segunda-feira, 30 de abril de 2018

Se não foi assim poderia ter sido (2): o diretor do jornal e o da televisão do mesmo patrão


O Pedro sentou-se à mesa da sala de reunião para estar alguns minutos em silêncio antes que o Ricardo se lhe viesse juntar. Havia que preparar a edição do semanário com a dos noticiários televisivos. O objetivo, previamente consensualizado, estava pré-definido: estava para breve o Congresso do partido do governo, pelo que teriam de fazer os possíveis para que tivesse o mínimo impacto no eleitorado.  Felizmente que o Vieira tivera uma ideia luminosa: e se, a partir de agora, batessem sempre na tecla de haver quem, internamente, quereria ver expulso o antigo-primeiro ministro? É certo que todos os esforços para o dar como corrupto continuavam a esbarrar na falta de provas em tribunal, mas tinham trabalhado tão bem, que da fama jamais ele se livraria.
Angustiava-o, porém, o fracasso representado pelo Congresso do partido mais à direita, semanas atrás: tinham dado tantas horas de exposição à líder, que acreditaram piamente em mudanças significativas nas sondagens. Onde teriam errado que, afinal, ela mantivera-se nos miseráveis valores de antes?
Pelo vidro viu que o irmão do primeiro-ministro já aí vinha e fez para si mesmo a silenciosa pergunta do costume: o que terá acontecido a este tipo para tentar linchar o detestado governante com mais afã do que qualquer outro de entre nós?
No sábado seguinte, quando veio da reunião do clube, o tio Jacinto veio encontrar a tia Genoveva a ver o telejornal. A apresentadora falava de uma vaga de fundo dentro do partido do governo para correr com o antigo dirigente. Olhou para a mulher e disse-lhe: «Estes gajos não sabem o que inventar mais!

Os indicadores do desemprego e algumas mentes obsoletas


Não é que a qualidade e durabilidade dos contratos corresponda inteiramente ao nosso contentamento, mas o facto de a taxa de desemprego ter descido em março para 7,4%, igualando a realidade vivida em abril de 2004, é caso para celebrar enquanto sucesso de uma política, que as direitas diziam condenadas a dar os resultados opostos, e afinal evoluem no sentido que descoroçoará os camilos e os zégomes, os vieirapereiras e os  césaresdasneves.
Estes mamíferos até terão dificuldades em cumprir uma das principais incumbências atribuídas aos economistas: explicarem porque terão falhado tão calamitosamente nas suas previsões.  É que a formatação das suas meninges tem-se revelado tão básica, que nela não cabem modelos analíticos - mormente marxistas! -, que pudessem apoiá-los em tão incontornável tarefa.
Precisariam por certo de uma atualização tipo premium, mas o seu hardware mental revela-se tão obsoleto, que já não se revela compatível com as as versões. Deveriam ser dados como descontinuados e destinados a um qualquer caixote de lixo, sem hipótese de reciclagem. É que quando um produto é mau, só causa ruído desnecessário num mercado de ideias, que as exigirá mais lúcidas e desprovidas dos preconceitos ideológicos de que se mostraram indissociáveis.

Recordar maio 68 (5): Poder para a imaginação


Na mais recente edição da «The New York Review of Books», surge uma entrevista a Daniel Cohn-Bendit assinada por Claus Leggewie e intitulada «1968: Poder para a imaginação».

Embora o conhecido anarquista alemão mantenha um posicionamento anticomunista tão ambíguo, quanto era o seu cinquenta anos atrás, a peça jornalística revela-se bastante interessante logo nas primeiras linhas, quando contextualiza o célebre diagnóstico do editor-chefe do «Le Monde» em 15 de março, segundo o qual a França se entediava, enquanto noutras latitudes (EUA, Alemanha) estalavam revoltas pujantes contra os respetivos governos. Essa exceção francesa deixava perplexo Viansson-Ponté, que esquecia a enorme greve já entretanto ocorrida na Universidade Paris-Nanterre em prol de reformas administrativas.

Aos 23 anos Cohn-Bendit era ali aluno de Sociologia e não tardaria a, oito dias depois do célebre editorial, promover a ocupação do edifício da Administração. Ele e os demais líderes do movimento intuíram que estavam a fazer história, sendo protagonistas, e não figurantes, das transformações pressentidas para o futuro imediato.
Acontece então uma das imagens icónicas dos acontecimentos desse maio: a do irreverente desafio de Cohn-Bendit face a um polícia-de-choque em frente à Sorbonne.
Estava-se a 6 de maio e o ministro do Interior ordenara uma ação musculada contra a ocupação da Universidade, o que suscitou uma enorme manifestação estudantil apoiada pelos professores, entre os quais Alain Touraine.
Numa só imagem condensam-se os aspetos mais relevantes do que estava em causa: a juventude contra o regime envelhecido, o herói contra o vilão, o poder contra o antipoder, a ordem contra a anarquia.
Cohn-Bendit, que nunca mais voltou à universidade, considera tal imagem a sua tese de doutoramento, porque lhe deu a notoriedade de ícone da revolta. E congratula-se por, a cinquenta anos de distância, um recente inquérito promovido por Raphäel Gluckmann para o «Nouveau Magazine Littéraire» ter concluído serem 60% os franceses a associarem coisas positivas ao sucedido há cinquenta anos, desmentindo os conservadores ligados ao catolicismo mais beato, que lamentam as consequências nas antigas instituições do casamento, da família ou da ordem pública. Dois terços identificam-se com o slogan «É proibido proibir», ao qual elogiam a qualidade poética e o significado intrínseco da mensagem.
Na entrevista, a que voltaremos por conter outras abordagens interessantes sobre o fenómeno, Cohn-Bendit acredita subsistir uma cultura inconformada no imaginário coletivo das gerações que sucederam aos que, em 1968, andaram á procura de praias por baixo das pedras da calçada.

domingo, 29 de abril de 2018

Se não foi assim poderia ter sido (1): as ansiedades do demagogo


De manhã, ao fazer a barba o demagogo pensou: «Espelho meu! Existe populista mais populista do que eu?». E logo começou  a congeminar a  malfeitoria quotidiana contra o seu ódiozinhos de estimação, esse rival que, com as suas políticas acertadas e os resultados correspondentes, punha em risco a superioridade dos favores do povo.
É que lá viria o dia em que algum daqueles com quem se esforçava por multiplicar selfies e abraços lhe perguntaria o que realmente fizera em seu favor, se nenhuma lei, nenhum projeto, nenhuma coisa concreta se lhe devia em tantos anos de vã glória de se ter como servidor do interesse público. Sim que diria? Como contrariar a ideia de que o outro é que melhorava a vida das pessoas e ele apenas se lhe impunha no palco como compère  de uma representação, que só lhe atribuía papel secundário?
A ideia luziu-se de repente. Aonde é que hoje posso ser apanhado por câmaras de televisão? Onde replicar o número, sempre de sucesso garantido, de aparecer inesperadamente? E foi assim que, consolado com a ideia luminosa, desceu para o pequeno-almoço com o projeto de ir ao CCB, ao encontro das multidões melómanas junto das quais poderia replicar, uma vez mais, a sua habitual  desfaçatez.
À noite, nas televisões, não faltaram notícias sobre um novo banho de multidão junto de gente sorridente e obsequiosa com a oportunidade de recolher um momento de fama.
A bebericar o cházinho de camomila a tia Genoveva ficou comovida: este senhor é um querido!

O teor da queixinha semanal de Marcelo Rebelo de Sousa


É o habitual clássico do fim-de-semana: constatar que queixinha quer Marcelo fazer aos portugueses sobre António Costa utilizando para tal as páginas do «Expresso» assinadas por Angela Silva?
Desta vez o demagogo de Belém que, no discurso do 25 de abril, proferiu uma diatribe precisamente contra o mesmo tipo de populismo de que tem revestido quase todas as suas ações enquanto Presidente, veio revelar o quão ofendido ficou com o comentário do primeiro-ministro relativamente ao misterioso sentido do que dissera. E desejoso de rebaixar o inimigo de estimação, tratou de lhe interpretar palavras posteriores como se contivessem um implícito pedido de desculpas.
No artigo desta semana Marcelo vai mais longe e lamenta-se que, quando as coisas correm bem para o governo, Costa quase não lhe passa cartão, mostrando-se «autossuficiente». Ora há lá algum Narciso, que goste de se ver secundarizado por quem mostra dificuldades em esconder a antipatia? Filho e afilhado de quem foi, nunca deixará de se ver imbuído de uma natureza elitista, que despreza os plebeus chegados ao poder e contra os quais fará tudo que estiver ao seu alcance para os prejudicar.
Não se estranha assim que, noutros textos, se conclua da permanente ocupação dos assessores para lhe arranjarem balas de arremesso, comprovadamente certeiras, sobretudo implicando os diplomas aprovados pelo governo e pela assembleia, só carecidos da assinatura presidencial para prevalecerem na jurisprudência nacional. Para já a primeira vítima poderá ser a nova legislação sobre a descentralização, que Costa e Rio haviam concertado e sobre a qual pende o novo lápis vermelho da censura.

sábado, 28 de abril de 2018

Dava-lhes muito jeito não existirem redes sociais, não era?


Ao esperarmos nas filas para as caixas do supermercado somos visualmente agredidos por capas de revistas ditas cor-de-rosa, que nos podem informar como o casal A está novamente a reacender a paixão ou o apresentador B casou com o namorado numa festa muito animada. Há quem olhe interessado e alguns até arriscam virar algumas páginas, sem chegarem a pôr a publicação no cesto. Quiçá com vergonha do que se pensaria sobre a sua condição mental!
Nos quiosques é a mesma poluição visual, tornando quase exercício de ir à procura do Wally o de encontrar, entre tanto lixo, algo que verdadeiramente valha a pena comprar para conseguir informação credível e enriquecedora.
A degenerescência da imprensa, que vem dela dissociando muitos dos consumidores, tem origem na tabloidização dos seus conteúdos. A informação deontologicamente irrepreensível e objetivamente fiável foi substituída pela falta de escrúpulos no recurso às mais ignóbeis fake news. Reduzem-se os poucos projetos editoriais concentrados num número cada vez mais exíguo de proprietários, todos eles protagonistas da financeirização das economias através do recurso sistemático a paraísos fiscais!. De nada vale aos mercenários, que neles trabalham,  queixarem-se da concorrência das redes sociais, porque a dimensão alcançada pela violação da privacidade de quem quer que seja, há muito foi concretizada por eles próprios.
À partida a tabloidização intensiva dos jornais populares ingleses (the Sun, The News of the World) e do norte-americano The New York Post, pelo australiano Rupert Murdoch nos anos 70 foi vista como uma curiosidade aparentemente benigna, que não traria nem grande mal, nem grande bem, ao mundo de então. Ademais, se a inserção de meninas de mamas ao léu na página três ofendia os puritanos, tanto bastava para que os paladinos da Revolução Sexual revelassem complacência com tão «ousado» atentado aos bons costumes.
As notícias falsas não tardaram a constituir a regra dos títulos de primeira página, quando minguavam as suspeitas de escândalos com famosos perseguidos insistentemente por paparazzis pagos a preço de ouro. Estórias sobre corpos sem cabeças encontrados em bares ou iminentes ataques de abelhas gigantes foram testando a credulidade de leitores progressivamente embrutecidos, acefalizados, dispostos a aceitarem como realidades o que não passavam de meras trapaças. Histórias de alcova eram sucesso garantido, alternando com mitos urbanos como o de Elvis continuar vivo, ou com curiosidades estúpidas do tipo «o homem que vive com um crocodilo».
Quem trabalhou em tais jornais confessa ter tido como regra a obsessão por tornar qualquer personalidade situada ideologicamente à esquerda como suspeito potencial de todos os crimes e malfeitorias possíveis. Porque esse era o objetivo de Murdoch: chegar à situação atual em que o seu canal (Fox News) contribuiu decisivamente para levar Trump à Casa Branca e, por todo o lado, onde se estende a sua virulenta influência, esmagar as esquerdas tanto quanto possível.
Em Portugal é o mesmo esquema que norteia os jornais e as televisões de Balsemões e Paulo Fernandes, os Observadores e as Sábados, os is e as TVI’s de que ainda não se sabe para quem sobrará.
Está em curso uma guerra política intensa no nosso país e o domínio da comunicação social é uma das vertentes utilizadas pelos donos disto tudo para assim o continuarem a ser. E por isso mesmo têm tanto medo de blogues, de facebook e de outros recursos alternativos, que lhes podem frustrar os intentos.

Dois séculos depois o pensamento de Karl Marx está vivo e recomenda-se


Em 5 de maio iremos celebrar o bicentenário do nascimento de Karl Marx, efeméride que nos desafia a atualizar a sua análise do capitalismo e das lutas de classes à luz deste presente em que a globalização e a financeirização das economias baralharam as contas dos que apostavam num determinismo histórico, que se cumpriria em iminentes amanhãs que cantassem.
Vimos muitos esquerdistas desencantados mudarem de campo, abjurarem as antigas convicções, ainda que, paradoxalmente, se viessem a revelar tão dogmáticos nas teses contrárias quanto o haviam sido nas que lhes tinham iluminado as tardias adolescências. Mas só nos podemos congratular com essa autodepuração, que fez diminuir o ruído num espaço de pensamento onde importa potenciar a lucidez, a clareza de espírito.
Para os que não se renderam ao pensamento dominante nos órgãos de informação - inteiramente nas mãos de quantos pretendem retardar tanto quanto possível a concretização de uma sociedade mais justa e igualitária! - a recuperação urgente da metodologia analítica proposta por Marx, para a aplicar ao atual momento histórico, torna-se um imperativo. Porque pode englobar os contributos segmentados de tantos investigadores, que detalham os sintomas do mal estar social e os associam a causas muito precisas, mas as não enquadram em razões mais a montante, inevitavelmente relacionadas com o trabalho convertido em mercadoria e no capital cada vez mais ganancioso na acumulação das mais-valias.
Um bom estímulo para a reflexão pode ser a programação do canal franco-alemão neste sábado porque exibe «Karl Marx, Pensador Visionário» de Christan Twente ao início da noites, seguindo-se-lhe o documentário «De Marx aos Marxistas» de Peter Dörfler.
Mario Adorf veste a personagem de Karl Marx no primeiro desses filmes, que tem a filha do filósofo, Eleanor, como narradora, iniciando-se em 1882, quando, entre sucessivas viagens e já adoentado, ele sentia-se exaurido pela escrita do segundo volume do «Capital», uma obra que o ocupara durante duas décadas. Voltando ao passado vemo-lo evocar sucessivamente a juventude romântica, o casamento com a brilhante aristocrata Jenny von Westphalen e o frutuoso exílio em Paris, antes de passar por tempos assaz difíceis em Bruxelas e em Londres. No meio das sucessivas reconstituições da vida do homenageado, vão surgindo biógrafos, historiadores e economistas para acentuarem as suas fulgurantes propostas, sem escamotearem algumas das suas contradições.
A proposta de Peter Dörfler aborda as diversas aplicações das teorias marxistas no último século e o quanto elas permanecem vivas hoje em dia. De Atenas a Pequim, de Berlim a Paris, escalpelizam-se não só os regimes soviético, chinês, cubano ou leste-alemão, mas também os diversos movimentos ocorridos em 1968 em França, na Alemanha, nos EUA. Hoje os críticos mais argutos do capitalismo financeiro não dispensam as orientações marxistas, aplicando-as à interpretação dos acontecimentos atuais.
Quem tiver arriscado, que o marxismo se convertera numa teoria obsoleta, depressa se dará conta de quão exagerado fora o seu anúncio de dobrar a finados...

quinta-feira, 26 de abril de 2018

As razões do meu voto na Moção de António Costa


Escrevi-o há dias e volto a reitera-lo: daqui a uma semana, quando participar na votação para o 22º Congresso do Partido Socialista, apoiarei sem qualquer rebuço a Moção “Portugal 20/30”, subscrita por António Costa que o responsabiliza pela liderança para novo mandato.
Faço-o, porque só os politicamente cegos ou mal intencionados negarão que, nestes dois anos e meio “o Governo melhorou a vida dos portugueses, a economia e o emprego, e restabeleceu a confiança”, virando “a página da austeridade, respeitando em simultâneo os compromissos internos e internacionais e recuperando a economia, o emprego, as finanças públicas e a credibilidade internacional.”
O documento está organizado em quatro eixos, todos eles fundamentais no futuro que se perspetiva a médio e longo prazo: a sociedade digital, as alterações climáticas, o desafio demográfico, e uma sociedade menos desigual.
Aposta-se em que as ferramentas digitais não podem ser instrumentalizadas para se converterem numa ameaça à democracia.
Aponta-se a recente seca extrema de grande parte do território nacional como  prova dos efeitos das alterações climáticas  a serem contrariadas por políticas ativas, nomeadamente nas da gestão da água disponível e das condições dos solos cultiváveis.
Procurar-se-ão criar postos de trabalho, que compensem os efeitos da robotização e da digitalização na organização e no conceito de trabalho. Segundo as previsões da OCDE podem desaparecer nos próximos anos 14% dos atuais empregos e ser alterado significativamente o perfil de especialização em 32%.
Haverá que contrariar a tendência para a anunciada redução da população, de dez milhões para sete milhões, que poderá pôr em causa a sustentabilidade do modelo social em vigor. Além de políticas de incremento à natalidade, assume a necessidade de atrair e receber mais imigrantes.
E propõe-se a aposta na educação, na saúde, na liberdade e na segurança, que contrarie e expetativa de 0,1% da população mundial deter 25% da riqueza em 2050, quando em 1980 esse indicador era ainda de 10%.
Promete-se, em suma, uma sociedade mais aberta e inclusiva da diversidade, rejeitando a xenofobia, o racismo e a intolerância.
Quanto à moção, que se opõe à por mim apoiada, e que propõe primárias para todos os candidatos a cargos políticos, abertas a simpatizantes, não é para levar a a sério: Daniel Adrião e os seus apoiantes ainda não colheram a lição do sucedido noutros países europeus, onde os Partidos Socialistas foram praticamente erradicados dos respetivos mapas políticos com essa perversa inovação.
Mas não posso concordar, de modo algum com Hugo Pires, quando defende a irrelevância de sedes locais do PS por radicar no mundo digital a atenção privilegiada das gerações mais novas. É verdade que esses espaços não devem servir apenas para os militantes  reunirem ou jogarem às cartas em frente à televisão. O desafio deveria ser o de as transformar em locais ativos de concentração de militantes disponíveis para daí saírem frequentemente ao encontro das populações em mercados, estações de transportes e outros espaços públicos, onde pudessem ouvir-lhes os anseios e preocupações e dar-lhes as alternativas credíveis nos patamares de decisão onde possam ser satisfeitos.

Marionetas ou ativos cúmplices dos ainda donos disto tudo?


Às vezes surgem situações no nosso quotidiano que levam um ateu confesso (como é o meu caso!) a questionar se fazem algum sentido aquelas palavras de Cristo na cruz quando, a propósito dos que lhe promoviam o martírio, confidenciava ao Deus-pai: «perdoai-lhes Senhor, que não sabem o mal que fazem!».
Esse pensamento voltou-me à baila a propósito do muito enfatizado discurso da jotinha laranja na Assembleia durante a cerimónia evocativa do 25 de abril, ou nos dias anteriores, o das consecutivas violações aos mais elementares princípios deontológicos incorridos pelos «jornalistas» incumbidos de promoverem a pornográfica exibição dos interrogatórios da Operação Marquês.
A difusão da ideia generalizada em como todos os políticos são corruptos tem sido estratégia bem sucedida de quem vê a realidade prestes a alterar-se significativamente com a entrada em força da robótica, e da informática em geral, em áreas até agora poupadas à sua plena utilização, e sabe inevitável o engrossamento dos exércitos de desempregados que não encontrarão colocações precárias, nem apoios sociais suscetíveis de lhes satisfazerem as necessidades mais elementares.
As décadas mais recentes - mormente desde a Operação Mãos Limpas em Itália! - têm sido elucidativas sobre os efeitos decorrentes da suposta higienização das sociedades contra os corruptos, prendendo os mais expostos (normalmente escolhidos criteriosamente à esquerda por juízes e magistrados ideologicamente coniventes no processo!), e abrindo larga margem para proliferarem os Berlusconis, ainda mais envolvidos em trapaças financeiras e empresariais, mas dotados de força mediática (o controle da imprensa) e policial para sonegarem à maioria descontente a plena expressão da sua indignação.
Tem sido assim que Putin na Rússia consolida o seu poder às costas de oligarcas mandados prender para servirem de fáceis alibis de um desígnio escondido atrás de vestes nacionalistas, mas relacionado com os interesses que tão facilmente assim se acobertam. E explicam-se, da mesma maneira, os Orbans, os Erdogans, os Temers, que parecem justificar a ascensão inabalável das extremas-direitas.
Esse véu de fumo tende a escamotear-nos a realidade, a preparar-nos para regimes políticos onde os pensamentos contrários sejam esmagados, em que vigore uma única caracterização do presente e se adie tanto quanto possível a consciência coletiva de estarmos prestes a chegar a um daqueles momentos históricos, identificados por Karl Marx, como sendo aqueles em que as contradições alcançarão um tal ponto de rutura, que volta a fazer sentido substituir a possibilidade transformadora das reformas (mormente as ilusões sociais-democratas de alguns!) pelas revoluções de cunho marcadamente socialista.
Daí que se justifique a questão de saber se Margarida Balseiro Lopes ou Ricardo Costa têm alguma consciência relativamente ao mero papel de marionetas, que lhes é dado por quem maneja para que o futuro seja uma distopia fascista? Sabem o que fazem ou papagueiam aquilo que os verdadeiros patrões lhes insinuam como próprios dos  papéis enquanto, respetivamente, deputada da Nação ou diretor da SIC?
Nos próximos dias este blogue cirandará pelo controverso mundo dos fundos-abutres, que manobram as economias mundiais através dos paraísos fiscais e são os principais responsáveis pelo incremento acelerado das desigualdades e outras facetas injustas, que integram os nossos quotidianos...

quarta-feira, 25 de abril de 2018

A justa evocação de Abel Salazar neste 25 de abril


As comemorações do 25 de abril também servem para evocar a abissal diferença entre o antes e o depois dessa data. Porque mesmo não tendo sido o jackpot então esperado a nível das expetativas criadas por quanto tudo mudaria na paz, no pão, na saúde, na educação, ficámo-nos por uma terminação, que nos alimenta, sobretudo, a ideia de lá vir o dia em que o objetivo primeiro é cumprido.
O que havia antes desse dia inicial inteiro e limpo só alguns senis idolatram apoiados nuns jovens estarolas, que, por o serem, não deixam de ser perigosos o bastante para merecerem o tratamento das ervas daninhas. A uns e a outros deveria impor-se o suplício por que passou o Alex da «Laranja Mecânica», sendo obrigados a ver horas a fio o episódio de «Visita Guiada» em que Paula Moura Pinheiro apresenta a Casa-Museu Abel Salazar. O episódio foi transmitido na passada segunda-feira e dá conta do brilhantismo incomparável de um homem de exceção a quem o seu oposto homónimo destratou de forma ignóbil.
Em breves palavras Abel Salazar foi um aluno brilhantíssimo, que concluiu o curso de Medicina com nota máxima, chegando a catedrático aos 26 anos. Investigador de exceção adivinhou nos microscópios de então  as descobertas celulares, que só os mais modernos, os eletrónicos, viriam  a confirmar.
Foi ele quem tornou a Faculdade de Medicina do Porto uma entidade universitária de referência a nível internacional, não só pela qualidade dos laboratórios, que fez montar, mas, sobretudo pela relevância científica dos trabalhos ali concluídos e reportados. Igualmente como professor inovou com a implementação de práticas - os alunos convidados a, eles próprios, prepararem as aulas e locionarem-nas aos colegas - só generalizadas décadas mais tarde.
Foi por tudo isso que, em 1935, o regime o expulsou do ensino e proibiu-lhe a entrada no laboratório, que funcionara até então como uma segunda casa. Pior ainda, priva-o do passaporte, impedindo-o de manter o contacto regular com tantos amigos que fizera em fóruns científicos por toda a Europa e lhe tinham merecido o convite para integrar o comité de seleção do Prémio Nobel.
Nos onze anos, que se seguiriam até à sua morte, ele nunca deixou de estar presente nas grandes manifestações cívicas contra a ditadura, ao mesmo tempo que mantinha atividade plural nas artes e nas letras, sendo presença constante em tertúlias de intelectuais portuenses.
Quando o cancro o levou em 29 de dezembro de 1946 o regime temeu a dimensão do funeral (foto ao lado), que o acompanharia de Lisboa até ao Porto, prendendo o cadáver de forma a impedi-lo de ser homenageado em Coimbra e antecipando o sepultamento no Cemitério Prado do Repouso, sem permitir o velório público preparado para a Associação dos Jornalistas da cidade invicta.
Comportando-se dessa forma para com um  opositor, que era o seu exato contrário - se Abel era inteligente, talentoso e visionário, o António de Santa Comba Dão excedia-se em mesquinhez, mediocridade e vistas curtas - o regime demonstrava a sua essência indubitável.
Para os portugueses, que sofreram com os seus crimes, o salazarismo fascista foi uma catástrofe, que explica em boa parte o nosso ainda persistente subdesenvolvimento...

Os donos das Primaveras seremos sempre nós


Ainda comoraremos muitos 25 de abris em celebração da utopia, que chegámos a julgar possível, mas nos foi negada pelas contingência de uma fase histórica ainda avessa à concretização dos grandes valores da Revolução Francesa depois crismados de republicanos e até de revolucionários. Queríamos o Socialismo, mas vamo-nos sujeitando à vigência de uma realidade de plutocratas cada vez mais ricos e de pauperização crescente de todos os demais. Mas também sabemos que a evolução vai dando razão aos textos fundadores do sistema, que substituirá o atual. Só que, até se cumprir a desejada mudança, quanto sofrimento, quanta injustiça, quanta indignação ainda por afirmar?
Ao olharmos o céu e vimos o fogo-de-artifício da noite transata, pressentimos as festivas emoções que justificam a confiança do que o futuro trará. Ao descermos a Avenida da Liberdade irmanados com o sentir de quem pensa como nós, sabemos serem muitos os que desejam o mesmo. Mas não ignoramos que, ano a ano, convertemo-nos um pouco mais na réplica daqueles velhos republicanos que, ao longo da ditadura fascista nunca deixaram de celebrar a queda da monarquia, mas foram sendo menos, cada vez menos, até o último ceder às leis da natureza e delegar o testemunho num grupo exíguo de teimosos, apostados em não deixar esquecer a importância da efeméride. Mesmo que a saibamos continuada em cerimónias oficiais de muito espalhafato, mas escassa genuinidade emotiva.
A relação entre os vivos, que presenciaram a Revolução de Abril e os que nasceram depois dela, ou eram tão jovens que nada da sua memória conservaram, vai-se alterando progressivamente em favor quantitativo dos segundos. Vamos percebendo na geração do milénio um conjunto de valores e uma metodologia de análise das coisas, que escapam amiúde à nossa compreensão. Às vezes até damos algum crédito aos inconformados amigos, que a consideram constituída por egoístas apostados em ter sucesso, cada um por si e todos contra todos.
É esquecer o essencial: a História do mundo continua a ser a da luta entre as classes em decadência e as emergentes, as que anseiam por se sobreporem às que consideram suas opressoras. Ontem crismavam-se de proletárias, amanhã designar-se-ão revolucionariamente de outra coisa qualquer. Com uma certeza: aqueles que se sentem explorados, desvalorizados socialmente, acabarão sempre por se oporem a quem identificam como culpados da sua frustração. E mesmo que hajam aparências angustiantes de tudo tender para os piores cenários possíveis vale sempre a pena resgatar a expressão de Pablo Neruda, quando concluía que, por muito que nos cortassem todas as flores, os algozes nunca conseguiriam vir a ser os donos da Primavera.
Em certas alturas da História do século passado a catástrofe era tão iminente que mentes brilhantes (Stefan Zweig, Virgina Woolf) entregavam-se desesperadamente à falsa libertação suicida. O que sentiriam se, nesse derradeiro momento de vida, lhes dissessem da derrocada dos monstros, que os assombravam, para daí a três ou quatro anos?
Quem viveu intensamente abril, como comigo sucedeu quando tinha dezoito anos, vai envelhecendo, cedendo espaço a quem se segue. Mas, mesmo quando a efeméride ficar obsoleta, por certo persistirão outros abris por celebrar, porque as promessas por eles trazidas são intemporais, acabam por coincidir no desejo imorredoiro da Humanidade em se tornar em algo conforme com a inteligência, que a evolução lhe foi facultando. Por muitos trogloditas, que aturemos no entretanto...

segunda-feira, 23 de abril de 2018

O PS e a situação de Lula: socialista sim, seguidista acrítico não!


Militante socialista há mais de trinta anos preparo-me para ir votar na renovação do mandato de António Costa como secretário-geral do meu partido por ser quem possui as qualidades, a inteligência e a capacidade para manter as convergências à esquerda, que finalmente se enquadraram com quanto sempre pensei ser a melhor estratégia para impedir as direitas dos negócios em incrementarem as desigualdades entre os portugueses, favorecendo os mais ricos em detrimento dos mais desprotegidos.

Se gostaria de ver acelerada a correção das injustiças, das desigualdades e das liberdades (mormente contra o inquietante diktat de magistrados e juízes!), compreendo que se deva seguir o conselho de uma velha canção de José Mário Branco (“se vais à frente demais/ bem te podes engasgar”) e não me inquieto com cerimónias de acordos ao centro cujo sentido semiótico significam intenções distintas das que lhes têm sido conotadas.
Voto em António Costa, também porque o seu opositor, líder da tendência «Resgatar a Democracia», representa exemplarmente tudo o contrário, bastando olhar para algumas das «personalidades», que o acolitam, mormente aqui no Seixal.
Mas esta confiança em António Costa e a convicção em como Jerónimo de Sousa tem razão ao prever que a próxima legislatura continuará a comportar um equilíbrio de forças entre as esquerdas e as direitas aparentado com o atual, não me exime de lamentar atitudes internas por parte dos que apoio e se silenciam perante acusações de cederem a pressões brasileiras e norte-americanas para que não tomem posições públicas de apoio a Lula no combate decisivo contra a ignóbil (in) Justiça brasileira.
Relativamente à Operação Marquês ainda pude engolir em seco perante a passividade do Rato relativamente a alguns dos episódios de evidente violação dos princípios republicanos mais inegociáveis por parte de juízes e magistrados, que usaram e abusaram do princípio da separação de poderes para agirem como ditadores e não como representantes de uma Justiça democrática. A barragem mediática de manipulação contra Sócrates revelou-se tão eficaz, que uma boa parte dos portugueses não dá sequer o benefício da dúvida ao ex-primeiro-ministro numa altura em que, por Lei, ele deveria ser considerado presumivelmente inocente. Se o cálculo teve a ver com os votos perdidos por alguma posição antipática a esses cidadãos com um deturpado conceito do que deve ser a Democracia, só posso considerar lamentável, porque os valores e os princípios devem ser mais importantes do que um ou dois por cento no momento das contas eleitorais.
Mas o que pôde levar Ana Catarina Mendes e a sua parceira espanhola a faltarem à Conferência organizada pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra para a qual haviam confirmado a presença? Se Boaventura Sousa Santos tem razão quanto à relação causa-efeito entre as pressões diplomáticas de Trump e de Temer junto do meu partido para que ele se cale perante a iniquidade com que Lula está a ser tratado no seu país, só posso considerar que quem assim age tem a minha ruidosa discordância.