domingo, 31 de julho de 2016

O contágio do tal otimismo que irrita Marcelo

Agora que os principais programas de debates políticos entraram em férias de verão é curioso assinalar, de entre tantos opinadores da nossa realidade, a evolução recente do pensamento de Pacheco Pereira. Questão não despicienda, porque apesar de se situar ideologicamente à direita, ele tem capacidades intelectuais muito acima da média dos que costumam ocupar tempo de antena nas nossas televisões, razão porque uma mudança como a verificada ganha outro sentido.
É que, durante meses a fio, ele apostou em como a União Europeia nunca perderia uma oportunidade para sabotar os esforços do governo português em demonstrar a eficácia de uma política alternativa à da austeridade, criando as condições para, mais tarde ou mais cedo, concretizar o fim da Geringonça.
Ora a forma como António Costa geriu este dossier das possíveis sanções, angariando apoios importantes, que permitissem retirar o país do isolamento também sentido pela Grécia de Tsipras, quando sofrera ataque similar, constituiu para Pacheco Pereira o sinal de algo a mudar nos paradigmas dominantes até aqui.
É verdade que começam a ser cada vez mais frequentes os relatórios e as declarações de gente insuspeita sobre o fracasso das receitas austeritárias e dos efeitos perversos por elas suscitadas no conjunto da economia europeia. Algo com que Tsipras não pôde contar apesar de não ser muito diferente o que então dizia Varoufakis em relação ao que se escreve no relatório independente recentemente conhecido por quem avalia, a seu pedido, a estratégia do FMI. Mas a superioridade de um verdadeiro líder está em analisar as suas forças e fraquezas a cada momento e potenciar as primeiras em detrimento das segundas, criando as condições mais consentâneas com o que verdadeiramente pretende.
O que distingue Costa de Passos Coelho é que onde este último sentia a crise como fatalismo aquele vê a oportunidade para dela sair, avançando com novos rumos, Porque porfiar no que está comprovadamente errado, como se pudesse conduzir à redenção salvadora, só mostra incompetência senão mesmo estupidez. E o ainda líder da Oposição vai demonstrando dia-a-dia a indigência da sua análise do passado e do presente e a incapacidade de vislumbrar qualquer Visão de futuro no nevoeiro cerrado, que lhe ocupa a mente. Pelo contrário António Costa revela a audácia de pensar diferente, de encontrar soluções inovadoras e de negocia-las atempadamente com quem o poderá ajudar a concretizá-las. Nesse sentido, e por muito que custe a Clara Ferreira Alves, que ainda não conseguiu engolir o despeito de ter errado em todas as “leituras” que fizera sobre o desempenho de António Costa desde que se tornou no secretário-geral do Partido Socialista, ele nada tem de meramente tático, revelando-se continuamente como o grande estratega que conseguirá retirar o país da beira do abismo para onde a direita o empurrou nos últimos cinco anos.
Por isso mesmo faz sentido a evolução do pensamento de Pacheco Pereira que se vai livrando do seu justificado pessimismo para começar a sentir o contágio do tal otimismo, que se associa aos sucessos que o governo vai conseguindo. Cá dentro e lá fora.

Todos o querem ver pelas costas

Chega a ser pungente a presença de Passos Coelho, quase sem ninguém a acompanhá-lo num qualquer evento em Cantanhede onde se deslocou este sábado para romper com o silêncio a que se remeteu após a notícia da inexistência de sanções por parte da Comissão Europeia. Ele clarificou na perfeição o que Pedro Nuno Santos disse na entrevista ao «Expresso»: “percebemos que uma parte do PSD queira resolver o problema da liderança (…) e que precise de umas eleições, mas não conta com esta maioria para isso.”
Na semana anterior tinham sido várias as vozes à direita - a começar pela do coscuvilheiro de Fafe! - a anunciar a “vontade” de António Costa em provocar uma crise até ao fim do ano para se livrar do acordo com o PCP, tendo em conta os indicadores facultados pelas sondagens mais recentes.
É claro que essas vozes exprimem aquilo que o ministro do PS deixou bem explicito na referida peça jornalística: há cada vez mais gente dentro do PSD a ter a noção de estarem condenados a longo exílio do poder enquanto Passos Coelho teimar em não compreender que já se converteu num zombie: mexe-se, consegue atacar mesmo que desajeitadamente, mas o seu lugar já é, politicamente, nas catacumbas.
Há por isso a ânsia por eleições: mesmo copiosamente derrotados, os barões do PSD conseguirão livrar-se finalmente do seu ainda líder e encetar um processo de regeneração passível de os tornar novamente apetecíveis para os eleitores nas votações seguintes.
Por ora o desconcerto nas direitas é tal que, pressentindo o ar alourado de João Almeida na sessão da Comissão Parlamentar sobre a CGD, Mário Centeno “fez-lhe o desenho” para lhe explicar o verdadeiro sentido da palavra “desvio”, ou seja a diferença entre o que se projetou e o que se conseguiu executar.
Quando até as noções mais elementares se revelam inacessíveis aos parlamentares da direita, é de acreditar num longo futuro da esquerda à frente da governação.

sábado, 30 de julho de 2016

A urgente preservação da vida selvagem

Há partidos e movimentos sociais que, mesmo jamais passando pela minha cabeça, a possibilidade de neles militar ou sequer votar, são bastante úteis por quanto influenciam as sociedades a evoluir numa ou noutra direção.
É o que se passa com o PAN, partido representado na Assembleia, e que é algumas vezes legitimamente criticado pela forma porventura exagerada como pretende defender os direitos dos animais.
Posso não concordar com algumas das suas propostas, mas quando se trata de proibir as touradas e outros espetáculos tauromáticos ou impedir os circos de continuar a recorrer a animais, estou totalmente de acordo com eles. É que as nossas sociedades andam a evoluir num sentido em que o respeito pelos seres vivos, independentemente de se tratarem ou não de mamíferos, vai crescendo muito salutarmente, mas sem alcançar a eficacidade de quebrar a tendência para a extinção contínua e ininterrupta de mais e mais espécies selvagens.
Às vezes podemos ser chamados à realidade, quando nos comprazemos com uma perspetiva muito idealizada do que ela é e, hoje, num documentário sobre a leoa Elsa, que o casal Adamson criou no Quénia nos finais dos anos 50, um etólogo lembrava o quanto nos deixamos iludir pela imagem errada difundida por muitos dos defensores dos animais: a vida selvagem nada tem de poético, nem de belo. Os que nela procuram sobreviver estão constantemente a contas com o medo, com a angústia, com a fome. Sejam presas, sejam predadores, ou as duas coisas ao mesmo tempo. E a intervenção humana só tende a agravar esse stress, com a explosão demográfica, que se apossa de zonas outrora apenas ocupadas pelos animais, e com todo o tipo de comércio ligado a atividades ilícitas, que tende a matá-los por causa das presas ou dos troféus.
É inquietante sabermos que, em apenas 50 anos, desapareceram 90% dos leões, que então viviam em liberdade nas savanas africanas. E, por muito que os documentários da BBC ajudem a causar a indignação por essa destruição acelerada, será necessário muito mais do que estímulos mediáticos para evitar que cheguemos a um mundo em que, além dos nossos animais de companhia e dos que vivem enclausurados em jardins zoológicos, a maioria dos animais ainda hoje existentes em liberdade tornar-se-ão tão anacrónicos como o há muito desaparecido dódó.

De como Passos se fez Perdigão

Um dos mais conhecidos poemas satíricos de Camões tem por protagonista um tal Perdigão, que se quis alçar a tão alto lugar - diz-se que ao amor da belíssima infanta D. Maria - que cairia desamparado por rotundo insucesso.
Lembrei tais versos a respeito da semana horribilis de Passos Coelho.  Também para ele não há mal que lhe não venha: já não basta começarem a surgir indicadores económicos, que desmentem-lhe a tese sobre uma economia estagnada e logo lhe caiu em cima a decisão da Comissão Europeia sobre a não aplicação de sanções Portugal.
No Chão da Lagoa, onde foi a estrela maior da festa do PSD madeirense, quis subir a um alto lugar, prevendo a iminência da catástrofe do meio da qual poderia regressar como uma espécie de santo redentor. Tratar-se-ia, a seu ver, da derradeira oportunidade para querer voar a uma alta torre.
Viu-se depois o resultado: não teve no ar nem no vento asas com que se sustenha. Foi tal o choque com a realidade que ganhou a pena do tormento.
Vendo-se depenado, optou e bem pelo silêncio a pretexto de súbita doença, que o poupou à audiência com Marcelo Rebelo de Sousa. É que, hoje, se a queixumes se socorre, lança no fogo mais lenha.
Manifestamente não há mal que lhe não venha  a este Passos subitamente transformado em Perdigão. Aproximando-se a galope o momento em que deixará a condição de Perdigão e se verá devolvido ao anonimato de onde jamais deveria ter saído.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

O mesmo otimismo nos dois lados do Atlântico

Por coincidência estive a ver um documentário sobre a personalidade de Donald Trump antes de ler um longo artigo do «L’Obs», já com algumas semanas, sobre Justin Trudeau, o jovem primeiro-ministro do Canadá, que tem apenas mais um mês de governação do que António Costa. Ora entre o milionário egocêntrico, que representará o Partido Republicano nas eleições de novembro e o novo líder do grande vizinho do Norte as dissemelhanças não podem ser maiores: onde Trump é racista e recorre ao medo para levar os eleitores intelectualmente mais indigentes a votar nele, Trudeau é inclusivo e otimista. E os seus índices de popularidade batem records.
No entanto, quantos jornais, revistas ou programas televisivos nos dão em Portugal as notícias sobre o que se passa no Canadá? Informaram-nos da sua surpreendente vitória, que parecia mais do que improvável, e têm-se alheado de dar-nos conta do sucesso da aplicação das receitas neokeynesianas para estimular a economia, virando costas aos paradigmas neoliberais austeritários, que eram os do seu predecessor.
O repórter do «L’Obs», que foi indagar as razões para o sucesso de Justin encontrou uma notória sensação de alívio por parte de eleitores que tinham vivido dez anos árduos a aturarem a sua versão de Passos Coelho, que se chamava Stephen Harper. Este representava os valores mais conservadores e, sobretudo, os do influente lobby petrolífero, responsável por colossais desastres ambientais no Estado de Alberta à conta da exploração das nefastas lamas betuminosas.
Nesses dez anos de Harper à frente do governo, a maioria dos canadianos sofreram sucessivos cortes nos direitos laborais e sociais, quase dando por perdidos os que tinham sido conquistados décadas atrás quando o pai de Justin, o celebrado Pierre Trudeau, fora primeiro-ministro.
Otimista por natureza, ele criou um elenco ministerial rigorosamente paritário, com dois deficientes, uma ameríndia e dois sikhs, sendo um deles o ministro da Defesa. Ademais, enquanto Harper rejeitara o Protocolo de Quioto negando a veracidade científica do aquecimento climático, Justin logo tratou de aparecer na Cimeira de Paris a defender que o Canadá estava de volta à defesa das posições mais ecologicamente racionais.
É por isso mesmo que, sendo óbvia a sua total dissemelhança com Trump, ele possui muitas das características constatáveis em António Costa: além desse tal otimismo, ambos sabem que as soluções constroem-se com a colaboração de todos quantos por elas serão influenciados, pelo que nunca lhes passará pela cabeça que se aceitem disposições congeminadas por uns quantos burocratas num qualquer gabinete em Otava ou em Bruxelas.
Pode-se reconhecer que, quer um, quer o outro, quase se assemelham a equilibristas a caminharem com cautelas em cima de uma corda muito instável (sobretudo por causa de quem para ela sopra com o objetivo de os fazer cair),  mas, negociadores natos, eles vão vencendo sucessivamente cada desafio e afirmando-se como um novo tipo de políticos, que fazem muita falta de ambos os lados do Atlântico.
É por isso mesmo que, eu próprio, sinto crescer o otimismo quando constato que Bernie Sanders consegue ter um tão grande sucesso na campanha norte-americana recorrendo sem receios ao seu ideário socialista ou que Jeremy Corbyn prepara-se para dar mais uma eloquente lição aos barões do seu Partido Trabalhista. Ambos significam o retorno do pensamento político e económico mais racional para responder aos desafios do século XXI. Mas, à frente de ambos, já Justin Trudeau e António Costa estão a demonstrar que, politicamente, ele confirma-se como exequível na rude prova de fogo que é a governação. 

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Uma questão de Grandeza (com g grande)

Nós, portugueses, conseguimos ser gloriosos na valentia e mesquinhos na cobardia. E, nesse sentido as homenagens de domingo passado a Mário Soares e a Cavaco Silva são as duas faces dessa arte de sermos quem somos: o primeiro não teve pejo em sofrer as consequências de dizer NÂO a regimes e poderes que impunham ou pretendiam impor aos portugueses formas diversas de privação da Liberdade, enquanto o segundo sempre a eles se submeteu na lógica do que crismou como «ser bom aluno».
Ser bom aluno é uma das formas mais sórdidas de cobardia, que conhecemos e tem servido para que gente sem coluna vertebral obrigue os portugueses a sofrerem o que nunca deveriam ser obrigados a padecer.
Ser bom aluno dá muitas vezes resultados proveitosos para quem tal pretende mostrar-se. Durão Barroso esforçava-se por o ser e por isso fazia os possíveis para ser bem visto por quem entendia estar numa posição de poder a cada momento. Já era assim no Liceu de Almada, quando aí estudava, foi-o no MRPP, quando julgou que a “Revolução Democrática e Popular” estava ao virar da esquina e o poderia transformar num émulo de Pol Pot, ultrapassando Arnaldo de Matos pela mais extrema das extremas-esquerdas. Passou a ser pelo polo contrário, quando viu o neoliberalismo ganhar expressão dominante na política mundial e conseguiu sucessivamente ser líder do principal partido da direita, primeiro-ministro, presidente da Comissão Europeia e, cereja em cima do bolo!, alto responsável da Goldman Sachs.
A História portuguesa tem exemplos assim deste tipo de arrivistas manhosos capazes de adotarem as opiniões maioritárias a cada momento para com elas alçarem-se a posições de poder, mormente marinheiros abandonados nas costas africanas ou malabares, que passados anos eram encontrados como lugares-tenentes dos respetivos régulos ou reis locais. Mas nenhum conseguiu, na sua capacidade de intriga e de lábia, alcançar um percurso tão bem sucedido nessa permanente intenção de curvar-se oportunisticamente aos poderes aparentemente mais fortes de cada momento.
Tomássemos nós Barroso como exemplo e submeter-nos-íamos a tudo quanto querem os schäubles e os dijsselbloems desta (des)União Europeia, cumprindo o desejado por Passos Coelho ou Assunção Cristas. Imitaríamos assim aqueles aristocratas de 1383 ou de 1580, que achavam perfeitamente lógico, que o reino de Portugal se diluísse no do vizinho ibérico. Era o seguimento de um lema bem português que diz: «O que tem de ser tem muita força».
Ora não tem, e Mário Soares no passado, quando combateu a ditadura fascista ou os riscos de totalitarismo de 1975, ou António Costa hoje, quando combate a sanha dos parceiros europeus quanto à sua alternativa à austeridade, demonstram-no. É um caminho mais pedregoso, envolve riscos sérios, que incluiu a prisão e o degredo para o primeiro, e todo o tipo de sabotagens internas e externas para o segundo, mas promete Grandeza, que é algo desconhecido para os cavacos, para os barrosos ou para os passos coelhos desta vida.
Ter a coragem de dizer Não, como o fizeram os heróis da Revolução do Mestre de Avis, da Restauração ou da República, corresponde ao que de melhor existe na nossa identidade. E este governo mostra essa fibra, verticaliza-se e ganha altura perante quem o pretende curvar. Por isso ontem foi um dia excelente para os que, dentro de si mesmos, procuram enaltecer o que têm de corajoso e esmagar o que os tende a acobardarem-se.



A nova moda verão de 2016

Remetida  a história das sanções para as prateleiras dos saldos, as televisões, os jornais e as revistas têm de se precipitar para as novas tendências que vão entrar na moda noticiosa deste verão.
Os incêndios costumam ser uma receita infalível com as inevitáveis referências aos “cenários dantescos”,  mas apesar de um julho invulgarmente quente não têm surgido casos que justifiquem grandes exaltações jornalísticas. Por agora até os deuses do fogo parecem de mãos dadas com António Costa escusando-se a dar-lhe grandes preocupações com as suas manifestações ígneas.
A comida afrodisíaca ou os sempre úteis conselhos para erotizar o parceiro amoroso é outro clássico a não perder de vista, mas por ora, ou ando muito distraído ou não tenho visto nos quiosques aquelas capas sugestivas com nádegas generosas ou banhistas em topless.
A SIC, porém, não andou a perder tempo: como importa, sobretudo, levar para conveniente esquecimento todas as tristes figuras assumidas por Passos Coelho nas semanas mais recentes, quase babando-se com a possibilidade de ver o país condenado por sanções cuja responsabilidade seria exclusivamente de António Costa (como se essa “evidência” fosse factualmente aceite fora do seu restrito círculo de devotos!), cuidou de chamar o chefe de Rosário Teixeira para uma entrevista. Para além da confirmação do que já sabíamos - os procuradores andam literalmente aos papéis sem encontrarem indícios justificativos de uma acusação a José Sócrates - produziu esta reflexão muito elucidativa sobre a personalidade de quem lidera o Ministério Público: se a nossa “Justiça” contemplasse prémios a quem se dispusesse a ser «bufo», seria fácil conseguir o que, de outra forma, se revela impossível.
Haverá maior prova da sua inadequabilidade para as funções que desempenha?
O problema para a SIC é porém outro: tratando-se de uma «não história», como alimentá-la de forma a conseguir aguentar-se até ao final do verão, quando entrar a moda de outono assente num orçamento para 2017, que os habituais velhos do Restelo aventam como de consenso impossível entre as várias vertentes desta esquerda plural? Até António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa demonstrarem-lhes o contrário...


quarta-feira, 27 de julho de 2016

Só neste país?

Há dias a dona de um restaurante que costumamos frequentar pela excelência do bom peixe, queixava-se da realidade portuguesa, usando implicitamente a expressão que o Sérgio Godinho tão bem glosou numa das suas canções (“Só Neste País”). E o que mais a indignava era a imprescindibilidade da “cunha” para alcançar alguma coisa.
Mas será mesmo assim? Teremos aqui uma especificidade da “arte de ser português”?
É claro que não! Esse tipo de corrupção muito co0mezinha é um atributo universal, que tanto encontrei na Grécia enquanto democracia ocidental, na China como suposta potência comunista ou na subdesenvolvida Costa do Marfim onde até fui preso numa enxovia durante umas horas por não ceder a esse tipo de “negócio”.
Mas dirão os mais inocentes: “mas vejam lá os países do Norte da Europa! Ou os Estados Unidos!”
Daria para rir, porque quem conhece a realidade desses países sabe bem como o suborno é prática corrente e tão clandestina quanto aqui se pratica. E quanto aos Estados Unidos podemos pegar no exemplo de um documentário visto uma destas madrugadas num dos canais por cabo onde se abordava o «sucesso» das repúblicas universitárias americanas enquanto promotoras das “networks” para a vida.
É claro que os jovens disponíveis para entrarem nessas confrarias têm a noção de quanto arriscam a dignidade, e até a própria vida, ao submeterem-se a praxes a roçarem a insuportabilidade. Mas todos eles referem quão facilitada fica a procura de emprego ou o sucesso nos negócios, quando recorrerem a esses «irmãos» dos tempos universitários. O que justifica todo o tipo de sacrifícios.
A nossa realidade assemelha-se a esse cenário baseado em rituais iniciáticos a envolverem agressões bárbaras, muito álcool e drogas e até a manifestação do que a sexualidade pode ser entendida como expressão boçal. Práticas, que se justificariam ser erradicadas liminarmente.
Imaginar que doutores e engenheiros venham a criar laços de cumplicidade à conta do que de pior revelaram os respetivos instintos constitui a negação de uma sociedade de conhecimento - que deveria ser o objetivo das instituições universitárias! - e em que os valores da solidariedade não podem ser confundidos com o da criação de uma ilusória “fraternidade”. Porque esta exclui os outros, considera-os indignos de usufruírem dos mesmos direitos de quem pertenceu a uma dessas «republicas».
É por isso mesmo que, quando vejo jovens universitários com as suas batinas a passearem-se pelas ruas de Lisboa, sinto-as como ofensivas, porque representam a ideia de integração numa elite privilegiada, desejosa de conquistar para si os rendimentos negados a todos os demais.
Trata-se de um dos aspetos da instituição da “cunha” ao nível mais elevado, mesmo que encapotado no bem mais glamoroso nome de «network”. E pressupõe, desde as universidades, a reivindicação de uma sociedade dividida em classes onde o conhecimento de gente influente constitui a alternativa a quem não possui méritos ou talentos distintos de tantos dos seus iguais.

A constatação do óbvio

O artigo de três conhecidos economistas do FMI  - Jonathan D. Ostry, Prakash Loungani, e Davide Furceri - que, há algumas semanas, agitou o mundo dos negócios, ao reiterar a opinião de tantos críticos da agenda neoliberal, não significou o fim da História dessa escola de pensamento, mas o início da sua declaração de obsoleta. É que, se esses insuspeitos analistas da evolução macroeconómica do planeta, reconhecem às teses dos discípulos de Milton Friedman a explicação para o crescimento de muitos países, outrora tidos como subdesenvolvidos e transformados em BRIC’s, também lhe apontam a origem da especulação e das crises financeiras inerentes à desregulação acelerada da legislação anteriormente existente. Desde os anos 80 os investigadores do FMI rastrearam 150 crises agudas em 50 países.
Por outro lado a política de austeridade, que constitui outra das faces da moeda da agenda neoliberal também fez estagnar o crescimento económico e aumentar as desigualdades sociais.
Tudo isto serve para concluir que, não apenas por questões de justiça social, as receitas neoliberais têm de ser cerceadas: o que o estudo em causa demonstra é tal ser necessário por uma questão de lógica económica. O que torna os decisores de Bruxelas relativamente às possíveis sanções a Portugal e a Espanha nos arautos de posições sem futuro: representam aquele derradeiro fulgor de um rio, que está prestes a secar e a morrer...

terça-feira, 26 de julho de 2016

Nervosismos justificados

Os telejornais dos diversos canais andam a ser muito interessantes de seguir por quanto de reveladoras têm sido as atitudes dos seus intervenientes.
Comecemos por Marques Mendes e os seus minutos de intriga e delação ao domingo à noite na SIC. Tomando os comunistas por tolos ele quis utilizar o velho recurso do dividir para reinar, fomentando a ideia de que António Costa teria grande vantagem em provocar uma crise até ao fim do ano para tornar possível um novo governo em coligação com o Bloco, e marginalizando definitivamente o PCP.
É óbvio que o opinador sabe que nenhum eleitor perdoará a quem provocar uma crise política pela qual se perca esta agradável sensação de estabilidade, mas atira os seus palpites para o ar a ver se António Costa se deixa por ele iludir ou se Jerónimo fica tão assustado, que rompe os acordos assinados em novembro transato.
Sabemos que as opiniões de Marques Mendes não se limitam a sê-las, pois comportam habitualmente objetivos políticos tendentes a favorecer quem anda tão assustado com o sucesso da «Geringonça». E quando se conjugam boas sondagens com indicadores financeiros muito positivos para o governo, compreende-se o nervosismo de Passos Coelho no Chão da Lagoa ou a dos seus cúmplices nas várias televisões.
Mas, mantenhamo-nos na SIC Notícias e olhemos para a notável tese de Bernardo Ferrão no Jornal das Sete desta segunda-feira: quem anda a agitar o espantalho das sanções é António Costa, que anda a lucrar com a criação artificial do inimigo externo para iludir as suas dificuldades na obtenção dos objetivos de crescimento económico, de investimento e de desemprego a que se propôs. Ainda não tinha conjeturado que tínhamos um primeiro-ministro tão maquiavélico, capaz de passar horas a azucrinar comissários europeus, ministros do Ecofin e outros figurões de igual quilate para que ameacem seriamente o país com sanções de forma a facilitar-lhe a argumentação política contra a oposição de direita. A «vedeta em ascensão» no «Expresso» mostra que, além de notoriamente contra este governo, também possui uma imaginação digna de nota.
Mas, porque também a RTP prima pela sabotagem informativa ao governo tivemos Cristina Esteves a maltratar indevidamente o ministro Augusto Santos Silva numa curtíssima entrevista sobre os mais recentes resultados financeiros e as declarações de Passos Coelho, nunca o deixando acabar uma frase e atirando uma sucessão infinda de perguntas para as quais nem sequer procurava ouvir as respostas.
Bem tentou o ministro dizer-lhe que precisaria de tempo para explicar os seus raciocínios, que a entrevistadora nunca o quis ouvir, comportando-se como se tivesse uma check list com o item “dar a ideia aos espectadores que a segunda figura do governo foi entrevistada, mas não perder mais tempo do que três minutos com a peça e nunca permitir que consiga fazer-se compreender”. E a diligente Cristina lá riscou a cruzinha da tarefa cumprida, sem sequer ter a noção do quanto demonstrou ser péssima jornalista…
Estamos, pois, num momento curioso da nossa vida política: o governo governa, a maioria de esquerda apoia-o, a oposição anda à beira de um ataque de nervos e os seus serventuários na comunicação social já não conseguem encontrar forma de escamotear essa realidade que salta aos olhos da grande maioria dos portugueses. Que, ademais, desprezam de forma cada vez mais óbvia um líder da oposição, que gostaria de manter o país curvado perante quem o quer subjugar e, pelo contrário encontra a representá-lo quem não tem receio de dizer Não!

Parvoíces e homenagens

Eu sei que estamos na silly season, por direito próprio contemporizadora com a expressão dos maiores disparates, mas ver Passos Coelho dizer que António Costa anda a dar cabo do trabalho de “fortalecimento” do setor financeiro por ele assumido nos quatro anos da sua legislatura ou Cavaco Silva a atrever-se à tese de ter desempenhado as suas funções nas alturas em que o país mais dele “precisava” só nos pode levar a concluir que o sol tem incidido com demasiada intensidade em tão vetustas moleirinhas. É que, querendo ambos esquecer a impopularidade em que tombaram, ainda acreditam nas histórias da carochinha com que, em tempos idos, iludiram muitos portugueses.
Foi, aliás, patética a tentativa de Leonor Beleza em negar a evidência de se ter arranjado à pressa uma homenagem a Cavaco Silva no mesmo dia em que todas as câmaras dos medias se concentrariam merecidamente em Mário Soares. Os aduladores, que integraram a corte do sujeito de Boliqueime, não querem aceitar a morte política, que a História já lhe destinou deixando-lhe apenas espaço para uma ou outra nota de rodapé em que os seus consulados só podem ser asperamente criticados. E quanto a Passos Coelho acontece algo de semelhante, mas ainda pior: embora quase tão nocivo quanto o seu parceiro de partido, mais ignoto ficará na História do nosso tempo, quando ela for feita e não sobrar espaço para dela reter o que representou de mais rasteirinho. 

A serenidade como receita eficaz

A longa entrevista do ministro da Cultura na edição dominical do «Público» confirma o acerto de António Costa ao convidar o diplomata Luís Filipe Castro Mendes para essas funções. Muito sereno e sem nunca encontrar no exíguo orçamento do setor a desculpa para não fazer mais, dá respostas assertivas para o que vai fazer às coleções de quadros de Miró, de Berardo, da SEC ou de Jorge Brito, mantendo-as disponíveis para os portugueses. E a todas as questões respondeu com a sua condição de facilitador de soluções e não propriamente de criador de ainda maiores problemas.
Está definitivamente virada a página aos quatro anos tenebrosos em que Passos Coelho lembrava o sinistro general espanhol que, na Guerra Civil, ameaçava empunhar as pistolas sempre que lhe falassem de cultura. Com o anterior primeiro-ministro não era assim, mas a ordem imediata era vender a qualquer preço, e independentemente do que defendiam os diretamente interessados. Foi por uma unha negra que o país não perdeu os quadros resgatados da falência do BPN ou os seis da autoria de Maria Helena Vieira da Silva, que têm estado expostos na Fundação dedicada às obras dela e de Arpad Szenes.
Aqui e além as entrevistadoras procuraram enlear o ministro com as suas perguntas capciosas - merece o nome de Ministério o que ainda tem menos verba do que a Secretaria de Estado a que sucedeu?, foi só um exemplo - mas ele não se deixou perturbar: faz toda a diferença ter ou não ter a Cultura à mesa do Conselho de Ministros e integrar um elenco governativo onde deverá ser unanime a opinião da exiguidade do orçamento destinado a tão estruturante setor do conhecimento. Assim dure esta maioria parlamentar e decerto melhores dias se avizinham para um setor que a direita destratou inqualificavelmente para vergonha de quem aceitou servir-lhe de caução: Francisco José Viegas e Barreto Xavier…

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Ainda é possível a reconstrução?

Uma Europa por reconstruir é o título do artigo de Serge Halimi publicado na capa do «Le Monde Diplomatique» deste mês e que surge na sequência do referendo inglês sobre o Brexit.
As razões, que motivaram os ingleses e os galeses a optarem pela saída da União Europeia podem não ter sido as melhores levando em conta toda a demagogia dos populistas, mas alguns dos seus argumentos tiveram total razão de ser, sobretudo quando se fundamentaram na falta de Democracia hoje assumida pelas instituições sedeadas em Bruxelas ou Frankfurt.
A pressa com que pretendem ver implementada a saída do Reino Unido da União Europeia recorda toda a estratégia aplicada à Grécia do Syriza para lhe impor a punição decorrente da sua frustrada tentativa para ensaiar uma alternativa à asfixiante austeridade. Quase todos os dias são publicados relatórios e notícias sobre os «efeitos catastróficos iminentes» do que ocorrerá proximamente à economia inglesa por ter havido a atrevimento de contrariar a vontade (ainda) maioritária das instituições europeias. Perante a deceção com o resultado do Brexit, os burocratas desistiram da alternativa que sempre tinham utilizado até aqui: promover tantos referendos quantos os necessários para fazer coincidir os resultados com os seus objetivos. Agora anseiam transformar o Reino (Des)Unido num novo exemplo do que já fizeram com a Grécia, embora se saibam com meios de chantagem menos fortes do que os impostos a Tsipras.
No artigo de Halimi este situa o abandono do projeto original europeu na queda do Muro de Berlim. Nessa altura os líderes europeus tiveram a oportunidade única de opor “ao triunfo da concorrência planetária, um modelo de cooperação regional, de proteção social e de integração por cima das populações do ex-bloco de Leste.”
Ao invés criaram “um grande mercado, carregado de comissários, de regras para os Estados e de punições para as populações, mas muito aberto a uma concorrência desleal para os trabalhadores.” Em suma trataram de “agradar aos mais privilegiados e aos mais bem relacionados das praças financeiras e das grandes metrópoles”.
Hoje soam a falso as pretensões da direita segundo a qual só os apoiantes do Bloco de Esquerda ou do Partido Comunista são contra esta União Europeia. Aumenta o número dos socialistas que estão contra essas “elites políticas autistas e desacreditadas”, que teimam em manter uma ideologia cujo fracasso é revelado de forma tão explicita nos últimos meses. Uma grande parte ainda quer acreditar que os esforços de António Costa para mudar a União ainda justificam a expetativa. Mas o sucedido com a Grécia, e agora com o Brexit, só justifica a futura pertinência de uma consulta democrática sobre a continuidade do país num clube onde ele é tratado como uma «ovelha negra».