - a União Europeia resistirá e, talvez nos banhos de realidade experimentados por quantos têm apostado na sua desagregação (vide a rendição italiana aos ditames de Bruxelas relativamente ao seu orçamento!), dê ensejo para alternativas como a recentemente proposta por Piketty nas páginas do «The Guardian» e do «Le Monde».
É certo que o provável sucessor de Junker não se revelará mais hábil do que ele a resolver os grandes problemas de uma organização demasiado centralizadora, e que criou compreensíveis ódios devidos às mordomias atribuídas aos seus burocratas. Mas o horror ao vazio tenderá a fazer o seu caminho e até os mais reticentes soberanistas acabarão por se renderem à impossibilidade de se bastarem a si mesmos num mundo globalizado. O papão Bannon é uma espécie de tigre de papel, que sugere muito mais poder de fogo do que tem ao seu alcance com a dinamite de que, de facto, dispõe. Tanto mais que tudo aponta para uma abrupta queda da economia britânica nos meses subsequentes aos do sucesso estratégico dos seus sinistros estarolas (Farage, Johnson)., que irá servir de exemplo aos que lhes quereriam seguir as pisadas. Será só questão dos europeístas explorarem enfaticamente a tendência desse tipo de niilistas darem à sola, quando se põe em causa a recuperação dos danos, que têm sabido causar. E para os quais continuam a não ter qualquer solução.
Daqui a um ano, e depois dos piores cenários terem parecido tão próximos, é muito provável que o ideal europeu chegue a mitigada, mas consistente convalescença, e os xenófobos se apressem a anular-se entre si, tão contraditórios se revelarão os seus propósitos com o estado terminal de uma forma de capitalismo, ela sim responsável pela conjuntura que arregimenta os protestos inorgânicos dos que querem outro futuro e estão totalmente perdidos no rumo quanto à forma de lá chegarem...

Muros e ameias


Embora não tenha a relevância mediática, que muitos dos seus colegas jornalistas conseguem usufruir - muitos deles por se colocarem caninamente ao serviço de quem lhes paga o ordenado! - Valdemar Cruz é um dos que leio com maior interesse e de cujos textos colho maior satisfação.
Na «Expresso Curto» desta manhã ele coloca em paralelo três muros, que  constituem um dos assuntos mais pertinentes da atualidade e quase são ignorados nos telejornais quotidianos, mais interessados nos de lana caprina, hoje aparentemente muito importantes, mas dos quais já ninguém se lembra passada uma ou duas semanas.
Os três muros realçados por Valdemar Cruz são os que se ergueram na Palestina, o que tem forma marinha no Mediterrâneo e o que Trump quer mandar construir na fronteira com o México. Todos eles significam um número ininterrupto de vítimas entre os que ansiavam por vida menos amargurada e acabam mortos pelas balas dos opressores, pelo afundamento das suas precárias embarcações ou de desidratação e exaustão.
Netanyahu, Salvini ou o pato bravo de Queens são os rostos dos que insistem nos muros e ameias, que Zeca Afonso desejava ver derrubados num dos mais belos temas, que compôs e interpretou. Porque desejava a “Cidade do Homem, não do lobo, mas irmão, Capital da Alegria “. Aquela que, tida como utópica, concita os anseios de muitos de nós, realistas que somos a pedir os impossíveis.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Marcelo e Nogueira: o esforço cúmplice de devolverem a governação às direitas


Ainda ontem aqui escrevi que Marcelo está disposto a dificultar a vida ao governo socialista no ano que vem, e ainda nem passámos o réveillon e já ele deu demonstração prática das intenções sabotadoras destinadas a inviabilizar uma maioria parlamentar adversa ao seu ideário, abrindo-lhe as portas para impor a agenda de direita, que é a sua, no próximo mandato presidencial.
A reação de Mário Nogueira é exemplar quanto quem é realmente: ufanar-se da vitória numa batalha, quando é o resultado final da guerra a estar em causa. Porque não é por enfraquecer o governo socialista, que fortalecerá o seu partido, e o reverso da moeda poderá ser o regresso das direitas que, rapidamente, voltarão a congelar carreiras e a fazer cortes nas remunerações e nos direitos de quem trabalha para o Estado. Mas desconfio que, quem foi tão brevemente professor, porque se profissionalizou décadas a fio como sindicalista, pouco lhe importe o futuro dos colegas. Até porque já antevê próxima a idade de se reformar, altura em que se julgará a salvo das consequências adversas de eventuais vitórias de Pirro conseguidas nesta altura. Deveria, porém, lembrar-se de que aqueles para quem funciona como idiota útil ao facilitar-lhes inquietantes vitórias futuras, são os mesmos que previam retirar aos pensionistas os mesmos 600 milhões de euros, que ele quer agora impor como inviável custo adicional às Finanças Públicas, com uma tomada de posição cuja eventual justiça nunca deveria de ser contrabalançada com a forte possibilidade de tudo deitar a perder…
Para já fica uma certeza: o acréscimo de rendimentos, que os professores iriam conhecer a partir de janeiro com o que a lei não promulgada por Marcelo lhes propiciaria, esfuma-se com esta decisão. E deixa sempre espaço para evocar alguns provérbios populares: pode muito bem ter acontecido que prescindindo de um pássaro na mão, visando dois a voar, os professores tenham tudo perdido por tudo quererem. Até porque, para os demais cidadãos nacionais, não constituem uma classe particularmente popular por estes dias...

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Por quanto tempo perdurarão os efeitos das papas e bolos?


Através da sua habitual mediadora de mensagens no «Expresso» (Ângela Silva), Marcelo Rebelo de Sousa lamentou-se de não vir a ter tanto sossego quanto esperaria de um ano eleitoral como o de 2019, quando a assertividade do governo para com as exigências corporativas tenderia a ser maior. Como sempre Marcelo quer aparentar dizer uma coisa, mas significar realmente outra. Hábil no exercício de manipulação das mentes alheias, ele está a confirmar o que as esquerdas podem dele esperar: um intervencionismo político constante para dificultar tanto quanto possível a maioria absoluta do PS e, ainda de acréscimo dificultar uma maioria de esquerda. O que ele quis dizer foi precisamente isso: um presidente da República costuma adotar um justificado low profil nos anos eleitorais, mas avisa, desde já, não estar disposto a fazê-lo.
E, de facto, como poderia  Marcelo deixar de ser Marcelo se não vê óbice em acusar os partidos por estarem demasiado precocemente em campanha eleitoral, apesar de, desde o primeiro dia em que tomou posse ele nunca ter feito outra coisa?
De hoje, há também a referir o artigo de Rui Tavares no «Público» em que o historiador dá-nos a conhecer uma Lei, dita de Sayre, segundo a qual “em qualquer debate a intensidade dos sentimentos é inversamente proporcional à relevância dos valores em causa”. Por isso mesmo, se nos dermos ao trabalho de folhearmos jornais com dois ou três meses de atraso, constataremos facilmente quão irrelevantes se tornaram questões nessa altura tidas como de grande impacto emocional no imaginário coletivo dos seus leitores. Com Marcelo acontece muito isso: nada de importante resulta da sua multiplicação de selfies  e de abraços, nada o país ou os seus cidadãos ganham com essa permanente gestão de imagem de um presidente, que se quer fazer passar por simpático ou inteligente, e esconde na sua mente a perfídia com que ajusta as suas estratégias de acordo com a fria análise dos seus objetivos. Que são evidentes, quando ele lamenta que o orçamento não tivesse contemplado reduções de impostos para os patrões ou ameaçado vetar a Lei de Bases da Saúde se não vier a contemporizar com os lautos negócios dos interesses privados. Mas tudo aponta para que, multiplicando-se em intervenções sibilinas, Marcelo continue a enganar os tolos com substitutos das papas e bolos.

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Sobre a inexistência de dodós na economia nacional


Era uma vez uma economia recheada de génios, que abrilhantavam as capas das revistas da especialidade, e prometiam levar o país ao pelotão da frente dos mais prósperos. Como poderia não ser se alguns dos crânios eram tidos como invejados lá fora por tanta sapiência e, num dos casos, até se autoelogiava como tendo o toque de Midas, mesmo com a bancarrota à porta.
Nessa economia quem mandava nos bancos, nas telecomunicações ou nas cimenteiras eram alguns desses empresários lusos, que não desdenhavam em aparecer nas revistas sociais para que todos soubessem como tinham festas lindas, mulheres sofisticadas, vivendas de sonho e férias como mais ninguém.
A ganância falou mais alto, como sempre sucede nestas ocasiões. E os ódios também. Uns com os outros conspiraram e a digladiaram-se naquilo que, numa crónica no «Jornal de Notícias», Mariana Mortágua apelidou de autêntica guerra dos tronos. Fizeram-se e desfizeram-se OPAs, deram-se créditos absurdos a putativos aliados para que, em cada batalha, soubessem por quem terçar armas, e foi assim que, uma a uma, todas as grandes empresas nacionais caíram em mãos estrangeiras, acabando de vez com as ilusões dos crédulos na existência duma réplica do dodó: o empresário patriota, cioso dos interesses nacionais.
Nesta altura muito do crédito malparado decorre dessa deriva capitalista, que teve no cavaquismo o seu mais relevante expoente. Mas continuam a sobreviver muitos simpatizantes das direitas, que nada aprenderam com o curso acelerado de política económica, facultado nos trinta anos subsequentes à entrada na CEE. São tolos ou inocentes - é escolher qual a que melhor se lhes ajusta a cada caso! - que ainda apostam em conceitos repetidamente desmascarados como absurdos ao longo desse período. Mas podemo-nos admirar, quando parecem cada vez mais os que julgam possível retroceder cem anos e repetir as receitas de Sidónio Pais ou de Mussolini? A estupidez humana é uma realidade cuja ampla dimensão não cessa de nos surpreender.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

O esforço de quem aposta no desgaste permanente de António Costa


Há três dias, quando a arruaça dos coletes amarelos foi o que foi, Daniel Oliveira considerou que a comunicação social constituíra o motivo maior de piada nacional, por terem sido publicadas mais notícias sobre o arremedo de evento do que participantes nele comprometidos. E condenou a promoção gratuita da iniciativa lançada por um movimento inorgânico, que apenas ganhou imerecido realce por ação de “uma imprensa sedenta de mistério e modernidade”, que nem sequer questionou a sua natureza. E concluía que esses jornalistas, que nem sequer pensaram no significado do que se preparava, estarão condenados a ficar aturdidos no dia em que - esperemos que não! - um imitador de Trump ou de Balsonaro tomar o poder, só então se predispondo a perceberem como tal se revelara possível. Sem ajuizarem a sua própria responsabilidade no sucedido.
Voltei a pensar nesse artigo de opinião ao deparar-me com a mais recente sondagem da Aximage, que fez cair António Costa para índices de popularidade negativos, aí se juntado a Rui Rio e a Assunção Cristas, já que só Catarina Martins e Jerónimo de Sousa estão acima da linha de água. E até Marcelo não se safa, porque vê igualmente o mesmo indicador a cair.
Como se compreenderão estes números se a realidade social e económica do país está em franca melhoria e se não quisermos tudo explicar pelo carácter suspeito de quem faz esses estudos de opinião? Explica-o a atitude de um certo jornalismo, que arranjou o perverso argumento de ter por função denunciar o que possa estar mal na governação, porque informar do que ela vai fazendo de positivo seria «propaganda».
Esse tipo de argumento nem sequer se cinge ao jornalismo de sarjeta, porquanto o vi assumido por quem dirige órgãos de referência - caso do diretor do «Público» por exemplo—que, nem sequer coloca a hipótese de respeitar um equilíbrio entre as boas e as más notícias para o governo em nome de um sentido deontológico da objetividade. Temos, pois, uma imprensa de bota-abaixo, que, nos últimos quatro anos - já que a atitude vem do tempo das Primárias do PS -  sempre se predispôs a ataques de carácter a António Costa, quando não chegou mesmo a enveredar por tiques implicitamente racistas.
Há, igualmente, um movimento sindical, que deixou de ser justamente reivindicativo, tornando-se corporativo no pior sentido e, por isso mesmo, filiado num substrato inconscientemente salazarista e de que, as lutas dos enfermeiros, dos professores ou dos juízes ou dos magistrados são exemplo.
O jornalismo e os sindicatos não querem saber de quanto foi conseguido com este governo - a reposição de salários, pensões e direitos laborais - que pôs termo à deriva totalitária dos serventuários da troika. Como se desejassem o rápido regresso a esses tempos infaustos. E a opinião pública começa a dar sinais de se deixar por eles manipular depois de três anos a desprezar-lhes os intentos.
É certo que a mesma sondagem continua a atribuir 53,3% para os partidos da atual maioria parlamentar contra 33,4% para os da direita par(a)lamentar. Mas há que levar em conta os alertas suscitados por esta sondagem, mantendo as condições para que o rumo seguido nestes três anos não se perca.

sábado, 22 de dezembro de 2018

O patético papão da Casa Branca


Há quem veja nos mais recentes acontecimentos em torno da Administração de Trump inquietantes sinais de alarme pelo que de imprevisível pode significar deixá-la em roda livre ao sabor da famosa «intuição» do seu titular. Alguns, mais timoratos, até já o imaginam a carregar no célebre botão e a espalhar o apocalipse nuclear por todo o planeta.
Visão mais realista prognosticará o princípio do fim do tipo de populismo por ele representado. Paralisar o governo federal a pretexto de lhe não satisfazerem a birra de construir um muro na fronteira com o México, criará um tipo de caos, que se estenderá a todos os Estados, quer os litorais, mais afetos aos democratas, quer aos do interior, quase inteiramente dominados pelos republicanos. Fica a questão de saber quem terá a perder com tais consequências? Os democratas, que, em breve, passarão a dominar o Congresso, estão confiantes na negação às pretensões de Trump e as sondagens parecem dar-lhes razão. Os republicanos dividem-se: os mais radicais querem forçar uma aprovação orçamental para a qual não têm suficiente apoio em qualquer das duas câmaras, enquanto os demais receiam que o chão lhes escape debaixo dos pés. Não é difícil perceber que o jogo de forças tenderá a quebrar pelo seu lado.
Já a demissão do Secretário da Defesa, Jim Mattis, enfraquece significativamente a NATO cujos membros deparam-se com a quebra de confiança na superpotência que os tutelava. Para quem defende o fim da organização - porventura substituindo-a por uma outra, apenas cingida aos países europeus, que a ela queiram aderir! -, a notícia é animadora. Como o é para Putin, que vê menos perigado o ininterrupto assalto à fortaleza russa, tal qual se vinha repetindo desde a queda do Muro de Berlim. Os filonazis ucranianos, que se cuidem!
Pode-se lamentar a desdita dos curdos (mas não seria de admirar que viessem, em breve, a negociar a paz com Bashar al Assad, em troca do reconhecimento da sua autonomia regional!) ou dos afegãos, devolvidos ao fanatismo dos talibãs. Mas as consequências para o próprio Trump prometem vir a ser drásticas: cientes de ele lhes trazer um ónus demasiado arriscado, fazendo-os perder muito mais do que com ele julgaram ganhar, serão os republicanos a, intimamente, desejarem a impugnação, esperançados em que uma breve Administração Pence os ajude a colar os cacos para trás deixados pelo antecessor.
Daqui a um ano, quando se proceder ao balanço dos acontecimentos dos doze meses anteriores, será bem possível que Trump seja notícia por ter sido o primeiro presidente, desde 1868, a perder o cargo num processo de impeachment.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Enquanto uns desabafam o país continua a avançar


A notícia do dia é a do superavit nas finanças públicas nacionais, que confirmará um défice final menor do que 0,7%, ou seja reiterando-se a regra de o governo começar o ano por estabelecer metas, que acaba por superar. Mas vale, igualmente, a pena sublinhar a entrega das primeiras habitações aos antigos moradores no Bairro da Jamaica, aqui no Fogueteiro, e que elucida bem a importância conferida pela autarquia e pelo governo ao direito dos mais pobres a viverem numa casa digna. A presença de António Costa a oficializar essa entrega, juntamente com o presidente da Câmara do Seixal, só não foi perfeita, porque nas costas do primeiro-ministro surgiram uns camaleões - não sãos os que estão nesta fotografia! - que dele disseram pior que Maomé do toucinho, aquando das primárias, que o consagraria como líder socialista, e agora se lhe colam a ver se mantém as mordomias, que nunca têm escrúpulo em para si reivindicarem. (Eu sou dos que não esqueço a agressividade com que destrataram os que, então, defendiam, e continuam a defender António Costa!)
Quanto à arruaça matinal, quem dela se lembrará daqui a uns dias? Apenas os que, a esta hora, andam as lamber as feridas, queixando-se, quais calimeros, de não serem compreendidos pela generalidade da população, que todas as sondagens confirmam estarem satisfeitas com a atual maioria parlamentar, e se preparam para lhe validar a confiança.
Avultam, igualmente, as redações dos telejornais que fizeram do caso matéria relevante quando a sensatez mandaria que o ignorassem: é que, não conseguindo parar Portugal, ele teve o efeito paradoxal de contar durante excessivas horas com injustificada atenção mediática. É que desabafos - como os que se ouviram aos hepáticos entrevistados! - não são, de facto, matéria noticiosa.
Lembrando uma cantilena com muitos anos, o que prometia ser um elefante capaz de incomodar muita gente - quiçá dois ou três, que incomodariam muito mais! -, acabaram por ser alguns grupúsculos de mosquitos chatos, daqueles que dá vontade de esborrachá-los com eficiente mata-moscas...

Cães e caravanas, festinhas e festões, com desertos à mistura


Como aqui defendi, desde que se começou a conhecer a notícia, a arruaça desta manhã não passou disso mesmo. Por muito que desejássemos, que a maioria dos nossos concidadãos mostrassem um mínimo de inteligência, temos sempre de contar com uns quantos idiotas, sempre dispostos a demonstrar-nos os limites da mente humana. É que, quem se deu à pachorra - e foi preciso muita! - para ver as reportagens televisivas do sucedido constatou em cada um dos entrevistados uma indigência mental confrangedora.
Falhou rotundamente - e o uso da palavra faz todo o sentido dada a localização de muitos dos pífios protestos! - a campanha das televisões para que eles tivessem alguma expressão. Pela amostragem compreendeu-se que, de norte a sul, não são mais do que umas centenas os que gostariam de ver o país regredir meio século para formatar a realidade de acordo com  as características de uma ditadura. Como de costume os entusiásticos apoios nas redes sociais esfumam-se, quando é hora de dar o corpo ao manifesto. Não será difícil adivinhar o tom de despeito que, nos próximos dias, revelarão, nas redes sociais, os que julgavam alavancar-se para destinos, que afinal não serão os seus. O «povo português», que eles diziam representar, e em cujo levantamento apostavam, bem pode segurar-se às orelhas, porque vai ouvir das boas pela sua suposta cobardia. Mas, numa altura em que o próprio Rui Rio decidiu competir com Jerónimo de Sousa no recurso à sabedoria popular, faz todo o sentido considerar que os cães ladraram e a caravana passou...
Apenas se pode ver um aspeto positivo na arruaça: serviu de simulacro para testar a capacidade policial de conter ameaças de perturbação à ordem pública. E, como não há festinha nem festão para que não se esqueça de se fazer convidada a Dona Assunção, lá a tivemos a colar-se, sem pinga de vergonha, às tolas premissas dos que sabia serem maioritariamente seus eleitores.
Para os que hoje despiram o colete, meio agónicos com tão súbita azia, resta-nos adotar branduras natalícias e desejar-lhes que as fatias douradas e as azevias lhes aliviem a amargura de se saberem vozes dispersas a clamarem no deserto da sua irrelevância.