terça-feira, 31 de outubro de 2017

Mais perguntas do Operário Letrado

Sempre pondo-nos na pele do Operário Letrado do poema de Bertolt Brecht, que colocava perguntas pertinentes cujas respostas seriam muito reveladoras, se efetivamente respondidas, podemos formular as seguintes:
1. será que o presidente da Liga dos Bombeiros, Jaime Marta Soares, ficou muito zangado com a prometida tutela da Autoridade da Proteção Civil sobre as corporações porque, à sombra do voluntariado, os seus membros concretizam lautos negócios? Temerá um escrutínio oficial, que demonstrará o pouco altruísmo de alguns, que veem nesse tipo de organizações a possibilidade de acautelarem interesses nada transparentes?
2. será que, fazendo passar para os jornais o desagrado com a entrevista dada por António Costa à TVI, pretenderá Marcelo persistir em alimentar uma guerrilha permanente com o governo? Dado ter ligado a possibilidade de só avançar para um segundo mandato em Belém se as medidas de prevenção e combate a incêndios vierem a ter sucesso daqui por diante, como conta consegui-lo se entrar em confronto, mesmo que disfarçado, contra quem vai, efetivamente concretizar as medidas necessárias para tal?
3. ainda nenhum deputado terá dito a Marcelo, mesmo que em surdina, para acabar com esse triste número de os convidar a irem conhecer as zonas devastadas pelos incêndios, quando afinal eles moram ali mesmo e conhecem-nas muito melhor do que o citadino professor? E quando deixará de se aproveitar do ambiente de comoção nacional  para querer tutelar todo o sistema político democrático?
4. estará o cardeal Manuel Clemente a receber lições do mesmo coacher, que Marcelo, já que se dispôs a propor oração, que comova o mundo celestial de forma a enviar-nos chuva, quando ela está mais do que anunciada pelo Instituto de Meteorologia para os últimos dias desta semana? Depois de haver quem exija demissão de ministra, que sabe já estar demitida, temos um cardeal a convencer os crentes da sua capacidade para mandar no clima?
5. será que os autarcas algarvios acreditam ser merecedores de se lhes ver confiada a gestão da orla costeira, depois de, anos a fio, terem multiplicado os crimes ambientais em toda a região? Já não lhes basta o cenário catastrófico de uma região descaracterizada pelo turismo em versão kitsch para pretenderem acabar o trabalho?

O que se comemora quinhentos anos depois?

Passando hoje os quinhentos anos da afixação das 95 Teses de Lutero na porta das Igreja do castelo de Wittenberg, que verdadeiramente se comemora? A glorificação de um homem inteligente, que execrava o comércio das indulgências pelo clero católico, com o devido beneplácito papal, ou o antissemita, que via nos judeus a personificação de algo de diabólico? O impulsionador da cultura de massas, mediante a tradução da Bíblia para língua vernácula, retirando estatuto ao sacrossanto latim, ou o defensor dos ricos, que achava justificadas as repressões das revoltas campesinas a ferro e fogo?
Ateu confesso tanto me sinto alheado dos ditames católicos como dos protestantes, ou de outra religião qualquer, mas compreendo a importância de uma revolução, que extravasou tudo quanto Lutero poderia pretender. Porque a emancipação dos príncipes germânicos da tutela de Carlos V impulsionou a criação dos Estados-nação, que tanto contribuiriam para a emergência do capitalismo da era Moderna. E como já se depreendeu a impossibilidade prática de passar diretamente de organizações sociais de tipo feudal para as de socialismo avançado - vide o sucedido na Revolução Bolchevique e na Revolução Chinesa - temos sempre de considerar a importância dessa fase intermédia entre o mundo aristocrático e o dos cidadãos livres e iguais entre si.
Lutero demonstra a esse respeito a incapacidade de algumas personalidades em entenderem a importância do papel, que desempenham, quando entram em rutura com os cânones estabelecidos. Podem imaginar os passos que darão a seguir, mas nem lhes passa pela cabeça os que a inércia do movimento poderá suscitar num mundo que pula e avança...

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

A vontade pode ser muita, mas quando os putativos líderes do PPD/PSD não ajudam...

A entrevista dada por António Costa à TVI mereceu de muitos dos seus apoiantes uma apreciação muito positiva e inteiramente merecida. Porque nunca perdendo a serenidade perante um entrevistador apostado em recorrer ao argumentário sobejamente explorado pelas direitas neste verão/outono de incêndios, o primeiro-ministro lembrou o Marquês do Pombal enquanto decisor capaz de reconstruir e reparar os danos de situações que, num e noutro caso, terão sido causadas por fenómenos meteorológicos cujo aprofundamento será objeto de análises significativas nos meses que virão.
Resultam fúteis os esforços televisivos e dos partidos das direitas em explorarem até à náusea os fundamentos com que se uniram para a derrotada moção de censura ao governo, tentando minimizar tanto quanto possível os esforços atuais e futuros para que as vidas dos sobreviventes e das empresas se reconstruam o melhor possível.
Olhar em frente, porque o que fica para trás outros o explicarão - mormente os que demonstrarão essas condições únicas para que a lei de Murphy encontrasse exemplar evidenciação - é algo que incomoda os que veem esvair-se a tal presença diabólica, anunciada por Passos Coelho, e afinal impotente para fazer vingar os seus intentos.
Não deixa, também, de ser interessante a reação de David Dinis, diretor do «Público» e um dos mais influentes jornalistas de direita da nossa comunicação social, a essa meia-hora de António Costa na TVI: no seu editorial identificou quatro avisos implícitos, que ele ali terá tido oportunidade de formular a Marcelo, lembrando-lhe que numa guerra leva-se, mas também se dá. E com a vantagem de comandar um executivo, que sabe bem o que de bom está a cumprir em muitas das principais áreas da governação - a começar pela económica onde, uma vez mais, se anunciou nova descida do índice de desemprego e um superavit cada vez mais robusto no saldo primário, se excluído dos juros da dívida - enquanto os putativos líderes futuros do PPD/PSD revelam a sua insignificância na apresentação de possíveis alternativas. Rui Rio volta ao estilo bem português de considerar fundamental que se estudem e se discutam publicamente medidas, que não admitem mais adiamentos para que se minimizem réplicas dos fenómenos que incendiaram o país nos últimos meses, enquanto Santana mostra-se igual ao que lhe conhecemos: folgazão e maledicente como de costume, mas tão trapalhão quanto se revelou, quando, para nossa desgraça, Barroso lhe confiou as rédeas governativas para se pôr ao fresco em Bruxelas.

domingo, 29 de outubro de 2017

Entre os dois venha o Diabo de Passos e escolha

Obviamente que tanto se me dá que ganhe Rio como Santana no PSD. Mas, enquanto o primeiro, é filho apócrifo de um certo Portugal profundo, que anseia por homens austeros, salazarentos e teve em Cavaco a sua expressão mais recente, o segundo norteia-se pelo tipo de populismo serôdio capaz de recorrer às mais abjetas argumentações (o episódio do “colinho” em 2005), quando se trata de levar a sua avante. Nesse sentido o candidato às autárquicas em Loures tem muito mais a ver com o ex-provedor da Santa Casa do que com o antigo presidente da câmara do Porto. Mas, na forma como execra a cultura (vide como erradicou do Rivoli quem ali criava artes de palco mais irreverentes para impor a “estética” de la Feria) e lida mal com o contraditório, se quiséssemos encontrar um émulo do sinistro Viktor Orban à escala nacional seria para Rio, que melhor nos inclinaríamos.
Perante tudo isto, e sobretudo quanto à vontade de Marcelo em estilhaçar a atual maioria parlamentar para a ajeitar a um centrão mais ao gosto de Francisco Assis, tenho alguma dificuldade em adivinhar qual merecerá maior simpatia para quem não desiste de comandar os destinos do país a partir de Belém. Rio aproxima-se-lhe mais nos valores, mas é menos manipulável, que Santana Lopes. Por isso inclino-me para a segunda hipótese, até por ambos serem abertamente populistas. Com uma diferença: Santana é-o na plenitude no que tais protagonistas melhor revelam a sua demagogia - na exclusão do Outro. Enquanto Marcelo, pelo contrário, ainda está na fase inclusiva, aquela em que sabe fazer perdurar por mais tempo as taxas de popularidade necessárias para executar, a longo prazo, a sua agenda escondida.

sábado, 28 de outubro de 2017

Azelhices, mas não sabíamos que eles assim se comportam?

Ei-la ladina a presidente do CDS a propor a criação de um braço militar do Exército para a proteção civil a exemplo do que acontece na vizinha Espanha. E logo alguns dirigentes do PPD/PSD a secundaram para não perderem um comboio, que julgariam direcionado para estação mais protegida das tempestades políticas vividas nestes dois anos.
Uns e outros acabaram por revelar-se profundamente ignorantes do que estavam a falar, porquanto essa estrutura já existe - chama-se Regimento Militar de Apoio de Emergência (RAME) -, está sedeada em Abrantes, conta com 13 mil elementos e … foi anunciada em 2014 pelo governo de Passos Coelho, embora só tenha tido concretização prática com este governo em setembro do ano transato.
Curiosamente até o antigo primeiro-ministro veio afirmar a urgência de formação de algo em que se empenhara e … afinal já existe tendo sido mobilizado para o apoio às populações durante toda esta época de incêndios.
Já sabíamos que Assunção Cristas e Passos Coelho falam amiúde do que desconhecem por inteiro, mas este exemplo só o confirma. À saciedade...

Embustes, por agora ainda populares

Bem pode Martim Silva pôr o secretário nacional do PS Porfírio Silva na coluna dos baixos da segunda página do «Expresso», que bem sabe o efeito das palavras do dirigente socialista na contenção verbal a que Marcelo Rebelo de Sousa se viu obrigado a partir do momento, em que foi denunciado o seu indecente aproveitamento das tragédias dos dias 15 e 16 de outubro para acossar o governo de António Costa.
Quem se ilude a pensar que são os socialistas a saírem mal do filme do clima suscitado pela notícia do «Público», só porque se mantém elevada a taxa de popularidade com que Marcelo ambiciona bater-se de igual para igual com Kim Jong-un, bem pode esperar sentado: nos três anos que faltam até voltar a ir a votos o selfieman  terá de ser paulatinamente denunciado em todas as velhacarias, que o costumam caracterizar, e aqui mais do que evidenciada. Foi, por isso mesmo, delicioso o seu atrapalhamento nos Açores, quando os jornalistas o pressionaram a comentar aquilo que Daniel Oliveira já antecipadamente conjeturara.
Porque o país não pode ficar refém de um órfão do antigo regime, que sempre tem posto a reconhecida inteligência ao serviço das causas mais conservadoras. Ou há quem se esqueça da sua responsabilidade por muitas mulheres terem morrido, ou sofrido danos irreparáveis, por ter conseguido criar as condições para impedir a aprovação atempada da legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez, adiando-a por mais uns anos?
Mais depressa se apanha um demagogo que um coxo e a História é fértil em demonstrar que os populistas acabam por se ver ostracizados, mais tarde ou mais cedo, por quantos empunharam temporariamente as suas bandeiras. Sobretudo quando se comprovar cada vez mais quanto a sua dinamite é feita de pólvora seca, e os trunfos fortes estarão do lado de quem vem fazendo o país crescer, os portugueses a viverem com menores dificuldades e a dívida pública a baixar - algo que continua a verificar-se em cada sucessivo anúncio dos indicadores oficiais.

Uma República quixotesca face a uma Monarquia de pés de barro

1. Não deixa de ser paradoxal que a União Europeia prove na Catalunha o tipo de veneno por ela estimulado na Ucrânia: há nos catalães a intenção de replicar na sua capital o tipo de estratégia seguida na praça Maidan, de Kiev, e cujos bons resultados vieram a ser lestamente reconhecidos por quem, de fora, os fomentou. Será presumível que, muito proximamente, Bruxelas e Berlim venham a ser confrontadas com a questão de persistirem no não reconhecimento da nova República. Porque, embora conheçamos de sobra a sua lógica de dois pesos, duas medidas, o alinhamento com o pós-franquismo de Rajoy poderá vir a confrontar-se com uma indomável reação popular. E, perante, a evidência dos factos, quererão perder a continuidade geográfica, que tanto ambicionaram estender entre a costa atlântica e as fronteiras russas?
2. Tem sido curiosa a fundamentação de quem, entre nós, contesta o direito dos catalães a possuírem o seu Estado, invocando os custos consequentes para o nosso país. Uma vez mais temos a comprovação da lógica indecorosa de quem põe os princípios de lado em prol dos números das folhas de excel.
Colocando-nos, porém, nessa perspetiva, será assim como dizem? Ou o impacto nas exportações portuguesas para Espanha pouco efeito negativo terá, porquanto só 10% delas são direcionadas para a nova República? E, se quisermos ser ainda mais cínicos, quantos turistas vocacionados para visitarem o turbulento país vizinho preferirão o nosso tépido inverno português?
Embora este tipo de argumentação seja politicamente incorreta, está ao nível dos que gritam «aqui d’el-rei Filipe!» com medo de que o céu lhes caia em cima!
3. Há quem pegue nas palavras de António Costa a respeito da posição diplomática de defesa da integralidade da Espanha e do respeito pela Constituição pós-franquista para demonizar os socialistas, que se sentem solidários com os catalães.
O que esperavam? Com tantos problemas por resolver achariam que o governo poderia arriscar um conflito internacional dissociando-se do posicionamento dos demais países da União Europeia?
A posição mais interessante é, a tal respeito, a de Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, que afirmou: “Espero que o Governo espanhol favoreça a força dos argumentos e não os argumentos da força.” Ou seja, Rajoy que se prive de avançar com blindados e comandos para Barcelona sob pena de ver em risco o apoio de que ainda dispõe nas chancelarias. O que lhe deixa um problema complicado de resolver. Como impor a lógica castelhana se o apoio popular à nova República se mantiver tão forte nas ruas como até aqui?
Nesta altura até os mais entusiastas apoiantes de Rajoy deverão estar a fazer contas à cabeça até que ponto a arrogância dele não causou maior dano do que se tivesse acautelado negociações, mesmo que difíceis, para impedir que se dessem passos tão acelerados em direção a uma tendência histórica, que dificilmente será revertida.



Conhecer as origens do conflito ucraniano

É um país dividido entre dóis polos: o ocidental e o russo, e ganhou maior relevância nos noticiários internacionais quando, em março de 2014, a Crimeia foi ocupada, depois de um referendo organizado pelas autoridades alinhadas com o Kremlin. Embora essa nova realidade continue a merecer repúdio de alguma comunidade internacional, ela está perfeitamente em consonância com a História dessa região, situada no cruzamento de influências entre os referidos dois polos.
Hoje a Ucrânia tem fronteira a oeste com a Polónia, a Eslováquia, a Hungria e a Roménia - pertencentes à União Europeia! - e a Moldávia. Ao norte fica a Bielorrússia, enquanto a Rússia situa-se a leste, partilhando dois mil quilómetros de fronteira comum. A sul fica o mar Negro e o mar de Azov.
O país conta com 44 milhões de habitantes e tem por capital Kiev, nas margens do rio Dniepr, que atravessa o país. A sul e a leste - sobretudo na Crimeia, em Lougansk e em Donetsk - fala-se o russo, enquanto a norte e a ocidente impera a língua ucraniana.
Remontando no tempo constatamos que o principado de Kiev foi fundado no século VIII por vikings. Em 908 Vladimir, o Grande, converte-se ao catolicismo, nascendo aí a Grande Rússia. Daí a intenção permanente do Kremlin em não dissociar-se daquela que consideram ser o berço original da sua orgulhosa pátria.
No século XI o principado está no seu apogeu, estendendo-se do Báltico ao mar Negro, e constituindo um notável centro de atividades artísticas e religiosas como complementos ao comércio florescente, ou não passassem por ali as grandes rotas comerciais da época.
Em 1667 o território norte-ocidental pertencia à República das Duas Nações (Polónia e Lituânia), enquanto o czar da Rússia exercia poder sobre Kiev e o território sul-oriental. Excluía-se o Khanato da Crimeia maioritariamente povoado por tártaros. Até 1783, porque o Império Russo anexa a cobiçada península nesse ano e, doze anos depois, Catarina, a Grande, expande o território para a margem ocidental do Dniepr, deixando ao Império Austro-húngaro algumas terras mais periféricas. Doravante a língua ucraniana é proibida, Moscovo passa a chamá-la de Pequena Rússia, convertendo-a no seu celeiro. Mas também ai cria a primeira indústria do vasto império na zona oriental do Donbass.
Em 1917, com a revolução de fevereiro em Petrogrado, a Ucrânia acede pela primeira vez à independência. Em novembro o parlamento de Kiev, a Rada, opõe-se aos bolcheviques e proclama a República Popular da Ucrânia. Mas já então, a leste, é proclamada a República Soviética da Ucrânia com posicionamento pró-russo e capital em Kharkov.
A independência pouco dura porque, em 1922, o Exército Vermelho ocupa o país e proclama a República Socialista Soviética da Ucrânia, integrada no conjunto da URSS.
Nessa década a coletivização forçada das terras suscita a oposição dos camponeses, que fundamentam o despertar nacionalista do país. Estaline dobra a resistência através do extermínio pela fome, que causará cerca de seis milhões de mortos.
Durante a Segunda Guerra Mundial as fronteiras estendem-se para ocidente em prejuízo dos vizinhos checoslovacos, húngaros e romenos. Calcula-se que, entre 1941 e 1945 tenham morrido oito milhões de ucranianos.
Em 1954 Nikita Kruschov ofereceu a Crimeia à Ucrânia, que estava a ocupar um papel primordial no conjunto da economia da URSS: produzia 1/4 da agricultura soviética e as minas de ferro e o carvão alimentavam o complexo militar e industrial da superpotência.
Em 1991, na sequencia da implosão do regime soviético, a Ucrânia recupera a independência, mesmo mantendo-se na esfera de influência da Rússia sob o comando da política neoliberal e autoritário do presidente Kuchma.
As eleições de 2004 voltaram a revelar um país cortado ao meio com o russófono Viktor Ianoukovitch a confrontar-se com o pró-ocidental Viktor Iouchtchenko. A vitória do primeiro não é aceite pelos apoiantes do segundo, que levam por diante a chamada Revolução laranja, que dura várias semanas.
Vista de Moscovo esse movimento é visto como uma ameaça aos seus interesses estratégicos, tanto mais que a União Europeia e a Nato estavam a avançar mais e mais na direção das suas fronteiras. E a Casa Branca avançou com todas as suas forças militares e clandestinas para fazer dá Ucrânia a sua aliada mais fiel na região.
A Rússia vai então utilizar o gás como sua arma preferencial cortando o fornecimento nos invernos de 2008 e 2009. Face às consequências dessa torneira subitamente fechada, a primeira-ministra Iulia Timoshenko vai a Moscovo assinar um novo acordo com Vladimir Putin. Em resposta a União Europeia tenta cercar a Rússia mediante acordos que faz com a Arménia, o Azerbaijão e a Geórgia a sul, e com a Bielorrússia, a  Moldávia e a Ucrânia mais a ocidente.
Putin, por seu lado, multiplica as pressões para que a Ucrânia se junte a uma União Alfandegária entre a Rússia e as antigas repúblicas soviética, que além da Bielorrússia e o Cazaquistão, também deveria integrar o Uzbequistão, o Quirguistão,  o Tadjiquistão, a Arménia, o Azerbaijão e a Moldávia.
A Ucrânia era, pois, um dos países convidados para os projetos de relação económica preferencial com os dois blocos políticos. Em 2010 Ianoukovitch ganhou as eleições presidenciais, renunciando ao acordo com a União Europeia e reforçando o apoio ao proposto pelo presidente russo. Imediatamente se congregam grandes multidões na praça Maidan,  agudizando as divisões históricas ancestrais. Ianoukovitch é forçado a fugir para escapar à eliminação, que os golpistas almejavam e a Rússia ocupa a Crimeia, suscitando as sanções da União Europeia e dos EUA.
Logo de seguida as regiões de Lougansk e de Donetsk separam-se do resto da Ucrânia numa guerra que não chega a conhecer tréguas apesar de assinado em Minsk um acordo para as impor. O que hoje mais custa aos golpistas filofascistas de Kiev é que o Doubass tem 5 milhões de habitantes e é a região mais rica do país, potencial que não conseguem aproveitar para os interesses plutocratas  a que estão ligados.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Mesmo com reservas, estou com os independentistas catalães

Após semanas sucessivas em que vimos Mariano Rajoy a revelar os piores tiques franquistas, o PSOE foi procurando escapar por entre os pingos de chuva sabendo-se condenado pela exacerbação da xenofobia castelhana se não se fizesse idiota útil da agenda política do PP, e em que Puidgemont mostrou um tacticismo a raiar o aventureirismo, a Generalitat declarou a independência da Catalunha. E a minha posição continua a mesma da que aqui assumi semanas atrás: até por se constituirem como uma República, os catalães têm a minha simpatia garantida. Continuo a defender que, depois de tudo quanto aconteceu na Guerra Civil a imposição da dinastia dos Bourbons como soberanos da Espanha pós-franquista constituiu um derradeiro vómito do execrável ditador.
Há também a questão da justeza ou não de uma nação com língua e cultura próprias transformar-se num Estado independente! Até por termos estado séculos a fio ameaçados pelo expansionismo castelhano deveremos mostrar-nos assertivos com um povo, que só se manteve sob a bota do seu opressor, porque entre o seu flanco a leste e o situado a ocidente, os filipes acabaram por optar pelo primeiro, dando-nos o ensejo de restaurar a independência em 1640.
É certo que a Europa, à exceção da Escócia, está renitente quanto ao reconhecimento da vontade expressa pela maioria dos eleitos catalães. Mas, desde quando tem a União Europeia alguma legitimidade para condenar esta declaração de independência depois de todos os golpismos, que fomentou ou apoiou para que a Jugoslávia se estilhaçasse em vários países distintos?  Ou como criou as condições para que a Ucrânia viesse a ser o atual Estado tomado de assalto pelas milícias nazis?
Os próximos dias serão problemáticos, mas mesmo que imponha o diktat de Madrid pela força, Rajoy arrisca-se a ver alguém a repetir o que Unamuno disse em tempos a Millan-Astray: «Venceréis, pero no convenceréis» . E, vista à distância, a História veio a tornar o filósofo no vencedor tardio da guerra de que o autor da frase «Viva la muerte» seria apenas aparente e efémero conquistador.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Traição, não há como o qualificar de outra forma!

Os meus amigos marcelistas vão ter de me aturar novamente a pretexto do artigo, que o «Público» hoje inseriu na sua edição, e em que Liliana Valente conta como, antes do seu discurso ao país, “o chefe de Estado estava a par de tudo o que estava a ser preparado, na reação às tragédias deste Verão — e Marcelo nunca terá transmitido qualquer desacordo com esses passos e o calendário a seguir.”
Não sei o que esses amigos terão a dizer em defesa do seu «mais do que tudo» mas, na minha escala de valores, o comportamento de Marcelo é o de um traidor. Com todas as letras…
Porque uma das medidas conhecidas era a da demissão da ministra Constança Urbano de Sousa e Marcelo quis ficar na fotografia como sendo o ordenante do seu despedimento. Que depois tenha tido o topete de a abraçar calorosamente na cerimónia de tomada de posse dos novos ministros e secretários de Estado só confirma a sua natureza dúplice, hipócrita. Confirma o jornal: “apesar da forte pressão, Costa defendeu que a substituição da ministra só deveria acontecer depois do Conselho de Ministros, para que fosse Constança a apresentar as medidas que preparou. ‘Estava tudo acordado. O Presidente sabia da saída da ministra’”.
Podemos aventar até que ponto Marcelo terá tido a noção de que a SIC estava a fomentar a organização de grandes manifestações contra o governo no passado sábado e viu nelas a possibilidade de cavalga-las para o objetivo de apressar o inconfessado desejo de se ver livre da coabitação com um governo que execra. Valeu a Costa que, desta vez, o conhecido faro de Marcelo para agir de acordo com as circunstâncias lhe saiu gorado.
Questionado entretanto pelos jornalistas quanto à mudança no relacionamento com António Costa, Marcelo terá “chutado para canto”, eximindo-se a responder sobre a substância do que se lhe exigia…
“A concretização, sabia Marcelo, estava a ser preparada para apresentar no Conselho de Ministros no sábado seguinte. Mas Costa foi obrigado a mostrar parte delas logo no dia seguinte, no debate quinzenal (vistas ali como cedências ao discurso do chefe de Estado): desde o reforço de verbas no Orçamento para 2018, à demissão da ministra ou mesmo sobre as indemnizações às vítimas. Aliás, sobre as indemnizações, Marcelo pressionou o Governo a fazer uma avaliação “de forma rápida”, de modo a indemnizar as vítimas de Pedrógão no dia antes dos incêndios de Outubro. Mas o tal mecanismo extrajudicial já vinha a ser preparado - com Belém informado - e estava agendada a reunião com a Associação de Familiares das Vítimas para quarta-feira, no dia em que foi apresentada esta medida.”
Como diria o povo, há sempre males que vêm por bem: são muitos os testemunhos dos que se confessam enganados pela aparente simpatia do selfieman  e só agora se apercebem da sua verdadeira natureza. Não é o elo de confiança entre o presidente e o primeiro-ministro, que se quebrou, porque um e outro são suficientemente inteligentes para adivinhar a rutura mais tarde ou mais cedo. O que se acelera é a quebra dessa confiança entre muitos socialistas, que se eximiram de votar no candidato mais íntegro das eleições presidenciais de 2016 - Sampaio da Nóvoa - para votarem em quem continua a fazer de Belém a sede da contínua ação conspirativa contra quem os quer bem governar...

Hoje acordei com vocação para ajudar Assunção Cristas

Acabada a época dos fogos, e presumindo que a economia continuará a dar ao governo motivos para demonstrar a bondade da estratégia delineada pela equipa de Mário Centeno para incrementar o crescimento económico e diminuir o desemprego e a pobreza, existem duas matérias de grande potencial para que Assunção Cristas prossiga a sua agenda populista: a seca e a pesca da sardinha.
No primeiro caso deverá exigir que António Costa abandone a zona de conforto de só acorrer a Bruxelas para resolver as dificuldades momentâneas, como as suscitadas pelos incêndios, e suba mais alto, siga até ao poleiro donde São Pedro vigia os atos dos pecadores cá de baixo e o inste a mandar-lhes chuva. Não é ele um hábil negociador? Então que cuide de forçar o santo a deixar-se dos seus comedimentos pluviosos, permitindo-nos ver barragens a transbordar e rios ufanamente caudalosos a deslizarem pelas suas margens.
Quanto à sardinha também a buliçosa demagoga poderá encontrar matéria com que surja diariamente nos telejornais, particularmente no de José Rodrigues dos Santos, que já se lhe revelou particularmente caloroso como anfitrião: como é possível que cada fêmea de sardinha só tenha posturas de 20 mil óvulos a cada duas semanas, quando, se bem convencidas, poderiam duplicar o seu potencial de fecundidade, dobrando a quantidade disponível para os nossos indignados industriais da pesca? Andando agora a perder tempo com quem sofreu os efeitos dos fogos, mas nenhum os possa ameaçar de novo nas próximas semanas, deverão António Costa e a ministra Ana Paula Vitorino arregaçar as mangas, vestir os fatos de mergulho e negociar com Neptuno uma maior prodigalidade das caprichosas sardinhas.
Haja imaginação e não faltarão argumentos à ardilosa governanta do Largo do Caldas.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

China: contra o caos, uma liderança ainda mais forte

Pelo entusiasmo, que tive nos anos setenta pelas teorias maoístas e pela experiência de ter vivido alguns meses na China nos anos noventa, não olho para a grande superpotência asiática através da  formatação da grande maioria dos comentadores ocidentais. O que me permitiu conhecer da estrutura de pensamento da população chinesa e o que dela pude apreender, quando a contactei diretamente, levam-me a considerar estulta a visão eurocêntrica inerente aos bitaites estereotipados,  que sobre ela abundam. Em primeiro lugar, porque pretendem ali ver aplicado um conceito de Democracia à ocidental, que nem encaixa na idiossincrasia de um povo marcado pelos valores confucionistas, depois revistos pelos do Partido dominantes. Se havia algo que, em comum, tinham os meus interlocutores de Xangai, quando com eles falava de política, era o quanto verberavam a forma como o Partido Comunista da União Soviética se tinha deixado implodir, dando espaço ao caos, o assustador luan, que Jorge Almeida Fernandes refere num artigo hoje inserido no «Público» e que corrobora esta leitura pessoal. Mas a confiança, que a enorme maioria de chineses de todas as etnias deposita no Partido único tem a ver com a experiência de ter testemunhado o sucedido ao mais importante vizinho ocidental: a redução significativa do seu território e a presença da NATO até às suas portas, justificam o fortalecimento da liderança de Xi Jinping dando-lhe um estatuto comparável ao de Mao. Eles sabem que os seus antepassados chegaram a viver, durante séculos, no Império Celeste, mais desenvolvido então do que qualquer outro então existente, e só nos finais do século XIX tinham visto ruir esse poderio a que voltam agora a almejar.
O crescimento económico dos últimos trinta anos, que tirou da miséria a maioria da população, e a perspetiva bem real de virem a ocupar no médio prazo o estatuto de país mais poderoso do mundo não é de molde a suscitar grandes hipóteses para os que procuraram, através dos acontecimentos na praça Tiananmen, replicar ali o tipo de capitalismo maioritário no ocidente.
Dir-se-á, que o regime pouco terá de comunismo se analisadas as suas práticas fundamentais? Não duvido disso. Mas o capitalismo de Estado, ali seguido, poderá constituir um atalho providencial para a visão marxista de, só no corolário de uma sociedade desse tipo, chegada ao limite do seu potencial desenvolvimentista, se abrir espaço para uma organização social do tipo comunista.
Algo que me parece evidente é a estupidez de se contrapor a ideia de uma ditadura chinesa versus uma suposta democracia ocidental. É que entre a grande maioria da população de um e de outro lado é a chinesa, que está a evoluir mais rapidamente na melhoria do seu PIB/hab, e quanto a consciência política a alienação equivale-se. Se a oriente imperam as palavras de ordem ditadas pelo PCC, deste lado do globo o consumismo e as televisões cuidaram de desviar as atenções para os futebóis, as religiões e outras distrações tendentes a reduzir as pessoas a uma massa abúlica, sem consciência de como tudo poderia ser diferente se ganhassem alguma consciência cidadã.