quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Pírricas ilusões

 

1. Marcelo continua a fazer das suas e, se julga fragilizado o governo, sobe-lhe o instinto predador dos felinos, não se coibindo de tentar que os seus dentes aferroem a suposta presa: na mesma semana em que os resultados autárquicos e as críticas de Pedro Nuno Santos ao Ministério das Finanças possam ter feito António Costa vacilar, optou por desautorizar o governo a propósito das alterações no comando da Marinha.

Sem medo de enfrentar o ataque, o primeiro-ministro e o ministro da Defesa fizeram-se anunciar em Belém para porem os pontos nos is. Que a reunião não terá corrido bem a Marcelo demonstra-o o lacónico comunicado. Prudente, Costa permite a Marcelo salvar a face, mas não deixará de, atempadamente, avançar para aquilo que já decidiu. Tanto mais que o ainda atual CEMA já confessou desconforto com a legislação recentemente aprovada na Assembleia da República não fazendo sentido que desempenhe o cargo com tão intima frustração.

2. É escandalosa a fuga de João Rendeiro para parte incerta? Claro que é enquanto demonstração de uma justiça forte com os fracos, mas assumidamente subserviente com os mais abastados. Durante anos símbolo de um tipo de empreendedorismo, que se ufanava de ter um toque de midas (o título do livro autoencomiástico publicado na mesma semana em que faliu!), o banqueiro é agora um estorvo mediático para as direitas no seu todo e os ultraliberais em particular, que veem revelada a face mais bisonha das suas ideias fora de prazo. E cabe questionar a SIC quanto a ter como cabeça-de-cartaz um advogado, José Miguel Júdice, que foi cúmplice de toda a estratégia do cliente para escapar à merecida punição.

3. Jerónimo a afiançar que o PCP não fará alianças a nível autárquico, mas João Ferreira a avançar a hipótese de apoiar medidas que Moedas quiser aprovar em benefício dos lisboetas? Em que ficamos? Apoia ou não apoia? Tem ou não sentido a proposta de Catarina Martins para que a geringonça bloqueie a ação da direita à frente dos destinos da capital?

No fundo acredito que nem o PCP será muleta de Moedas, nem este verá facilitado a sua ação pela maioria da esquerda prevalecendo o conselho de António Costa para que deixe este primeiro milho para os pardais. Porque nem Moedas, nem já agora o novo edil de Coimbra, têm programa próprio, que dispense os favores do orçamento nacional. É mais acima, na relação entre as autarquias e o governo, que se definirá se têm ou não arte para tocarem a viola que quiseram empunhar. E adivinha-se-lhes pouco talento para tanto. Transportes públicos de borla ou mais baratos para os lisboetas? Pois que seja a edilidade a pagar essa subsidiação, que o resto do país não tem nada que financiar! Uma nova maternidade para Coimbra? Pois! Mas estava no programa do PS, que passou à oposição, não foi?

Adivinham-se plangentes coros de carpideiras em prol das mortes anunciadas de tão vistosas vitórias, sujeitas a redundarem em pírricas consequências... 

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

As eminências pardas na sombra de Carlos Moedas

 

Miguel Morgado, António Leitão Amaro, Sofia Galvão,  João Marques de Almeida e Alexandre Relvas foram os artífices - na sombra! - da vitória de Carlos Moedas em Lisboa e nada têm a ver com a estratégia de Rui Rio para o futuro do PSD. Ligados a Passos Coelho e a Cavaco Silva anseiam por guinar o partido mais à direita deixando-se de pruridos quanto à associação com o Chega, que julgam imprescindível para uma eventual vitória contra as esquerdas. Daí que Paulo Rangel se tenha apressado a considerar aberta a porta para se discutir o futuro laranja no congresso do início do próximo ano.  Porque os próximos meses irão ser particularmente movimentados na definição de alianças, que possibilitem a mudança que essa tendência anseia, porque, a permitirem a António Costa a execução acelerada do Plano de Recuperação e Resiliência para lá de 2023, a possibilidade de verem prolongada a travessia do deserto tenderá a estender-se por muitos anos mais.

Compreende-se, pois, que Carlos Moedas tenha dado a cara por um plano, que conta com o beneplácito do próprio Marcelo Rebelo de Sousa como se viu no nada casual encontro entre ambos na Feira do Livro de Lisboa. E adivinha-se a promoção incessante que o novo edil de Lisboa merecerá da comunicação social enfeudada a esse mesmo enredo, que o transformará no seu novo heróis redentor.

Daí a argúcia que as esquerdas deverão revelar perante aquilo que ele fará doravante. Porque, se a tentação é a de bloquear-lhe as medidas, que ele procurará ver aprovadas e em que não faltarão as de cunho mais demagógico, existe o risco de, deixando-as passar, darem azo a que as televisões as promovam como sinais de grande mudança na cidade, ou se as chumbarem, possibilitarem a vitimização e a eventual demissão para, em eleições intercalares, apostar na maioria absoluta. Circunstância em que surgiria como uma espécie de Cavaco Silva municipal com aspiração a voos mais altos.

Confiemos que António Costa continue a revelar a sagacidade colhida de longa experiência política, que faz dos opositores uns verdadeiros amadores sem arte para se afirmarem como eficazes profissionais da política. Mas que se deve  cuidar esta nova realidade com cautelas e caldos de galinha, nenhuma dúvida subsiste... 

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Hoje soube-nos a pouco!

 

Peguemos na canção do Sérgio Godinho: manifestamente, e apesar da indiscutível vitória, estes resultados autárquicos souberam-nos a pouco! De nada valendo ponderar em cenários alternativos podemos sempre equacionar como estaríamos nesta altura se Fernando Medina tivesse apostado numa nova Geringonça para repetir o sucesso eleitoral de Jorge Sampaio, quando essa solução política foi por este inaugurada? Teria poupado ao Partido Socialista a derrota mais difícil de aceitar nesta noite eleitoral. Se já João Soares pagara as custas de um erro de cálculo, que o levara a pouco se empenhar numa vitória dada como certa, Medina viu posta em causa a previsão de muitos quanto ao seu futuro político na altura de António Costa passar à reforma.

Para as esquerdas no seu conjunto, e para o Partido Socialista em particular, esta ida às urnas deveria servir para compreenderem como, numa altura em que o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda minguam em votos, é altura de se somarem forças para evitar aquilo que se prenuncia para a capital: a entrega da sua gestão a uma equipa manifestamente incompetente e sem visão para levar a peito o trabalho necessário à prossecução do quanto ela mudou para melhor nestes últimos catorze anos. Embora do mal o menos: essas esquerdas têm uma solida maioria de bloqueio na Assembleia Municipal para aquilo que Moedas & Cª queiram destruir.

Mal que vem por bem é a impossibilidade dos diversos candidatos a sucessores de Rui Rio chegarem-se à frente: com as vitórias em Lisboa, em Coimbra e no Funchal, a atual liderança laranja não terá arte para pôr em causa a governação socialista numa altura em que os efeitos da bazuca irão sentir-se duradouramente. Embora com outros cuidados existem condições para manter as direitas secundarizadas nos anos vindouros.

E, igualmente, positiva a limitada irrupção do Chega na  política autárquica. A maré populista, que Ventura pretende criar fica-se pelos pensamentos mágicos, porque nem ele, nem os que o emparceiram, têm condições para irem mais além do que o tal sapo que quis chegar ao tamanho de um boi. Melhor sorte teve Santana Lopes, que não deixa de repetir o guião do que sempre com ele se verifica: depois de uma primeira vez em que a sua ascensão ao poder foi uma tragédia, as subsequentes estão fadadas a tornarem-se sucessivas farsas. 

sábado, 25 de setembro de 2021

Os patetas que andam a tornar-se demasiado perigosos

 

A reportagem sobre os negacionistas e outros movimentos empolados pelas redes sociais para darem expressão às direitas mais extremas, voltam a justificar a leitura da «Visão» desta semana, já muito meritória noutras reportagens em que nos deu a conhecer os meandros clandestinos do Chega. Porque se esses movimentos ainda não assumiram a forma de violência física contra quem decretam serem os seus inimigos pouco faltará para que tal suceda e exista quem ande a preparar os seus prosélitos para tal. E se não conseguem alcançar a expressão dos que invadiram o Capitólio a soldo de Trump, será crível que repliquem entre nós o tipo de crime esta semana ocorrido na Alemanha em que um negacionista, simpatizante da AfD (de que o partido do Ventura será uma espécie de sucedâneo entre nós), matou um jovem de 20 anos numa estação de serviço por ele lhe ter exigido o porte da máscara.

Olhando para quem insultou Gouveia e Melo ou Ferro Rodrigues só existem duas alternativas possíveis: ou o Estado protege-se de tal gente, controlando-os e proibindo-lhes a atividade criminosa, ou haverá sangue a lamentar premiando as televisões e os tabloides que a tem promovido e encontrarão em tais fait divers as audiências e os leitores, que justifiquem atualizações em alta das tabelas publicitárias.

Já vimos que não basta considera-los patéticos: muitos deles andam mesmo a pedir um colete-de-forças. E engana-se a filha de Lobo Antunes, quando, em entrevista à mesma revista, considera necessário ouvir esses potenciais homicidas. É verdade que as suas frustrações radicam em causas mentais, que justificariam preventivo tratamento, mas sabemos bem quanto os verdadeiros malucos sempre se escusam a acreditarem sê-lo... 

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Tudo como dantes

 

1. Aproxima-se o fim da campanha e Rui Rio esforça-se por cultivar o pensamento mágico desvalorizando as sondagens e anunciando grandes vitórias - inclusivamente a de Lisboa - que todas as evidências dão como perdida. Na sondagem da Católica é João Ferreira e a CDU quem recolhem previsão mais animadora ao progredirem como fiel da balança para o novo mandato de Medina. Quanto ao Bloco vemos Catarina Martins a incorrer na mesma tentação que Rui Rio embora as perspetivas lhe sejam sombrias. Mas será, sobretudo, Ventura a engolir em seco no próximo domingo: depois de se ter arvorado em terceira força política a nível nacional a realidade dá-lo-á como líder de um grupúsculo que, no seu único deputado na Assembleia da República, tem e terá a sua efetiva expressão. Muito me surpreenderia que chegássemos à ressaca das eleições autárquicas e não víssemos confirmada a justeza do provérbio sobre o “tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”.

2.  A 76ª Assembleia Geral das Nações Unidas só teve um discurso digno de atenção: o de António Guterres sobre o estarmos todos à beira do abismo e com os nossos governantes a insistirem em orientarem-nos para a direção errada. Entre as banalidades de Marcelo, a fanfarronice de Bolsonaro e a constância de Biden, a quem um ministro francês considerou ser igual a Trump apenas dele se distinguindo por não postar tweets, tudo o mais só propiciou um longo bocejo. Para nosso mal sem consequências de maior...

3. Reportagem elucidativa a e Maria João Guimarães nas zonas rurais alemãs para onde os neonazis estão a mudar-se não só para se apoderarem dos poderes locais, mas também melhor se prepararem militarmente para quando puderem emergir em força e disputarem a governação dos seus estados. Tendo mudado de vestuário e corte de cabelo, retomam os usos e costumes das comunidades rurais do passado, vendendo-se como cultores das tradições alemãs.

Como os nossos nazifascistas não têm imaginação para serem originais não deverão tardar muito a replicar a estratégia dos seus congéneres alemães. Importa, pois, estar atentos a essa  prevista reformulação, porque boçais venturinhas se anunciam um pouco por todo o interior do país e não tão ridículos, quantos conhecemos recentemente na Covilhã ou em São Brásde Alportel. 

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Um alarido desinformativo

 

Grande foi o alarido desta semana sobre  as afirmações, supostamente contraditórias, de António Costa a respeito do despedimento coletivo dos trabalhadores da refinaria da Galp em Matosinhos. Como de costume todos quantos se atiraram que nem gato a bofe a essa intervenção fizeram o habitual quando se trata de desinformar: retirar frases específicas do seu contexto para que pareçam aquilo que não significam. Razão para António Costa ter assinado um artigo de opinião no «Público» desta manhã para desmentir a leitura desonesta, que múltiplos comentadores dela multiplicaram a começar pelo próprio jornal em causa onde o seu diretor, Manuel Carvalho, se apressara a escandalizar-se com a aparente chantagem feita pelo governante a uma grande empresa privada. Como se não coubesse ao Estado a contenção das muitas malfeitorias, que os patrões  costumam encabeçar contra os direitos de quem trabalha.

O que António Costa veio confirmar é quanto de positivo há no fecho de uma instalação, que comprometeria os objetivos do país com a redução da sua pegada carbónica. Mas impondo que essa requalificação de espaços ambientalmente obsoletos seja feita com responsabilidade social e utilizando os mecanismos previstos no Fundo da Transição Justa de que a administração da Galp pretendeu alhear-se:  “Sim, nós temos de fazer a transição energética, nós temos de trabalhar para a descarbonização da nossa economia, mas isso tem de ser feito com consciência social e com responsabilidade”.

Não é difícil imaginar o que passou pelas contas dos donos da Galp: transfeririam para a especulação imobiliária toda a vasta área com vista para o oceano até agora preenchida pela instalação industrial independentemente dos custos sociais envolvidos na operação. Daí que faça todo o sentido a carácter exemplar com que António Costa entende punir a empresa alertando as outras que, igualmente, terão de fechar instalações e queiram imitar a golpada agora em causa.  O Grupo Amorim tem de sentir que o país não permite um tipo de regabofe digno de uma república das bananas. 

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Ter ou não ter (Visão) eis a questão

 

Desde junho de 2014 que António Costa distinguiu-se da concorrência interna dentro do PS e, sobretudo dos seus oponentes de direita por ter aquilo que eles nem sequer sonhavam necessária: uma Visão para o país. Enquanto Passos & Cª tinham habituado os portugueses a uma navegação à vista balizada pelas orientações da troika o então candidato a secretário-geral do PS demonstrou saber muito bem donde vinha e para onde queria ir. O trabalho de uma quinzena de  economistas com que, depois, fundamentou os objetivos para a década seguinte, fizeram-no surgir na campanha eleitoral do ano seguinte com um conjunto muito coerente de propostas, que explicam o seu êxito, mesmo que a intensíssima campanha de desinformação, somada à ajuda do Ministério Público e de alguns juízes ao tornarem José Sócrates num tema diário dos telejornais, só possibilitasse essa vitória com a entusiasmante concertação de uma nova maioria parlamentar.

Nos sete anos entretanto decorridos António Costa sempre tem corroborado essa ideia de enxergar qual a direção adequada para acelerar o avanço da sociedade portuguesa. Apesar dos incêndios terríveis de 2017 ou da pandemia deste último ano e meio, os objetivos mantêm-se apesar de aferidos pela força dos acontecimentos. E o Plano de Recuperação e Resiliência mais não é do que a continuidade dessa ininterrupta preocupação em olhar para os erros do passado e as contingências do presente, superando-as num projeto destinado a garantir uma economia mais competitiva e sustentável, capaz de criar uma comunidade menos desigual.

Olhando-se para os cabeças-de-cartaz dos vários partidos das direitas não se encontra neles uma tal capacidade: as suas receitas cheiram a mofo por se mostrarem avessos a perceber quão obsoletas estão as premissas ideológicas em que insistem em se formatar. Algo que, infelizmente, também se verifica mais à esquerda onde os tacticismos imediatos desprezam os ganhos de médio e longo prazo.

Quando acusam António Costa de só falar do PRR os seus opositores sabem que estão a reconhecer a sua menoridade estratégica: porque ele continua a bater-se por essa Visão ambiciosa de um futuro melhor para todos, algo que nenhum dos rivais consegue contrariar com exequível alternativa.