Há palavras e expressões, que saíram do léxico comummente utilizado pelo nosso universo mediático e que carecem ser resgatadas do interesseiro esquecimento em que têm caído. «Luta social» (mais ainda «luta de classes), «resistência», «desobediência civil», «rebeldia», «revolução», violência revolucionária». Eis o tema de um texto publicado há cerca de um mês pelo professor Boaventura Sousa Santos no «Jornal de Letras», e que vale a pena trazer aqui a lume. Porque, desde a queda do muro de Berlim, esses conceitos foram intencionalmente omitidos por quem tem todo o interesse em manipular a generalidade dos cidadãos quanto à realidade social e económica em que vivem de forma a que os suspeitos do costume - os dos corredores de Bruxelas e do FMI, os do Clube de Bildeberg e de outras obscuras e clandestinas organizações de quem se assume como «donos disto tudo» - tudo decidam às costas dos supostos «votos democráticos», que os continuam a aperrear.
Não é que não falte violência nos nossos dias. Basta olhar para os telejornais e ela mostra-se nas mais variadas formas, todas elas despolitizadas: há as que se explicam por razões criminais ou as que estão ligadas às dissensões conjugais. Umas e outras, porém, são sintomas do mal social e económico em que vítimas e culpadas estão inseridos.
Há também a violência terrorista, mas ela é apresentada como forma inaceitável de fazer política. Muitos dos seus perpetradores - vide os do Daesh ou inspirados em fanatismos desse tipo - têm uma biografia de analfabetismo funcional, que os torna facilmente influenciáveis pelos seus gurus.
Olhando para o exercício da violência política ao longo do último século é fácil constatar, que serviu quase sempre propósitos contrarrevolucionários, fosse protagonizada por nazis, fascistas, colonialistas ou fundamentalistas religiosos
Chegámos, pois a um tempo em que uns não podem esquecer essas formas de violência contra o interesse coletivo e os que não a querem recordar como se a História tivesse começado agora. São estes últimos os que fomentam o abismo entre o modo como se vive e o que é dito publicamente. Querem escamotear o facto de as lutas sociais sempre terem existido e, com elas, as lutas de classes.
Hoje importa distinguir entre a Resistência, que define as ações de quantos rejeitam ser vítimas da ordem política existente, podendo divergir entre a estéril rebeldia (que apenas a põe em causa) ou a desobediência civil (que só põe em causa algum aspeto específico, como por exemplo o serviço militar obrigatório) e a Revolução, que a quer substituir por outra totalmente diferente.
Perante as disfunções detetadas nas sociedades ocidentais, e de que, por estes dias, as lutas contra as leis de Emmanuel Macron são sintoma, Boaventura Sousa Santos diz suspeitar que a crise da democracia liberal tende a agudizar-se a tal ponto que “movimentos e protestos fora das instituições podem passar a ser parte da nova normalidade política”.
A menos, acrescento eu, que essa insatisfação ganhe voz orgânica, seja num governo disposto a dar-lhe resposta, mesmo que insuficiente (como sucede atualmente), seja nas esquerdas, que a tenderão a exigir, mais assertiva e seletivamente, às carências dos mais desfavorecidos.
Comecemos, pois, por recuperar o léxico político, que nos tem sido sonegado nestes últimos vinte cinco anos.
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