sábado, 27 de fevereiro de 2021

Está confirmado: no dia 26 de março não haverá nevoeiro!

 

Se as direitas tivessem da História a noção realista do que os factos lhe deveriam ensinar saber-se-iam enfeudadas numa ilusão, que mais facilmente as derrotará.  Mas não é assim: episódios avulsos da semana passada bastam para concluir que quem se situa nesses quadrantes, mais ou menos extremados, olha para trás e vê um Império glorioso, cheio de heróis representados no monumento concebido por um arquiteto menor e nos brasões esculpidos em arbustos por todos ignorados se não os viessem agora defender como obras maiores.

As direitas taparam os ouvidos ao que disse um dos maiores vultos da nossa cultura nas últimas décadas - Eduardo Lourenço - que desmentia a existência do tal Império português porque, ao contrário dos que efetivamente mereceram a designação, o seu povo nada lucrou com o esbulho das riquezas dos que colonizaram. Ao invés os portugueses nunca saíram da miséria olhando para o além-mar como promessa de melhor qualidade de vida, que nunca viram concretizada. A não ser, quando emigraram para as Américas ou para além-Pirenéus e, pelo menos um punhado de entre eles, aí encontraram artes de concretizarem os objetivos.

É esse um dos fadários lusos: ficar sempre à espera de dias melhores sem mexer uma palha para que aconteçam. Quando alguns, mais ousados, sacodem a letargia - implantando a República ou acabando com o fascismo - o povo acorre ás ruas como se as revoluções fossem efetivamente suas (e até iludindo-se com a circunstância de, durante algumas semanas ou meses, o parecerem!), mas depois volta à má sina de cruzar os braços e deixar-se enganar pelos que ficaram momentaneamente na mó de baixo, permitindo-lhes o regresso em força, segundo a regra de algo mudar para que tudo fique na mesma.

As nossas direitas, por natureza mais propensas a tal vertente abúlica da identidade portuguesa, andam nessa onda: porque se sabem incapazes de estratégias de sucesso para recuperarem o poder suspiraram pelo seu Sebastião. Não importa se dele têm os portugueses a memória de uma governação, que só lhes roubou direitos e ainda mais os empobreceu. Se o pífio mito vitorioso bastou para ganhar uma vez, logo julgam possível que a água do rio volte a passar duas vezes pelo mesmo sítio. E até a ignóbil criatura invoca (em vão) o seu nome no parlamento para estupefação de Ana Catarina Mendes numa reação, que foi a de muitos quantos, atónitos, ouviram a grotesca enormidade.

As direitas não aprenderam que o sebastianismo surgiu da frustração dos seus antepassados em terem perdido tudo - até mesmo as dez mil violas que ficaram a torrar ao sol ardente de Alcácer-Quibir - e sentirem na pele a opressão filipina. Num dia de nevoeiro o rei voltaria e redimiria a pátria do abismo para que a precipitara.

Nos séculos seguintes os que viviam as frustrações de não alcançarem melhor futuro andaram iludidos com outros sucessivos Sebastiões. O fenómeno dá alento aos que se sentem impotentes e se iludem com futuros risonhos sem nada fazerem para tal. Se até Fernando Pessoa olhou para o protofascista Sidónio e nele viu o presidente-rei!

É esse o estado das nossas direitas, e sobretudo dos que anseiam pelo regresso de Passos Coelho. Que até por certo acontecerá, porque Rui Rio já teve três anos para demonstrar a incapacidade para ir além do mero preenchimento do cargo sem golpe de asa, que impeça a inevitável queda no rápido esquecimento. Mas, também aí, as direitas não aprendem com a História, aquela que nos dita a possibilidade de algo poder repetir-se, a primeira vez como tragédia, a segunda inevitavelmente como farsa. E cá estaremos para galhofarmos à conta do novo Sebastião, mesmo que por ora recue na intenção de regressar a 26 de março, porventura esperançado em que, dando-se a delongas no ressurgimento, ainda se torne pelas suas hostes mais desejado.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Como Roosevelt meteu os demagogos populistas no bolso

 

Interessante o artigo de Michael Lind agora difundido nas muitas publicações internacionais, que mantém acordo com o Project Syndicate.

O autor lembra a história dos Estados Unidos no último século e meio para demonstrar que o populismo não foi uma invenção de Donald Trump. Praticamente desde o desfecho da Guerra Civil, que os derrotados tudo têm feito para afirmar a sua agenda suprematista promovendo sucessivos líderes políticos, que procuravam o apoio de eleitores brancos e pobres, atiçando-lhes o racismo, convencendo-os de como melhorariam na qualidade de vida se se livrassem dos incómodos vizinhos de cor. Os que têm memória até tempos mais recuados não esquecem George Wallace, um racista do sul, que até ganhava eleições pelo Partido Democrático.

O que fazer perante a ameaça desse odioso discurso político? Lá como cá, onde temos de nos haver com a ignóbil criatura, a melhor alternativa é a que Franklin Roosevelt aplicou nos anos 30 do século passado: olhar para as frustrações dos que se deixavam tentar pelos populistas, encontrar-lhes as causas e procurar resolve-las de forma a atrai-los para a Democracia.

Segundo Lind, “os populistas são quase sempre canalhas, mas aqueles que os apoiam merecem ser respeitados e escutados. O populismo demagógico é uma doença da democracia representativa. Curar essa doença exige uma efetiva representatividade.”

Plano ! Queremos um Plano!

 

Em uníssono Rui Rio, Catarina Martins e o próprio Marcelo Rebelo de Sousa insistem com o governo para que dê conhecimento das suas intenções quanto ao desconfinamento. E, com uma falsa ingenuidade, o diretor do «Público» confessa-se incapaz de compreender a decisão do governo em não partilhar com os portugueses o planeamento, que vem fazendo no recato dos gabinetes.

Para todos eles, e para o jornalixo em geral, a preocupação maior é sentirem-se falhos de argumentos para criticarem o governo agora que os números demonstram a pandemia a refluir para patamar muito distante do caos por que, intimamente, desejaram.

Sabendo bem o que a casa gasta podemos imaginar o que aconteceria se esse plano fosse divulgado: os que acham exageradas as medidas implementadas nesta altura diriam ser um crime de lesa-economia a demora em abrir todas as comportas legalizando aqueles repastos e convívios por ora organizados clandestinamente e sempre com o sério risco de acabarem em coimas para os participantes. Para os outros, os que insistem na necessidade de prolongar o confinamento até se reduzirem as hipóteses de se verificar uma nova crista da onda de contaminados e de mortos, as críticas situar-se-iam no polo oposto não faltando quem apodasse o governo de irresponsável.

Os que se sentem inconformados com o apoio significativo que o governo merece nesta altura, expresso nas diversas sondagens, procurarão sempre agarrarem-se aos mínimos pretextos para soltarem os respetivos cães pondo-os a latir a uma caravana que prossegue resoluta para o seu objetivo.

Daí que seja asizada a atitude do governo: como dizia um velho samba, é deixá-los que digam, que pensem, que falem, que se cheguem para lá, porque, no momento certo, e em função dos critérios consensualizados pelos cientistas ouvidos pelo governo, este melhor decidirá quanto ao momento e ao ritmo com que nos devolverá as tão ansiadas liberdades.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Os vómitos da ignóbil criatura

 

Só peço que o processo avançado pelo historiador Fernando Rosas contra a ignóbil criatura, por o ter difamado, injuriado e caluniado - termos correspondentes aos Artigos do Código penal, que ficaram em causa com o caso - corra rapidamente em tribunal. E que outros se sigam sempre que o político mais mentiroso e manipulador, que alguma vez teve assento na Assembleia da República, incorrer no mesmo crime. Que acaba por ser quase sempre que abre a boca, por ser essa a sua incontornável natureza. Até o mais do que suspeito Polígrafo da SIC teve que dar a mão à palmatória e, decerto a contragosto de quem nele opera outras formas de manipulação da informação, reconheceu nenhuma ponta de verdade na afirmação do biltre quanto ao envolvimento de Fernando Rosas numa suposta sessão de tortura ao criminoso de guerra Marcelino da Mata.

Curiosamente, para além de muitos que subscreveram um texto anterior aqui lançado, sobre a natureza do defunto que, para minha indignação, mereceu o apoio de deputados do meu Partido no voto de pesar aprovado na casa da Democracia - coisa que o homenageado nunca soube de que se tratava! - houve também quem se indispusesse com a qualificação de criminoso de guerra. Que o era não o conseguem negar, porque não faltam as imagens de entrevistas em que ele se deleitava a contar como praticava os seus crimes e depois profanava os próprios cadáveres. Algo que não se pode confundir com o comportamento das dezenas de milhares de outros soldados envolvidos no mesmo cenário de guerra, cumprindo o que lhes era ordenado sem incorrerem em comportamentos bárbaros e, muito menos, deles virem depois vangloriar-se. Ou o testemunho do escritor Mário Cláudio, então jurista no quartel-general de Bissau, que teve em mãos vários processos para condenarem o medalhado pelo fascismo pela reiterada prática delituosa e a quem travavam as ordens vindas de cima.

A ignóbil criatura não gostou que a verdade histórica viesse ao de cima e fosse convenientemente lembrada por quem acumulou provas documentais do sucedido consolidando a memória histórica dos crimes do colonialismo fascista. Daí os vómitos abjetos pelos quais terá de judicialmente responder.  Que a Justiça se encarregue de, exemplarmente, o punir é o que se exige no mais curto prazo. Porque o que esteve em causa nada tem a ver com uma suposta «liberdade de expressão» com que possa querer defender-se, mas em manchar a reputação de quem a possui imaculada e não merece ofensas de quem se comporta criminosamente...

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Quão descoroçoados devem ter ficado os “salvadores da pátria”!

 

Temos que convir ser esta uma das características da arte de ser português: levarmos uma situação até ao extremo para que dela nos consciencializemos quão perigosa é. Depois de semanas em que os hospitais ultrapassaram as piores conjeturas previstas para os seus planos de contingência, com números de óbitos e de novos contaminados em curva assustadoramente ascendente, levámos o confinamento a sério, cumprimos com o que nos foi pedido e vimos o índice de contágio descer até ao valor mais baixo desde o início da pandemia, igualmente o mais baixo da Europa. É claro que os negacionistas continuam por aí, assim como persistirá a mera indiferença dos que pensam advir mal apenas aos outros ... até ao dia em que se descobrem com a malfadada febre e a insuportável falta de ar, exigindo então que se concentrem em si os tratamentos até então devidos a quem, porventura, se comportou de forma menos irresponsável na forma como procurou acautelar-se.

A inflexão impressionante nos indicadores da pandemia constituiu uma péssima notícia para quem tem usado a situação de monopólio, que os faz deter a generalidade da informação televisiva, para enfatizar as piores facetas da crise apontando invariavelmente o governo como culpado. Que a estratégia tem dado resultados pífios demonstram-no as sondagens, que continuam a mostrar a soma das esquerdas acima dos 50% e a das direitas a mal lamber os 40%, mesmo nelas incluindo a ignóbil formação política, que delas mereceria a linha vermelha por exemplo imposta por Angela Merkel à sua réplica alemã.

O inaceitável - provavelmente para a maioria dos que contribuem com os seus impostos para que exista um serviço público de televisão e, sobretudo, para os subscritores de uma carta aberta hoje tornada pública e à qual aqueles decerto apoiarão! - é ver a RTP a secundar, se não mesmo a acentuar de forma ainda mais extremada esse tipo de tratamento noticioso coincidente com a agenda política dos que querem ver derrubado o governo, substituindo-o por outro dito de salvação nacional.

Os putativos salvadores da pátria estão manifestamente tramados. Tomando decisões tão sensatas quanto o possível na incerta conjuntura em que as variáveis se alteram todos os dias, António Costa e os seus ministros continuam a desenvolver um brilhante esforço, que cabe elogiar sem reservas. Porque se nos ativermos nas possíveis alternativas sobre quem poderia fazer diferente nem é preciso jogar com triplas para ter por certo um cenário bem mais tremendo a que, felizmente, estamos a ser poupados.