sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Um cadáver que não quer aceitar que o é

 

Curiosamente os últimos dias têm sido pródigos em declarações de gente de direita, que anuncia a morte da liderança de Luis Montenegro à frente do PSD, mesmo esbracejando para iludir-se com a sua inútil resistência.

Nos jornais de Ponta Delgada pôde ler-se Mota Amaral a constatar o quão ridícula foi a tentativa de o ver associar-se à pífia vitória de Miguel Albuquerque: “Não me recordo de ter havido em anteriores noites eleitorais, no Funchal, lideres partidários nacionais, acompanhados de outros dirigentes do mesmo nível, pondo-se em bicos de pés para aparecem na televisão, fazendo declarações políticas sobre os resultados e com antecipação sobre os líderes regionais”.

Mais corrosivo foi o texto de João Miguel Tavares no «Público» de ontem, decerto movido pela intenção de facilitar o sebastiânico regresso de quem poderá entoar aleluias e hossanas se o ver de regresso da passagem pelo deserto a que ainda se entrega:  “a sua intervenção na noite das eleições foi descrita pelo Observador — insuspeito de andar a fazer fretes ao PS — como “um veado encadeado pela luz dos faróis de um carro”. Luís Montenegro mostrou ali o estofo da sua liderança: deixou-se encurralar pelos jornalistas numa sauna de holofotes; tentou parasitar uma vitória que não lhe pertencia; não hesitou em pisar a linha da autonomia regional madeirense só para poder expelir um pío “ganhei!” (...) e ainda resolveu ensaiar, no pior dos contextos, a enésima formulação da relação entre o PSD e o Chega.(...)”. Concluindo com o desprezo a que Albuquerque o votou ao fazer o acordo com o PAN, Tavares acaba com uma verdade incontestável: “Os mortos políticos não impõem respeito a ninguém.”

Eis uma lapidar demonstração de como os argumentos do campo político adversário poderão ser mais eficientes para derrotar Montenegro do que todos quantos possamos apresentar do nosso lado. Porque têm a novidade de ver a serpente a devorar a própria cauda.

O problema, porém, será outro: perante a falta de entusiasmo que o governo suscita na generalidade do eleitorado, a próxima liderança poderá ser mais perigosa para quem pretende ver o país poupado às iniquidades das direitas.

terça-feira, 26 de setembro de 2023

Uns proferem falácias, outros clarificam-se

 

1. Podemos acreditar na sinceridade de Luis Montenegro, quando afirma não coligar-se com André Ventura nas eleições, que se seguirão no calendário eleitoral? Claro que não, e é consensual o quanto de ambígua é a frase dessa exclusão derivar de, no seu pífio entender, esse conúbio não vir a ser necessário. O que, por outras palavras, significa o seu contrário se os resultados ditarem outra realidade. Nesse cenário mais rapidamente Montenegro se desmente do que Albuquerque o fez, quando demorou a aparecer domingo à noite no palco da vitória para garantir que, ao contrário do que prometera, não se demitiria apesar de não ter tido a tal maioria absoluta, que dava por garantida.

E se a Madeira trouxe mais alguma clarificação da ideologia dos partidos parlamentares é o oportunismo do PAN, que já intuíamos - nada consonante com a “esquerda” em que alguns o colocavam -, e agora se confirma com a adesão à coligação PSD/CDS para lhes garantir a continuidade de um poder reconhecidamente aparentado com os tais regimes ditos iliberais, que não são mais do que ditaduras caucionadas por um eleitorado intensivamente manipulado para nelas votar.

2. Podem ser só sete energúmenos, ou até mesmo doze se se contabilizarem os que a eles se associaram na interrupção de uma missa durante as Jornadas Mundiais da Juventude, mas o ato terrorista de interromper a apresentação de um livro numa livraria lisboeta merece liminar repúdio e mereceria punição exemplar. Porque, através destas iniciativas, a extrema-direita vai testando os limites até onde podem ir os seus atos de intimidação contra os que detesta, as forças políticas da esquerda e as das minorias mais ou menos por elas apoiadas que lhes servem de invariável alvo.

3. O parlamento canadiano a pedir desculpa por ter ovacionado entusiasticamente um velho ucraniano, que combatera os russos durante a Segunda Guerra Mundial , porque estava filiado no movimento nazi de Stepan Bandera, coloca os governos ocidentais perante uma realidade, que não querem encarar: se existe gente de extrema-direita ao lado de Putin, também não falta quem se perfila ao lado de Zelenski.

De um e do outro lado não existem propriamente meninos de coro. Nem tão pouco por trás dos que estão a ganhar com a guerra, ou não seja por acaso, que os Estados Unidos substituíram a Rússia como um dos principais fornecedores de energia fóssil à Europa. 

domingo, 24 de setembro de 2023

Conta, peso e medida

 

1. Argumento forte das oposições ao governo é o dos números que comprovam os muitos milhões de euros a mais, que a inflação depositou nos cofres do Estado e, por isso, justificadamente passíveis de serem devolvidos aos portugueses mais aflitos.

Populista na formulação, essa proposta esquece alguns aspetos complementares, que não podem ser escamoteados: as decisões anunciadas pela senhora Lagarde também afetam os juros da dívida do Estado português, agora na contingência de satisfazer pagamentos acima do que acontecera nos anos mais recentes. Por outro lado, a não ser que se traduzam em medidas de apoio pontuais, sem empolarem a despesa permanente do Estado, essa proposta poderia fazer resvalar o equilíbrio das finanças públicas para uma situação, que não seria a mais desejável.

Podemos querer maior justiça social e qualidade de vida, mas é avisado que o governo insista em querer alcança-la cautelosamente, com conta, peso e medida.

2. Não é notícia que surpreenda: embora consiga mobilizar umas centenas de professores e funcionários escolares para greves e manifestações, o sindicato de André Pestana e Carla Piedade parece encaminhar-se para a implosão. Para já anuncia-se uma auditoria às suas contas, que apurem as irregularidades de que é suspeita a atual direção. Como sempre pareceu desde início, esta nova estrutura, supostamente representativa de quem trabalha nos estabelecimentos de ensino, comporta um cheiro a oportunismo, que os factos parecem em vias de comprovar.

3. Não deixa de ser surpreendente que comece a ouvir-se um discurso menos apologético dos argumentos ucranianos na guerra com a Rússia de Putin.

A decisão da Polónia em não fornecer mais armamento ao regime de Kiev, e os resultados previstos para a eleição intercalar na Eslováquia, demonstram fissuras significativas no unanimismo europeu. E dá razão a quem vê no voluntarismo de Ursula von der Leyen um agravamento do tremendo sarilho em que a União se colocou ao seguir, sem distanciamento, a estratégia expansionista do Pentágono. 

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Crepúsculos patéticos senão mesmo abrasadores

 

1. Numerosas vozes vêm-se pronunciando sobre as mais recentes atitudes de Marcelo Rebelo de Sousa todas elas a terem dificuldade em disfarçarem o desconforto sobre alguém em quem votaram, e merecedor de crítica contundente. Aquela excessiva falta de “gravitas” a que se associava o desejo de proximidade com os eleitores vai degenerando num somatório de episódios, que leva uma dessas apoiantes, Clara Ferreira Alves, a considerar comprometida a função presidencial para o resto de um mandato ainda distante do patético fim.

 2. Claro que as medidas aprovadas para aliviar as famílias dos apertos com o aumento das prestações do crédito à habitação nunca poderiam passar de pensos rápidos numa situação, que justificaria medidas mais musculadas junto dos bancos se o regime fosse outro e a orientação em favor dos mais desfavorecidos fosse a exclusiva preocupação. Mas, como não vivemos num mundo ideal em que o capitalismo esteja definitivamente falido, decerto serão positivas para muitas das famílias que, de acordo com o testemunho duma representante do movimento Vida Justa ao «Publico», “dantes pagavam já mais do que 40% do seu rendimento para encarar as despesas de habitação, hoje podem estar a pagar 80% ou 90%”.

3. Bem pode António Guterres lembrar que a crise do clima “abriu as portas do inferno”, que os governos continuam a optar por decisões criminosas à luz dessa já evidente realidade presente. A decisão do governo britânico em lançar novos investimentos em atividades extrativas potenciadoras da emissão de mais doses maciças de carbono para a atmosfera é só mais um exemplo de como as marionetas do tal capitalismo, ainda longe de ser dado como morto e enterrado, insistem em lançarem mais óleo para a atiçada fogueira, que abrasa o planeta. 

domingo, 17 de setembro de 2023

Mas as árvores, Senhor, porque lhes dais tanta dor?!..

 

1. É uma das provações por que temos de passar, quando aceitamos a sujeição diária à tendenciosa exposição dos factos pela (des)informação televisiva: o espetáculo sinistro da autêntica galeria dos horrores representada pela corte cavaquista. Podemos pô-los a gesticular em silêncio, ou “zappear” para imagens mais benignas, mas sabemo-la ali a vomitar a esverdeada falta de substância dos seus arcaicos valores .

O pretexto foi agora o da publicação de mais uma testamentária reflexão do ex-presidente aos que insistem em considera-la de alguma valia. Nós só podemos lamentar as árvores derrubadas para que ele volte a satisfazer a soberba, indiferente ao facto de, em breve, quase todos esses livros irem acabar nas trituradoras de papel de quem lhe faz o jeito de o editar.

2. Outro caso de soberba é o de Rui Moreira, que vemos tropeçar amiúde nas próprias contradições. O sucedido com a estátua de Camilo Castelo Branco que o escultor Francisco Simões ofereceu à cidade do Porto é um bom exemplo de insensatez dos 37 ditos «notáveis» com ela desagradados. Entre retirar a obra e ter de a recolocar, Moreira não se livrou de mais um exemplo de seguidismo em relação aos que da arte tem uma noção censória, propícia a excomungar quem não siga os cânones das suas preferências conservadoras.

3. E ainda podemos congratularmo-nos com o desfecho do processo judicial imposto por Pacheco Pereira a um dos mais crassos exemplos de quem escrevia em jornais para disseminar teses conspirativas e outras fake news.

A condenação do vilão, ainda que demasiado benevolente para toda a peçonha publicada anos a fio nalguns semanários, serve de aviso a quem o queira replicar. Embora não faltem por aí seguidores, que não lhe enjeitem a inspiração. 

sábado, 9 de setembro de 2023

Quem foi a verdadeira culpada da crise da habitação?

 

Acabada a tradicional “silly season” o regresso dos programas televisivos de comentário político tende a potenciar o chorrilho de tolices que, teoricamente, deveriam ser agora limitadas. Mas com tanta gente necessitada de ganhar uns cobres a proferir disparates mediáticos não é fácil encontrar quem os procure apimentar com a pilhéria fácil ou os truques retóricos, que iludam a sua vacuidade ideológica. Porque, dramaticamente, se a direita não tem ideias, a esquerda ainda não se libertou do estigma de renunciar ao marxismo como forma de se distanciar dos crimes em seu nome ilegitimamente cometidos que, porém, não põem em causa os seus fundamentos essenciais. Porque, queiram ou não os think tanks, pagos por quem quer manter as coisas tanto quanto possível como estão - o da exploração da maioria por uma minoria cúpida! -, a História da Humanidade continuará a desenvolver-se em função da luta de classes.

Na vertente tragicómica explora-se a suposta guerrilha entre Marcelo e Costa, muito embora seja a perfídia do primeiro - a idade não tem atenuado um dos mais execráveis traços da sua personalidade! - a servir de motor a uma permanente distração quanto ao que de essencial a todos deveria motivar. Por exemplo para as verdadeiras causas da crise da habitação, que tiveram origem - e não faltou quem então alertou para os efeitos perversos, que se seguiriam! - na nefanda lei Cristas, que liberalizou o mercado de aluguer e possibilitou a pandemia de alojamentos locais nas grandes cidades. Se muitos lhe louvam o mérito de ter garantido a recuperação de um património imobiliário degradado o contraponto humano foi avassalador: milhares de pessoas, quantas delas da terceira idade, foram despejadas das casas onde há muito viviam numa legítima estabilidade. E temos agora o contrário: cidades invadidas por turistas e nómadas digitais, que ajudam Medina a mostrar resultados financeiros invejáveis, mas inacessíveis para quem nelas trabalha e necessita habitar.

E, no entanto, os comentadores da direita iludem sobre de quem foi a culpa para o estado de crise a que se chegou e cingem-na a quem só a tem por não ter enterrado a lei em causa e criado as condições para a renovação urbana orientada para o interesse de quem nela habita ou necessita habitar.

sábado, 2 de setembro de 2023

Desinformação, selfices tontas e problemas muito sérios

 

1. A habitual falta de escrúpulos levou alguns partidos a dizerem cobras e lagartos da carta de António Costa à Comissão Europeia a propor-lhe intervenção num assunto transversal a vários países da União: a Habitação.

Na gente informada é sabido que várias capitais do continente estão a contas com o mesmo problema:  casas demasiado caras para quem as queira comprar ou arrendar, complicando a vida a quem nelas encontra futuro profissional. Razão mais do que substantiva para constituir um dos problemas fundamentais, que a liderança europeia deverá ajudar a resolver. Como o são as demais questões, que integram o documento de trabalho do primeiro-ministro português: a conclusão de acordos comerciais com o Mercosul e com a Índia, as questões da água, os fogos, a transferência de capital humano altamente qualificado, a agenda dos oceanos, a supercomputação avançada, a regulação e o acesso e tratamento de metadados.

Para a gente menos informada, que apenas ouve algumas notícias dos telejornais, a carta de António Costa só versaria sobre a Habitação. Na realidade equacionava a necessidade de encontrar soluções para muitos dos principais problemas com que se confrontam atualmente os 27.

2. Esfriou o entusiasmo mediático com a conclusão do Conselho de Estado, que prometeria ser o da defenestração de António Costa e o da preparação de Marcelo para mais um folhetim do «demito-o ou não demito-o”.

Baseado nas informações oriundas de Belém é o «Expresso» a reconhecer que os tempos não têm corrido de feição para Marcelo Rebelo de Sousa: vetou o pacote para a Habitação, mas sabe-o tacitamente aprovado pelos deputados, e decisões semelhantes relativamente aos professores, ou à lei da droga, acentuaram-lhe as fragilidades.

Ao jornal da família Balsemão uma alegada fonte socialista terá confidenciado que “a montanha pariu um rato”

3. O semanário em causa tem, porém, uma entrevista interessante com Paulo Pedroso, que muito me pena já não ser militante socialista ao contrário dos figurões, que «alindaram» a dita universidade de verão do PSD.

Existe seriedade no aviso quanto à aceleração da emigração de jovens altamente qualificados nada tentados por uma realidade em que o salário médio bruto dos que têm menos de 30 anos fica pelos 1054 euros. Num prazo preocupantemente curto “preparamo-nos para um atraso económico e salarial que implica a saída de força de trabalho qualificada e a entrada de outra pouco qualificada, agravando a economia”.