sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Começar a entender algo sobre o assunto!

 

Há aquela história passada com Pierre August Renoir no seu leito de morte, pedindo material a uma enfermeira para ainda pintar as flores existentes na janela do quarto. Acabada essa derradeira obra ter-lhe-á dito:

- Acho que começo a entender algo disto! - E, no entanto, ele fora dos mais reputados mestres impressionistas, assinando nomeadamente um dos quadros que mais me agrada desse período - o Baile no Moulin de la Galette.

Lembrei-me desta história a propósito do meu reiterado otimismo a respeito da aprovação do Orçamento do Estado para 2022. Pesando todas as possíveis variáveis em equação - a chantagem de Marcelo, as previsões das votações do BE e da CDU nas sondagens, a possibilidade de se verem ultrapassados pela extrema-direita e as cedências sucessivas de Costa a muitas das suas reivindicações - não imaginei admissível a hipótese do que, efetivamente, se verificou. Porque não haveria qualquer racionalidade na opção do quanto pior melhor em detrimento da que se traduziria por valer mais um pássaro na mão do que dois a voar.

Afinal, cinquenta anos depois de iniciar seria atenção à política, tentando entendê-la - passando pelo marcelismo, pelo PREC, pelos governos socialistas e das direitas ou, lá fora, pela queda do muro de Berlim e das torres gémeas - ainda me tenho de reconhecer um verdadeiro amador nessa apreciação. Amador no sentido de amar a política a ponto de dar-lhe contínua relevância no que vejo, ouço e leio. Mas amador, igualmente, no sentido de me faltar o talento profissional para conjeturar possível algo como o que sucedeu. Chego à conclusão que ainda tenho muito que aprender até conseguir entender algo de substantivo. Só espero que venha a ocorrer antes das circunstâncias que tinham levado Renoir à sua famosa conclusão.

terça-feira, 26 de outubro de 2021

O incompreensível ou o racionalmente lógico?

 

A poucas horas de tudo se esclarecer ainda não quero acreditar no que parece inevitável. Até porque, falando na manifestação dos cuidadores informais desta manhã, não foi fácil a Catarina Martins iludir o quão atrapalhada está.

Para o Bloco a situação era fácil de antever: os comunistas dariam uma mão ao governo e o seu discurso poderia continuar a ser o do costume, o do mero protesto sem compromissos a sério com a realidade substantiva do momento. O problema foi saírem-lhe as contas furadas: constatando que a sua situação eleitoral vai-se agravando cada vez mais, os comunistas terão pensando que perdido por cem, perdido por mil e os resultados de agora poderão ser menos maus do que os daqui a um ano e meio. E eis o Bloco a repetir o estigma de 2011 com iguais consequências à vista: então perderam metade dos deputados, desta vez quantos serão os que ficarão pelo caminho?

E, desta feita, António Costa até pode ser tentado a deixar a situação cair de per si, tendo em conta que não lhe será difícil atirar as culpas para quem as já teve no passado. Com a possibilidade de, assim capitalizar os votos à esquerda, que lhe faltaram para a maioria absoluta  nas últimas legislativas. O problema é que não saberá quantos fugirão para a direita numa lógica, que garantiu a Moedas a vitória em Lisboa. Muito embora todas as análises apontem para que não terá sido a direita a congregar mais votos, mas o PS a perdê-los por razões demográficas - a saída de muitos que pertencem à classe média baixa e se viram empurrados pela crescente gentrificação da cidade - e a abstenção dos que julgaram tudo decidido de antemão e se arrependeram no dia seguinte de não se terem dado ao trabalho de irem votar na véspera.

Sem manter o otimismo das semanas anteriores, quando antevia incompreensível outro desiderato, que não fosse a aprovação do Orçamento para 2022, ainda quero crer que não voltaremos à repetição do sucedido há dez anos, quando o regresso das direitas ao poder saldou-se pela perda de muitos dos rendimentos e dos direitos dos pensionistas e dos trabalhadores, quer do setor público, quer do privado.  A acontecer não haverá perdão para quem não se contenta com o possível e manteve pressão para alcançar o que, por agora, não o é. E, infelizmente, eu que embandeirei em arco com a convergência de todas as esquerdas, só poderei envergar o luto por elas não se terem mostrado à altura do que lhes exigem os seus eleitores.

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Contagem decrescente

 

Ontem, ao sair de casa, dei de caras com o meu vizinho da frente, com quem amiúde discuto, porque nos provocamos mutuamente a propósito das respetivas militâncias, eu enquanto socialista, ele como comunista.

 - Então, e o Orçamento? - disparou-me ele a primeira farpa.

 - É como se já estivesse aprovado! - devolvi-lhe eu.

E assim começou a peleja verbal em que dei conta da minha convicção quanto a tudo se resumir a uma comédia de costumes com “happy ending” anunciado e ele a redarguir-me com a injustiça de haver tanta pobreza à nossa volta justificativa da renitência dos seus camaradas.

Não duvido disso e, se tivesse dúvidas, bastar-me-ia o filme visto ao fim da tarde: «Hálito Azul»  de Rodrigo Areias sobre a comunidade piscatória da Ribeira Quente nos Açores. Mas como resolver alguns dos principais problemas, que condicionam a parca riqueza do país. Por exemplo o de termos 1/3 das empresas portuguesas geridas por quem não tem qualquer formação superior. Ora o tempo já não está para «patos bravos», ainda que andem por aí a queixarem-se dos custos das remunerações dos seus trabalhadores ou do custo dos combustíveis, quando a realidade manda reconhecer que lhes falta o saber para a inovação e para a diferenciação, que lhes poderia valer maiores receitas.

É por isso que, por muito que o quisesse, António Costa não pode ir muito além no aumento das verbas para a saúde, para os apoios sociais ou para a cultura. Porque se quisesse satisfazer todos quantos andam na rua a manifestarem-se ou a fazerem greve não bastariam dez orçamentos para os contentar.

Daí que, mesmo sabendo a pouco, o OE para 2022 é bastante melhor do que resultaria de um governo liderado pela tralha cavaquista, que se apresta a retomar as rédeas do PSD.  E a sua eventual reprovação significaria a devolução do PC e do BE ao opróbrio de que se cobriram quando, há dez anos atrás, abriram alas para Passos Coelho investir-se como primeiro-ministro. Com os efeitos bem conhecidos para quem trabalhava ou recebia a sua pensão de reforma...

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Alguns caem no abismo, outros riem no fim

 

1. Por onde andará João Rendeiro? Em Belize? Em Singapura? Noutro lado qualquer? Se tudo me distingue da sua personalidade não deixa de me fascinar como sempre sucede com quantos - na vida real  ou na ficção romanesca ou cinematográfica! - sobem muito alto e, qual Ícaro, chamuscam as asas na queda. Porque justificam uma conclusão: por muito que ascendam socialmente, e gozem as correspondentes mordomias, nunca chegam a ter as características dos que começaram por olhar de longe e quiseram, mais do que equiparar-se, superar na ânsia de se mostrarem melhores. E assim incorrem em riscos, que fundamentam os êxitos iniciais, mas trazem em si os germes da futura decadência. Como se fosse inevitável a assumpção dessa doença infantil de todos os arrivistas.

Resta saber qual será o epílogo desta história: ou uma solidão ao jeito de Barry Lindon ou a captura num momento de maior distração e sempre com outro clássico como regra: o cherchez la femme! Que neste caso serão os passos dados pela mulher com quem casou aos 21 anos e a quem está ligado fortemente. Porque de que lhe servirá a fortuna escondida se dela permanecer distanciado?

2. Outro traço de carácter que me fascina é o de Eduardo Cabrita, extremamente eficiente no que faz adotando uma postura de low profil.  Daí António Costa dedicar-lhe sólida amizade e o qualifique de «excelente ministro». Não admira pois, que a direita se atice contra ele a pretexto do acidente rodoviário que o teve como involuntário espectador. Mas se o azar lhe bateu à porta com esse atropelamento, a sorte ajudou-o com uma meteorologia, que reduziu o impacto dos incêndios nas notícias estivais ou outonais. Mesmo havendo um dispositivo sobredimensionado para os combater. E quanto aos seus mais perigosos inimigos - os que se escondem sob a capa do Movimento Zero - os processos disciplinares em curso na PSP e na GNR tendem a reduzir-lhes a virulência, sendo improvável que não haja mão pesada sobre os que se julgaram acima da lei e quiseram defenestrar uma tutela apontada pelas direitas como alvo a abater.

Eduardo Cabrita tende a ser aquele que ri melhor, porque no fim rirá... 

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

O presumível regresso do cavaquismo?

 

A seis dias da aprovação do Orçamento para 2022 continuo a não acreditar que as esquerdas sejam tão tontas, que deem às direitas um ensejo tão inesperado para recuperarem aquilo que designavam como “pote”. Porque Rui Tavares tem plena razão, quando alerta para o facto de essas direitas nada terem de passistas, mesmo que encabeçadas por quem teve tanta relevância nesse período, porque imbui-as uma lógica cavaquista.

O que quer o historiador dizer com isso? Em novembro de 1985, quando alcançou a liderança do governo depois de ter ido fazer a revisão do carro à Figueira da Foz, Cavaco aproveitou oportunisticamente o equilíbrio das contas públicas, alcançado pelos governos de Mário Soares, mesmo que mediante os ditames do FMI, e sobretudo os muitos milhões inerentes à entrada para a CEE, que  fora igualmente obra do antecessor socialista. Sem nenhum mérito ter tido para conseguir essa situação muito favorável, Cavaco pôs-se a despejar esses dinheiros vindos de Bruxelas em autoestradas, rotundas e outras variantes de betão, que encheram os bolsos a tantos dos seus correligionários e muito particularmente ao que vieram a integrar os cargos sociais do BPN ou nele tiveram contas prodigamente remuneradas com juros acima dos da concorrência.

Imaginemos que o governo de António Costa caía e íamos para eleições. Se o Bloco ou o PCP contam fazer campanha a lembrar os apertos dos cintos por causa da troika bem enganados estarão: a exemplo de Moedas em Lisboa, que prometeu tudo e mais alguma coisa, renegando a sua conhecida filiação austeritária, os partidos das direitas irão fundamentar-se nos muitos milhões do PRR para abalançarem-se a prometer aquilo que nem dois ou três PRR’s seriam capazes de financiar. Que essa estratégia de marketing político dá resultados, mesmo quando parecem tão improváveis, mostra-o os que constatámos na noite de 26 de setembro.

Tendo em conta que nem bloquistas, nem comunistas ganharão eleitoralmente nada de substantivo - pelo contrário podem replicar o revés do partido de Louçã, quando propiciou a vitória de Passos Coelho em 2011 - não se imagina que prazer perverso poderão ter de uma única satisfação: a de verem o PS remetido à oposição de um eventual governo das direitas...

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

O esquecimento dos temas incómodos e um lobo em pele de cordeiro

 

Quanto tempo durou o tema dos Pandora Papers nos telejornais? Esgotado o objetivo das redações em assegurarem momentâneas audiências e iludirem quem, a cada uma dessas notícias, acha mais perto o estertor final do capitalismo e de todas as indecorosas desigualdades de que é feito, tudo voltou ao normal: tempos infindos com polémicas sobre o Orçamento destinadas a delas nada sobrarem daqui a uns dias, as contradições no currículo de uma mediática comentadora televisiva prestes a perder as mordomias de investigadora e os sempre vistosos rios de lava numa ilha das Canárias. Além do sempre omnipresente futebol.

Quase ninguém atribuiu grande significado ao facto de as direitas europeias irem perdendo fôlego, mesmo que as alternativas ditas sociais-democratas quase se lhes assemelhem no mais do mesmo. Merkel vai para a reforma e todos os cinco países escandinavos deram igual ordem de marcha para os antigos governos conservadores, encontrando-se inusitadamente liderados por quem está ligado ao ideário da moribunda Internacional Socialista. Sinal de como as direitas andam atabalhoadas a procurarem um prudente distanciamento das suas tendências mais autoritárias mas têm dificuldade em convencer os eleitores quanto às virtudes do tal mercado feito de bancos, de sociedades de advogados e de consultores financeiros vocacionados para esconderem nos Panamás e outros offshores as prodigiosas riquezas acumuladas por quem não teve de muito suar para delas se fazer proprietário.

Não admira por isso que, no esforço de credibilizar um entusiasta dessa alternativa ideológica, os mesmos veículos mediáticos exultem com a anunciada primeira medida de Moedas para Lisboa - transportes gratuitos - que nem os mais ousados autarcas ou governantes das nossas esquerdas se atreveram a levar à prática. Isto vindo de uma das eminências pardas do (des)governo que os queria entregar à dita «iniciativa privada». Haverá melhor exemplo de um lobo a querer vestir a pele de cordeiro? 

sábado, 16 de outubro de 2021

Ópera bufa, tragicomédia ou dramalhão daqueles em que todos morrem no fim?

Parecemos fadados para assistirmos a uma réplica lusa da ópera bufa italiana muito embora as televisões forcem a barra esperançadas em que a comédia acabe na almejada tragédia com que possam conjugar o dois em um: aumentarem as audiências e livrarem-se de um governo, que se assemelha à cruz donde diabolicamente tentam escapulir-se.

Daqui a uma dúzia de dias concluiremos se temos esquerdas estúpidas, dispostas a estenderem, uma vez mais, o tapete vermelho às direitas, ou se apenas apostam naquela lógica de, mesmo delas falando-se mal, o que importa é assumirem um protagonismo habitualmente concedido aos comentadores da trincheira oposta. Para já o «crime» parece compensar: há muito tempo, que não se viam tantos dirigentes do Partido Comunista ou do Bloco de Esquerda a marcarem presença nos telejornais.

Azar o das direitas extremas, que tinham Congresso marcado para o fim do mês: com tanto  dramatismo, a que se soma o da iminente defenestração de Rui Rio, as atenções ainda mais delas se desviam e. daí, temos uma delas a adiar a festança, ciente de nenhuma atenção mediática captar e a outra a mantê-la, mas porque a sua inconsequência é a mesma, com maior ou menor presença das câmaras televisivas. Como escreve São José Almeida no «Público» de hoje: “a imagem que hoje passa do CDS é a de um partido vazio, em que não há sequer a rapa do tacho, apenas resta o fundo do tacho, que até já se rompeu de tão esfregado com palha de aço.”

Uma coisa é certa: acaso sejam chamados mais cedo a eleições os portugueses estarão confrontados com o ter-se reprovado um Orçamento que reduz o défice em 1.1% do PIB, corta a divida pública em 4,1% e diminui 0,2% ao défice estrutural, mesmo com a despesa pública a crescer 8%. Respondendo ao mesmo tempo à emergência de termos uma dívida de 135% do PIB, mas importar que se deem respostas sustentáveis à existência de dois milhões de pobres (trezentos mil dos quais crianças), à realidade feita de muita mão-de-obra pouco qualificada e a usufruir baixos salários enquanto a burocracia e a justiça emperram quanto possa ser acelerado para promover crescimento económico mais acelerado.