segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Eu é que sou o presidente da Junta


Na sua época dourada - que tantas saudades nos deixou por nunca mais se ter repetido! -, Herman José criou um sketch inesquecível, o do Presidente da Junta,  que se ajusta como uma luva a Marcelo Rebelo de Sousa nesta altura de incómoda azia suscitada pela provocação rasca de uma chegófila na Feira do Livro do Porto.
Desrespeitado, sentindo quão frágil é o estatuto de alto magistrado da Nação, que deixou menorizar quando se quis “presidente dos afetos”, Marcelo anda num afã a querer demonstrar ser ele quem mais manda. Por isso já não basta usar e abusar da figura de retórica em que fala do Presidente na terceira pessoa do singular como se fosse alguém que não ele, mas também repete, para quem o quer ouvir, ser ele quem decide sobre o futuro dos destinos dos portugueses. Acaso continue a sugerir aos descontentes para votarem noutros partidos, que não os da sua afeição, as sondagens continuam a dar a futura realidade como muito próxima da atual, ou seja com as esquerdas no seu conjunto a valerem mais vinte por cento que o conjunto das direitas.
Habilidoso na manipulação dos idiotas ou dos mais ingénuos pegou na Festa do Avante como oportuno saco de boxe, esquecendo-se daqueles dois anos seguidos, antes das presidenciais, em que veio à Quinta da Atalaia para embalar os comunistas com a suposta simpatia, que lhe mereceriam. Infelizmente sei de uns quantos, que se deixaram levar pela cantilena e escolheram votar nele tornando ainda mais ridícula a votação do pobre Edgar, então escolhido para inglório abate.
O problema para Marcelo é andar por estes dias a hipotecar votos, que já nem sequer só põem em causa o desejo de colher vitória maior do que a de Mário Soares, quando foi da sua reeleição. Agastando os comunistas e levando muitos socialistas a jurarem que nele nunca, quem sobrará para lhe poupar a ida á segunda volta? É que o mais certo é haver quem no PS, siga o exemplo de Pedro Nuno Santos e opte pela candidata bloquista - e se for Marisa Matias sabe-se bem quanto pela demonstrada simpatia não suscita a urticária de Catarina Martins! - sobretudo se os dois partidos encontrarem convergência bastante para aprovarem o próximo orçamento.
Aconteceria então a melhor das possibilidades: deixar o Aldrabão a lamber as feridas da sua insuficiente votação, obrigando Marcelo a disputar uma segunda volta, que lhe limite a insuportável jactância...

domingo, 30 de agosto de 2020

Um fait divers à medida da silly season


Já que a questão da suposta chantagem tem sido hiperexplorada pelos meios de comunicação  social durante este fim-de-semana olhemo-la mais de perto. Uma entrevista ao Expresso volta a ser utilizada até á exaustão para enfatizar aquilo que está longe de ter a importância anunciada pelos suspeitos do costume enquanto ansiosos cangalheiros deste governo.
Conhecida a calamitosa situação financeira do grupo Impresa não espanta que julguem ter encontrado nesta habilidade a forma de adiarem a anunciada falência: convidam um membro do governo para uma entrevista, que teria quase uma aparência institucional, mas ficam à coca de quanto dela possam retirar do contexto, ou gravem à parte, como forma de passarem os dias seguintes a anunciarem sucessivas réplicas do terramoto, que pensam ter suscitado.
Essa peca argúcia só dura enquanto ministros e secretários de Estado se prestarem às armadilhas: quando a elas se escusarem, deixam os autores sem outra solução, que não seja recorrerem aos bitaites assoprados do palácio de Belém.
Mas peguemos na suposta chantagem: questionado sobre o que sucederia se as esquerdas votarem contra o Orçamento, António Costa deu a resposta mais do que conhecida: sabendo-se que não aceitará recauchutagens do Bloco Central, ou os parceiros permitem que ele seja aprovado (com votos a favor ou abstenções) ou há crise política.
Claro que Catarina e Jerónimo fizeram o que as direitas pretendiam deles ouvir: condenações mais ou menos veementes e promessas de venderem cara a rendição. Mas ambos sabendo que o risco de repetirem o acontecido com o PEC4 pode ainda ter piores consequências do que as então sofridas. E se a CDU até ganhou um deputado, o Bloco perdeu metade dos dezasseis que tinha. Será que nas sedes dos comunistas e dos bloquistas haverá expetativa de ganharem mais algum parlamentar para além daqueles com que contam atualmente? E quererão contribuir para que o coiso da extrema-direita ganhe condições para se tornar mais audível?
Continuo otimista quanto ao(s) próximo(s) orçamento(s), que devem responder adequadamente à grave crise em que nos deixa a pandemia. E que  deveria merecer como prioritário objetivo de todas as esquerdas agirem de forma a que, extinto o partido do Chiquinho, idêntico destino seja dado ao do Aldrabão...

sábado, 29 de agosto de 2020

Uma provocação rasca


Se há quase quatro anos defendi que António Sampaio da Nóvoa se ajustaria mais competentemente à função de Presidente da República a demonstração ficou feita na lamentável cena passada na Feira do Livro do Porto em que Marcelo se deixou interpelar por aquilo que não pode ser designado por cidadã, porque para merecer este qualificativo há o requisito básico de não se ser rasca. Ao adotar um comportamento de excessiva proximidade com o povo, prestando-se ao exercício dos abraços e das selfies, Marcelo perdeu a imprescindível gravitas de que careceu naquele momento em que só lhe restava uma alternativa: escusar-se a dialogar com a sujeita, informando-a não estar a comportar-se para com quem tem o mais alto cargo da Nação com o respeito que lhe deve ser atribuído.
A cena veio esclarecer-nos quanto à forma como, doravante, a extrema-direita irá criar momentos de agitação e propaganda, multiplicando estes incidentes reles, que podem galvanizar o apoio da parte da população, que constitui o povoléu e se julga no direito de infringir todas as regras cívicas até agora estabelecidas. O Aldrabão, que cavalga na onda daqueles que Hillary Clinton designou muito justamente como deploráveis e levaram Trump à Casa Branca com os resultados conhecidos, procurará ser o challenger de Marcelo nas próximas presidenciais, ultrapassando os votos previsíveis depositados nas candidaturas do Bloco e do PCP, necessitando destas provocações como forma de o menorizar, de o levar porventura a uma segunda volta.
Daí que as esquerdas têm de se mostrar particularmente lúcidas nesta altura. A haver segunda volta nunca poderá passar pela repetição das que as suas réplicas francesas se viram obrigadas, quando tiveram de votar em Chirac para que vencesse ao pai Le Pen ou em Macron para que se repetisse o impedimento com a filha de tal fascista. E as televisões deveriam assumir um código de conduta, que passasse por não publicitar aquilo que merece ser remetido para a importância dos fait divers. Não dessem inaceitável importância ao episódio e não justificariam que sobre ele estivéssemos aqui a perorar.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Há quem muito faça deixando a falar quem só critica


Basta tomar por bitola o figurão a quem Marcelo encomendou um discurso num ano em que quis apequenar o Dia de Portugal, para saber que as direitas têm um ódio visceral a alguns socialistas por os saberem mais à esquerda dentro do seu partido. Pedro Nuno Santos é um deles, João Galamba é outro. Este último voltou a ser chamado à colação nas crónicas inseridas na última página do «Público» desta semana quando tal escrevinhador quis novamente associar o PS à corrupção e estando o titular do cargo de secretário de Estado de Energia em condições de fazer negócios suspeitos.
O Tavares em causa continua a querer repetir milhentas vezes uma mentira para ver se ela ganha aparência de verdade, sem nunca se preocupar com os escândalos tipo compra de submarinos ou venda do Pavilhão Atlântico que, provindo de gente sua aparentada, nunca o incomodaram. Representante daquele tipo de gente em tempos gozada por Ricardo Araújo Pereira quando tinha alguma piada como passando o tempo no fala, fala sem que os vejamos a fazer nada, merece o maior dos desprezos. Sobretudo, porque, pelo contrário, Galamba vai mostrando obra feita, sob a orientação do Ministro do Ambiente, que tem nele um imprescindível lugar-tenente.
Semanas atrás lançaram-se as bases para uma aposta muito séria no hidrogénio verde, que substituirá os hidrocarbonetos na economia do futuro próximo e muito contribuirá para solucionar os problemas levantados pelas alterações climáticas. Nessa altura gente mais do que suspeita, como Mira Amaral ou um Clemente Nunes sempre conhecido como lobista mal sucedido dos interesses de quem fabrica centrais nucleares, quiseram levantar um coro de protestos contra algo que a mera sensatez aconselha como incontornável opção estratégica do país. Claro que o figurão não poupou no que entendeu ser uma decisão em que Galamba assumira grande responsabilidade.
Não imaginamos o que virá de tal crítico sobre o leilão desta semana em que diversos lotes foram adjudicados para que os seus novos detentores venham-se ligar à rede elétrica nacional com fontes de produção renováveis a um preço tão baixo, que constituiu record absoluto europeu no valor por MW fornecido. Uma excelente notícia para o país, que poderá chegar a 2030 com quase metade do seu consumo garantido por fontes não poluentes, cumprindo um dos objetivos fundamentais com que se comprometeu internacionalmente. E para os consumidores isso significa, igualmente, uma boa notícia por se criarem condições substantivas para verem diminuída a fatura mensal com a eletricidade.
Impotentes na sua inconsequência, caberá aos detratores roerem-se de raiva por verem a realidade desajustar-se dos seus objetivos.

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Boicote à Ryanair, já!


Só uma vez cedi à tentação do custo mais baixo para experimentar uma viagem aérea através de uma low cost.  A experiência deixou-me vacinado: na Portela estava um frio danado e tivemos de o suportar enquanto não entrávamos no avião. Depois, eu que, eufemisticamente, me posso considerar avantajado nos quase cem quilos, senti estreito o espaço em que me acomodei, apertado o que tinha para esticar as pernas e desconfortável o assento onde pousava o dito cujo e encostava as costas. Depois, durante a viagem, quando quis comer alguma coisa, reconheço que o croque-monsieur  estava aceitável, mas o que por ele paguei, somado ao preço do bilhete do voo, quase igualava o da TAP. Resultado: quando, amiúde, fazemos viagens para os Países Baixos, é a transportadora aérea nacional que opto por nos levar. E se era assim, quando era seminacionalizada, ainda maiores motivos encontro para a decisão, agora que o ministro Pedro Nuno Santos anda a cuidar da sua gestão maioritariamente pública.
Vem tudo isto a propósito da tentativa da Ryanair em bloquear o apoio aprovado pela Comissão Europeia para que a TAP se viabilize, procurando garanti-lo com recurso aos tribunais. Do irlandês, que comanda a empresa já sabíamos o pior, sendo frequentes os relatos da exploração esclavagista que quase impõe aos que têm a desdita de para ele trabalhar. Razão porque a antipatia com esta história apenas potencia a decisão de, nunca por nunca, recorrer a tal empresa para ir onde quer que seja. E bem merece o boicote ativo de todos os portugueses, embora saiba de muitos que, não olhando para os princípios éticos mais básicos, se disponham a continuar a ser seus clientes conquanto pensem poupar uns trocos.

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

As duas ou mais caras de um bastonário


Surpreendeu-me a rapidez com que António Costa recebeu o bastonário da Ordem dos Médicos numa altura em que o seu tom baixava, transparecendo o incómodo por ter exorbitado os seus poderes ao anuir a uma auditoria ilegítima, sobretudo numa altura em que sabia estar em curso uma alteração legislativa sobre as competências desse tipo de instituições a quem o Estado vem delegando a aferição da qualidade e conhecimentos dos seus profissionais.
Quando António Costa dissera na entrevista quais eram essas competências, e as sublinhava com um ponto final, julguei que cessasse aí uma novela artificial alimentada pela SIC, pelo Expresso e pelos partidos mais à direita dos que nesse lado da realidade política se situam.
Interpretei o gesto como magnânima deferência para com quem tão mal se portara nos meses anteriores, sempre vendo motivos de crítica nas ações do governo, dando-lhe agora a oportunidade a um novo recomeço, mais assertivo e de acordo com a necessidade de unidade nacional nesta altura de efetiva crise política, económica, social e sanitária.
Aparentemente foi esse dissipar de divergências que resultou da conferência de imprensa dada no final do encontro de mais de três horas entre o bastonário e o primeiro-ministro e assim o transmitiu a generalidade da imprensa. Quando o bastonário vem agora escrever aos médicos inscritos na Ordem que uma coisa foi o que se conversou lá dentro e outra o que se disse cá fora, revela uma cobardia, afinal justificando as palavras apanhadas em off  a António Costa depois da entrevista ao «Expresso» e aproveitadas para criar um caso político, que se virou precisamente contra quem o quis utilizar.
Se Miguel Guimarães pensou o que depois escreveu, porque não o disse ali aos jornalistas, quando estava ao lado do primeiro-ministro? Porque deixou passar um dia e veio agora demonstrar fúteis os esforços empreendidos pelo governo para pacificar o relacionamento com a Ordem?
Se perspetivávamos a hipótese de deixarmos de ter o bastonário como bombo da festa das nossas reiteradas e justificadas críticas, ele veio-nos demonstrar o contrário. E que, como aqui já escrevi, o melhor é dar-lhe o tratamento aplicado à sua parceira dos enfermeiros: tendo sido ignorada pela tutela do setor quem é que ainda lhe liga?