segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

A lenta evolução dos comentadores

Ao ler a crónica dominical de Manuel Carvalho no «Público» («A Anatomia da ‘geringonça’») confirmo o que se vem detetando nas semanas mais recentes: alguns dos comentadores da atualidade política estão a rever as suas opiniões e a perderem a maledicência com que começaram por reagir ao novo governo da maioria de esquerda.
Manuel de Carvalho foi um dos que defendeu acerrimamente a vitória do PàF nas eleições e o seu direito a governar, sugerindo ao PS o acatamento das posições defendidas por Francisco Assis ou Álvaro Beleza.
Mas no texto desta semana, e depois de comprovar a sagacidade com que António Costa tem correspondido a cada desafio, já vem reconhecer que, a cada semana que passa, vai-se consolidando a ideia de que, com a "geringonça", tudo é possível.”
Ele não aborda aqui a sucessiva demonstração de incompetência de Passos Coelho em encontrar um discurso credível para justificar uma alternativa da oposição, mas é ela que vai fazendo pender alguns outros comentadores para a constatação do óbvio: os resultados estão a aparecer e a direita mais não faz do que ensaiar spins absurdos, como o lançado durante o fim de semana pela putativa líder do CDS, quando sonha num PS sem António Costa.
Um outro fórum onde se vai confirmando esta tendência para a neutralização dos discursos inicialmente muito negativos para com o primeiro-ministro também se verifica no «Eixo do Mal» onde, esta semana, o Luís Pedro Nunes acusava Clara Ferreira Alves e Pedro Marques Lopes de o deixarem sozinho na trincheira dos combatentes da «geringonça».
O desnorte da direita, bem patente no discurso enraivecido de Passos Coelho e nas fantasias de Cristas, só se vai agravando à medida, que as esquerdas dão sinais de apoio duradouro a esta solução governativa. E se esperava de Arménio Carlos as declarações de rutura, que prenunciariam a identificação dos seus sonhos com a realidade, bem pode esperar sentada. Com o pragmatismo das várias esquerdas, a inteligência de António Costa e a competência dos vários ministros à frente das respetivas pastas, a espera prometerá ser longa...

domingo, 28 de fevereiro de 2016

O racismo e a noite dos Óscares

Esta é a noite dos Óscares, mas ela não diz respeito a filmes memoráveis, que impliquem a vontade de uma atenção empenhada quanto à sua possibilidade real em serem premiados. Se interesse existe na cerimónia  reside no boicote da comunidade negra de Hollywood, que não se comoveu com o facto de a ver apresentada por Chris Rock.
Num ano em que não houve nenhuma nomeação para atores ou atrizes da comunidade afro-americana, confirma-se a opinião de muitos que dizem não existir um problema racial nos Estados Unidos, já que eles são em si mesmos esse problema!
Porque orientada exclusivamente para o lucro, a máquina de Hollywood escusa-se a contratar artistas de comunidades étnicas, apesar delas constituírem mais de 30% da população e todas as estatísticas demonstrarem serem elas a mais frequentarem as salas de cinema. Mas optando por andar sempre em círculo, os estúdios fazem a fama de atores e atrizes de pele branca, e só a eles contratam, porque são eles os mais conhecidos e, por isso mesmo, os mais capacitados para suscitar receitas mais avultadas.
Na prática, quando se está a equacionar esta questão é a da desigualdade que vem ao decima: numa sociedade em que a cor assume importância significativa para se pertencer a uma das várias classes e subclasses sociais, dificilmente Hollywood superará este estigma de racismo sem a sociedade norte-americana em si própria encontrar as soluções para não parecer tão disfuncional. A suposta terra das oportunidades é, sobretudo para os que não são brancos, o espaço de incontornáveis pesadelos...

De eurófilo a quase eurocético

Esta semana, no «Jornal de Negócios, li o que Fernando Sobral opina sobre o retrato atual da União Europeia e não posso estar mais de acordo: “vai sendo cada vez mais uma moeda (o euro) e um exército de burocratas sediados em Bruxelas que estão apenas preocupados com os défices excessivos e não com o problema de milhões de migrantes, a crise do desemprego ou os atentados às liberdades em diferentes países do Leste europeu”.
E, no entanto, há trinta anos eu era um eurófilo entusiasta, que antevia um futuro próspero num continente democrático, desenvolvido e capaz de garantir o bem estar das suas populações. Os danos causados pela substituição dos políticos da dimensão de um Mitterrand e de um Kohl, pela casta de funcionários eivados de uma cartilha neoliberal - vide o grotesco relatório deles emanado esta semana e em que fazem um despudorado bota abaixo das políticas do nosso governo! - criou todas as disfuncionalidades, que a entrada acelerada dos antigos países de Leste e a sobreposição dos interesses financeiros aos dos eleitores, precipitou o estado calamitoso em que a União se arrasta.
Hoje, quando ouço os dirigentes do PCP a defenderem a saída da União, continuo a discordar do que dizem, mas compreendo o fundamento em que assentam essa proposta. Não se colocando para já a implosão da organização, ela vai avançando cada vez mais nesse sentido e lá chegará o dia em que a questão se colocará e se decidirá minimizando-se os custos na medida do possível.
É por isso que o referendo sobre o Brexit pode significar mais um salto qualitativo num futuro, que se adivinha.
Provavelmente são os ingleses os que mais padecerão com o seu isolamento, muito embora a evolução da sua colonização pelos EUA possa minimizar-lhes os custos. Mas os alemães não deixarão de fazer de Frankfurt uma praça financeira tão ou mais importante do que a City, e na terra de Sua Majestade já não sobra indústria nem minas para reorientar uma economia menos assente no seu atual paradigma. E a Escócia encontrará motivos para se independentizar…
Mas não faltarão os que, doravante, dentro da União Europeia, pressionarão para conseguir o mesmo tipo de facilidades agora atribuídas ao Reino Unido. O que levará à questão: para que servirá ainda uma organização sem qualquer cimento que ainda consiga ligar os seus membros?

Três exemplos de falta de vergonha

Uma das principais mudanças culturais que o pass(ad)ismo veio implementar em Portugal foi a cultura da irresponsabilização.
Que importam as evidências em como o titular de um alto cargo público foi negligente, se não mesmo legítimo suspeito de atos ilícitos? Ou viu rejeitada toda a estratégia sob que assentava a sua permanência no cargo? Quando isso sucede o referido titular agarra-se como lapa à rocha ao seu lugar não querendo separar-se de todas as mordomias por ele garantidas.
O caso de Carlos Costa é lapidar: por uma questão de decência nem sequer deveria ter aceite que Passos Coelho o reconduzisse no Banco de Portugal tão danosos têm sido os efeitos da sua incompetência. E, no entanto, a entrevista ao «Expresso» demonstra a intenção em não retirar consequências da crítica generalizada de que se vê alvo.
O mesmo se passa com Joana Marques Vidal, sobre quem recaem suspeitas plausíveis de ter utilizado o cargo de Procuradora Geral da República para avalizar a campanha de assassinato político a José Sócrates alimentada a partir das manchetes de um pasquim em forma de jornal, e contra o qual tardam em surgir fundamentadas razões para duvidar da sua inocência. Tudo parece apontar para a instrumentalização do Ministério Público numa campanha para prejudicar seriamente o Partido Socialista na altura em que se perspetivavam as eleições legislativas.
É a mesma personalidade, que deveria retirar ilações óbvias da responsabilidade de liderar uma instituição onde um caso de corrupção tão escandaloso como o verificado com Orlando Figueira ter ocorrido sob a sua alçada e senão mesmo com a sua cumplicidade., porque, de outro modo, como explicar que, em 2012, tenha impedido o Conselho Superior do Ministério Público de inquirir esse mesmo procurador  sobre a entidade para quem estava a trabalhar.
A concluir, e dentro da mesma lógica de denodado esforço para se manter em funções apesar da condenação pública da tutela está o ainda presidente do CCB, António Lamas.
Desde a tomada de posse do governo, que ele teve a confirmação do dobre de finados sobre o seu projeto mastodôntico de associar diversas instituições culturais de Lisboa Ocidental, mesmo à revelia das opiniões da Câmara Municipal. A mais elementar decência deveria tê-lo levado a escrever a carta de demissão ou, no mínimo, a pôr o seu cargo á disposição do novo Governo.
Porque assim não o fez, ei-lo disposto a arvorar-se em vítima de saneamento político, quando está meramente em causa a sua falta de vergonha.
Esperemos que a governação de António Costa volte a criar uma atmosfera menos pantanosa retomando-se o salutar princípio de, perante o que corre mal, as culpas não morrerem solteiras. E que se crie uma abissal diferença ética entre a probidade socialista e a imoralidade da direita.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

A urgente reparação dos estragos dos últimos quatro anos

O passivo apresentado pelos quatro anos de desgovernação da direita é pesadíssimo em muitas das áreas em que ela aplicou a regra de cortes, e mais cortes, e ainda mais cortes, para alcançar a mirifica meta de ter um Estado com um excedente de receitas em relação às poucas despesas, que manteria. Apenas os alucinados do Tea Party assim pensam.
A lógica do burro do tal sujeito, que comeria cada dia menos palha até se habituar a trabalhar sem comer - e que resultaria obviamente na sua morte! - foi a estratégia que fez com que, entre 2010 e 2014, o investimento público em ciência caísse cerca de 200 milhões e o investimento privado cerca de 330 milhões.
Estes números são os que o atual ministro da Ciência revela na entrevista ao «Público»  para constatar que “as medidas de austeridade tinham uma agenda neoliberal, esquecendo-se de que os recursos humanos são importantes e partindo do princípio - errado - de que o investimento público podia ser substituído por investimento privado.” Algo que nunca se passou em lado algum no mundo desde a II Guerra Mundial.
A ideia de reduzir o Estado á mínima expressão possível na expetativa de ver a iniciativa privada a substitui-lo só continua a ter cabimento na cabeça de lunáticos encadeados pelo fanatismo da sua ideologia.
A herança recebida pelo atual governo é, pois, a de um setor científico donde forma esbulhados 530 milhões de euros nos últimos anos, fazendo com que o distanciamento em relação aos padrões europeus se alargasse.
É por isso que Manuel Heitor retoma o testemunho, que foi deixado cair desde a saída de Mariano Gago da tutela da Ciência em 2011 e intenta fazer do conhecimento o desígnio da sociedade portuguesa. Numa altura em que se estão a formar 1,8 doutores por 10 mil habitantes - metade do que faz a Holanda e menos de metade do que sucede na Alemanha - é errado pensar-se que já temos demasiados doutorados para as capacidades do país. É precisamente o contrário, que se conclui, acabando de vez com a prosápia de pensar que a Ciência é uma atividade apenas reservada a uma elite.

A urgência de extirpar um cancro que a todos nos mina

Comparemos o cartaz polémico lançado nas redes sociais pelo Bloco de Esquerda para comemorar a vitória no Parlamento a respeito da adoção de crianças por casais do mesmo sexo e a capa do «Expresso», onde Carlos Costa arma-se em arruaceiro e diz: «Seria curioso demitir-me por um pequeno incidente».
Entre as duas imagens a que me indigna, a que me revolta, é obviamente a segunda.
Eu sei que a direita tem uma fobia recente com os cartazes como sucedeu com os do PS na pré-campanha eleitoral do verão passado. Descobriu então que a melhor forma de distrair os incautos da substância das coisas é disparar célere sobre a sua aparência e conseguiu recolher frutos dessa tática habilidosa, mas sem pinga de escrúpulo.
Dar-se-á entre nós um passo civilizacional muito positivo, quando se conseguir rir de tudo, como fazem os ingleses para os quais é perfeitamente normal fazer da rainha a protagonista das suas chalaças. Por cá ainda se continua a considerar crime de lesa majestade “ferir” certos símbolos e, por isso mesmo são muitos os exemplos ocorridos na história da nossa Democracia em que desde o Teatro da Comuna ainda em 1974, a João Grosso que se “atreveu” a cantar o hino nacional em versão rock em 1986,  de Herman José censurado em 1988 por entrevistar a Rainha Santa isabel até à absurda atitude de Sousa Lara a respeito do «Evangelho Segundo Jesus Cristo» de Saramago, são demasiados os casos em que as vacas sagradas, sejam os defensores do hino sejam os paladinos das crendices católicas, não hesitaram em lançar as suas fatwas.
Por uma questão de coerência se ainda há um ano assumia claramente o «Je Suis Charlie» em resposta ao atentado terrorista contra quem utilizava Maomé no seu exercício de liberdade de expressão, só posso estar do lado dos que não veem qualquer problema em recorrer à imagem de Jesus. Até porque o clero, que agora manifestou indignação pelo cartaz, é o culpado de tanta infelicidade sentida nos últimos anos pelos casais, que só agora viram respondidas as suas aspirações a serem entendidos como progenitores com os mesmos direitos dos que são heterossexuais.
Pusesse a Igreja Portuguesa a mão na consciência para conseguir o perdão dos muitos pecados devidos ao seu fanatismo ideológico e teria menos tempo para se dedicar ao fútil esforço de condicionar a liberdade de expressão alheia.
Da mesma forma que os autores do cartaz polémico não prejudicaram ninguém ao contrário dos que invocam o santo nome de deus em vão - para quando um pedido de perdão pela óbvia cumplicidade da Igreja portuguesa com a ditadura? - também os lesados do BES, e porventura do Banif, só poderão sentir um acréscimo significativo de revolta pela despudorada frase de Carlos Costa.
“Um pequeno incidente” todo o conjunto de atos e omissões, que deixou tanta gente na miséria e a maioria dos portugueses a pagarem os custos da sua negligência, se não mesmo cumplicidade, nos atos ruinosos da Banca privada nos últimos anos?
Carlos Costa já deixou de ser um mero erro de casting ou um cúmplice da direita na destruição do setor bancário em Portugal para ser um cancro de que os portugueses se devem rapidamente livrar sob pena de ainda serem chamados a pagar custos mais elevados pela sua nociva ação.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

O Pós-Capitalismo e o desafio imposto à esquerda ocidental

A preguiça mental da direita, tema abordado em texto anterior, tem fundamento no que Paul Mason defende quanto a já estarmos na fase pós-capitalista da história humana. É que, segundo o título cuja tradução portuguesa estará em breve disponível nas livrarias - o neoliberalismo constituiu uma experiência falhada numa doutrina económica incapaz de se renovar.

O que distingue a fase atual do capitalismo das anteriores é a impossibilidade de contar com o fator de alavancagem para ressurgir das cinzas vaticinadas pelos ideólogos marxistas. Com a globalização o sistema já não consegue expandir-se e garantir um crescimento sem o qual está condenado a morrer. Ainda se a conquista espacial tivesse saído dos limites da ficção científica e ganho substância, a passagem da globalização para a universalização económica poderia dar novo fôlego a uma lógica assente no comércio livre e na angariação de mais-valias.
A financeirização da nossa organização económica só veio agudizar a inexistência de soluções para um neoliberalismo, que se negou a si mesmo, quando voltou a dar importância ao Estado, não enquanto regulador e corretor das desigualdades, mas como ferramenta indispensável para a defesa dos interesses plutocráticos de uma minoria desfasada das mais comezinhas realidades sociais.
Mason vem associar-se ao número crescente de pensadores para quem a situação se coloca nestes parâmetros: ou acabamos com o capitalismo para defender a Democracia ou aceitamos que ele transforme o planeta numa distopia marcada pela pobreza generalizada, pelo ambiente insalubre e pela explosão demográfica.
As soluções, que preconiza até vão mais longe do que as sugeridas por Thomas Piketty no seu «O Capital no século XXI»: preconiza a nacionalização de todos os setores fundamentais para a qualidade de vida das pessoas, desde o setor energético à banca, sem esquecer a saúde e a educação entendidos como obrigatoriamente gratuitos e universais.
Convenhamos que constatar a seriedade com que as publicações mais ortodoxas do capitalismo puro e duro encaram essas ideias demonstram como elas ganham pertinência e representatividade nos fenómenos políticos emergentes de que Corbyn em Inglaterra e Sanders nos EUA são os exemplos mais recentes.
É por tudo quanto está a suceder na esquerda ocidental, que se podem considerar anacrónicas as conceções de quantos, ainda dentro do Partido Socialista, teimam em pôr a cabeça na areia e continuam a julgar que as coisas continuarão a ser como são.
Não é verdade, e é por isso mesmo que António Costa inovou ao romper com hipóteses até então tidas como axiomas inquestionáveis, mas estilhaçados pela dinâmica política e social, que está a mudar o rosto ao país.
Quem se atreverá a voltar a invocar o «arco da governação» ou a ridícula ideia da superioridade da gestão privada sobre a nacionalizada?

A preguiça como doença serôdia da direita pass(ad)ista

Para ser vitoriosa, e conseguir sucesso duradouro, um ator político tem de mostrar ideias próprias e exequíveis, capazes de mobilizar apoiantes para a sua concretização.
O que a direita vem revelando desde a sua derrota (sim, derrota!) de 4 de outubro, é uma preguiça mental já detetável anteriormente, mas agora particularmente comprometedora para a viabilidade de um projeto político vencedor. Tanto mais que inteligência e determinação não têm faltado à esquerda parlamentar.

O que tem caracterizado o PSD de Passos Coelho é uma perseverante preguiça mental, que o tem levado a não ter qualquer ideia própria para a governação do país.
Quando ganhou as eleições de 2011 optou por incluir no elenco ministerial o desconhecido Vítor Gaspar, que trazia consigo o cardápio das receitas austeritárias, compradas de bom grado pela direita, julgando assim aplicar uma estratégia ideológica capaz de a perenizar no poder.
Privatizando tudo, retirando capacidade reivindicativa a quem trabalhava, fazendo acelerar o cerco ao moribundo movimento sindical e controlando toda a comunicação social, não tinha de pensar o país e muito menos favorecer o seu desenvolvimento. Passos & Cª convenceram-se de só ser necessário manter os credores satisfeitos, que tudo o resto se comporia. Auferindo rendimentos do trabalho cada vez mais baixos, os portugueses sentiriam o emprego como um privilégio e nada oporiam a tornarem-se tão “competitivos” quanto os bengalis ou os vietnamitas.
Enviados os jovens para o estrangeiro poderia esperar-se, que as suas remessas de dinheiro para apoiar os progenitores desempregados ou com reformas de miséria, ajudassem a compor o défice financeiro.
Ao fim de quatro anos a nisso porfiar, Passos Coelho lamentou não ter conseguido reduzir os custos do trabalho!
Quando Gaspar constatou o falhanço da sua estratégia e arranjou emprego de luxo no FMI, Passos ficou sem o ideólogo, mas resolveu prosseguir na mesma via ao colocar Maria Luís em comunicação permanente com Schäuble, que dela fez sua marioneta em prol da continuidade dos interesses germânicos no nosso país e numa União Europeia onde sempre pode contar com o voto português quando necessário como sucedeu no esmagamento de Varoufakis para quem a incumbiu do papel de «polícia má».
A preguiça mental e funcional da direita foi sempre tão constante - a preocupação esteve sempre no desenvolvimento da propaganda mentirosa e deturpadora com que julgou possível a manutenção do poder - que Maria Luís nem sequer se deu ao trabalho de apresentar o draft do Orçamento de Estado a que estava obrigada e tornou Portugal no único país em incumprimento de uma das normas mais pertinentes do Tratado Orçamental.
Mas já antes, enquanto o PS apresentava aos eleitores uma sucessão de documentos aprofundados sobre o que propunha para o país - desde a Agenda para a Década até ao estudo macroeconómico dos 15 economistas - o efémero PàF limitou-se a ter como programa tudo quanto dissera ter feito até aí, muito embora entre a embelezada descrição dos resultados e a realidade dos indicadores a distância fosse abissal. Uma vez mais só a barragem desinformativa da comunicação social possibilitou que muitos milhares de eleitores, objetivamente prejudicados pelos quatro anos de (des)governação da direita, se deixassem iludir e nela voltassem a votar.
Falhado o propósito de conservar o pote, a direita entrou em perfeito desnorte por desconhecer como contrariar a determinação e inteligência revelada por este Governo que, uma a uma, vai derrubando as barreiras levantadas ao seu sucesso.
Sem superar a preguiça em pensar por sua própria cabeça, a direita tem apostado tudo em eleições antecipadas, que vê desesperadamente como cada vez mais improváveis. E, no seu desnorte, mostra-se incapaz de formular alternativas ao Orçamento, limitando-se a desaprovar na generalidade com o voto e a abster-se na especialidade. Mesmo que os próprios comentadores da sua área comecem a  demonstrar o incómodo em defenderem algo tão estrategicamente desaconselhável.
A Política pressupõe ter ideias inovadoras, que consistam em metodologias e argumentações distintas das de realidades conjunturais já ultrapassadas. Sem qualquer ideia mobilizadora para quem nela votava a direita está condenada a uma duradoura travessia no deserto se a competência e a sorte acompanharem o governo a desmentir todos quantos dizem impossível a execução orçamental em breve promulgada.
E, numa achega final, convenhamos que a forma como Marcelo Rebelo de Sousa se comportou para vencer a eleição presidencial denotou a mesma serôdia preguicite: enquanto Sampaio da Nóvoa apresentava uma Visão de Futuro para o país, o injusto vencedor limitou-se ao seu burlesco número de comediante televisivo. Com sucesso, mas como será no exercício do mais alto cargo da Nação só muito em breve o saberemos...

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

O caminho que se faz a andar

A discussão do Orçamento Geral do Estado constituiu um momento alto da Democracia portuguesa, por ter sido a primeira vez em quarenta anos, que toda a esquerda se uniu na aprovação do documento fundamental para tornar possível a governação de um Executivo da sua confiança. Assim se desmentiu, uma vez mais, essa direita ressabiada, que vai emitindo sucessivos palpites apocalíticos e todos eles esbarram numa realidade invariavelmente bonançosa para António Costa.
Passos Coelho & Cª lembram a história do Pedro e do Lobo: tantas vezes avisam vir aí a besta cruel, que poucos o acreditarão num futuro próximo. Depois da suposta inevitabilidade de uma rutura a curto prazo entre o PS e as demais forças da esquerda parlamentar, o “lobo” passou a ser a Comissão Europeia, que nunca deixaria passar o Orçamento. A rábula de idêntica probabilidade para a apreciação do Eurogrupo não durou um dia.
Agora a mesma estratégia de semear o medo transitou para abril, quando a agência de notação canadiana anunciar a revisão da classificação da dívida portuguesa. Mas, como os seus técnicos têm reiterado o conforto com a decisão de deixar tudo como está, as perspetivas apresentam-se pouco risonhas para a direita!
Sobra enfim a obrigatória apresentação do novo PEC, mas com todos os países a entrega-lo na mesma altura, o que justificaria uma atenção particular à situação portuguesa, quando existem outras bem mais inquietantes, como acontece com a Itália?
Para quem viu o debate do Orçamento o mais estranho foi a direita alternar entre a condenação da excessiva liberalidade despesista do governo e a sua imputação com o selo da austeridade. Como se fizesse algum sentido declarar no mesmo discurso uma coisa e o seu contrário.
Embora ainda agora a procissão vá no adro, crescem as expetativas de a ver, duradoura, a cumprir todo o seu percurso previsto. É que, além de contar com líderes mais pragmáticos do que alguma vez havia sucedido até agora, a esquerda parlamentar sabe bem quanto depende da satisfação das aspirações dos eleitores para assegurar a sua sobrevivência comum. Um equilíbrio de interesses, que tem tudo para dar certo...

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

A mesma luta que une António Costa ao Papa Francisco

Há dias o Daniel Oliveira dizia sentir uma simpatia cada vez maior pelo Papa Francisco. Algo que, como ateu confesso, partilho. Até por ver na sua ação uma singular semelhança com o nosso atual primeiro-ministro. É que ambos lideram organizações extremamente conservadoras, que enfrentam o desafio de se adaptarem aos Tempos Novos.
Comecemos pelo líder do Estado do Vaticano. Ainda o fumo branco estava a desvanecer-se nos céus romanos e já ele dava sinais de querer mudar a forma e a substância das coisas relacionadas com a Igreja Católica.
Se não se lhe conhecera anteriormente uma atividade particularmente mediática a respeito de uma Visão do clero em rutura com os seus usos e costumes, cedo se compreendeu a identificação com uma grande maioria de católicos incomodados com as sucessivas e absurdas profissões de fé em prol de causas absurdas como a contraceção ou o reconhecimento dos direitos das minorias.
Francisco terá percebido que, ou a Igreja Católica muda, ou o número de crentes diminuirá irreversivelmente, quer para outros cultos, quer, sobretudo, para o agnosticismo.
Mas se a cúpula já percebeu a urgência em mudar - o que se comprova na enorme simpatia de que goza por todo o mundo católico! - o mesmo não se passa nos que supostamente lidera. Basta olharmos para as declarações do atual Patriarca de Lisboa e das Conferências Episcopais para nelas detetar o incómodo de verem um comboio a passar pela estação sem quase lhes dar tempo para nele entrarem.
Para Francisco a questão colocar-se-á nestes termos: ou a carruagem avança suficientemente depressa para apanhar os muitos católicos que a esperam na próxima estação ou espera pelos que estão atrasados com o horário e, quando lá chegar, já só outros retardatários quererão entrar. E é o esvaziamento da Igreja Católica, que se verificará.
Mudando de agulhas para a carruagem socialista, o primeiro momento em que a letargia nele sentida - e que o tendia a estiolar!, - se viu sacudida por um sobressalto digno desse nome, foi quando António Costa se disse disponível para liderar o Partido.
O processo das Primárias veio demonstrar o que se adivinhava: contra a linha seguida nos anos anteriores, os simpatizantes e eleitores socialistas exigiam uma viragem bem mais à esquerda do que pressentiam na sua liderança.
O entusiasmo com que António Costa se viu guindado a líder socialista teve a ver com a promessa de um Tempo Novo.
Inconformado com a lógica do «arco da governação» e rejeitando uma linha ideológica assente em fazer o mesmo tipo de políticas que a direita, apenas mitigada por uma maior sensibilidade social, o PS direcionava-se para os resultados entretanto obtidos pelo PASOK grego, e os previsíveis para o PS francês e para o SPD alemão depois dos atuais mandatos que nada os têm distinguido do que, em seu lugar, fariam respetivamente a direita sarkozista ou os liberais do FDP.
Seguro, então, e agora Assis, Beleza e alguns mais, execram a atual solução governativa, teimando nessa tese obsoleta, segundo a qual as eleições são ganhas ao centro.
Seria assim se os anos mais recentes não tivessem radicalizado a direita para um extremismo, que tornaria tal solução uma mera ocupação de terreno político sem cuidar em dar respostas credíveis a um número crescente de eleitores atraídos por partidos mais coloridos, quer à esquerda (o Syriza, o Podemos, o Bloco de Esquerda) ou à direita (a Frente Nacional lepenista em França ou o UKIP inglês). Ainda que, no caso britânico, a eleição de Jeremy Corbyn para a liderança trabalhista prenuncie uma viragem à esquerda dos partidos socialistas europeus, que apostem em não definhar.
O problema para António Costa é que, se o eleitorado socialista está com ele - como o demonstram todas as sondagens, que dão o PS como sendo novamente o Partido mais votado! - os militantes ainda continuam presos aos antigos métodos em que imperam as vontades dos caciques locais.
Explica-se assim, que nas eleições para as Federações - que se realizarão na primeira semana de março - surjam pelo país muitas listas claramente conotadas com o Tempo Velho, aquele que os eleitores socialistas já declararam ultrapassado nas Primárias e tornaram moribundo com o resultado embaraçoso de Maria de Belém.
A exemplo dos agonizantes, que apresentam um ilusório alento antes de expirarem, os seguristas - com ou sem o seu cabeça de cartaz - aproveitam a oportunidade para aparentarem um recobro com as suas listas.
Aqui em Setúbal a Lista A é constituída e apoiada por quem nunca se responsabilizou pelas sucessivas derrotas a que levou o Partido nas eleições autárquicas. Incompetentes por natureza, não desistem de repetir sucessivamente a receita com que sempre foram arrasados, mesmo causando danos imperdoáveis ao Partido.
Lá chegará o momento em que, de uma forma ou de outra, se compreenderá não ser no Partido Socialista do Tempo Novo anunciado por António Costa, que eles têm lugar! 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

A direita em risco de ficar desdentada

É como se lhe arrancassem os dentes!
Esta é uma das expressões populares, que melhor caracteriza a sensação de inferioridade de alguém relativamente a quem lhes surge pela frente com uma superioridade argumentativa q.b. para o fazer sentir intimamente amesquinhado.
Vem isto a propósito do debate parlamentar de ontem sobre o Orçamento, que será hoje aprovado pela maioria de esquerda. Porque não tem pressupostos capazes de contrariarem na substância aquilo que o governo defende, a direita insulta, mente e deturpa, revelando-se igual a si mesma.
É que, contrariando tudo quanto lhe prognosticaram quase todos os comentadores televisivos, António Costa tem conseguido demonstrar a capacidade de concretizar a quadratura do círculo, conciliando tudo quanto era tido como irremediavelmente oposto. Justifica-se, assim, a ira cada vez mais incontida desses mesmos opinadores mediáticos, subitamente, confrontados com os desmentidos sucessivos das suas convicções.
O Orçamento ontem apresentado tem quatro requisitos fundamentais:
- respeita a Constituição ao contrário do que tinha sucedido nos últimos quatro anos;
- corresponde às promessas feitas durante a campanha eleitoral, confirmando a máxima «palavra dada é palavra honrada»;
- cumpre tudo quanto foi acordado com os outros partidos da esquerda parlamentar;
- acata todas as obrigações instituídas pelos tratados internacionais;
A direita sente-se, particularmente, incomodada por encarar um Orçamento credível e honesto ao contrário do que estava habituada: sem que os tais comentadores televisivos se incomodassem, todos os orçamentos de Vítor Gaspar ou de Maria Luís Albuquerque eram exercícios mistificatórios em folhas de excel, mais tarde ou mais cedo condenados a serem revistos em retificativos sempre agravados nas previsões do défice e do decrescimento económico.
E, porque bom julgador por si se julga, a direita desespera com a possibilidade de ver esta viragem da página da austeridade a concretizar-se sem sobressaltos. Daí ter iniciado este texto com a forte probabilidade de a ver desdentada. Porque a convicção de António Costa e de Mário Centeno é tal relativamente aos efeitos macroeconómicos desta forma diferente de governação, que há fortes possibilidades de ver a economia e o emprego a crescer e o défice e a dívida a reduzirem-se.
Ontem foi confrangedor o espetáculo de uma direita apostada em criticar as erratas e ser confrontada com a substituição integral de todos os relatórios, que acompanharam os orçamentos entre 2012 e 2015.
«Quem tanto quer discutir a errata é porque não quer ir à discussão da substância», acusaria António Costa numa das suas excelentes intervenções. E, subindo de tom, acusou o passismo de ser uma versão atualizada do passadismo, porque conhece-se bem demais a orientação de um opositor que lamentara concluir a anterior legislatura sem ter reduzido tanto os custos do trabalho quanto teria gostado.
Não espanta, pois, que toda a esquerda parlamentar aprove este documento. Não é preciso grande imaginação para conjeturar qual seria o Orçamento para 2016 se a direita ainda estivesse no governo. A começar pelo corte de 600 milhões de euros anuais aos pensionistas e reformados, que a direita sempre se escusa a justificar...

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

O contexto de uma luta emergente

As revoluções mais determinantes na vida dos povos vão ocorrendo quase sem delas darmos conta por terem a ver com a lenta alteração do estado de alma coletivo.
É claro que as revoluções estudadas nos livros de História - desde a de 1789 em França até à de 1974 em Portugal - alteraram profundamente a realidade em que decorreram, muito embora os ganhos iniciais tenham-se perdido depois por força da reação de quem por elas fora prejudicado. Foi por isso que houve quem conjeturasse que se dão sempre dois passos em frente e outro à retaguarda.
Nesta altura a maior contestação ao capitalismo crepuscular em que vivemos vai fazendo o seu caminho nos que já chegaram à conclusão da urgência em pôr cobro à impunidade dos bancos nos últimos anos. É isso que explica o inesperado sucesso da campanha de Bernie Sanders nas eleições primárias norte-americanas ou o crescimento de forças políticas mais à esquerda dos partidos socialistas e sociais-democratas europeus.
Perante a incapacidade das forças políticas presentes na governação dos respetivos países, em compreenderem e atacarem esse fenómeno, criam-se as condições para a alteração substancial dos mapas políticos atuais e a emergência de fenómenos com tendência para se implantarem duradouramente.
É certo que surgem, igualmente, condições favoráveis para a irrupção de populismos inconsequentes como o de Beppe Grillo em Itália e o dos eurocéticos ingleses ou até de forças fascistas como as que (des)governam a Hungria e a Polónia e prometem afirmar-se em França.
Mas, incapazes de cumprirem as expectativas de quem as apoia, e esgotado o discurso xenófobo, não tardarão a ser atiradas para o caixote do lixo e dão lugar a outras propostas mais democráticas.
Acredito, pois, que será o discurso anticapitalista a prevalecer, tanto mais que a plutocracia financeira tende a minguar em número, justificando uma indignação crescente de quem lhes paga a excessiva ganância.
Olhando para os números disponíveis, de há oito anos para cá a banca nacional custou ao país 12,1% do PIB. Na Holanda foram 12,8% e na Alemanha 11,8%. E, só em 2016, a zona euro vai pagar ao setor financeiro 252 mil milhões a título de juros.
Quer isto dizer que, para resgatar bancos falidos, os Estados estão a pagar aos que conseguiram sobreviver os meios necessários para prosseguirem com o mesmo tipo de comportamento especulativo.
As últimas décadas, com a desregulação dos sistemas bancários e a miscigenação entre a banca comercial e a de investimento, inverteu a regra fundamental do capitalismo em que eram os bancos a fazer funcionar a economia através dos créditos aos seus investimentos. Agora, pelo contrário, é a exaurida economia, afetada por juros insuportáveis, a financiar um sistema financeiro em roda livre.
Acresce que vão-se conhecendo os casos de quem ganhou fortunas obscenas com todas as perturbações ocorridas nos últimos anos e as acautelou em paraísos fiscais. Dinheiro que tanta falta faria para investir na economia real e devolver crescimento à economia mundial paralisada com os efeitos dessa financeirização.
É neste contexto que está a ocorrer o combate decisivo entre António Costa e Carlos Costa. É que, para dar cumprimento às expetativas da Agenda para a Década, o país precisa de crescer e o atual governador do Banco de Portugal é um dos maiores obstáculos a que o setor financeiro seja reorientado para a sua verdadeira função.
O comportamento negligente e incompetente, para não falar da aceitação do papel de testa-de-ferro à estratégia política de Passos Coelho tornam-no letal para o futuro dos portugueses. Daí que se deseje que saia pelo seu pé ou a pontapé se for necessário. Nem que para tal se force o conhecimento do relatório encomendado a uma empresa de consultoria e cujo conteúdo quer manter fechado a sete chaves no seu gabinete...