sexta-feira, 31 de julho de 2020

A quebra no PIB, a pífia oposição e os racistas que por aí vegetam


A contração record do PIB no segundo trimestre - 16,5% - está em linha com o sucedido nas demais economias europeias (11,7%). Entre a Alemanha, que recuou 10,1%  e países onde essa quebra foi tão abissal quanto a portuguesa - França com 16,8%, Itália com 15,8% ou a Espanha com 16,9% - toda a União Europeia sofreu um rotundo embate com a pandemia. E os Estados Unidos não se apresentam melhor (9,5% mas com tendência para agravar, porque o pico da crise veio a verificar-se mais no final do trimestre!), o que leva Donald Trump a aventar impossibilidades legislativas como a do adiamento das eleições que só ao Congresso compete marcar.
Este contexto económico justificaria que Rui Rio se preocupasse em assumir postura patriótica em vez de andar a congeminar desculpas para se associar ao Chega nas próximas eleições. Agora quer bloquear a aposta do país no hidrogénio verde e até não hesita em recorrer a mentiras para criar uma vaga populista, que impeça aquele que poderá ser um dos principais investimentos bem sucedidos na economia portuguesa: dizendo que Portugal iria investir sete mil milhões de euros num negócio imprevisível, quase se comparando aos 9 mil milhões da rica Alemanha, ignorou que o verdadeiro valor da parte estatal se cinge a 900 milhões e ajuda a cumprir os requisitos impostos para os apoios a usufruir pelo País de acordo com o decidido no recente Conselho Europeu.
O tipo de oposição implementado por Rui Rio, perante as sondagens dececionantes, que vai enfrentando, é dizer-se do contra perante tudo quanto o governo decidir. E não se lhe ouviu ainda um mero comentário à notícia sobre o seu companheiro de partido, Agostinho Branquinho, que se sabe ter recebido 225 mil euros para fazer lobbying junto dos autarcas de Valongo para que um hospital privado aí se construísse, mesmo violando as normas urbanísticas ali vigentes.
A concluir ainda se justifica a referência a dois artigos hoje publicados na sequência do crime racista, que tirou a vida a Bruno Candé na semana transata. Ambos surgem no «Público» e no que Susana Peralta assina lembra-se que “Portugal é o único país em que mais de metade dos inquiridos do European Social Survey consideram que há etnias biologicamente menos inteligentes. Segundo esta medida, somos o país mais racista da Europa” e constata que “o Ultramar é provavelmente o maior monstro no armário da nossa história recente, que teimamos em manter fechado a sete chaves.” Por seu lado Pedro Filipe Soares propõe que “a pergunta não deve ser se há racismo em Portugal. Este horrível assassínio demonstra-o, mas não é exemplo único. Negar a existência desse racismo é a militância de uma extrema-direita racista, não pode ser o debate da generalidade da sociedade. O nosso foco deve ser em considerar que esse racismo não é nenhuma inevitabilidade, não é uma característica intrínseca do país, que pode e deve ser combatido e vencido. É possível mudar mentalidades e a estrutura social e ganhar a luta contra o racismo, é nisso que nos temos de focar e são essas mudanças que devemos exigir.”

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Marcelices, campanhas furadas, incêndios apagados e maus hábitos


1. Os dias mais recentes têm sido férteis em marcelices. Promulgou a legislação destinada a facilitar o retorno das empresas à atividade, mas aferroou o governo dizendo preferir a continuação do regime do lay off simplificado. Aproveitou o regabofe com que a comunicação social andou a associar as malfeitorias da administração do Novo Banco ao governo para, em vez de fazer o papel de professor e explicar quem realmente tem poderes para as travar, ajudar à festa.
Por estas e por muitas outras, que lhe conhecemos, continuo à espera de uma candidatura alternativa, que não a de Ana Gomes, mera réplica da de Maria de Belém há quatro anos atrás. Nesse sentido Manuel Carvalho da Silva constituiria uma boa solução para a qual me disporia a trabalhar tão militantemente quanto o fiz para António Sampaio da Nóvoa.
2. Ontem foi dia de deceção para essa mesma comunicação social, quando se confrontou com os números do INE e não teve a oportunidade para repetir a charla com que o Albarran nos brindava há muitos anos, quando arrastava a voz para sublinhar o drama, o horror...
7% é um índice preocupante - um só desempregado o é! -, mas aquém das expetativas dos que tinham preparada a campanha para zurzirem no governo. A contragosto até tiveram de reconhecer uma ligeira recuperação do emprego no último mês.
3. Os 490 milhões de euros a investir nos 24 quilómetros de linhas a ligarem os municípios de Oeiras, Lisboa e Loures através do metro ligeiro de superfície constituirá mais uma alternativa valiosa para facilitar a mobilidade das respetivas populações e retirar automóveis da capital. Pouco a pouco o país vai mudando para melhor compensando a estagnação, ou mesmo retrocesso, a que as direitas o sujeitaram entre 2011 e 2015.
4. Interessante, igualmente, a eficiência com que a proteção civil e os bombeiros estão a resolver os incêndios deflagrados até agora, Os pirómanos continuam ativos e, provavelmente, mais ainda os que os imitam com fins mais perversamente políticos ou económicos.  Comprova-se a mudança qualitativa da ação de Eduardo Cabrita na tutela de todo o dispositivo preparado para combater estes sinistros.
5. Sem surpresa vemos o ministério público acusar mais um político do PSD - antigo deputado e secretário de Estado de Passos Coelho - de tráfico de influências no processo de construção do Hospital de Valongo. A confirmação de uma cultura de corrupção nas direitas, que sempre quiseram enfatizar nos socialistas aquilo que nela se revela prática repetitiva...

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Ricochetes e trogloditas


1. Ao indignar-se com quem, em tempos, achou que o Novo Banco ia ser um «banco bom», Rui Rio tem de fazer o mea culpa  ao seu próprio partido, porque foi dele que emanou essa ideia peregrina pela voz de Maria Luís Albuquerque, que até ia mais longe e asseverava não virem a verificar-se custos para os contribuintes ao lançar a experiência financeira proposta pelas instituições europeias para o periclitante sistema bancário português.
Quando tanto se indigna com as malfeitorias da administração do Novo Banco, Rio não pode esquecer que a escolha do «comprador» saiu da lavra de Sérgio Monteiro, secretário de Estado do governo de Passos Coelho e militante ou simpatizante do seu partido. Para tal não só considerou virtuoso o interesse da um fundo abutre, a Lone Star, conhecido por ter ficado com as casas de muitos irlandeses, que já haviam pago 95% do crédito contraído para as adquirir, mas também logo tornou-se num dos donos de empresa apostada em entrar no mesmo tipo de negócios. Caso para questionar sobre quem encontraríamos como donos daquele Fundo nas Ilhas Caimão, que fez a negociata desvendada pelo jornalista Paulo Pena nos últimos dias.
Razão para concluirmos que, quando Rui Rio tenta assacar culpas ao governo pelo que vem sucedendo no Novo Banco nos anos recentes, deveria ter cuidado com os ricochetes...
2. Não é que haja grande expetativa quanto à decisão da SIC e da TVI em porem fim aos indecorosos espetáculos de clubite aguda, que espicaçavam os adeptos mais trogloditas a transformarem as suas simpatias futebolísticas em reflexos tribais, que as extremas-direitas costumam aproveitar por os saberem permeáveis aos seus discursos de ódio ao Outro, sejam eles de outro clube, de outra cor da pele, de outro credo religioso ou de outra opção afetiva. Algo que os próprios clubes têm potenciado através das suas estruturas de comunicação que, segundo Ricardo Costa, acabarão por matá-los juntamente com o próprio futebol. Não esqueçamos que um energúmeno chamado Fernando Madureira tem sido apoiado pela Direção do F.C. Porto e é referenciado nas movimentações do Chega de acordo com a imprescindível peça de Miguel Carvalho.
Escusando-se a RTP a acompanhar as duas concorrentes na decisão de parar com esse tipo de programas, só confirmamos como a televisão pública continua a marginalizar-se daquilo que a maioria dos portugueses dela exige. Quase cinco anos passados sobre a mudança de liderança no governo tarda o momento em que ela seja eficientemente «deslaranjada», tornando-a coisa mais asseada...

terça-feira, 28 de julho de 2020

O elucidativo panorama de um certo patronato à portuguesa


1. A notícia sobre a venda de enorme pacote imobiliário a um Fundo acoitado no anonimato das Ilhas Caimão por valor muito abaixo dos ativos nele contemplados e, ademais, através de hipoteca contraída junto do próprio Novo Banco dá sobejas expectativas sobre o sítio onde podemos almejar ver António Ramalho e a sua equipa de administradores daqui a pouco tempo se o Ministério Público agir em conformidade com o solicitado pelo primeiro-ministro: na prisão por ação fraudulenta contra os interesses do Estado Português.
Só posso lamentar que António Costa tenha manifestado inesperada falta de habilidade em gerir este assunto a nível da comunicação social, porque tornou-se presa fácil da demagogia de Rui Rio ou do Chicão sem convencer os portugueses sobre quem tem a obrigação de acompanhar os atos de gestão praticados no banco em causa. Se responsabilidades há a atribuir elas devem ser assacadas a quem vendeu o BES à comprovada empresa abutre que é a Lone Star: Sérgio Monteiro por convite de Carlos Costa que liderou o Banco de Portugal até há pouco.
É quase certo que, com Mário Centeno como governador, a instituição adote nova postura quer quanto à forma como funciona o Fundo de Resolução - que é quem tem prodigalizado sucessivos empréstimos ao Novo Banco -, quer na contínua aferição da gestão deste último. Mas querer atirar culpas para quem as não teve até agora só demonstra a desonestidade intelectual de quem  julga enganar o eleitorado com descabeladas mentiras.
2. Ocupado noutros focos de interesse só hoje pude ler o excelente artigo de Miguel Carvalho na «Visão» da semana transata sobre quem anda a promover o Chega junto dos empresários  para que abram os cordões à bolsa e lhes financiem a atividade. O que se consegue depreender é estarem ali um conjunto de nomes, que constituem imagem elucidativa sobre um certo patronato à portuguesa: gente conhecida pelos calotes à banca, por negócios mais que duvidosos em paraísos fiscais ou na autopromoção megalómana nada condizente com a sua efetiva pequenez. Há um pífio corredor de automóveis, um vendedor de tintas, amigos de Ricciardi, o dono da falida Air Luxor, gente de empresas de segurança e de venda de armas e, sobretudo, quem ganha fortunas à conta da especulação imobiliária.
E porque estou em dia para lamentos - se calhar porque me morreu uma tia, que me era simpática! - não se compreende como o governo faz com dois dos nomes ali elencados alguns negócios para que se justificaria a procura de mais respeitáveis parceiros. Um ainda fornece meios aéreos para combater incêndios, o outro viu fretado um avião para trazer da China material contra a pandemia. Bem faria Costa em mandá-los ganhar dinheiro para outra freguesia...

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Arrenegando um belzebu cinquenta anos depois


Numa das suas últimas entrevistas, Luís Sepúlveda contava como viveu o nosso 25 de abril de 1974: preso num campo de concentração no sul do Chile era costume os militares sujeitarem os presos a quotidianos arraiais de pancadaria apenas pelo prazer de os manter acossados pelo medo e pelas dores  dos sofrimentos físicos infligidos.  Naquele dia nada aconteceu, nenhum preso foi sujeito a público espancamento para intimidação dos restantes. Motivo porque os mais afoitos questionaram os carcereiros quanto a esse inesperado refrear da repressão.
- É porque em Portugal vocês ganharam!
Assim soube o escritor chileno, e todos os companheiros, como aqui se finara a mais prolongada ditadura europeia, ganhando o alento de não existir mal que sempre durasse. Sepúlveda lembrou-nos que no distante país sul-americano, e também em muitos outros, o modelo português, para manter o povo amordaçado numa realidade diminutiva, foi estudado e replicado por outros aprendizes de ditador predispostos a declararem os respetivos povos como inimigos a oprimir.
No entanto, apesar de moribunda por quase quatro anos mais, a versão portuguesa do fascismo foi a enterrar com o seu criador, morto há precisamente cinquenta amos. Nesse dia, sentido com profundo alívio pela enorme maioria dos que nunca se haviam iludido com o sucessor, oantigo comissário da Mocidade Portuguesa, e por quantos constatavam nada ter mudado desde a famosa queda da cadeira, pressentia-se imprevisível e iminente futuros, particularmente animador para quem dava os primeiros passos na rebeldia contra tão insuportável estado das coisas.
Quando a sinistra figura morreu eu tinha catorze anos e uma vontade enorme de mudar o mundo. Ainda me era mais fácil odiar o homem transformado em símbolo do que compreender todos os motivos, que se acumulavam, para ele jazer tão definitivamente enterrado na tumba quanto os dráculas, que na época me comprazia a ver nas versões da Hammer, depois de espetados os peitos com eficiente estaca de madeira.  Aquele que era culpado por terem vindo buscar o Mariano a casa de madrugada para dele não se voltar a saber. Aquele que mandara o meu primo João Carlos para a guerra em África, dela voltando meio estarola. Aquele por cuja responsabilidade aquela aluna de Letras perdera o filho de que estava grávida ao atirar-se do primeiro andar do edifício para escapar à investida dos gorilas. Aquele que mandara os pides irem buscar o Vítor ao Técnico para o prenderem e depois o expedirem para a guerra, de que só se livrou ao escapar-se-lhes miraculosamente na estação de metro da Alameda pondo-se em fuga tão acelerada, que só parou na Suécia. Aquele que...
Eram tantos os exemplos de crimes cometidos por tão ruim defunto, que passaria aqui o resto da manhã a recordá-los embora esses meus catorze anos ainda parecessem escassos para tantas memórias inconformadas. ´
Cinquenta anos depois só se justifica recordá-lo como forma de exorcizar um mal que por demasiado tempo nos assombrou.