sábado, 31 de agosto de 2019

Uma fútil questão de orgulho ferido?


Sou insuspeito quanto ao apoio a José Sócrates sobre quem aguardo que sejam apresentadas em tribunal as provas, supostamente detidas pelo Ministério Público e habilidosamente selecionadas fora do contexto geral para serem divulgadas no pasquim da Cofina na intenção de concretizar na opinião pública uma sentença condenatória que os factos dificilmente viabilizarão.  Continuo convencido que, a exemplo do sucedido com  outros dirigentes mundiais conotados com a esquerda (Lula no Brasil, Correa no Equador, só para referenciar dois casos de exemplar injustiça!), Sócrates foi um dos visados por uma qualquer orientação clandestina, mas com grande influência nos sistemas judiciais de vários países, para infletir à direita o poder político que à esquerda tenderia a consolidar-se.
É, igualmente, conhecida a tendência do ex-primeiro-ministro para reações a quente, que ganhariam em ser refreadas pelo uso inteligente da racionalidade. Ora o texto, por ele subscrito no «Expresso» deste fim-de-semana, demonstra a pulsão para o acessório em detrimento do essencial. Embora peque por excesso de ego, Sócrates deveria ter em conta que não é ele quem mais importa ao país por muito que se julgue injustiçado por um partido, que não o terá defendido tanto quanto teria pretendido.
Lamentem-se as suas penas, mas reconheça-se que para o Partido Socialista, a ter-se posto inequivocamente a seu favor - contra a imprensa e o referido aparelho judicial - estes quatro anos não teriam decorrido como até aqui. Não daria provas irrefutáveis de contar com a liderança mais capaz para corresponder aos problemas imediatos dos portugueses, melhorando-lhes os rendimentos e preparando o terreno para, mais solidamente, avançar com o investimento nos serviços públicos nos próximos anos. Como teria sido possível com os telejornais e os pasquins da imprensa escrita a repetirem até à exaustão as mesmas mentiras associando-as a um governo incapaz de responder a todos os múltiplos ataques que viessem das mais variadas direções?
Ademais se José Sócrates está convencido da sua inocência é com um governo socialista, que melhores condições disporá para o demonstrar, porquanto tal lhe seria vedado com um que fosse mero cúmplice dos que cuidaram de arranjar argumentos para o difamar. Conceda-se que os putativos criadores do caso Sócrates estariam muito mais à vontade para prosseguirem na sua narrativa se contassem com a condescendência ativa de Joana Marques Vidal.
Enquanto seu apoiante, enquanto militou no Partido, continuo esperançado de que seja desmascarada a urdidura tecida por Carlos Alexandre, Rosário Fernandes e Paulo Silva. Daí que custe vê-lo dar tal tiro no pé por uma fútil questão de orgulho. Porque faz pensar se quebrou duradouro silêncio por saber ser esta a altura propícia para avançar com uma vingança mesquinha contra quem pôs o interesse do país e do partido à frente do de uma amizade partidária, Se assim foi, e sem excluir que continuem a subsistir motivos para admirar o homem político, não se abona nada em favor do que hoje ele é.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

A propósito de amizades e casamentos


Continua por aí um enorme alarido sobre as críticas feitas por António Costa ao Bloco de Esquerda, que justificou a absurda tomada de posição de Rui Rio como putativo provedor dos interesses do partido de Catarina Martins.
Fazendo votos para que uma falácia repetida mil vezes venha a converter-se num inquestionável axioma, os telejornais repetem-na incessantemente para desqualificarem a personalidade do primeiro-ministro. No fundo uma remake do que se viu cinco anos atrás, quando da disputa entre ele e Seguro para o cargo de secretário-geral e que foi objeto de desprezo pelos eleitores, que deram ao futuro primeiro-ministro uma merecida e convincente vitória. As direitas são assim: mesmo quando as suas táticas e estratégias falham não encontram outra solução que não seja repeti-las porque a imaginação e o saber não lhes dão para mais.
A entrevista à TVI serviu, porém, para que António Costa desse o devido troco a essa obsessiva abordagem: para além dos estarolas das direitas, todos os dias Catarina Martins e Jerónimo de Sousa criticam o Partido Socialista sem que isso constitua motivo de escândalo para esses órgãos de desinformação audiovisual. Porque não terá o PS o direito de proceder de igual modo apontando-lhes o que é motivo de divergência? As declarações políticas dos líderes do Bloco e do PCP dão razão ao entrevistado, quando justifica a impossibilidade de com eles contar para um futuro governo, preferindo uma solução como a implementada nesta legislatura. Porque, de facto, mais vale uma boa amizade do que um mau casamento...

Não há mal que lhes não venha


Um dos poemas de Camões que mais frequentemente encontra eco nos acontecimentos contemporâneos é aquele que começa com Perdigão perdeu a pena/ Não há mal que lhe não venha. Com assombrosa regularidade lá vão surgindo sucessivos Perdigões que aspiram a alto lugar mas acabam por perder a pena do voar e ganham a pena do tormento.
Embora dias atrás tenha prometido calar-me a propósito de Pardal Henriques a notícia da intenção do Ministério Público em mandar extinguir o sindicato dos motoristas de matérias perigosas conjuga-se com a investigação em curso em relação a algumas burlas em pretéritas negociatas e à ponderação da Ordem dos Advogados quanto a continuar a reconhecê-lo entre os seus face a grosseiras violações ao seu código deontológico.
É caso para considerar que Pardal não tem no ar nem no vento/asas com que se sustenha. Manifestamente encontra-se como o célebre cortesão, objeto do malicioso poema de Camões: Não há mal que lhe não venha.
No meio dessa história tão infeliz para o sindicalismo nacional só surpreende a tenaz defesa que o Bloco de Esquerda continua a fazer do oportunista. Nem sequer a evidência de se ter dado como associado de um sindicato de motoristas sem nunca ter pegado no volante de um camião - critério mais do que legítimo para pôr em causa a sua criação! - consegue dissuadir as manas Mortáguas ou Catarina Martins do lamentável desempenho que persistem em cumprir em prol de quem nunca foi, nem alguma vez será de esquerda. O discurso de Pardal Henriques tem o cheiro a naftalina exalado das palavras de Marine Le Pen quando se mascara de porta-voz dos interesses operários. Será que, a exemplo de Melanchon, à frente de La France Insoumise, as dirigentes bloquistas parecem mais próximas de associarem-se aos discursos de extrema-direita do que aos socialistas contra quem apontam armas nas mais controversas situações?
Outro Perdigão, que se arrisca a perder as penas é Boris Johnson com a habilidade de convencer a rainha a suspender o Parlamento para que se travem as discussões parlamentares sobre as condições de implementação do Brexit. Iludido no sonho americano prometido por Donald Trump, procura traduzir os sonhos em realidade até por só contar com a maioria de um único deputado. O escândalo está a assumir tal dimensão, que a golpada pode conhecer um efeito de ricochete e despojar de penas as asas com que ambicionaria planar até 31 de outubro.
E concluamos com outro Perdigão, que quis voar mais alto fazendo cair o governo, que integrava, e vê-se agora remetido para a Oposição ao novo governo italiano, que só tem de ser inteligente o bastante para pôr Salvini a voar muito rasteirinho.
Estes três Perdigões estão a ver-se desasados, arriscando-se a morrerem depenados. Porque se de queixumes se socorrerem, mais lenha verão atiçar-se na fogueira, não havendo mal que lhes não venha.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Entre a malvadez e a mediocridade


Os últimos dias têm sido de algum alheamento da realidade à nossa volta tendo em conta os benefícios colhidos num demasiado breve interlúdio «holandês». (Há lá tempo que baste para avós, que só usufruem a presença das netas algumas semanas por ano?) Ainda assim a atenção vem sendo cativada pelo crime ambiental na Amazónia, que só demonstra o já muito sabido: a mentalidade fascista consegue sempre superar as barreiras éticas, que julgaríamos intransponíveis. O povo brasileiro estava avisado sobre o que Bolsonaro lhes prometia e ele consegue ser ainda bem pior do que essa promessa de contínua barbárie. Como avançava um post nas redes sociais se a Amazónia é o pulmão da Humanidade, Bolsonaro consegue ser o intestino grosso. E, no entanto, não faltam opinadores televisivos e da imprensa escrita a debitarem bitaites relativizadores dos atos do energúmeno. A exemplo de Macron façamos votos para que o Brasil tenha um presidente respeitável no mais curto prazo de tempo, porque este será sempre recordado como um velhaco.
Em dimensão mais mitigada, mas igualmente inserida na categoria da infâmia, estão as reações de Rui Rio e David Justino em relação ao artigo do «Financial Times», que elogia a governação de António Costa e os resultados conseguidos pela maioria parlamentar nestes últimos quatro anos. Infelizmente um e outro têm desmentido a imagem impoluta de gente séria, que tinham construído anteriormente e se desmascara com tal fragor. Porque Rio e Justino sentem-se na obrigação de tudo criticar, como se vivêssemos no pior dos mundos possíveis. Não pretenderíamos que imitassem o Pangloss voltairiano, que em tudo via motivo de otimismo, mas far-lhe-ia bem alguma moderação porque, desta forma, tornam-se absolutamente incredíveis.
Há até uma grosseira infantilidade nas reações de ambos porque, neste caso, em concreto, replicam aqueles miúdos amuados da escola primária por ter sido o colega o merecedor dos elogios da professora. Quanto a Assunção Cristas verifica-se o que já é seu timbre: quando não lhe sobra imaginação para mais limita-se a replicar os falsos argumentos que melhor lhe convenham.
Se Bolsonaro consegue surpreender pela quotidiana malvadez, a direita lusa não se exime de uma incurável mediocridade...

domingo, 25 de agosto de 2019

O merecido crepúsculo dos seguidores de um deus menor


Andávamos tão descansados com a reduzida poluição sonora proveniente de Assunção Cristas - há muitas semanas desaparecida em combates, que só ela sabe quais são! -, quando um despacho do Ministério da Educação, criado para acautelar duzentas crianças transgénero do bullying  e de outras manifestações de preconceito, agitou os inquilinos do Largo do Caldas finalmente entusiasmados por terem suposta coisa substantiva a apontar contra o governo. A fanática cruzada depressa se organizou na expetativa de resgatar a posse do Templo da “Democracia” aos detestados hereges socialistas.
A argumentação não terá sido fácil de elaborar mas, com a ajuda de desonesta truncagem do despacho governamental, até se arranjou texto para uma petição que dá a entender a iminente transformação das casas de banho escolares em promíscuos espaços mistos. E acrescentaram a superlativa demonstração da beatice ao invocarem Deus como criador exclusivo de homens e mulheres, transformando todos os casos não enquadráveis na sua quadrada formatação de pensamento em diabólicas aberrações.
Incapaz de apresentar propostas merecedoras de crédito num eleitorado, que tende a desprezá-lo, o CDS apressa-se a cooptar as mais desprezíveis táticas e conceções ultraconservadoras, despindo a capa centrista em que nunca se incluiu, mas se quis disfarçar, porventura julgando ter futuro na imitação dos Orbans, Salvinis ou Kaczyńskis.
Merecidamente está fadado para voltar a ser o partido do táxi.

sábado, 24 de agosto de 2019

Piedade para as mulheres de cá e de muito além


Podemos e devemos indignarmo-nos com os energúmenos que continuam a agredir, a violar e a assassinar mulheres portuguesas. No caso da rapariga do Seixal, que o ex-namorado raptou em Barcelona e trouxe de volta para mantê-la escrava dos seus ditames de alucinado patrão, só podemos congratularmo-nos com o desfecho positivo e a colocação do canalha em prisão preventiva fazendo votos para que a mão da Justiça lhe caia pesadamente em cima.
Já distante parece-nos o sofrimento das mulheres rohingya acolhidas em campos de refugiados no Bangladesh. Os repórteres do programa Arte Reportage foram encontra-las num cenário tenebroso: violadas repetidamente pelos militares birmaneses e milicianos budistas, depois de terem assistido ao assassinato de maridos e filhos, vivem escondidas, enclausuradas dentro de uma vergonha, que não consegue ser transformada em revolta ativa contra quem tão cruelmente as violentou.
O peso da cultura cinge-as a essa passiva e silenciosa atitude tanto mais que os familiares sobreviventes repudiam-nas como se tivessem podido impedir o triste destino, sobretudo as que deram à luz crianças fisionomicamente indisfarçáveis quanto aos traços dos brutais progenitores.
No meio dessas tragédias surgem sempre exceções e uma delas é Solima: ostracizada com o filho está disposta a tudo e todos enfrentar, porque o instinto de proteção pela cria acaba por ser mais forte do que todo o sofrimento, que possa recordar-lhe.
Se as portuguesas agredidas pelos crápulas com quem tiveram a desdita de se cruzar merecem atitude firme da sociedade para as proteger, castigando exemplarmente os algozes, as mulheres rohingyas, bem deveriam ser o foco de uma estratégia internacional apostada na recuperação dos danos psicológicos a que foram e continuam a ser sujeitas. Infelizmente nenhuma instância parece interessar-se pela sua desventura...