terça-feira, 31 de março de 2015

Atrás de tempos, tempos vêm

Não é que estes números signifiquem interpretações diferentes das que ontem aqui emiti, mas eles ajudam a relativizar as aparências de uma noite dececionante.
Assim, nas eleições madeirenses:
- 50,28% dos eleitores não foram votar. Para além dos que, iludidos, veem em miguel albuquerque a garantia dos seus empregos e dos que se deixaram embalar pelo populismo do JPP, é nessa metade do eleitorado abstencionista, que o PS deverá apostar para infletir  a atual realidade política;
- a maioria absoluta do PSD ficou apenas segura por cinco votos, que impediram a CDU de conquistar um terceiro deputado. Aguarde-se pela usura do poder de uma força política a contas com a situação de quase bancarrota da região para constatar se não surgirão cisões, que abreviem o mandato do novo presidente da região autónoma;
Voltando, igualmente, às eleições francesas:
- apenas 46% dos franceses acreditam que sarkozy sai reforçado do escrutínio de domingo;
- não conquistando nenhum departamento, o partido de marine le pen fica-se pela eleição de uns meros 50 conselheiros gerais a nível nacional;
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Uma questão de percentagens parece ser também algo que confunde a ministra teixeira da cruz. Embora a questão já esteja a cair no imerecido esquecimento, não podemos permitir que fique impune a tentativa de fazer aprovar uma lei celerada com base em tão descarada mentira: que a reincidência nos crimes de pedofilia atinge os 80%, em vez dos 18% comprovados nos estudos mais fiáveis.
Mas não é só essa “confusão” de percentagens, que a ministra lança como cortina de fumo para um problema demasiado sério para que sirva de arma  politiqueira em favor da sua deturpada perspetiva da sociedade em que vive. Ela quer “esquecer” que a maioria das agressões sexuais sobre menores acontece dentro do próprio ambiente familiar o que nenhuma lista propagandeada pelo correio da manhã conseguirá minimizar...
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No comício do Porto deste fim-de-semana, António Costa  enfatizou os recuos que o país conheceu nestes quatro anos de (des)governo, quer no número de empregos existentes, quer do investimento produtivo:
”Retrocedemos no número de empregos e hoje temos menos 400 mil postos de trabalho”.
Depois de constatar que esses níveis de emprego fizeram o país recuar vinte anos, revelou que a quebra no investimento levou Portugal para os níveis de 1984.
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Em maio o Reino Unido irá a votos. Na mais recente sondagem os trabalhistas de Ed Miliband têm 36% contra 32% dos conservadores, o que daria uma vantagem de cerca de 60 lugares na Câmara dos Comuns.
Num ano em que se preveem várias eleições decisivas um pouco por toda a União Europeia, há possibilidades sérias de ver a esquerda socialista e social-democrata ganhar muitas delas…

segunda-feira, 30 de março de 2015

A infelicidade de ser mulher no Afeganistão

É revoltante o assassinato da jovem afegã Farkhunda na semana passada e comprovativa da barbárie, que continua a dominar o país dos talibãs.
Aos 27 anos ela era uma rapariga que, pelos padrões locais, só podia ser designada como uma conservadora.  A roupa que vestia cobria-a da cabeça aos pés  e acreditava na função feminina na sociedade como sendo a de cuidar da família e ser uma esposa dedicada  marido.
E, no entanto, uma multidão em fúria  torturou-a durante duas horas até a deixar morta em frente à mesquita, que costumava frequentar.
Na origem do crime terá estado a sua discussão com o imã, que liderava esse lugar de culto e a quem criticou por vender amuletos aos pobres e a mulheres desesperadas pressionados a crerem nos seus poderes mágicos.
Foi quanto bastou para esse imã acusar Farkhunda de ser uma não-muçulmana e até ter queimado o Corão. Atiçada por ele a multidão cercou-a e, sem que a polícia ali aquartelada a cinco minutos fizesse algo para o evitar, matou-a.
Comprometido, o governo de Cabul já mandou prender alguns dos energúmenos e promete medidas para evitar recorrências deste tipo de crimes, mas passará muito tempo até as mulheres afegãs voltarem a usufruir do estatuto de igualdade, que tinham nos anos 70, quando um regime de esquerda apoiado por Moscovo ali governava.
Reagan meteu-se ao barulho, prometendo «libertar» o país da influência soviética e o resultado está à vista... 

Batalhas perdidas, mas com uma guerra por ganhar!

É um facto que este fim-de-semana não foi particularmente grato para os socialistas com os resultados desastrosos, quer na Madeira, quer nas eleições departamentais em França. Em ambos os casos a contracorrente dos obtidos pelo PSOE na Andaluzia no domingo transato.
Há, no entanto, razões para relativizar o sucedido num e noutro caso: na terra de alberto joão jardim seria natural que o  antigo delfim surgisse como uma alternativa  promissora para os que daquele recordam as obras fartas, geradoras de tanto emprego. Embora iludidos, é natural que tenham visto em miguel albuquerque  uma espécie de dom sebastião regressado em manhã de nevoeiro e capaz de os devolver a esse mitificado passado. A desilusão estará já ao virar da esquina, quando a realidade de uma região falida, também ela a contas com uma dívida para cuja resolução não consegue recursos suficientes, se confirmar nas próximas semanas.
Quanto à situação francesa podemos sempre congratularmo-nos por a frente nacional de marine le pen não ter conquistado um único departamento.  Embora ainda a subir, o foguetão da extrema-direita francesa parece sem combustível suficiente para estabilizar numa órbita sustentável.
É claro que os socialistas têm muito a aprender com as opções erradas com que se posicionaram nestas eleições. No caso do PS da Madeira não se conseguiu nenhuma vantagem na coligação com forças políticas sem expressão ideológica e até com o seu quê de folclórico. O projeto de «mudança» ficou-se pelo desejo de substituição dos políticos laranja sem propor nada de consistente capaz de mobilizar o eleitorado, por isso mesmo cativado pelos populistas do JPP. Quando faltam ideias credíveis, é fácil perder o apoio dos eleitores para os que fazem política a dizer mal dos políticos.
Esperemos que os socialistas madeirenses comecem já a trabalhar para os novos combates valendo-se de quanto importa assumir sem pudores a identidade própria. É que foi afinal pela frontalidade em se exporem com as suas siglas, que a CDU e o BE conseguiram evoluir muito positivamente junto do eleitorado.
Afirmar-se como socialistas, defendendo sem tibiezas os valores que os norteiam - desde a redistribuição da riqueza por via fiscal até à defesa do Estado Social - é o único caminho, que poderá levar o PS a alcançar a vitória num arquipélago, que tão desfavorável lhe tem sido.
E foi precisamente por se esquecer dos valores socialistas e estar apostado em pô-los na gaveta, que o PS de Hollande e de Valls conheceu tão significativa derrota. Não bastará a invocação dos valores republicanos para infletir uma decadência, que o pode pasokizar. Terá de retomar a defesa determinada dos valores, que têm sido desprezados pela atual direção.
Poderá valer-lhe a descredibilização de Sarkozy, que conseguiu o sucesso à conta dos deméritos alheios e não propriamente em função do carácter sedutor da alternativa, que representa.
Numa Europa onde as contradições estão a aproximar-se do ponto de rutura numa agudização do tipo da que Marx bem definiu como “luta de classes”, ser de esquerda ou de direita implica posicionar-se adequadamente no campo de batalha. Mesmo que ele adote agora a aparência de mercados de um lado e de quem lhes sofre os efeitos no outro...

sábado, 28 de março de 2015

A culpa solteira destes (des)governantes

Esta semana concluíram-se os trabalhos da Comissão Parlamentar sobre o sucedido no BES, que permitem sintetizar várias evidências:
1. que ricardo salgado está condenado a converter-se no vilão-mor de um filme produzido pela máquina do governo para utilização intensa nas próximas semanas, e cujo argumento terá por tema a “luta do governo de passos coelho contra os capitalistas e os poderosos deste mundo”;
2. que carlos costa ainda deverá estar a fazer contas à vida de como tanto quis ajudar o governo, que ajudou a formar - não esqueçamos o seu papel no derrube do governo Sócrates! - e acabou por ele abandonado como se tivesse peste.
3. que os pequenos investidores, atraídos como moscas ao prometido «mel» do aumento de capital,  nunca mais voltarão a acreditar nas virtualidades do capitalismo em transformarem-nos em novos bill gates;
4. que andarão felizes e contentes os poucos “afortunados”, que receberam informação confidencial a tempo de retirarem o seu dinheiro do BES, salvaguardando-se das consequências da respetiva bancarrota;
5. que o governo em tudo quanto ali sucedeu, foi cego, surdo e mudo, e diz t’arrenego a quem se atrever a afiançar o contrário.
6. e ainda mais cego, surdo e mudo andou cavaco por muito que há quem o diga um dos principais porta-vozes do conto de vigário em que caíram os incautos;
E, depois de tudo isto, o que restará? Nada de substancial: os que costumam ganhar com a economia de casino continuarão a acumular lucros, os que sempre perdem assim prosseguirão.
Há quem  se retire de cena (carlos costa e cavaco) e quem dela seja afastado (passos coelho), mas , por muitos anos, continuaremos a ter o BES nas notícias à conta dos muitos processos judiciais , que pretenderão obter de nós, os contribuintes, o pagamento para os desvarios e as trafulhices de uns poucos e a falta de regulação de outros tantos.
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No «Jornal de Notícias», Pedro Bacelar de Vasconcelos prevê argutamente o conteúdo da propaganda eleitoral do PSD e do CDS nos próximos meses: «(…) E foi assim ao longo dos últimos quatro anos: os culpados da crise são o Governo anterior - irresponsável e despesista - e este povo preguiçoso que queria viver acima das suas possibilidades. O Governo não sabe, não faz, não responde nem presta contas do que quer que seja... e por isso decidiu finalmente decretar "o fim da crise!".»
Para os marcos antónios não se deverá suscitar o balanço de tudo quanto o (des)governo fez nestes quatro anos, porque é o governo de Sócrates que deverá ser objeto dessa avaliação pelo eleitorado de 2015.  A coligação de direita é do tipo «branco, mais branco não há!»
Que importam os desempregados, os que foram forçados a emigrar, os que se suicidaram, os que se tornaram sem abrigo, se “os cofres estão cheios”?
Pedia Paulo Trigo Pereira, que se tivesse um pouco de decoro, quando se consegue utilizar esse argumento. Sobretudo, tendo em conta uma dívida já na ordem dos 130% e os custos de ter dinheiro depositado em Bancos, que cobram por o guardar em vez de o remunerarem com juros positivos…
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E que ingratas são as agências de notação financeira! Dava tanto jeito uma noticiazinha jeitosa para alindar a campanha e elas continuam a classificar de lixo a dívida portuguesa!
Para passos só há uma explicação: a culpa é do PS!!!


sexta-feira, 27 de março de 2015

Um crime esquecido da (des)governação de passos coelho

Gosto muito de teatro e por isso neste Dia Mundial só posso lamentar o estado a que ele foi condenado pelos cortes decididos por este governo na Cultura. É dos crimes, que tendemos a esquecer, mas de que passos coelho é inequivocamente culpado: o de tudo fazer para  acabar com quem  pretende fazer do palco o seu espaço de expressão e de criatividade.
À exceção dessa experiência mágica que foi a concretizada no ano passado pelo Bando com «Quarentena», tenho assistido nos últimos anos a ótimas interpretações de atores e atrizes, muitos dos quais até nem sequer conhecia, mas condenados a projetos onde o guarda-roupa e os cenários são reduzidos ao mínimo admissível.
Quanta diferença em relação à época em que comecei a interessar-me por este tipo de espetáculos. O 25 de abril estava  quase a surgir e grupos como a Cornucópia, os Bonecreiros ou o Teatro de Campolide já anunciavam novos tempos com peças memoráveis. Sem esquecer o Grupo 4 ou os esforços de Luzia Maria Martins no teatro da Feira Popular.
No pós-25 de abril a Barraca deu-nos vivências inesquecíveis, quando ali se conjugava a arte de Helder Costa com os desempenhos de Céu Guerra, Mário Viegas, Santos Manuel, Manuel Marcelino, Paula Guedes, Orlando Costa ou José Lello. E havia a Comuna ou o Teatro do Mundo dela cindido, e onde Zé Mário Branco e Manuela de Freitas eram capazes de nos fazer sentir um terramoto no Chile na Estufa Fria.
E íamo-nos questionando sobre o curso dos acontecimentos com textos que remetiam diretamente para quanto vivíamos nas ruas.  Mesmo escritos por autores tão diferentes como o podiam ser Brecht, Tchekov ou Ibsen...
Conheci também o já referido Bando por essa altura, quando um personagem passava o tempo a dizer o quanto gostaria de ir à China e não sabia como lá chegar. Era nos «Cágados» e percebíamos quão fútil poderia ser a vontade de chegar a lugares distantes, quando outros, não menos aliciantes, nos estavam muito mais próximos.
Após mais de quarenta anos de gratos momentos oferecidos por atores e atrizes em cena, só posso desejar que se facilite a vida a quem tanto mérito tem em projetar-nos para emoções, que nos impressionam, nos encantam, e até nos possam incomodar o bastante para sairmos das nossas rotinas e lugares comuns.
Neste Dia Mundial do Teatro importa defender militantemente esta arte para que não permitamos, que os nossos dias se empobreçam...

Topete não lhe falta!

Se há coisa, que devemos reconhecer em maria luís albuquerque é a falta de decoro. Hoje, na comissão parlamentar, ao ser interrogada por  João Galamba teve o descaramento de defender o modelo que tem permitido ocupar os principais cargos da Administração Pública com gente do PSD e do CDS. Esse modelo “virtuoso” seria a prova do não envolvimento partidário nessas nomeações, o que já foi demonstrado ser totalmente falso. E também explicaria o “desconhecimento” dela ou de paulo núncio da tal lista VIP, que leva muitos a fundamentarem a justeza de serem demitidos.
Que este país não pode ser governado por diretores-gerais, foi uma evidência enfatizada pelo deputado comunista Paulo Sá. Mesmo que eles tenham saído todos da área política do governo e se disponham a arcar com as culpas, quando algo de comprometedor ameaça a continuidade dos seus ministros ou secretários de Estado.
Graças a cavaco silva estamos a viver numa atmosfera de fim de ciclo, que cheira intensamente a podridão. 

Os números crepusculares da coligação de direita

1. Conhecidos os mais recentes números da economia portuguesa, da lavra do INE, pode-se concluir que o panorama continua bastante negativo para quem, na equipa de propaganda do governo, gostaria de nele encontrar matéria utilizável para os seus objetivos.
É verdade que o défice em 2014 correspondeu a 4,5% do PIB, valor três décimas abaixo da última previsão do outono transato, mas não tinha sido prometido aos portugueses que, findo o programa de ajustamento, ele desceria abaixo dos 3%?
Pelo relatório ficámos a saber que as despesas do Estado excederam em 7822 milhões de euros as suas receitas e ainda nem sequer foram considerados os impactos suscitados pela intervenção no Novo Banco. Não o consigam vender pelo menos por 4,9 mil milhões de euros - que foi quanto nele foi injetado! - e a diferença vai necessariamente agravar aquele défice.
Já para 2015 o INE mostra-se esperançoso em alcançar 2,7%, que diversas entidades internacionais (FMI e Comissão Europeia) consideram inviável, porque não vislumbram como é que maria luís albuquerque irá conseguir a redução da despesa e aumentar a receita para os níveis com que se comprometeu. Para já os dados da execução orçamental correspondente a janeiro e a fevereiro desmentem tal otimismo: a despesa cresceu em vez de decrescer e , se a receita também aumenta, fá-lo abaixo do ritmo pretendido (2,1% em vez de 4,7%).
Outro indicador que é bem revelador do fracasso da receita seguida pelo governo é o da dívida pública: em 2014 ela fixou-se em 130,2%.
Comentando os dados agora conhecidos, João Galamba constatou que a queda do PIB em 2012 e em 2013 ainda conseguiu ser pior do que se julgava:
1) em 2012, PIB cai 4%, em vez de 3.4%;
2) em 2013, PIB cai 1.6%, em vez de 1.4%;
O que será preciso fazer para que a coligação do PSD e do CDS seja devidamente punida nas eleições em função de tão evidente demérito?
2. Uma das frases mais expressivas de anteontem na Comissão de Inquérito ao caso BES foi da autoria de José Magalhães, que criticou maria luís albuquerque pela forma como sacudiu a água do capote em relação à sua intervenção em todo o processo de falência do grupo da família Espírito Santo: “Não se deve vir ao Parlamento dizer que os bebés vêm de Paris”.
É que a ministra pode querer tomar por parvos os seus interlocutores e quem a ouviu nas televisões. Mas será difícil que uns e outros se reconheçam na desqualificação a que ela os quis limitar.
3. Durante meses a fio andaram para aí uns comentadores a darem por certa a ascensão da extrema-direita um pouco por toda a Europa. Demonstravam, assim, a inoperância da esquerda socialista, que seria capaz de estimular os eleitores.
Vieram as eleições francesas e constata-se que o partido de marine le pen estagnou na progressão, que estava a conhecer. E as sondagens inglesas dão uma queda abrupta do partido UKIP que, em maio, não deverá contar com mais de 10% dos votos. Com os trabalhistas a segurarem o primeiro lugar embora tendo os conservadores nos calcanhares.
Tão só a esquerda comece a mostrar argumentos para aliciar o apoio dos seus eleitores e será possível encarar a ameaça da extrema-direita como uma moda sem futuro!

quinta-feira, 26 de março de 2015

A audácia que deveremos assumir

“A Responsabilidade  da Audácia” é o título dado por Sandra Monteiro ao seu texto deste mês no «Le Monde Diplomatique», cuja edição portuguesa dirige.
É claro que essa audácia tem a ver com o povo grego, o primeiro a assumir nas urnas  o repúdio por uma receita, que também já viveu melhores dias noutros países europeus.
No caso português, e por muito que a máquina de propaganda do governo tente comprovar o contrário, essa constatação está a aumentar a olhos vistos e por isso se explica a demagogia assente em «cofres cheios» ou em «crescimentos» tonitruantes na economia. Há algo, porém, que as falácias não conseguem iludir: os bolsos esvaziados e a falta de empregos.
Mas, agora que os gregos avançaram para uma opção política diferente da que até então se tinha revelado colaboracionista para com os ditames dos credores, as instituições europeias, com o sinistro schäuble na dianteira a servir-lhes de porta-voz, avançou para aquilo que Sandra Monteiro designa como “ideias verdadeiramente democraticidas”: as de que “não há alternativa à arquitetura e às políticas dominantes” e que “as eleições não têm capacidade para mudar nada”.
“Compreende-se”, assim, o cerco de quem procura acossar o governo de tsipras até o sufocar financeiramente, fazendo da livre opção do eleitorado grego um “exemplo” do que esperam outros povos se se atreverem a assumir a mesma audácia. Porque apesar de, ao contrário do que os media se ufanam em repetir, as políticas defendidas pelo governo grego nada terem de extrema-esquerda (até passariam por assaz moderadas para um social-democrata dos anos 70), as instituições europeias precisam de demonstrar que “quem está numa posição de fragilidade (…) não pode fazer outra coisa senão ser subserviente e aceitar tudo o que lhe é imposto”.
 O desafio hoje colocado aos povos é, basicamente, este: ou se atemorizam e aceitam que as coisas continuam a ser como são, ou porfiam no mesmo tipo de audácia já revelado pelos gregos. Na primeira alternativa só podem esperar um agravamento do imbróglio em que se encontram, porque a tal receita austericida não comporta qualquer solução para os problemas macroeconómicos, que se colocam à União  Europeia. Poderemos ter como garantida a continuidade da receita feita de “especulação financeira, economia de casino, destruição de aparelhos produtivos, exploração do trabalho , delapidação dos recursos naturais, destruição dos vínculos sociais, corrosão dos serviços públicos, corrupção económico-financeira, engenharias de privatizações e concessões do que é comum, em benefício de privados.”
Na conclusão do seu artigo, Sandra Monteiro coloca-nos perante a responsabilidade de sermos efetivamente audaciosos. Determinadamente audaciosos: “é a quem está no lamaçal que compete dizer, e demonstrar, que só faz sentido construir comunidades políticas se o objetivo for garantir uma vida digna à maioria.”

terça-feira, 24 de março de 2015

As propostas de uns e as ilusões de outros

1. No auditório do Museu de História Natural e de Ciência, António Costa voltou a demonstrar que os seus detratores estão com óbvios problemas de surdez, quando o acusam de não  revelar  o programa por que se norteará o seu governo. Assim, só nesta ocasião, ele comprometeu-se  a:
- desde o início da próxima legislatura atingir o objetivo inscrito no documento Europa 2020, de somar nesses anos 40% de pessoas entre os 30 e 34 com formação superior.
- estabilizar a escola, deixá-la respirar e devolver-lhe paz. “Não é possível melhorar a qualidade da aprendizagem e mobilizar a comunidade educativa e as famílias sem que exista paz e tranquilidade nas escolas”.
- dar a “prioridade das prioridades”, ao ensino básico e pré-escolar, onde assumiu o compromisso da aposta da “igualdade” e “melhoria da qualidade”, mas também onde definiu a “linha vermelha” em relação ao atual Governo: “Recusaremos liminarmente a ideia de antecipar para o básico as diferenciações vocacionais, porque, sobretudo numa idade precoce, representa prolongar na sociedade de forma duradoura fraturas sociais.”
- reativar o programa Novas Oportunidades, meta que classificou “como um ‘dever de cidadania’ para com aqueles que não haviam tido as oportunidades que os mais jovens tinham disfrutado”;
Em vez de um país empobrecido e desqualificado, António Costa reiterou a necessidade de fazer de Portugal um país com muitos mais empregos qualificados do que os atualmente disponíveis. Porque só com eles é possível alcançar o crescimento necessário à consolidação das finanças públicas.
2. Enquanto António Costa vai percorrendo o árduo caminho, que o tornará no próximo primeiro-ministro de Portugal, o PSD passou a dedicar-se aos espetáculos de stand by comedy. O mais recente foi organizado num dos hotéis Sana de Lisboa e teve como cómico de serviço o inefável marco antónio. Depois de deixar falida a câmara de Gaia com o seu comparsa meneses, o atual dono do aparelho laranja juntou quarenta grandes empresários para lhes anunciar a “boa nova”: tinha em sua posse uma sondagem que dá 29% para o PS e 26% para o PSD.
Daí o momento culminante da noite, quando previu a possibilidade de uma nova vitória eleitoral da direita.
Como o responsável da sonoplastia da sala estava distraído a piada saiu sem o conveniente acompanhamento das risadas gravadas. Restou o ar compungido dos que, ali presentes, tiveram a noção de haver na direita quem confunda sonhos com realidades…
3. Estava escrito nas estrelas: à medida que a situação política e económica ucraniana se começasse a deteriorar, começaria o espetáculo autofágico na frágil coligação de interesses congregado no novo regime de Kiev. Agora o “presidente” Poroshenko mandou cercar e aprisionar um dos seus principais apoiantes, o oligarca Igor Kolomoisky, que detém numerosos mercenários a servirem-lhe de milícia pessoal.
Putin só tem de ir esperando sentado, porque a guerra civil entre os anti-russos e os pró-russos ameaça interromper-se para que aqueles disputem entre si quem mais armas detém...

A laicidade enquanto valor fundamental da República

Não tenho nenhuma simpatia pelo filósofo francês Alain Finkielkraut, cuja pertença a grupos maoístas nos anos 70, resultou num alinhamento posterior à direita a exemplo de uns quantos portugueses, igualmente conhecidos por tal percurso. A diferença é que se é impossível ouvir um durão barroso, um josé manuel fernandes, uma helena matos ou um josé carlos espada sem sentir um certo asco pela evidência de se conseguir dar uma volta de 180º nas ideias proferidas mantendo a mesma postura convencida, Finkielkraut consegue manter um discurso inteligente … e pertinente.
Sobre o relativo sucesso da Frente Nacional de marine le pen neste fim-de-semana - capaz de seduzir 25% do eleitorado! - ele recomenda que não se a combata mediante o recurso ao velho discurso antifascista. É que as circunstâncias de hoje são muito diferentes das de há vinte ou trinta anos, quando era o truculento pai le pen quem assumia as despesas do discurso xenófobo agora tingido de cores mais suavizadas.
Os franceses veem-se numa sociedade muito diferente da de então e têm medo. Porque a deslocalização de empresas fez aumentar o desemprego de forma avassaladora e a antiga sociedade maioritariamente branca coloriu-se de outros tons e cores.
O que constatam esses eleitores? Que um dos valores fundamentais da República, o primado da laicidade, foi abandonado pelos maiores partidos da esquerda e da direita, que temeram ver-se associados a posições islamofóbicas. Ora, ser laico não pode ser interpretado como tendo preconceitos contra as religiões, apenas se lhes exigindo que sejam praticadas nos espaços de culto adequados e não extravasem para o resto da sociedade sob pretextos de lhe ser exigida o que quer que seja.
Nesse sentido ser firmemente laico deve implicar que não faz sentido que a escola pública aceite crianças adornadas ou vestidas de símbolos religiosos, mesmo que almas piedosas se queixem dos riscos de algumas delas ficarem assim condenadas à iliteracia dentro de casa.
Mas ser laico também significa que se devem restringir quer as exigências dos muçulmanos, quer as dos fanáticos católicos, que voltam a querer impor a sua preconceituosa argumentação sobre o «direito à vida» em nome das suas porfiadas tentativas para fazer recuar décadas nas leis sobre o aborto.
O que Finkielkraut propõe às forças republicanas, de esquerda ou de direita, é que não permitam a marine le pen dar a ideia de ser a única a defender a laicidade enquanto valor fundamental da sociedade dos nossos dias. Foi à conta de muitos conceitos duvidosos, tidos como «politicamente corretos«, que a esquerda se deixou contaminar por valores esdrúxulos e perdeu de alguma forma o pé ao que é a sua identidade.

Alguns estarolas a darem prova de vida

1.  As eleições constituem sempre a oportunidade para uns quantos estarolas julgarem chegado o momento de  darem prova de vida.
São aqueles que não se acomodaram às repetidas demonstrações de desprezo ou indiferença, que os seus discursos sempre suscitaram e procuram agora o milagre redentor, capaz de os fazer sentir alguém.
O caso de henrique neto é exemplar. No primeiro governo de José Sócrates ninguém lhe atribuiu a importância de que se julgava merecedor e, por isso, tornou-se seu inimigo fidagal, engrossando o coro das harpias sempre que elas se reuniam para o vituperar
Durante os anos de passos coelho no governo assumiu-se como o idiota útil, apresentado nas televisões como «militante socialista», e disposto a caucionar os desmandos praticados contra os portugueses. Mais recentemente, lá confirmou o ditado popular ao não conseguir que a sua voz e a de outros da sua igualha chegassem ao céu e impedissem a eleição de António Costa como secretário-geral do PS. 
O anúncio da sua candidatura às eleições presidenciais só pode ser visto como uma daquelas anedotas de um gosto tão duvidoso, que nem um sorrido suscitam. Mas, valha-nos isso: sabendo-se que os estarolas não deixariam de querer marcar presença nessas eleições, já ficamos, pelo menos a saber qual deles avançou e impediu os outros (o morais da “transparência”, o josé gomes ferreira e outros que tais!) de se lhe anteciparem!
2. Mas não é só para as presidenciais, que se perfilam os primeiros casos de insanidade: depois de anos a fio a porfiar por um lugarzinho ao sol na política, Joana Amaral Dias foi-se agora associar ao partido do ninja de Vila Nova de Gaia e do Coelho do Funchal.
As afinidades eletivas, que se criam, quando o objetivo é alcançar um lugarzinho de deputado!
3. Aos netos e às amarais dias sobra sempre um exemplo em quem podem encontrar esperança: durão barroso!
Quem imaginaria, conhecendo-o  nas várias fases do seu percurso até alcançar a liderança do partido dos medíocres, que ele chegaria onde chegou? Paradigma do ser sem qualidades, lá foi pulando de lugar em lugar sempre desmentindo a lei de Murphy quanto aos limites alcançáveis pela incompetência.
Se durão barroso só poderia almejar a ser um deputado medíocre enquanto degrau acima do seu efetivo mérito, conseguiu iludir a regra para alcandorar-se onde a sua ação foi, mais do que danosa, criminosa para milhões de europeus. E, não contente com tal desiderato, insiste com barbaridades para quem lhe paga para o ouvir: que os gregos são os verdadeiros culpados pela crise que os ameaça por terem escolhido o Syriza.
Na mente de tal poltrão eles deveriam ter continuado a votar em Samaras para que a cerviz prosseguisse bem encurvada perante as diretrizes dos credores! Poderiam, assim, esperar que estes, reconhecidos, lhes lançassem algumas lentilhas com que enganassem a fome!
Era só o que faltava! Um estarola a ofender quem se levantou e decidiu dizer Não!

domingo, 22 de março de 2015

A reitora do faz de conta

Há pouco mais de dois anos o «Expresso» “descobriu” um  consultor da ONU chamado Artur Batista da Silva, que criticava desassombradamente o programa de (des)ajustamento da troika, conseguindo notoriedade durante uns quantos dias até ser desmascarado.
Mas quase nenhum mal veio ao mundo com a sua vigarice, se excetuarmos o embaraço em que deixou um dos melhores jornalistas portugueses - Nicolau Santos. É que, no substancial, embora fosse falsa a credencial da ONU, o que ele defendeu em sucessivas entrevistas fazia, e continua a fazer, todo o sentido.
Mais problemática foi a projeção de outro homem carente de protagonismo, chamado alvaro santos pereira.
A primeira vez que dele ouvimos falar foi como obscuro professor universitário em Vancouver. Vivíamos então os anos de governação de José Sócrates em que a direita agarrava-se a todos e quaisquer argumentos para desqualificar as políticas então implementadas.
Foi ao pressentir o sucesso potencial, que álvaro se fez ascender a cabeça de cartaz dos críticos do governo socialista ao escrever umas banalidades copiadas dos manuais dos economistas neoliberais. Bastou-lhe acenar com a sua condição de professor universitário no estrangeiro, para que os pacóvios da direita se começassem a babar com tão distinta figura e lhe garantissem lugar de ministro no governo de passos coelho.
Que interessava o facto de nunca ter sequer gerido qualquer empresa e, portanto, não ter da economia mais do que algumas ideias teóricas, ainda por cima erradas?
A passagem pelo governo resumiu-se à apresentação da “luminosa” ideia da exportação dos pastéis de nata como solução para a crise do país, mas valeu-lhe algo pessoalmente mais compensador: uma adenda no currículo, que garantiu a contratação como técnico de uma das principais instituições internacionais.
Em vez de regressar ao anonimato do seu lugar de professor no Canadá, o álvaro conquistou um salário substancial e um “prestígio”, que em nada condiz com os seus desconhecidos méritos.
Outro tipo de vigarice deste tipo, mas ainda mais gravosa para os portugueses foi a do finado antónio borges.
Durante anos ele fez render a curta passagem pela Goldman Sachs, onde fora vice-presidente.
Ora vice-presidente não significa número 2 do célebre banco. A Goldman tem centenas de vice-presidentes, que é o nível acima do Associate, a categoria mais comum entre os seus colaboradores. Corresponde a um mero chefe de departamento para o qual é preciso apresentar resultados. O que, como com ele não aconteceu, só valeu ao borges aquecer o lugar em Londres durante um par de anos.
Apesar de saberem isto os nossos joségomesferreiras incensaram  o economista, que também quase passaria de raspão pelo FMI no tempo de Strauss-Kahn.
Mas se o borges  foi dado como incompetente naquelas duas importantes instituições bancárias, sempre foi projetado entre nós como uma luminária face à qual os seus bajuladores se curvavam  com entusiasmo.
Se a situação da economia portuguesa se degradou aos níveis a que, hoje, se encontra, muito se deve a borges, que andou a receber 25 mil euros mensais deste governo para o aconselhar a cortar pensões e salários e a privatizar tudo quanto fosse possível.
A morte impediu-o de ver o «resultado» desastroso de tudo quanto aconselhou a passos, mas não se duvide que ele ficaria muito orgulhoso com a catástrofe social causada  a milhares de portugueses pelos seus dispendiosos “conselhos”.
Vimos, pois, três casos de vigarice, desde o mais inócuo ao mais gravoso. Falta agora abordar  um novo exemplo que tem suscitado bastante polémica nas semanas mais recentes: o da autointitulada vice-reitora da Sorbonne, Isabelle Oliveira, que andou a passear-se pelas páginas do «Expresso» como se fosse a nova estrela ascendente da comunidade portuguesa em França.
Julgaríamos que, depois do caso Batista da Silva, o jornal de Balsemão tivesse maior cuidado a confirmar as suas fontes. Afinal não!
Numa investigação, que não precisou de ser muito aprofundada, a jornalista da «Visão», Ana Navarro Pedro confirmou que Isabelle Oliveira não frequentou a Universidade de Coimbra conforme tinha referido na entrevista, não é vice-reitora de nenhuma Sorbonne, e nem sequer é catedrática.
Ademais, conhecendo-se-lhe a proximidade com josé cesário, o secretário de Estado deste governo, foi com genuíno espanto que se viu a mesma Isabelle Oliveira a ser entrevistada no «Ação Socialista», como se se tratasse de admiradora  confessa das propostas de António Costa.
Face a todos estes dados, entretanto conhecidos, podemo-nos questionar o que pretende este recente paradigma do arrivista: ter direito ao quarto de hora de fama como Batista da Silva? Conseguir ascender a compensadora posição académica ou política, para a qual nunca mostrou mérito que o justificasse, como sucedeu com álvaro santos pereira? Ou, pior do que qualquer dessas hipóteses: é que, mostrando-se tão convincente a explorar a credulidade de quem a ouve, pode convencer os incautos a designá-la para funções, seja em França, seja em Portugal, onde a sua capacidade de causar danos pode ser tão destruidora quanto a do borges de má memória!
Imaginemos que, em França, ela consegue chegar a cargo onde possa destruir todo o trabalho, que centenas de professores de português conseguiram nas últimas décadas e que ela dá mostras de desconhecer ou de desvalorizar? Ou, imaginemos que, em Portugal, conseguia o mesmo efeito de pacovice criado nos aduladores do professor de Vancouver e vinha decidir sobre áreas de competência, que não são seguramente as suas?
Importa, pois, estar atento às jogadas imediatas desta Isabelle de forma a que a enorme “lata” com que se vende enquanto produto, não nos obrigue a experimentar-lhe a evidente falta de qualidades.