domingo, 26 de dezembro de 2010

Convite para jantar?

Na mesma revista Philippe Sollers voltava a Sun Tzu e à sua prodigiosa arte da guerra, para evocar alguns dos ensinamentos fundamentais a assumir no confronto anunciado com os nossos inimigos de hoje: Capaz, pareça incapaz; se pronto para o combate, não o deixe assim entender; se está próximo, pareça distante; se distante pareça bem mais próximo; atraia o adversário pela promessa de uma vantagem; apanhe-o na armadilha fingindo uma barafunda; se ele se concentrar, defenda-se; se ele está muito forte, evite-o; se em cólera, provoque-o; se humilhante, excite essa convicção; se bem disposto, fatigue-o, se unido, semeie nele as divisões.
Não sobram dúvidas que, à frente do Partido Comunista Chinês, Mao Zedong foi um fiel executante desta filosofia guerreira. Que os seus actuais sucessores se esforçam por continuar a imitar. E, como aspiramos aos mesmos sucessos, será bom interiorizarmos, que a guerra contra o capitalismo não é, de facto, um convite para jantar e exige um sentido estratégico, que não exclui os golpes baixos. Até porque as classes dominantes não se privam de os aplicar sempre que podem...

Resgatar a linguagem para vencer o conformismo


No «Nouvel Observateur» da primeira semana do mês, o cronista Jean Claude Guillebaud tem uma abordagem muito curiosa sobre a presente crise sofrida pelos povos europeus. Recorrendo ao poeta Friedrich Hölderlin, que olhava para as revoltas do seu tempo e constatava que os povos estavam sonolentos, mas o destino fizera com que não chegassem a adormecer, ele subscreve Wittgenstein quando este propunha que lutássemos contra a forma como a linguagem andava a enfeitiçar a nossa inteligência.
Essa linguagem tem a ver com o discurso verbal assumido pelos poderes políticos e mediáticos das nossas democracias, que procuram interiorizar um comportamento conformista em todos quantos têm tido razões de sobra para os combater.
A forma de resistir aos ditames dos mercados passa por resgatar a linguagem dessas fórmulas habilidosas com que se pretendem claroformizar os povos e devolver-lhe as palavras de ordem de rejeição deste insuportável estado das coisas.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Economicismo e falta de visão

Os nossos jornalistas, mesmo os que parecem reunir nos seus neurónios, maior tendência para a sensatez, caem amiúde na doença infantil destes tempos revoltos: o economicismo. Assim, a subdirectora do Jornal de Negócios, Helena Garrido, escreve hoje nas suas colunas:
Temos de ter uma economia mais parecida com o bambu - que se adapta, sem partir, às violentas tempestades dos tempos modernos - e muito menos igual a uma rígida coluna de cimento que insiste em não se ajustar, e assim se condena à destruição. 
Está bem, podemos dar de barato esta tese. Mas fica a questão: então e as pessoas no meio disto tudo? São peças descartáveis ou contratáveis segundo as circunstâncias?
No fundo Helena Garrido limita-se a acompanhar a tendência das autoridades europeias, que parecem umas baratas tontas em torno de uma crise, que não parecem ter competências para a vencerem. No «Diário de Notícias» comenta o ex-embaixador Manuel Maria Carrilho: o grande problema da Europa não é hoje financeiro ou orçamental, como muitas vezes se diz e a maioria dos líderes - por paradoxal que isso possa parecer - gostaria que fosse. Não, o grande problema da Europa é eminentemente político e resulta, como há dias explicava Helmut Schmidt, da falta de visão e de vigor das suas actuais lideranças.


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

e pur si muove

E se calhar até nem é de estar tão desencantado com a falta de iniciativa da esquerda para combater as políticas de direita, que tanto mal nos têm feito nos últimos anos. Em Atenas há políticos de direita a quase serem linchados na rua, em Itália a vitória de Pirro de Berlusconi no Parlamento põe Roma a ferro e fogo, enquanto manifestantes protestam contra os banqueiros em frente ao Parlamento Europeu. Não esquecendo os movimentos de protesto pela prisão de Julian Assange.
Como diria Galileu, afinal move-se. E esperemos que, mais do que contra os políticos, que se limitam a ser marionetes dos interesses de quem verdadeiramente está por trás de toda esta conjuntura, os movimentos de contestação, violentos ou pacíficos, passem a incidir sobre os banqueiros em particular e os empresários em geral.
A direita tem de sentir que, por muito que o queira, os explorados não se deixarão vergar com a facilidade com que ela esperava...

E se calhar até nem é de estar tão desencantado com a falta de iniciativa da esquerda para combater as políticas de direita, que tanto mal nos têm feito nos últimos anos. Em Atenas há políticos de direita a quase serem linchados na rua, em Itália a vitória de Pirro de Berlusconi no Parlamento põe Roma a ferro e fogo, enquanto manifestantes protestam contra os banqueiros em frente ao Parlamento Europeu. Não esquecendo os movimentos de protesto pela prisão de Julian Assange. Como diria Galileu, afinal move-se. E esperemos que, mais do que contra os políticos, que se limitam a ser marionetes dos interesses de quem verdadeiramente está por trás de toda esta conjuntura, os movimentos de contestação, violentos ou pacíficos, passem a incidir sobre os banqueiros em particular e os empresários em geral. A direita tem de sentir que, por muito que o queira, os explorados não se deixarão vergar com a facilidade com que ela esperava...

Um mafioso adorado pelo Ocidente

Hashim Thaci acaba de ganhar as eleições no Kosovo, estado artificial criado pelos Estados Unidos, pela Alemanha e pelos aliados destes no conflito dos Balcãs para estilhaçar a antiga Jugoslávia, esse sim um país donde emergiram alguns conceitos ideológicos, que valeria a pena voltar a ponderar (a autogestão em economia socialista, por exemplo).
Thaci sempre foi um herói para os anticomunistas ferrenhos, em contraponto a um Milosevic, que foi diabolizado, mesmo quando se rendera aos agressores do seu país no inqualificável Tratado assinado em Daytona.
Agora o Conselho Europeu, num insuspeito relatório emitido sob a sua égide, esclarece-nos melhor sobre as «qualidades» deste herói: chefe mafioso, controla o tráfico de droga, de prostituição e de órgãos no pequeno território, convertido por ele em plataforma de irradiação do seu poder por toda a Europa.
Quando as autoridades ocidentais se preocupam, com razão, na transformação de alguns estados africanos em verdadeiras organizações criminosas, devem olhar com maior perspicácia para este tipo de aliados, que ajudaram a emergir e se transformaram em monstros ameaçadores…
No mínimo exija-se que Hashim Thaçi conheça o mesmo destino do antigo ditador Noriega...

A decadência dos States

Paul Krugman produziu trabalhos sobre economia, que lhe valeram o Prémio Nobel, mas que lhe não bastam para se fazer ouvir pelos seus compatriotas. E o que ele diz merecia bem ser ouvido para impedir uma lenta degradação, que a América vai conhecendo à conta da retórica anti-impostos assumida pela direita nas últimas décadas.
A viragem terá acontecido com Ronald Reagan e a concepção friedmaniana de que cada dólar gasto em impostos é um dólar desperdiçado porque os gestores públicos são incompetentes e despesistas.
Trinta anos depois o resultado é uma América aonde os Estados estão falidos partindo o alcatrão das estradas de forma a transformá-los em gravilha por não terem dinheiro para a sua manutenção, em que a iluminação pública é praticamente desligada e em que programas educativos são abandonados por falta de verbas para os manter. E, ao mesmo tempo, os republicanos forçam Obama a abandonar o projecto de pôr os ricos a pagarem o mesmo nível de impostos a que estavam sujeitos na época de Clinton.
Acusando o Presidente de «socialista», a direita republicana conseguiu fazer-se ouvir através da Foz News e de um conjunto de outras televisões e rádios, que repetem sempre a mesma mentira de forma a convencer os eleitores de que se trata de uma verdade: poupar os ricos ao pagamento de impostos liberta-os de verbas, que irão investir para criar empregos e gerar mais riqueza.
Trata-se de uma falácia cuja tradução na realidade é nula. O nível de desemprego vai crescendo e a maioria da população está privada de apoios de educação e de saúde, que a poderia libertar da condenação à pobreza em que já está mergulhada.
A América necessita rapidamente de uma Revolução, que Obama não quis ou não pode levar por diante. Porque o capitalismo selvagem, na sua forma mais hedionda, já se está ali a revelar como a fonte de infelicidade da maioria dos seus cidadãos.
Embora não se adivinhe nenhuma vaga de fundo destinada a alterar este estado de coisas, as condições para ela surgir crescem dia-a-dia.

sábado, 11 de dezembro de 2010

A Direita entre a autoridade e o seu vazio ideológico

Numa das suas crónicas para o «Jornal de Negócios», o artista plástico Leonel Moura reconhece duas verdades insofismáveis:
Muda-se de país, mas a direita continua a mesma: a autoridade está sempre à frente da felicidade e não se consegue ter uma conversa racional com gente que pensa e se comporta com base no fanatismo religioso e irracional.
E embora haja uma verdadeira islamofobia por parte da direita política de vários países ocidentais, só por miopia ela demora a concluir o quanto de consonância existe entre a sua versão autoritária dos comportamentos socialmente aceites com a perspectiva proibicionista dos regimes árabes mais conservadores. Sobretudo em tudo quanto diz respeito à sexualidade. Por isso, quer na negação dos direitos dos homossexuais, quer na aceitabilidade do aborto enquanto meio de afirmação de uma paternidade responsável, essa direita preconceituosa está de mãos dadas com os mais fanáticos dos talibãs.
***
É uma pena que Schumpeter tenha razão, quando constata que os eleitores continuarão a julgar a política pelos resultados de curto prazo. O que significa sujeitarem-se a todas as formas de manipulação das consciências, que de forma mais ou menos demagógica, é propalada pelos agentes políticos.
É claro que as campanhas em prol dos velhinhos e dos agricultores, propagandeada por Paulo Portas em feiras, é de um primarismo tão óbvio, que dificilmente captará votos nas camadas mais urbanas.
E também, mesmo protagonizando um autêntico vazio de ideias, Pedro Passos Coelho procura valer-se da regra de repetição milhentas vezes da mesma mentira («Governo esgotado») para aparentar o protagonismo de uma alternativa, na realidade, inexistente.
Nesta altura os eleitores estão obcecados pelos aspectos mais imediatos da sua sobrevivência para atenderem a grandes conceitualizações sobre o momento histórico em que vivemos. Aquele em que o capitalismo já não encontra forma de se reivindicar e manter a lógica de exploração em que assenta, mas em que ainda não surgiu uma visão consistente de um projecto alternativo.
Arriscamo-nos a passar de eleição para eleição para mais do mesmo sem conseguirmos sacudir as limitações, que nos tolhem.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Coragem e Ambição

A frase é do filósofo Stuart Mill e encontro-a ao acaso numa leitura de jornais: ninguém pode ser um grande pensador se como pensador não reconhecer que o seu dever é seguir os ditames da sua inteligência. Sejam quais forem as consequências que a mesma o possa conduzir.
Ela surge no momento adequado para ser aferida em torno da personalidade de Julian Assange, por agora aprisionado numa prisão inglesa e em vias de ser extraditado para a Suécia, acusado de singulares agressões sexuais.
Até pode ser que essas violações ou assédios tenham acontecido, mas não deixa de ser significativa a relação causa/efeito entre a acção de divulgação de milhares de documentos secretos norte-americanos e a perseguição ao fundador da Wikileaks. Que dá para ponderar na hipótese provável de uma conspiração destinada a afastar este sério inimigo dos comportamentos mais criminosos do imperialismo norte-americano, lá isso dá!
Porque as histórias de alcova não desmentem o que os documentos em causa já demonstram: uma atitude de constante interferência e manipulação por parte das autoridades de Washington de forma a salvaguardarem os seus interesses financeiros e geopolíticos por todo o mundo.
Entre o poder imperial e o intrépido Astérix do nosso tempo não sobram dúvidas para quem se inclinam todas as nossas simpatias…
Por ora Assange sofre as consequências da sua inteligente militância em prol da transparência, condição fundamental de uma ética democrática…
Quanto aos seus detractores - que escolhem conscientemente o lado da trincheira aonde se situam - o seu mais estafado argumento é o da ambição de Assange. mas como dizia Joseph Conrad, toda a ambição é legítima, salvo  as que se erguem sobre as misérias e as crendices da humanidade.