quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Um debate para as direitas voltarem a demonstrar estéril indigência


Primeiro dia de debate do programa do governo e é caso para dizer que não houve surpresas: comparado com os opositores das direitas António Costa estabelece uma tal diferença no argumentário e na convicção, que eles fazem figura de meninos e meninas com avidez de protagonismo, mas sem mérito, nem retórica para que justifiquem o tempo com eles despendido.
Como se previa Rui Rio partiu para um ataque cerrado, que Ana Catarina Mendes muito apropriadamente sublinharia como demagógico, mas foi do género de quem julgava ir à tosquia e saiu tosquiado: não só foi-lhe lembrado que a concessão de lítio, pela qual quis pôr em causa João Galamba, fora atribuída pelo então ministro Álvaro dos Pastéis de Nata, como também o lançamento da primeira pedra para a ampliação do Hospital de São João tivera como protagonista Passos Coelho. O estoque final foi quando, a propósito das PPP’s para os hospitais públicos, se recordou terem sido os concessionários privados a não quererem a renovação dos contratos, quando tal lhes foi proposto.
Sem desprimor para as louras verdadeiras, Cecília Meireles aproximou-se da caricatura das que deram ensejo a tantas anedotas: por muito que lhe tenham sido endereçadas já tantas explicações, continua a não querer compreender que máxima receita fiscal não quer dizer maior carga fiscal para os portugueses. Pelo contrário quase todos já sentiram o garrote deixado por Vítor Gaspar a aliviar-se na legislatura anterior e têm justificadas expetativas em que assim continue a ser na atual. Porém, foi difícil fixarmos a atenção no que dizia a líder parlamentar do partido do táxi, quando era tão evidente a expressão facial abatida da ex-candidata a primeira-ministra ao seu lado.
O facho Ventura também esteve à altura do que dele poderíamos esperar com um discurso, que pretendia ser irónico e saiu completamente parvo, senão mesmo ignorante. Porque António Costa teve de lhe fazer o desenho sobre o significado de progressividade fiscal, em nada coincidente com aumento de impostos.
Quanto ao duplo do psicopata ultraliberal também nada de novo: optou pelo choradinho da vítima incompreendida e só deu oportunidade a António Costa para dar forte ferroada à bancada ao lado: ele representaria uma corrente ideológica, que na bancada ao lado continua disfarçada sob falsas vestes sociais-democratas.
Sobre os partidos com quem o governo conta preferencialmente para discutirem e secundarem a implementação das estratégias para os próximos anos, há a registar a assertividade de parte a parte demonstrando-se que a maioria parlamentar anterior tem todas as condições para se repetir. O que vai ao encontro da vontade dos eleitores manifestada em 6 de outubro.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Como nos vão querendo desinformar


O «Público» anda a exagerar da paciência dos que ainda vão nele gastando uns trocos para se irem informando. Porque a expetativa de tal suceder vai-se esboroando completamente com a linha editorial definida por Manuel Carvalho, cada vez mais orientada para a direita e a extrema-direita.

Olhemos para os comentadores da edição de hoje. Paulo Rangel aborda a exagerada dimensão do elenco governativo demonstrando que é mais um daqueles para quem o tamanho conta, tanto mais que se sabe diminuta a sua altura e inteligência. Paulo Morais volta pela bimilionésima vez ao tema da corrupção sobre a qual assentou a tentativa de protagonismo público sem haver quem lhe dê peva. O presidente do grupo Mello Saúde discorre sobre as políticas para o setor com a «objetividade» esperada de quem quer ver o SNS implodir para garantir maiores lucros nos seus hospitais e clínicas. O deputado do partido do psicopata afiança não o motivar o despeito pelo despedimento do cargo de presidente do Turismo de Portugal (para que fora convidado por Adolfo Mesquita Nunes do CDS), mas a vontade de tudo privatizar desde a RTP à Caixa Geral de Depósitos com a água pelo meio (se os «estudos» em curso o convencerem de tão promissora »benesse para o interesse público»). E sobra o estrambólico Tavares, com sinecura garantida na última página, a debruçar-se sobre a saia do assessor da deputada do Livre.
Em suma: na política nacional estamos conversados sobre quanto o que o «Público» nos desinforma.
Resta a política internacional onde é difícil contornar o que vai sendo a catadupa de notícias promissoras para a forma como o mundo vai andando: se é certo que o fascista Salvini ainda vai conseguindo algum sucesso, ganhando a eleição regional na Umbria, na Argentina temos de congratularmo-nos com a vitória dos Fernandez, com o novo presidente a exigir a libertação de Lula para óbvia irritação do jagunço brasileiro. Ainda na América Latina na sucursal do imperialismo norte-americano na região - a Colômbia - o partido no poder sofreu copiosa derrota nas autárquicas, sendo particularmente saudada a vitória da senadora ecologista em Bogotá e de um ex-guerilheiro das Farc em Turbaco.
A notícia que, porém, dá maior satisfação é a do peralvilho da Casa Branca ter ido assistir ao jogo de basebol entre os Washington Nationals e os Houston Rockets: julgando-se fadado a grande ovação pela morte do líder do Daesh, anunciada na véspera, viu-se prendado com monumental vaia e gritos de «Lock him up!» («Prendam-no!») numa oportuna adaptação do que os seus apoiantes guinchavam contra Hillary Clinton na campanha eleitoral.
Por muito que nos possam assaltar algumas dúvidas nos momentos mais agrestes, a verdade é que o mundo pula e avança tal qual enunciava António Gedeão num dos seus poemas.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Uma segunda-feira com começos vários


Esta é a semana de vários começos. Primeiro que tudo o do governo acabado de empossar e já com tanto para fazer. Porque as necessidades são muitas em vários setores da vida económica e social do país e quatro anos foram poucos para devolver aos portugueses a esperança e a confiança sonegadas pelos traumas causados pela troika e por quem apostava em ir ainda além de quanto ela exigia.
Em Santarém António Costa reafirmou não ter qualquer intenção em ziguezaguear. Para ele as alianças são óbvias! Estamos num país demasiado desigual e só com as esquerdas será possível corrigir esse indecoroso abismo entre quem continua a ter quase tudo e quem vê acabar o mês cedo demais para quanto recebe de ordenado ou de pensão.
Alguma vez se condoerão as direitas com esse cenário? Claro que não. Seria como pedir ao escorpião que evitasse morder as costas da rã que o transporta através do lago. Muito embora continuem a iludir imensa gente, que deveria escusar-se de nelas ver qualquer vantagem em apoiar. Só uma comunicação social distorcida quanto às prioridades da sua agenda editorial  e uma igreja, que nem o Papa Francisco conseguirá desviar da condição de muleta essencial para que tudo fique como está, justificam a sua força eleitoral. Trinta e cinco por cento ainda é demasiado para um país que conta muito menos privilegiados do que esse favorecimento das direitas pressupõe. Mas o que fazer quando a edição de hoje do «Público» insere não só meia página com os dislates do sujeito com ares de psicopata, que quer tudo privatizar e quase acabar com as instituições do Estado, como dá duas páginas ao fascista-mor sentado na extrema-direita do Parlamento?
Um segundo começo é o do interrogatório de José Sócrates pelo juiz Ivo Rosa. O Ministério Público já está em postura defensiva a enviar para a bancada (Tribunal da Relação) vários pedidos de ajuda, porque sabe quão enviesados foram os métodos com que procurou provar uma tese para que lhe minguam as provas. O julgamento da Operação Marquês muito definirá sobre o que será o futuro da Justiça e da investigação em Portugal. Porque ou se enfia a cabeça na areia para permitir que os procuradores andem em roda livre, ao sabor dos seus preconceitos e preferências ideológicas. sem o escrutínio de quem quer que seja, ou voltam a prevalecer valores tão essenciais como a presunção da inocência de qualquer arguido até à decisão dos tribunais ou o fim da sórdida promiscuidade entre o Ministério Público e algum jornalismo de sarjeta.
Sobram outros começos na América Latina: depois dos recuos de Piñera e de Moreno em toda a linha. respetivamente no Chile e no Equador, somados às vitórias dos Fernandez e de Morales na Argentina e na Bolívia, Bolsonaro sentiria o chão a tornar-se ainda mais instável debaixo dos pés se a incurável burrice o deixasse ver mais do que dois palmos à frente do nariz.

domingo, 27 de outubro de 2019

Sobre a questão da falta de médicos


Esta foi a semana em que vimos o bastonário da Ordem dos Médicos revelar invulgar humildade ao pedir desculpa aos portugueses pelo disfuncionamento da sua instituição, particularmente denunciado na tragédia vivida pelos pais do bebé de Setúbal, nascido com malformações ignoradas em sucessivas ecografias.
Estávamos tão habituados a ver Miguel Guimarães nas notícias a dizer cobras e lagartos do Serviço Nacional de Saúde, que um breve parêntesis nessa costumada atitude suscitou-nos natural atenção. E o parêntesis pareceu tão curto, porque feito o ato de contrição logo ele, na mesmíssima intervenção, veio acusar outros responsáveis públicos de modo a sentir menos pesada a carga da culpa nos ombros.
Há, porém, outra responsabilidade a atribuir à Ordem desde há várias décadas e, infelizmente comum a todas as instituições similares por toda a Europa: a tentativa de conservar a natureza elitista da classe médica, restringindo tanto quanto possível o acesso a ela aos muitos jovens vocacionados para exerce-la, mas disso impedidos por obstáculos do tipo numerus clausus.
Os dirigentes das classes médicas cuidaram de manter exígua a sua dimensão para que não ficassem em causa os proventos e o estatuto social. Agora chega-se à constatação que, por toda a Europa, faltam médicos e se sabe estarmos ainda longe da fase mais aguda de tal crise. É que, nos próximos anos, vai-se reformar percentagem substancial dos médicos generalistas do continente e não haverá quem os substitua.
Se a situação é grave em Portugal, apesar de ser o terceiro país europeu com mais médicos por 100 mil habitantes, imaginem-se agora as carências nos demais parceiros da União. Na Suécia, por exemplo, há grávidas que têm de se deslocar mais de cem quilómetros para serem assistidas no parto, acontecendo eles ocorrerem no percurso. Na Alemanha há vastas regiões sem médico pelo que se adaptam autocarros a clínicas gerais ambulantes, movimentadas de terra em terra para assistirem quarenta ou cinquenta pacientes diários. Na Roménia os médicos zarparam para os países ricos do norte da Europa - que minimizam dessa forma as carências! - tornando muito difícil o direito da população aos serviços de saúde.
A situação assume dimensão tão calamitosa, que exigir-se-ia um programa europeu para resolver o caso. Porque imaginemos que a Ordem dos Médicos, os Sindicatos e as Faculdades de Medicina acordariam com o novo governo uma estratégia para formar um número significativamente mais elevado de profissionais. Quem nos garantiria que, tão-só dotados das necessárias competências eles não seriam atraídos pela Alemanha, pela Escandinávia ou por outros horizontes geográficos, que cá viessem vampirizar o investimento feito em tal intenção?  Eis, pois, uma boa matéria para a próxima Comissão fazer o que se torna tão necessário em vez de se limitar ao papel de marioneta dos muitos e sinistros lobbies radicados em Bruxelas...

sábado, 26 de outubro de 2019

Reiniciar tudo de novo


Não é preciso fazer grande exercício de imaginação para contornar a dificuldade de não conhecer ninguém nessa situação: de entre os funcionários agora despedidos pelo CDS como consequência prática dos resultados de 6 de outubro haverá um jovem particularmente atarantado com o que lhe caiu em cima. Chamemos-lhe, por exemplo, Dinis ou Sara, que valem para os tempos atuais o que era no meu tempo o João ou a Maria.

Aluno não muito brilhante terá conseguido um mestrado, ou mesmo uma licenciatura, numa das universidades privadas porque a família, endinheirada, assim o terá decidido por uma questão de princípio.
De canudo na mão e analisado o mercado do trabalho, não muito assertivo para com as medianas habilitações, ter-lhe-á surgido a oportunidade de um contrato no partido sedeado no Largo do Caldas, o que vinha mesmo a calhar por ser o da preferência familiar.
O entusiasmo cresceu com o bom desempenho das tarefas pedidas e receber as atenções daqueles políticos, que costumava ver na televisão. Por isso nenhuma preocupação lhe assistiu quando, na altura das campanhas, não se olhavam para as horas trabalhadas. Até porque essa história dos horários de trabalho era mais coisa de sindicatos, que tanta repugnância lhe causavam.
Quando a líder conseguiu um grande resultado nas autárquicas a euforia foi inevitável. O patrão era o partido que, muito em breve, teria à frente a futura primeira-ministra. O salário por certo aumentaria e até seria provável a requisição para uma qualquer função, senão de assessoria ou consultoria, pelo menos de funcionário de um dos ministérios. A transição para a função pública constituiria o desígnio mais ansiado, porque daria a segurança para, enfim, casar e constituir a própria tribo.
Verão adentro as coisas começaram a virar para o torto. As noites mal dormidas cavaram olheiras à medida que as sondagens tornavam previsível o desastre.
Quando aconteceu já nem sequer reação suscitou. Apenas a confirmação da tristeza, que se ia resvalando para a depressão.
Nessa noite, ao regressar a casa, já adivinhava o que lhe confirmariam na semana seguinte: tornara-se dispensável devido ao corte abrupto nas receitas. Ao sair pela última vez do sítio onde passara os anos mais recentes nem o consolo do cheque no bolso lhe serviu de paliativo. Compreendeu que voltava a ter tudo por reiniciar...

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Fala-se de lobos, de gatos e até do mítico John Holmes


Iniciou-se a nova legislatura com as primeiras sessões, ainda protocolares, para reeleger Ferro Rodrigues e resolver outras minudências associadas à circunstância. Deu contudo para ouvir Rui Rio proferir um vaticínio, que as televisões trataram logo de empolar: o governo não durará quatro anos.
No fundo Rio repete, mesmo que com menos ênfase, o que Passos Coelho disse há quase quatro anos. Depois foi o que se viu! Razão bastante para os portugueses começarem a olhar para o PSD  (independentemente de quem o lidera!) com o tal Pedro (não o outro!), que tanto dizia vir aí o lobo, que nele não acreditaram mesmo quando estava a falar verdade.
Se tivéssemos ficado por aí  não viria grande mal ao mundo. O pior é ter ouvido entrevistas com alguns dos novos parlamentares, que vêm imbuídos de um anticomunismo tacanho. Num caso - o da Roseta Jr. - a perorar sobre quanto ficara traumatizada no longínquo dia em que os papás ficaram ali aprisionados durante umas horas devido a uma manifestação. No outro, com o ultraneoliberal a desejar desconhecer certos corredores do palácio de São Bento onde decerto teme encontrar vermelhos furiosos com a faca pronta a cortá-lo às postas. Do facho, mesmo facho, não tive paciência para ouvir as parvoíces, utilizando atempadamente o zapping antes que a sua inépcia crónica me chegasse aos ouvidos.
Houve ainda um aspeto em que o conjunto das direitas e os comentadores a elas afeiçoados convergem: para elas e para eles o tamanho conta! Olá se conta! Apanha-se um jornalista à mão e é vê-los repetir vezes sem conta a ladainha da dimensão do governo. Quase parecíamos estar perante uma cena de algum filme protagonizado pelo mítico John Holmes!
É claro que ninguém refere os desafios a superar com a iminência do semestre português a presidir à União Europeia e o quanto os ministros e os secretários de estado têm de se dividir entre a agenda interna e a dos 27. Mas, sobretudo, nenhum dos que manifestaram preocupação com a volumetria do governo quis lembrar o sábio conselho de Deng Xiaoping, quando afastou os maoístas mais intrépidos da Revolução Chinesa e referiu que, seja branco, ou seja preto, o que se pretende de um gato é que cace ratos. Da mesma maneira pode-se considerar que, seja qual for a sua dimensão, o que importa é ver o governo fazer ainda mais e melhor do que o anterior.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Falsos sebastiões e novos profetas do tal Diabo



O outono ainda nem a meio chegou e, mesmo sem nevoeiros dignos de nota, já alguns falsos sebastiões aparecem a proclamar legitimidades como se acabados de desembarcar de Alcácer-Quibir. Quem antecipasse algum comedimento dos donos do Pingo Doce depois da morte do seu execrável patriarca, a resposta consubstanciou-se na convocação do beócio Crato para gastar vinte milhões de euros num confuso programa para a deseducação das nossas criancinhas. Derrotado no modelo antipedagógico, que procurou aplicar enquanto foi ministro de Passos Coelho, o Crato e os seus patrões não desistiram de o levar por diante, por ser aquele que melhor se adequaria aos seus objetivos ultraconservadores. Quando julgávamos o Crato já morto e enterrado qual menino de sua mãe (capitalista) ei-lo todo pimpão a dizer-se presente numa realidade para que o julgávamos definitivamente remetido para o mui conhecido caixote do lixo.
A CIP cuidou de convidar Durão Barroso, outro poltrão, armado em neoprofeta de um capitalismo aceitável, quiçá ainda alimentando a esperança de, depois de tanto ter contribuído para o crepúsculo da União Europeia, ao torná-la subserviente pajem dos oligopólios financeiros (um dos quais lhe paga agora o lauto ordenado!), ainda pretenda aspirar à sucessão de Marcelo. Não é hipótese fora do baralho: veremos os patrões da CIP e das demais confederações patronais a promoverem este convidado através dos seus jornais, rádios e televisões para que, depois da múmia de Boliqueime e do selfieman, tenhamos que gramar com o arrependido do maoísmo rapidamente reciclado no mais fanático dos neoliberais?  Vade retro!
Igualmente convocado para essa farra patronal, travestida em forma de «Congresso», Marcelo deve ter-se visto às aranhas para dizer alguma coisa, que lhe valesse alguma atenção na comunicação social, já que a irrelevância da função tem-se avolumado nos meses mais recentes. Vai daí, e porque ouviu essa coisa bizarra de associar capitalismo e mudança de alguma coisa (para que tudo fique na mesma, acrescentaria o príncipe Salina de «O Leopardo»), resolveu resgatar das calendas o discurso do Diabo, mesmo dando-lhe aparência um bocadinho diferente. Mas as foram as de atrás de tempos, tempos vêm, piores tempos hão-de-vir. E assim se vê que o inquilino de Belém só consegue ser igual a si mesmo: por muito que quisesse vestir outra capa é a do filho e afilhado de quem é, que acaba por vir inevitavelmente à superfície.