sábado, 29 de abril de 2017

Limpam-nos os dividendos e nada nos compram

No fim desta estadia neerlandesa (com outra já planeada para breve!), há uma constatação que vale a pena tirar das nossas compras diárias na principal cadeia de supermercados  do país: com área bastante inferior às nossas grandes superfícies possui uma variedade de produtos incomparavelmente mais reduzida do que os nossos.
Se queremos peixes encontramos um balcão frigorífico com três ou quatro prateleiras, onde se disponibiliza a escolha entre embalagens com o produto já tratado na forma de filetes ou pequenas postas, que indignariam o nosso mais sóbrio compatriota.
Anteontem, quando o projeto era cozinhar carne na forma de um dos nossos tão comuns assados, foi impossível encontrar uma peça com dimensão ajustada ao propósito, obrigando a pensar alternativamente num guisado.
Conhecendo um responsável da Logística de tal cadeia de distribuição, um familiar já o terá questionado da razão de tão pobre diversidade. Terá recebido uma resposta, que é em si um clássico: o que comercializam é aquilo que os consumidores procuram pelo que de nada serviria  andarem a inventar.
Mas o que mais choca é vermos as nossas grandes superfícies pejadas de importações da União Europeia e constatarmos nos holandeses o enchimento das prateleiras com vinhos, fruta e muitos outros produtos latino-americanos, sul-africanos ou australianos.
Já não basta ficarem-nos com os dividendos dos nossos pingos doces ou continentes, e ainda parecem determinados a nada nos comprarem de tanto que lhes poderíamos vender.

As fake news que nos servem todos os dias

Num programa da Antena 2 o jornalista Luís Caetano lembrou uma bem atual frase do filósofo Walter Benjamin, quando estava a entrevistar o escritor Gonçalo M. Tavares. Dizia mais ou menos isto: acordamos todas as manhãs com notícia do mundo, mas nada nos espanta, porque tudo nos é explicado. E eu acrescentaria mais: mal explicado. Porque televisões, rádios e jornais estão nas mãos dos donos do capital e acabam por expressar a verdade que lhes é conveniente por muito que seja a que mais colida com os interesses de quem ouve.
Podemos ter de Trump a opinião, que se sabe, mas não somos levados a indignarmo-nos por lançar mísseis ou superbombas para onde quer que seja. Mas se é o líder norte-coreano  a fazer testes sem consequências, a não ser para os peixes da zona do oceano onde vão cair, logo surge um regabofe de críticas a quem, ora é classificado de louco, ora de facínora.
Durante os anos da troika também foi assim com a estória milhentas vezes repetida de estarmos a pagar os nossos pecados enquanto empedernidos consumidores. E o pior foi ter havido tanta gente a acreditá-lo, que voltou a votar em Passos Coelho apesar dos cortes e dos direitos de que tinham por ele sido espoliados.
As “análises” e as “explicações”, que nos prodigalizam quotidianamente nos media nada têm de inócuo: tentam-nos inocular uma mundivisão ideologicamente orientada.
Daí a importância desta e de muitas outras páginas das redes sociais onde se procuram desmontar as narrativas, que trazem agarradas intenções intelectualmente desonestas. É que, ao contrário do que por aí corre, não são apenas os espiões de Putin quem cria «fake news» para nos enganarem. Diariamente olham-se para os jornais e não faltam exemplos de mentiras e deturpações, distribuídas com a intenção de serem tantas vezes repetidas, que possam ser tidas por muitos como a mais cristalina das verdades…

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Trabalho sério, prosápias e pascacices

1. O relatório produzido pelo Grupo de Trabalho promovido pelo Partido Socialista e pelo Bloco de Esquerda para estudar alternativas ao sufoco financeiro, hoje vivido com a dívida soberana, é um excelente documento com propostas concretas e exequíveis, que não poem em causa os compromissos com os parceiros europeus.
Nunca deixando de realçar a necessidade de um acordo a nível da União Europeia, que abandone os preconceitos de Schäuble e seus seguidores, o Relatório propõe melhorias tangíveis a nível de o,2% do PIB apenas com outra política de dividendos por parte do Banco de Portugal e de maturidades nos juros das várias tranches da dívida pelo Tesouro.
Noutras circunstâncias políticas, porventura exequíveis a médio prazo, o Grupo considera possível o pagamento da dívida sem qualquer corte, mas com uma maturidade a 45 anos e com 1% de juros.
Até lá manter-se-á a situação de um agravamento da situação, porque apenas com um excedente primário acima de 4,1% é que ela se começaria a infletir. Ora o histórico da evolução das economias ocidentais raramente assinalou essa possibilidade como exceção: por regra, mesmo quando o saldo entre receitas e despesas é positivo, mal ascende acima do zero.
2. Numa aula que foi dar ao Colégio Moderno Marcelo Rebelo de Sousa ufanou-se de chamar a atenção a António Costa sobre o seu irritante otimismo alegando a «autoridade da experiência».
Autoridade da experiência? Teremos ouvido bem? É que, ao contrário de António Costa, o presidente nunca geriu nada de dimensão significativa, só podendo dar bitaites com base nas teorias mais que equívocas em que acredita. E por causa das quais não raramente se engana...
Nunca teve de gerir um município tão vasto e problemático como Lisboa. Nunca lhe passou pelo dia-a-dia a necessidade de tomar decisões sobre a governação do país. Jamais lhe passou pelo crivo de administrador mais do que uma Fundação monárquica, que lhe garantia debruns pedantes mas escassa experiência nas folhas de excel.
É verdade que leva meio século de experiência como comentador. Mas sabemos bem os limites dos que atiram palpites da bancada, quando é dentro dos limites do terreno de jogo, que importa saber o quanto fazer.
Vale-nos a capacidade de António Costa ir aguentando os dislates hierárquicos com bonomia tranquila. Porque qualquer animal feroz teria vontade de o convidar a um passeio para diluir a prosápia numas quantas selfies.
3. Embora nunca tendo grande vontade para elogiar Marcelo reconheço-lhe a forma definitiva como atirou para o lixo a grande «ideia» de Luís Montenegro para a revisão constitucional: que o partido vencedor das eleições legislativas recebesse um bónus de 50 deputados como sucede na Grécia.
É claro que o Montenegro pensou nos resultados de 2015 e concluiu que o PAF teria assim formado governo sem que se formasse a atual maioria parlamentar. Mas Marcelo lembrou a total inexequibilidade da tolice: a exigência constitucional do respeito pela proporcionalidade ficaria assim posta em causa.
Montenegro continua, pois, igual a si mesmo: um pascácio, que desmerece qualquer atenção ao que diga...

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Perplexidades ou muito mais do que isso

A perplexidade manifestada por António Costa ao comentar a preocupação de Passos Coelho com a escusa à nomeação de alguns amigos de Teodora Cardoso e de Carlos Costa para as instituições, que ainda dirigem, só existe retoricamente e até constitui argumento eficaz para sugerir o que não pode dizer preto no branco: que o líder da oposição sempre teve, tem e terá da Política uma visão minúscula, cingida à questão de estar ou não na posse do «pote».
Para Passos Coelho não está em questão a procura da satisfação do interesse público. Por isso mesmo não lhe causou nenhum estado de alma a privatização dos CTT, da TAP ou a entrega de empresas, que nunca deveriam ter saído da alçada  estatal para interesses estrangeiros. Conquanto conseguisse em troca a colocação dos seus Catrogas, nada mais interessava.
Sem pensamento político próprio, Passos «compra» as fórmulas, os modelos, que lhe vão soprando aos ouvidos e, tão só se ajustem aos objetivos pessoais, deles nunca se dissocia.  Apesar de tantas evidências em contrário nunca lhe passará pela mente dissociar-se de axiomas martelados anos a fio por tais ventríloquos, que dele têm garantido passivo boneco, e dão a iniciativa privada como superior á pública ou só haver crescimento de emprego se se pagar menos e sonegarem direitos a quem trabalha.
A recusa em abandonar a liderança do partido, apesar do afundamento nas sondagens, só se explica por ser esse o emprego, que vislumbra possível até chegar à reforma. No íntimo nunca deixou de ser o arrivista, que conseguiu chegar bem mais alto do que justificariam as capacidades e competências e agora se angustia com o expectável trambolhão.
Nos debates parlamentares não consegue pensar em soluções alternativas, que ajudem a melhorar a governação socialista e lhe permitam incrementar a qualidade de vida dos cidadãos.  Para ele tudo continua a resumir-se a cargos, que se possam abocanhar.
Que interessa o crescimento da economia  e do emprego confirmado no aumento das receitas do IVA e da Segurança Social? Que importa a evolução muito positiva do excedente primário a possibilitar maior otimismo na alavancagem do investimento público? Que importam os animadores sinais das exportações?
Passos chegou armado em queixinhas ao debate parlamentar.  Como se os portugueses se inquietem com quem Teodora ou Carlos Costa pretendam ter ao lado para lhes confirmarem os reiterados preconceitos, alimentados contra o governo desde a primeira hora.
Pensemos só num dos casos mais flagrantes: Teresa Ter-Minassian. Como pode julgar-se independente quem, nas mais recônditas curvas do ADN, traz a perspetiva do FMI, cujos danos na economia mundial se saldaram em  tantas tragédias coletivas? Independente de quê? Independente de quem?
Compreende-se que Passos Coelho ou Teodora Cardoso gostassem de a ter no Conselho das Finanças Públicas: esgotados todos os argumentos políticos e económicos contra as políticas  de Mário Centeno, julgariam ter nela uma espécie de Einstein capaz de lhes inventar novas e contundentes fórmulas, propícias a colorido spinning desinformativo.
Enganam-se: com argúcia e paciência, António Costa vai deixando Passos, Teodora e Carlos Costa a lamberem as frustrações avinagradas pela inconsequência do que vão intentando.  Cada vez mais atolados no deserto em que se perderam...

quarta-feira, 26 de abril de 2017

O ascensor social empanado

Teria o meu pai uns vinte cinco anos quando, acabado de casar, concluiu não garantir melhor vida à mulher e aos filhos, se não cuidasse de carregar no botão do elevador social e alcançar patamar superior.
Na época a rádio ainda era novidade só acessível aos abonados e da televisão nem quase se ouvia falar. Mas ele decidiu investir o que sobrava do modesto salário de torneiro mecânico num curso por correspondência enviado do outro lado do Atlântico e que o habilitaria a tornar-se técnico de ambos os  meios de comunicação.
Entre tal decisão e o momento da exclusiva dedicação a essa atividade ainda passou uma década em que continuou a apanhar o barco matinal no Porto Brandão para se deslocar até à oficina de Alcântara onde punha o engenho a funcionar e nele criava as peças prontas a cumprirem a missão para que engenheiros as haviam congeminado.
Quando nasci a meio da década de cinquenta já ele ia compondo o ordenado à conta das reparações de eletrodomésticos em que ia ganhando renome na aldeia e noutras em redor. Depois, na altura em que Salazar mandara avançar para Angola e em força, entrava numa das mais conhecidas empresas dedicadas às reparações das cada vez mais disseminadas televisões, ali se conservando até à reforma.
Foram anos de muitos quilómetros percorridos por todo o distrito de Setúbal a repor a operacionalidade nos televisores, que os agentes iam recolhendo nas lojas à espera da sua passagem semanal.
Foi graças à epifania - cujas circunstâncias nunca indaguei -, que de operário se converteu num daqueles exemplos de representante da classe remediada, nome por que então se designava a classe média. E conseguiu dar estudos universitários aos filhos assim fadados para se integrarem no segundo quadrante do percentil de rendimentos tal qual foram definidos no livro sobre a pobreza em Portugal agora publicado por José Teixeira Lopes, Francisco Louçã e Lígia Ferro.
A realidade, segundo os autores, é que se tornou quase impossível, a quem está nos quadrantes mais baixos, apanhar o tal ascensor social tão facilmente assumido pelo meu progenitor, mesmo que à custa de muito estudo e determinação. Os tempos mudaram e quem nasce pobre dificilmente conseguirá que os filhos saiam dessa condição. E, mesmo as classes médias, veem os rebentos condenados a essa maldição à conta dos empregos que quase nunca deixam de ser precários ou mal pagos por mais mestrados ou doutoramentos que se lhes acumulem nos preenchidos currículos.
A História deu sobejos exemplos de grandes convulsões provocadas pela cristalização das classes sociais e, sobretudo, pela concentração da riqueza nas mais privilegiadas. Ora o estudo dos três autores de “As classes Populares – A produção e a Reprodução da Desigualdade em Portugal” confirma que o primeiro quadrante  - o que corresponde ao percentil dos mais ricos - tem visto crescer os rendimentos, enquanto os outros três se vão aproximando, diluindo mais e mais as diferenças entre os pobres e os antigamente tidos por remediados. O que faz prever mudanças civilizacionais iminentes por muito que os ambientes ainda se nos apresentem bonançosos. Acaba por ser a confirmação da expressão «É a economia, estúpido», mas virada contra quem a afirmava como determinante para a execução de políticas contra os mais desfavorecidos. Marx não previa outra coisa … com o resultado consequente!

terça-feira, 25 de abril de 2017

A homenagem a um homem pequeno que não era conhecido como grande bailarino

Não sendo exatamente a mesma coisa, a atribuição de medalha a Sá Carneiro em dia de comemoração da Revolução faz tanto sentido - ou falta dele! - como a de distinção similar ao foragido fiscal do Pingo Doce. Marcelo continua igual a si mesmo: aparentemente inócuo relativamente às esquerdas só engana os ingénuos quanto às suas verdadeiras intenções: a paciente espera das circunstâncias para as devolver à oposição de um poder mais do seu agrado. O mesmo tipo de  aguardamento, que só o levou a candidatar-se a Belém, quando, por falta de comparência de Guterres, sabia invencível o seu passo à frente.
A diferença entre Marcelo e Passos Coelho é a deste último não conseguir disfarçar o nervosismo por não ver o Diabo tão perto quanto desejaria, enquanto o primeiro continua a usufruir as mordomias da função, a cultivar a falsa bonomia de ser uma espécie de mãe protetora, enquanto, pela calada, vai escondendo o rancor de se saber irrelevante para os interesses de que é marioneta.
O que teve Sá Carneiro a ver com a Revolução de Abril? Os mais ingénuos dirão ter sido importante a participação na bancada dos deputados da «ala liberal» do regime fascista, que procuraram dar-lhe o arejamento prometido por Caetano e afinal depressa esgotado na ilusão da «Primavera Marcelista».
Se recordarmos esses tempos houve deputados bastante mais intervenientes e corajosos, como Pinto Leite ou Miller Guerra, pois Sá Carneiro já então habituara os pares a refugiar-se no estrangeiro, quando sentia a situação mais aquecida. Algo que repetiria depois, quando a contestação interna dentro do PPD não lhe corria de feição e tinha Snu Abecassis para lhe afagar as mágoas.
Não podemos esquecer que, no pos-25 de abril, e até à sua morte, Sá Carneiro foi um político contrariado com tudo quanto a Revolução significara: nacionalizações, reforma agrária, legislação laboral progressista, etc.
No rescaldo do 25 de novembro não terá sido um dos que se chegasse à frente para impedir a proibição do Partido Comunista pretendida pelos seus apoiantes mais broncos. Nessa altura, não tivesse sido o papel destacado de Melo Antunes e uma boa parte dos portugueses ficaria sem representação parlamentar, condenados à clandestinidade.
Depois, quando conseguiu apossar-se do poder com a maioria absoluta da Aliança Democrática, o projeto passou por querer infletir quase tudo quanto a Revolução significara. Compreende-se, pois, que gerasse reações emotivas muito fortes em quem nele via um tiranete porventura mais sofisticado do que o padrinho do atual presidente.

Sem hipocrisia, recordo a alegria com que recebi a notícia da sua morte, quando andava embarcado no petroleiro «Neiva». Logo a entendi merecedora de ser devidamente comemorada. O acidente de Camarate - quem ainda acredita na falácia de atentado? - foi daqueles acasos, que refreou, por uns anos, o intento das direitas em «normalizar» a realidade portuguesa. Em pleno Índico, e apesar do luto sentido do Comandante (por sinal boa pessoa esse Mesquita, que um ataque cardíaco abreviaria a vida poucos anos depois!), colaborei na organização de ruidosa festa a celebrar o interregno da iminente contrarrevolução.
Condecorar Sá Carneiro a 25 de abril constitui, pois, um insulto ao que a data representa para a maioria dos portugueses. Porque o homenageado ganhou com o facto de a História se lhe abreviar nesse 4 de dezembro de 1980. Acaso tivesse sobrevivido, e mesmo falhando a vitória de Soares Carneiro na eleição presidencial, teria agudizado de tal forma o clima social nos anos seguintes, que  faria sobressair a evidente inadaptabilidade às práticas democráticas. Por muito que haja quem afiance na possibilidade de Snu em lhe moderar os ímpetos.
É verdade que o programa gizado pelo bétinho da Foz do Porto viria a ser manhosamente cumprido pelo filho do gasolineiro de Boliqueime, mas, na época deste, a CEE ainda impunha aparências de respeito pelas liberdades fundamentais, que não se traduziriam no seu imediato cerceamento.
Que importava, então? Os jornais e as televisões já se caracterizavam pela subserviência à vontade de quem mandava e a redução progressiva dos direitos de quem trabalhava ia-se fazendo de mansinho sem danos de maior para quem ia mudando pouco na expetativa de ir conseguindo alcançar muito mais. Ao mesmo tempo acentuavam-se as desigualdades entre o primeiro percentil de rendimentos e os outros três, progressivamente apequenados na distribuição da riqueza nacional.
Neste 25 de abril, e apesar de distante do nosso retângulo, parece-me que a notícia maior foi a absurda consagração de um homem pequeno que, tanto quanto se sabe, nunca foi grande bailarino! E a reiterada confirmação da verdadeira natureza de quem mora no Palácio de Belém.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Algo continua podre no reino que foi do Crato (o Nuno, entenda-se!)

O período tutelado por Nuno Crato no Ministério da Educação só teve comparação com os do período fascista, quando o objetivo era formar elites e condenar a grande maioria dos petizes à subserviência de quem mandasse.
Foi com ele que se acentuou a falta de democratização nas escolas, promovida, infelizmente, por uma ministra socialista e que passou a tornar o diretor numa espécie de gauleiter, relativamente ao qual se devia ficar cego, surdo e mudo se com ele não se concordasse.
Data desse negro período o assédio moral a que foram sujeitos os professores João Filipe Vieira e Paula Gil na Escola José Afonso no Seixal, provavelmente por terem nos currículos os doutoramentos com que os invejosos se mordiam de inveja.
Condenados aos piores horários, privados de lecionarem às turmas que melhor se adequariam às suas características, não puderam suportar verem-se “avaliados” no seu trabalho por uma colega cujo curso era o de Educadora de Infância, e com eletivas afinidades com o reciclado gauleiter.
Sentindo o facto como uma forma mesquinha de os humilhar insurgiram-se e foram, por isso mesmo, sujeitos a processo disciplinar.
A chegada de um novo governo julgou-os libertos do jugo do notório cratista, que agora se tenta fazer passar por entusiasta da atual situação.
Enganaram-se! Afinal ainda muito falta mudar no ministério da 5 de outubro. A começar por secretárias de Estado, que avalizam condenações sem questionarem o que estava em causa e nem quererem ouvir os argumentos dos condenados.
Algo continua podre no reino que foi do Crato!

Um homem pouco providencial

Há uns vinte anos fui delegado ao Congresso do Partido Socialista no Coliseu dos Recreios, onde António Guterres foi consagrado secretário-geral do PS. Um dos acontecimentos mediáticos, que mais deram então nas vistas foi o surgimento de um personagem histriónico, que passaria a ter dimensão nacional sob o nome de Tino de Rans.
O propósito era óbvio: usando um linguajar popular o carteiro da pequena povoação nortenha julgava-se capacitado para se medir com os experientes dirigentes socialistas como um seu par. Provavelmente terá imaginado possível chegar à bancada parlamentar para prosseguir essa forma indigente de assumir o púlpito e ganhar galões de líder popular.
Sem capacidades nem competências, que não a sua acrítica lábia, fez-se presidente da Junta, mas nada o distinguiu no cargo. Rans não primou pela excelência da sua gestão e, até ver, o calceteiro, ou ex– não faço ideia!, nunca mais ali quis ou conseguiu ser reeleito.
Agora, falhada a possibilidade de chegar a Belém, dado ter encontrado pelo caminho um populista mais sofisticado e esperto do que ele, tenta a Câmara de Penafiel. 
Para fazer o quê não se sabe. Na vontade esdrúxula de dar satisfação ao ego o Vitorino lá saberá se, nas quase analfabetas meninges, algum propósito em benefício dos munícipes albergará.
Por mim , mesmo incorrendo no risco de parecer elitista, considero o personagem um perigo, porque livrai-nos de quantos adoram olhar tanto para o umbigo e se orgulham da ignorância evidente do seu comportar.
Não é só em França, na Holanda ou na Alemanha, que o fascismo anda à solta. Algures no concelho de Penafiel assume a forma de sinistra criatura que finge tão completamente a modéstia, que chega a fingir que é ávida ambição, a ávida ambição que deveras sente.

É prá amanhã, que tudo se há-de arranjar!

As ilhas Cook são dos cenários naturais da Terra, que mais se aproximam da ideia de paraíso celestial. Os dias correm bonançosos, com alimentação farta propiciada pela abundância de peixes junto às praias e pela prodigalidade das árvores frutícolas, que bastariam para erradicar qualquer carência em alimentos. Sobram as galinhas e os porcos, que engordam em liberdade, entre grandes e pequenos, para lhes virem a propiciar as proteínas suplementares.
Vivesse numa dessas ilhas e, mesmo sem cinemas, teatros, salas de concerto ou bibliotecas, não me passaria pela cabeça trocá-la por qualquer outro sítio onde a velocidade dos ponteiros do relógio se aceleraria e o ambiente competitivo, de que me livrei ao alcançar merecida reforma, regressaria em força.
E no entanto…
Há sempre um mas, não é?
Hoje já são muitos os cookianos, que abandonam o seu doce habitar por empregos proletários na vizinha Nova Zelândia. Não por julgarem-se aí felizes, mas pelo medo de se verem submergidos pelo oceano, elevado de nível pelo imparável aquecimento global.
Até é possível que, essa impossibilidade em se manterem onde sempre viveram, só ocorra daqui a vinte ou trinta anos, mas a antevisão de um cenário de catástrofe fá-los sair do ameaçado conforto atual para demandarem a incerta sobrevivência futura. Descrentes do cumprimento do Acordo de Paris fazem-se à vida antes que ela se lhes venha a tornar inviável.
Pensei neles ao acompanhar noite adentro os resultados das eleições francesas. Envolvendo exagerados temores a respeito de Marine Le Pen. Que pouco superou a barreira do quinto de apoiantes contabilizados, provavelmente engrossados até um terço dos que, daqui a duas semanas, repetirão a visita às secções de voto. Mas esse resultado constituirá por muitos anos o pico de uma maré viva em vias de retornar à normalidade das que não avançam tanto na praia.
Aqui na Holanda já ninguém se lembra de Wilders, que davam como possível vencedor das eleições do mês passado. Na Alemanha o partido da extrema-direita esfrangalhou-se com tal fragor, que saiu do congresso deste fim-de-semana sem haver quem o queira liderar para as eleições de Setembro. E, quer se queira, quer não, o Brexit voltará a ser referendado daqui a mês e meio, quando o oportunismo da atual locatária do 10 de Downing Street arriscará ser punido com um resultado diferente do esperado. A exemplo do que aconteceu com o antecessor, Theresa May poderá ver-se na condição de ter de encontrar outro sítio onde morar.
Existe uma dinâmica de refluxo das extremas-direitas pela perda de impacto da vinda de emigrantes sírios, afegãos e iraquianos pela península balcânica a caminho de uma Europa onde se tornaram ostensivamente rejeitados. Mesmo que, diariamente, dezenas, senão mesmo centenas de desesperados se afoguem nas águas mediterrânicas, sem qualquer impacto mediático.
Não deveria ser assim num mundo ideal, mas é forçoso reconhecer o quanto são as esquerdas a sofrerem injusta penalização por políticas humanistas para com quem só quer fugir da guerra e da fome julgando encontrar no mirífico destino, se não a felicidade (também ela só possível nas terras onde nasceram e sempre viveram!), pelo menos uma qualidade de vida acima do patamar da mais austera sobrevivência.
A dinâmica de enfraquecimento dessas extremas-direitas deveriam levar as esquerdas a interrogarem-se como por elas viram sonegado o apoio das camadas mais desfavorecidas, aquelas que não sentem respondidas as inquietações por quem as deveria conhecer e lhes dar expetativas de mudança. Porque o hoje tornou-se asfixiante, insuportável. E é estulta a posição de muitos - o exemplo é Pacheco Pereira no artigo de opinião hoje assinado no «Público» - que continuam a acenar com um perigo, que deixou de ser iminente. E provavelmente o não voltará a ser se as esquerdas souberam ressuscitar-se como prometeu Benoît Hamon na declaração, enquanto derrotado, na sua sede de candidatura.
O desafio imediato numa área política, que a generalidade dos comentadores, exageram ao prenunciar-lhe a morte, é entre quantos querem manter o insensato rumo dos últimos anos, uma linha autodefinida de «progressista», mas apenas traduzida na reciclagem da que motivava a direita antes desta se ver defenestrada pelas suas franjas mais radicais, e os que consideram a necessidade de novos tempos exigirem outras estratégias de reencontro com os objetivos da matriz socialista, demasiado esquecidos por quem deles apenas assumiu a sigla sem lhe respeitar os conteúdos.
Tal como os emigrantes das ilhas Cook apressamo-nos a temer futuros habitados por criptofascistas, quando os da atual cena mediática - Trump, Erdogan, Orban ou Kaczinsky - não tardarão a conhecer as agruras da sua inconsequência no provimento das aspirações dos respetivos povos.
Se há cinquenta anos a França entediada dava origem a uma subversão feita de impossíveis tornados realidade e de praias descobertas por baixo das pedras da calçada, a que resultará das sucessivas eleições concluídas até meio do verão, poderá sinalizar a alteração substancial dos atores políticos em cena e o que eles terão a propor a quem aguarda por novas estradas de tijolos amarelos com arco-íris flamejantes ao fundo. 

domingo, 23 de abril de 2017

Macron: mais uma ilusão para os defensores de como estão as coisas na UE

Lá temos finalmente as sondagens a acertarem: os resultados da eleição francesa apurados esta noite resultaram num confronto entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen na segunda volta.
É claro que os lobos solitários, que se inspiram no Daesh para tentarem criar cenários de guerra na atualidade francesa, estarão a esta hora a congeminar onde, quando e como poderão ter sucesso nos seus objetivos nos próximos quinze dias. Mas a eficiência da polícia gaulesa tem sido tal que confiemos na forte probabilidade de não conseguirem o êxito pretendido.
Em tal situação, e porventura por diferença menor do que foi a de Chirac com o pai Le Pen, Marine será amplamente derrotada daqui a quinze dias. E terá de regressar à ostracizada condição de pária com quem nenhuma outra força política se pretende consorciar.
É, pois, crível que nas legislativas subsequentes, a relação de forças entre as direitas e as esquerdas repliquem a verificada no anterior quinquénio, com predomínio das segundas. É que, sendo a eleição feita por circunscrição a duas voltas, a soma dos votos de Melanchon, Macron e de pelo menos metade dos de Macron bastarão para vencer os que votaram agora em Fillon e noutros ajuramentados da direita, que dele se dissociaram logo nesta primeira volta.
A dificuldade será para Macron gerir uma maioria de esquerdas, sobretudo com o PS a contas com a redefinição da sua linha estratégica. Ou Valls e uns quantos envergonhados  com a sigla saem e formam um novo partido - mas com quem irão concertar votos? Com o PS virado mais à esquerda? Com os apoiantes de Mélanchon, que nem os querem cheirar por perto? Ou com a direita em cuja direção tendem a aproximar-se a olhos vistos? - ou dificilmente o futuro presidente encontrará quem esteja disposto a dar-lhe maioria suficiente para executar o seu programa político.
Mas será que Macron o tem? Todo o seu percurso do último ano, quando se demitiu do governo de Valls e começou a preparar a campanha não indiciou qualquer visão consistente quanto ao que pretende para a França. A ideia de conjugar o que de melhor têm as direitas e as esquerdas não significa absolutamente nada. Por isso, se o mandato de Hollande terá sido o de uma precoce deceção, o de Macron arrisca idêntica apreciação.
Esperemos que os socialistas entendam a mensagem dada pelas urnas esta noite e saibam reinventar-se de forma a acabarem com essa coisa espúria de andarem a fazer o jeito a quem ideologicamente se situa no campo contrário. Porque o resultado pode ser a pasokização de que Hamon terá sido injusta vítima.