quarta-feira, 29 de junho de 2022

Alguns comentários sobre o que li no jornal da Sonae

 

1. 92% dos pilotos da TAP votaram para que não se fizesse greve nesta altura do verão, quando importa dar possibilidades reais a que o plano de recuperação da companhia se concretize. O que levou Manuel Carvalho a constatar ter prevalecido o bom senso e ter-se evitado um ultraje aos portugueses.

2. Numa abordagem ao recente reconhecimento da Ucrânia, da Moldova e da Geórgia como candidatos à adesão à União Europeia, o secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Tiago Antunes, confirma o pouco entusiasmo, que a hipótese suscita em quem tem uma noção do que isso verdadeiramente significa: na sua organização atual e moldes de financiamento, a UE não tem condições para abarcar esse alargamento, havendo que fazer o necessário para evitar o ressentimento dos que sentirão defraudadas as suas expetativas.

3. Tem razão Domingos Lopes, quando, a propósito da guerra na Ucrânia, afirma: “os que não aplicaram uma mera censura aos EUA pela invasão e mortandade no Iraque aplicam agora as mais duras sanções à Rússia, as quais estão a atingir duramente os povos da Europa e sobretudo da África.”

É que as cenas tão abundantemente hoje emitidas pelas televisões em nada diferem das causadas pelos bombardeamentos americanos no Iraque. Com um número de vítimas mortais muito superiores às que se contabilizam no atual palco de guerra. E, na época, ninguém sancionou os EUA pelo sucedido nem convidou Saddam Hussein - enquanto líder de um país invadido por razões falsas - a discursar em nenhum fórum internacional.

4. Vale-nos Carmo Afonso para sabermos que o Observador anda a publicar artigos de opinião de um tal Lucas Claro que, a propósito da emigração de gente pobre para Portugal, o leva a repetir aquilo que os nazis europeus andam ignobilmente a difundir: que existe o risco de uma “grande substituição” na tez maioritária de quem, daqui a pouco, habitará este cantinho à beira-mar plantado.

Num dos mais inspirados trechos da sua crónica a autora constata uma evidência lapidar: “reparem que aqueles que se consideram a pura representação dos nossos genes portugueses não são pessoas particularmente beneficiadas pela inteligência. Imaginem um país onde predominassem pessoas como o autor do artigo em causa. É que mesmo sem saber quem é, ou o que faz, deve temer-se o pior.” 

terça-feira, 28 de junho de 2022

A locomotiva europeia a desacelerar

 

Na recente cimeira do G7, Joe Biden passou a mão pelo lombo de Olaf Scholz, mimando-o como se se tratasse do seu mais recente e dócil animal doméstico.

Ao olhar a cena, e comparando-o com a medíocre, mas afortunada Angela Merkel, que beneficiou de um conjunto muito favorável de fatores, para ser incensada como política de exceção - algo que muitos dos pretéritos admiradores começam a questionar -, perguntei-me se o atual chanceler alemão estará confortável na camisa de forças em que se vê tolhido. É que, doravante, não poderá contar com o acesso à energia barata vinda da Rússia, terá de investir em despesas militares como o país não fizera desde a Segunda Guerra Mundial, e verá dificultadas as exportações para os mercados russo e chinês, que pareciam não conhecer limites.

Se não gripar a máquina alemã terá de se acomodar a velocidade bem mais reduzida. Com o que isso implica para a que tem sido a locomotiva da economia europeia.

Os burocratas de Bruxelas enfrentam dilemas para que não têm fáceis soluções. 

segunda-feira, 27 de junho de 2022

O momento atual faz de Nero um bom rapaz

 

Piores que Nero é como António Guterres justamente considera os atuais dirigentes políticos responsáveis pelo incrível número de 11 milhões de dólares por minuto com que subsidiam o carvão, o petróleo e o gás natural, combustíveis fósseis com a conhecida importância no aquecimento global.

O caos climático está a rondar-nos, mas esses dirigentes comportam-se como se o amanhã não se verificasse já nos dias de hoje. Por isso o secretário-geral das Nações Unidas diz que, se o imperador tangia lira enquanto Roma ardia, os atuais dirigentes políticos fartam-se de atirar mais e mais achas para a fogueira. Para gáudio das indústrias, que exploram os hidrocarbonetos e tudo fazem para dificultarem a afirmação acelerada das energias renováveis.

No quadro da atual guerra, tanta culpa tem Putin, quanto o oligarca por trás de Zelenski, particularmente interessado na exploração das minas do Donbass, quer ainda todos quantos decidiram sanções, que os põem agora a reativar as centrais a carvão recentemente encerradas, depois de tão firmes juras ecológicas de respeito pelo limite máximo de 1,5ºC a partir do qual se adivinham cataclismos sem fim. 

domingo, 26 de junho de 2022

A prioridade de usar a cabeça onde se tem deixado só decidir o coração

 

Médico, etologista, neurologista e psiquiatra, Boris Cyrulnik, é dos entrevistados mais interessantes, que gosto de apreciar, quando algum programa da televisão ou da rádio se lembra de o convocar. Agora, em plena guerra na Ucrânia, foi incontornável ouvi-lo sobre um conflito, que vai lacerando o espaço físico donde proveio boa parte da sua família paterna.

E, à primeira vista, é o totalitarismo putinista, que lhe parece iluminar as palavras, quando lembra ser a submissão muito confortável para a maioria das pessoas, porque assim se poupa a pensar pela própria cabeça. Se desde a tenra infância nos obrigaram a obedecer - em casa, na escola - aceita-se tendencialmente o que se sabe dever-se defender, ou seja aquilo que poderemos entender como “pensamento dominante”. E é em nome dele que muitos ditadores são eleitos “democraticamente” para os seus cargos, como sucedeu com Putin, Bolsonaro, Trump ou ... Zelenski.

Onde a tese de Cyrulnik esbarra com a isolada crítica ao putinismo é no facto do seu mentor não suscitar aquilo que designa como o “coro dos periquitos”. Porque o Kremlin nem sequer convoca aquele tipo de manifestações vistas nos tempos de Hitler, Mussolini ou Salazar, em que o conforto da servidão era alimentado pela sensação de se pertencer a um coletivo, fomentando-se o “pensamento preguiçoso” em que não se reflete, porque os outros o fazem por nós.

E é aqui que entram em cena os que desconfiam da versão comummente divulgada sobre o quando e o que esteve na origem desta guerra bem como ela se tem desenvolvido. Sobretudo, porque já não suportam a presença quotidiana do nenuco de Kiev nas notícias e muito menos a sua despudorada propaganda.

Sabemos que Putin é um ditador, mas ninguém nos procura enganar sobre essa condição, nem mesmo ele próprio, que parece conformar-se, se não mesmo comprazer-se com as vestes de um tenebroso Dark Vader dos tempos atuais. Mas é claro que Zelenskii não é nenhum menino de coro e confirmam-no as contas em paraísos fiscais, abundantemente denunciadas pelo Consórcio Internacional dos Jornalistas de Investigação, que as sabem relacionadas com a indisfarçável ligação aos oligarcas do seu país.

É por isso mesmo que, dando razão ao conhecido neurologista francês, sabemo-nos talhados para o que o método científico nos deve predispor: duvidar das evidências, que nos querem enfiar olhos adentro, colocar perguntas para as quais não nos satisfaçamos com o pensamento dos que querem impor-se como líderes do nosso clã.

Cyrulnik lembra que, quando esteve ligado à testagem de novos medicamentos, o objetivo era descobrir os efeitos negativos a eles associados não se deixando apenas convencer pelos benefícios que pareciam comportar.

A solução, na análise científica, a par da que diz respeito à política, não é procurar respostas que apenas venham confirmar aquelas que nos parecem substantivamente boas. A atitude mais sensata é detetar o que corresponda a outra perspetiva. Como por exemplo a de nos questionarmos sobre a inteligência dos sucessivos pacotes de sanções, que os líderes europeus foram instados a aprovar por chantagem de quem ainda manda em Kiev, e que, não só se mostraram incapazes de derrubar o rublo, ou depauperar a balança comercial russa alavancada pelos preços do barril do petróleo, como também está a traduzir-se numa cada vez mais insuportável inflação e falta de recursos energéticos a ocidente, que alimentam uma fogueira em que os populismos encontrarão acrescido alento.

quinta-feira, 23 de junho de 2022

A sageza da razão e a gritaria da ignorância

 

O regresso dos debates entre o Governo e a Oposição no hemiciclo parlamentar confirmou, uma vez mais, a diferença abissal entre a consistente Visão de contexto e de futuro de António Costa e a dos que o contestam, tanto mais evidente que a relevância numérica atribuída pelos portugueses aos mais recentes partidos das direitas não significou qualquer acréscimo na respetiva qualidade argumentativa. Todos nos lembramos da histeria polifónica de Assunção Cristas e Cecília Meireles, mas quase dá para delas ter saudades, quando ouvimos a demagogia abaixo de medíocre ali debitada por Ventura e seu lugar-tenente par(a)lamentar. E se Cotrim de Figueiredo ainda consegue mostrar alguma elegância a disfarçar a insidiosa perfídia do que fundamenta os seus propósitos, que dizer dos que lhe tomaram o lugar nas intervenções seguintes? Tudo ali é, igualmente, de uma confrangedora pobreza.

Restam as esquerdas depauperadas, ainda a lamberem as feridas do inacreditável erro, que cometeram no final do ano passado e tardam em assumir. Jerónimo de Sousa parece ainda mais velho e cansado e Paula Santos não mostra ter unhas para tocar uma guitarra, que João Oliveira ia tangendo com outra qualidade. E Catarina Martins também não capta a atenção, porque parece sair da pele de atriz para assumir a de triste fadista entregue ao fatalismo de nada conseguir mudar e só lhe restar a indignação com a própria impotência.

Resta um PSD, que se põe na figura existencial de não saber quem é, embora adivinhemos que, sem Rio, mas com Montenegro, serão aqueles que hão-se ser sempre os mesmos conservadores da desigual relação de desigualdade entre os que são seus titereiros e todos os demais, porque ninguém se torna no que não é. E quanto ao PAN e a Rui Tavares pouco haverá a acrescentar embora o último pareça o provedor da causa zelenskiana sem ponderar nos custos, que já sentimos nos bolsos e ainda mais, quando a União Europeia para lá sangrar boa parte do orçamento e por isso mesmo mais caminhar para a implosão.

Ao fim de mais de três horas de debates reconhecemos o que tem sido regra invariável desde que António Costa é primeiro-ministro: convence-nos quanto a saber bem aquilo que quer, enquanto todos os que se lhe opõem passam, entre o embaraçoso e o inconveniente, pela via sacra da sua indisfarçável vulgaridade. 

terça-feira, 21 de junho de 2022

É só inquietação, inquietação...

 

A única certeza com que entramos neste 21 de junho é a do início do verão com o solstício às dez e um quarto da manhã. Sabemos, igualmente, que este será o dia mais longo do ano, com a claridade a minguar a partir daqui até virar o ciclo em dezembro.

Desconhecemos, por exemplo, quanto tempo durará esta crise feita da inflação galopante, que nos esvazia os bolsos, e provocada por uma guerra que, dos dois lados da contenda, muitos previram curta, mas ameaça prolongar-se muito para além do tempo em que, saída das capas da imprensa escrita e da abertura dos telejornais, vai perdendo interesse e levará a que, daqui a pouco, quase mal nos lembremos dela ... a não ser pelos efeitos económicos, que continuarão a condicionar-nos.

É esse desconhecimento a limitar a ação de um governo, que muito apostava no Plano de Recuperação e Resiliência para cumprir o seu programa e afinal, a exemplo do sucedido no tempo da geringonça e, depois, no da pandemia, a viver em função do curto prazo. 

O mesmo sentirá Emmanuel Macron com a insuficiente vitória deste fim-de-semana, que anuncia o princípio do fim de mais uma dessas comuns e hábeis estratégias das direitas em tomarem o poder a partir do campo socialista - aconteceu com Blair, com Matteo Renzi e ameaça repetir-se em Inglaterra com Keir Starmer - mas com a esquerda ainda fraca, mesmo a reaprender a lição quanto à vantagem de convergir para potenciar a força e preparar futuro à medida do exigente combate contra uma extrema-direita, que voltou a progredir eleitoralmente e está a pedir meças a quem a quer devolver à chafurdice do seu redil imundo.

E fica-nos a expetativa quanto à a nova experiência de esquerda que a Colômbia agora inicia, com a eleição do presidente Gustavo Petro. Uma vez mais a América Latina volta a sinalizar caminhos novos para quem pretende um planeta mais justo e sustentável, ademais contando com a personalidade da vice-presidente Francia Mina que, além de negra, é empenhada ativista ambiental.

Começamos este inquieto estio com motivos para ficarmos atentos às realidades geograficamente dispersas, que nos afetarão aquela que deveria ser a mansidão dos dias de férias na praia.

segunda-feira, 20 de junho de 2022

Novo aeroporto? Decida-se de vez e denuncie-se quem merece sê-lo!

 

Se agíssemos racionalmente não precisaríamos de novo aeroporto em Lisboa. Para diminuirmos a pegada poluidora deslocar-nos-íamos menos de avião e aproveitaríamos melhor os recursos tecnológicos, que tornam possíveis as reuniões de negócios ou as conferências e seminários à distância. Mais: as opções turísticas tornar-se-iam mais restritas se os passageiros para destinos exóticos vissem incluídos nos preços dos bilhetes de avião o justo custo de quanto contribuem para o aumento dos gases com efeito de estufa na atmosfera.

Reduzidas ao estritamente necessário - em causa própria falo da necessidade de visitar familiares noutras geografias! - as viagens de avião diminuiriam bastante em número e exigiriam menos pistas para acomodar essa nova realidade. Seria assim exequível o cumprimento da meta de não ver ultrapassado o 1,5ºC, que os cientistas referem como o limiar a partir do qual os cenários distópicos serão mais frequentes e cataclísmicos.

É claro que esse cenário assusta quem vive do turismo de massas e se alheia dos seus danos  ecológicos. Mas é o futuro da nossa civilização, que está em causa e, mais cedo ou mais tarde - preferivelmente agora em vez de procrastinar a mudança de comportamentos - não há como passar por essa opção de força maior.

Vem isto a propósito do caos dos últimos dias no aeroporto de Lisboa e a manifesta vontade do governo em ver o maior partido da oposição a associar-se-lhe numa decisão de regime quanto à respetiva solução. Manter a decisão relativa ao Montijo, que vem do (des)governo de Passos Coelho? Alterar para Alcochete a alternativa à Portela? Ponderar noutras alternativas, que incluam a Ota, Beja ou uma qualquer outra solução, que não tenha sido até agora formulada?

Bem pode António Costa ficar sentado à espera que a nova direção do PSD adote comportamento responsável e ajude a desembrulhar um problema, que foi incrementado por esse seu antigo primeiro-ministro, quando decidiu entregar a ANA ao grupo Vinci e tornou este codecisor interesseiro numa solução, que renda o máximo pelo menor custo possível para si. Já se viu que, a exemplo do que tem sido sua prática recorrente sempre que está na oposição, o PSD contentar-se-á com a sempiterna obsessão de dizer o pior possível do que faça, ou deixe por fazer, o governo socialista.

Neste momento não sei qual será a melhor decisão embora seja sensível aos custos ambientais de uma hipótese, a do Montijo, que colide com as rotas migratórias de espécies, que transitam pelo estuário do Tejo. Mas é altura de, fazendo orelhas moucas  aos que não fazem nem deixam fazer, o governo tome uma decisão fundamentada, que acabe com este impasse de há longas décadas. Sem deixar de, incessantemente, denunciar quanto o PSD contribuiu para criar o problema e, agora, tudo faz para que ele não encontre a menos má das suas possíveis soluções.

domingo, 19 de junho de 2022

As cínicas lágrimas dos que se queixam dos populistas

 

São lágrimas de crocodilo as vertidas pelos chamados liberais a respeito do crescimento dos populismos. A verdade é que muito cuidaram de apartar as pessoas da política à conta da alienação que, televisivamente, começaram por promover em torno do futebol, das telenovelas e dos reality shows e depois potenciaram com a habilidosa gestão dos algoritmos nas redes sociais.

Que tenham conseguido transformar boa parte da população numa massa abúlica, ademais capaz de, como é próprio dos ignorantes, radicalizarem-se nas suas «certezas», tem de lhes ser reconhecido como um enorme sucesso, porque conseguiram escamotear o essencial: serem as desigualdades a tornarem as sociedades tão férteis em frustrações e ansiedades. E por isso, com papas e bolos—somados a uns perigosos bufões do tipo Ventura! - enganam os tolos, que se esquecem de residir na luta de classes a resposta para as suas pouco subtis necessidades. 

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Alucinações anarco-liberais

 

Foi há pouco mais de dois anos e meio, que nos foi dado a conhecer uma alucinada criatura que, de olhos esbugalhados, exultava com a conquista de um lugar parlamentar para o partido a que, então, presidia. Guimarães Pinto, como então ficámos a saber se chamava, deve-se ter assustado com o que o esperava e cuidou de logo passar a incumbência a Cotrim de Figueiredo, que conseguia configurar-se mais conformemente com os padrões comportamentais de um deputado da República.

Dois anos depois eis que o breve idílio com uma juventude tonta na atração por uma certa anarquia social - e por isso permeável aos cantos de sereia vindos das direitas! - resultou numa mão-cheia de novos deputados, entre os quais viemos a reencontrar a mesma delirante criatura, agora aureolado da fama quanto a ser um iluminado capaz de ver no ultraliberalismo a solução para o seu futuro pessoal e o de uns quantos amigos tão-só os reconheçam como imaginativas marionetas dos que querem que as coisas continuem a ser como são na distribuição de rendimentos, se é que não se consiga que mais desiguais ainda se tornem.

Confesso que não vi o discurso que Guimarães Pinto proferiu esta semana na Assembleia da República, mas ele é todo um programa do logro que constitui esse partido para essa juventude, momentaneamente para ele atraída. Mas é preciso descaramento para acusar de xenófobos os que querem obstaculizar uma ainda maior gentrificação das nossas principais cidades, donde são varridos os habituais moradores para darem lugar aos que têm dinheiro para comprarem apartamentos a valores por metro quadrado inalcançáveis para quase todos os cidadãos nacionais. Indignando-se com quantos exigem políticas de habitação, que facilitem o acesso a habitação digna  aos jovens portugueses - como se praticam nos países da Europa do Norte, que os «liberais» tomam como falacioso modelo -, Guimarães Pinto deu-lhes uma alternativa à medida da configuração das suas atoleimadas meninges: que vão morar para o interior, como se lá encontrassem os empregos estáveis, que nas urbes só como precários encontram, porque direitos laborais é coisa que ele os associados execram.

Não sei que outras lerdas ideias ainda viremos a ouvir do insólito deputado, mas prometo ficar-lhe mais atento. Quanto mais não seja para aferir até onde pode chegar a inépcia desse tal pensamento «liberal», criativo na sua publicidade, mas a valer zero em consistência política. 

quinta-feira, 16 de junho de 2022

O culpado da crise na Saúde é o suspeito do costume

 

Se existem enormes carências em médicos para integrarem os sistemas mais ou menos públicos de Saúde - notícia em Portugal, mas também em França, no Reino Unido, em Itália e outros países ocidentais! -, é porque está em causa a razão de fundo, que mais tem sido escamoteada pelos telejornais nos últimos dias: os grupos económicos entenderam-no como setor de atividade onde os lucros podem ser imensos e tudo têm feito para que se cumpra a regra em tempos enunciada como desejável por um deputado das direitas na Assembleia da República ao anunciar um mundo em que quem ter saúde a deverá pagar.

É o selvagem neoliberalismo que justifica estas circunstâncias e precisa ser empenhadamente combatido.

A resistência com que, mesmo em governos socialistas, se encararam os contratos de exclusividade (inexistentes desde 2009) e, em contraponto, se deixaram proliferar as empresas de tarefeiros, foi estratégia, que contou ainda com a oposição dos Ministros das Finanças em autorizarem a contratação de especialistas. Todos eles, intencionalmente ou não, abriram uma estrada de tijolos amarelos às empresas privadas, cujos hospitais e clínicas atraíram grande parte dos insuficientes médicos, que a Ordem autorizou a formarem-se.

Daí que a solução não seja a de se criarem planos de contingência ou para o verão como o anunciou Marta Temido ou fazer acordos com as maternidades privadas para que o Estado ainda mais as financie, transferindo-lhes as verbas, que tanta falta fazem para que a Saúde universal e tendencialmente gratuita seja o direito constitucional respeitado para todos nós, cidadãos a viver neste cantinho à beira-mar plantado.

Se pouco de socialismo têm havido nas políticas dos sucessivos governos do meu partido - onde tem primado a ideologia dessa coisa insonsa, nem carne, nem peixe, que é a «social democracia» -  ainda mais lapidar verdade é na Saúde, para desgosto de António Arnaut se acaso pudesse ver a embrulhada em que se converteu aquilo que sonhou como uma das mais decisivas vitórias da Revolução de Abril.

Se a pandemia demonstrou as virtudes do SNS no seu melhor, o business as usual tende a asfixia-lo de vez se, com esta ministra ou sem ela, António Costa não pegar a sério na sua salvação e tardar nas medidas, que se impõem.

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Entre o pindérico e o parvo

 

1. Como de costume a saborosa crónica de hoje de Carmo Afonso no «Público» é merecedora de atenta leitura por tratar da condecoração atribuída por Marcelo Rebelo de Sousa ao enfermeiro, que mereceu elogios de Boris Johnson por o ter tratado, quando esteve com covid.

Conjetura a articulista: “vamos supor que o enfermeiro Luís tinha prestado os seus cuidados de saúde a um operário inglês. Nada feito. Não haveria condecoração. E se os tivesse prestado ao primeiro-ministro de um pequeno país africano? Estamos a entrar em matéria muito embaraçosa, mas diria que não; também não haveria condecoração nenhuma.” Porque há quem seja pindérico, quando os supostamente poderosos nos dão atenção até valorizando a escolha de Obama por um cão de raça lusa. Por isso mesmo a conclusão tem a ver com o comportamento de Marcelo e dos que se prestam a tão indecorosas figuras: “não basta sermos pobres, também tínhamos de ser parvos.”

2. Confesso que não gosto de hip hop. Ainda menos do que da pop e do rock, que, por esta altura, levam multidões aos festivais, e enchem os bolsos aos Covões, aos Montezes & Cª. Mas daí a estabelecer uma relação causa-efeito entre aquele género musical e o aumento da criminalidade, como o faz um relatório policial conhecido por estes dias, parece um exagero. A música, mesmo má, não justifica que se lhe atribuam razões, que a sociologia demonstra situarem-se noutras direções politicamente menos convenientes. Que irão, inevitavelmente, dar à incontornável luta de classe, que o nosso tio Carlos tanto enalteceu.

3. As conclusões do inquérito sobre os acontecimentos de 6 de janeiro de 2021 no Capitólio de Washington indiciam maior responsabilidade de Donald Trump no comportamento da turba ululante e golpista do que se percecionava. Ele promoveu aquela que constituía a única hipótese de manter-se na Casa Branca e prosseguir a deriva dos Estados Unidos para uma realidade ainda mais fanatizada do que a atual.

Seria desejável que daqui resultasse o impedimento de voltar-se a candidatar ao cargo em 2024, porque, acaso vença, pode-nos devolver a ainda mais tenebrosa perspetiva quanto ao futuro da nossa civilização. 

sábado, 11 de junho de 2022

O que será, que será?

 

O que terá levado Rui Moreira a querer-se protagonista dos noticiários ao promover a saída do Porto da Associação Nacional de Municípios e a exigir a Marcelo um travão ao recém-aprovado Orçamento de Estado para o ano em curso? É a pergunta feita por São José Almeida no «Público» e para a qual aventa várias hipóteses como resposta: “Quer ser candidato a Presidente da República? Ou antes deseja posicionar-se como candidato a presidente do Futebol Clube do Porto? Quer mostrar que é duro para estar à altura de substituir Pinto da Costa? Quer ser presidente da eventual futura região, tornando-se o novo vice-rei do Norte? Quer provocar a antecipação do debate sobre regionalização?”

Manda a verdade constatar que, recordando Rui Rio como antecessor, a segunda cidade do país elege facilmente edis vaidosos, com tiques autocratas e julgando-se com capacidades que vão muito além dos mitigados talentos.

Para já Marcelo e a ministra, que cuida da regionalização, puseram-no no devido lugar. Moreira chegou a este fim-de-semana prolongado a lamber as feridas dos agravos com que se viu merecidamente fustigado. 

quinta-feira, 9 de junho de 2022

Ainda não é a lei que queremos ver aprovada!

 

A eutanásia voltou à Assembleia da República para ser aprovada em parâmetros muito aquém dos exigidos pelos que, a meu exemplo, nada têm a ver com os preconceitos religiosos de quem recusa considera-la um direito fundamental: o de dispor do seu próprio corpo, quer na vida, quer quanto ao momento de a fazer cessar.

Trata-se de uma questão civilizacional como tantas outras, que têm avançado timidamente, mas passam a ser entendidas como inquestionáveis. Salvo para os ultraconservadores norte-americanos, que estão a reverter a da interrupção voluntária da gravidez, mas não suspeitam de quanto esse inusitado ataque civilizacional poderá pôr em causa a vitória eleitoral, que parecia estar-lhes ao alcance nas intercalares de novembro. Sobretudo se a indignação provocada por este ataque for devidamente alavancada pela causada pelos muitos crimes provocados pela facilidade com que se compram armas na maioria dos Estados da União.

Marcelo que, uma vez mais volta a estar na primeira linha dos que contrariam uma maré cada vez mais viva - depois de ter contribuído para a morte e danos físico-psicológicos causados nas mulheres durante anos condenadas ao recurso dos abortos clandestinos! -, não ignora que a História avança em seu desfavor. Por mais uns anos quererá que a ação dos Almas Grandes, relatados por Miguel Torga num elucidativo texto que, há vinte anos, o Bando levou à cena no Vale dos Barris em Palmela - com o saudoso Horácio Manuel a protagoniza-lo! - se faça na clandestinidade dos hospitais ou das casas onde médicos e enfermeiros incorrerão em complicações profissionais e judiciais apenas por darem a última satisfação a amigos e conhecidos para quem o sofrimento, mesmo suavizado pelos míticos cuidados paliativos, não justifica as semanas ou meses adicionais em que não volta a ser possível o usufruto da vida plena tal qual o fora anteriormente.

Daqui a uns quantos anos - tal qual sucede hoje com o aborto! - consideraremos aberrante uma legislação penalizadora, que obriga o interessado a sofrer o longo calvário imposto por gente hipócrita, acolitada em partidos de direita e ordens profissionais por elas tomadas de assalto.

A ver o tempo a correr em meu desfavor ainda espero imitar a mãe do antigo primeiro-ministro Lionel Jospin que, um dia, decidiu ter tido vida muito rica e estar cansada o suficiente para dela se despedir. Sem ter de justificar a decisão com outra coisa, que não fosse a vontade em escolher o momento dessa morte. O que cumpriu - por coincidência na mesma altura em que o Bando apresentava a peça em causa em Palmela! - com a ajuda da filha, a socióloga Nöelle Chatellet que, ao contrário do irmão, apoiou a mãe sem qualquer tibieza e a acompanhou nos seus últimos instantes de vida.

Também eu quero ter o direito de dizer basta e receber o apoio necessário para que o passamento ocorra sem outra dor, que não seja o de, tal qual a avó Josefa de José Saramago, reconhecer a vida como algo tão bonito de que dá tanta pena prescindir. Mas da qual me despedirei sem outro estado de alma, que não seja a de - na companhia de quem sempre tenho amado! - ter valido a pena.