sexta-feira, 29 de julho de 2022

O nunca por demais lembrado exemplo de Ehrlich

 

Uma das respostas mais estúpidas que, amiúde, é dada por quem me lê os textos, e se incomoda com a crença neles manifestada sobre o irreversível fim do capitalismo, substituído por uma sociedade socialista mais igualitária e justa, é não haver exemplo histórico bem sucedido de tal utopia. Falhou na União Soviética e em todos os países do leste europeu, tornou-se numa terrível tragédia no Camboja, continua a não resultar em Cuba ou na Venezuela, e travestiu-se noutra forma avançada de capitalismo na China. 

Para esses críticos está bem de ver o que daqui resulta: teremos de rendermo-nos à evidência de nos contentarmos com «reformas« no capitalismo, porque nenhum outro sistema económico e ideológico melhor alimentará a população mundial, mesmo que seja o principal instigador do dióxido de carbono na atmosfera do nosso exaurido planeta. A utopia socialista seria tão só isso: uma quimera sem viabilidade.

Foi a pensar nesse tipo de pessoas, que José Mário Branco recorreu ao exemplo do médico alemão Paul Ehrlich, que investiu denodados esforços na descoberta da cura da sífilis, terrível doença, que a tantos afetava na viragem do século XIX para o século XX. No seu laboratório ele ensaiou centenas de hipóteses de tratamento nunca desistindo após o fracasso de cada um deles. Até, finalmente, conseguir o seu objetivo à 914ª tentativa. Questionava o nunca por demais recordado autor do FMI: quantas vezes tentámos nós mudar de vida?

Mudar de Vida é também o título do filme em que ele recorda este exemplo, que deverá estar sempre na nossa mente quando um desses provocadores antissocialistas vier com a sua mentecapta ladainha. Porque, evocando o conhecido poema de Brecht, um mundo melhor será possível se os imprescindíveis não se deixarem tolher pelo desalento. Porque existem leis científicas, que ganham dimensão de axiomas e uma delas é não haver descanso para a luta de classes enquanto subsistirem as tão gritantes diferenças entre os que tudo têm e os que mal conseguem sobreviver! 

quarta-feira, 27 de julho de 2022

Para vencermos só faz sentido unirmo-nos!

 

Fazem sentido as cinco lições debitadas por Manuel Loff sobre as causas, que justificam a forte possibilidade das extremas-direitas europeias ganharem o poder nos respetivos países como nunca mais voltara a suceder desde a Segunda Guerra Mundial.

A primeira dessas lições ensina-nos, que elas só o conseguem pela mão das direitas como se viu na Hungria e na Polónia, e está em vias de suceder em Itália. Por cá não podemos esquecer que o tenebroso Ventura chegou à ribalta por convite de Passos Coelho no que constituiu uma das mais tóxicas manifestações do seu legado enquanto (des)governante.

A segunda é a dela fazer-se acompanhar de uma nova ordem neoliberal, que ilustra os maiores desvarios do capitalismo selvagem tudo privatizando e sonegando quaisquer direitos a quem trabalha.

A terceira é a de enfatizar o suposto choque de civilizações, agora transformado na ameaça global de um sul subdesenvolvido apostado em alterar demograficamente as características morfológicas das populações cristãs do ocidente e em mandar às urtigas os seus «valores» identitários.

Ao mesmo tempo tudo isto sucede quando os partidos tradicionais sugerem conhecer  um irreversível processo degenerativo, que os desacredita quanto à capacidade de proporem algum futuro viável e esperançoso.

E há enfim a constatação de crescer a extrema-esquerda proporção em que mingua as esquerdas a sério, silenciadas e difamadas pela comunicação social a soldo dos que patrocinam essa dinâmica política Daí, que se deva olhar para o exemplo do Chile, da Colômbia ou da França, onde a convergência das várias esquerdas implicaram a derrota das diversas direitas nas mais recentes eleições. Razão para considerar um logro os que dizem definitivamente encerrada a experiência da dita geringonça. Os tempos atuais demonstram que, contra as estratégias do campo contrário, as esquerdas só têm possibilidades reais de mudarem as nossas vidas, convergindo em vez de se digladiarem estupidamente.

segunda-feira, 25 de julho de 2022

O entusiasmo de dar tiros nos pés

 

Cinco meses passados sobre o início da guerra na Ucrânia nem os abrunhosianos mais antiputinistas conseguem mostrar algum otimismo quanto ao resultado final do conflito. E até haverá os que lamentarão não terem visto Zelenski assinar um acordo, que vinculasse o seu governo à neutralidade relativamente à NATO e assim tivesse evitado toda esta sucessão de horrores. Agora, os europeus enfrentam galopante inflação e escassez de gás natural, enquanto os russos acumulam superavits na balança comercial, veem o rublo valorizar-se e a inflação contida em índices  equivalentes aos deste lado do continente.

Ao mesmo tempo os responsáveis políticos, que mais entusiasmo mostraram no apoio à Ucrânia, já estão com as malas feitas para despedirem-se dos cargos (Boris Johnson, Mario Draghi), perderam as eleições entretanto organizadas (Macron), ou sabem-se derrotados tão-só elas se verifiquem (Scholz, Biden, Trudeau). O que Putin conseguiu foi suscitar um tal caos, que facilita a total orientação da economia russa para a Ásia e o Médio Oriente, ao mesmo tempo que torna irrelevante uma União Europeia cujo dinamismo dependia de mercados abertos e energia barata, precisamente aquilo de que abdicou com os sucessivos pacotes de sanções, afinal verdadeiros tiros nos próprios pés.

Os malefícios pós-modernos

 

Apesar de, indubitavelmente, de esquerda e, por isso mesmo assumindo simpatias por muitas das chamadas causas fraturantes, contrario tentações misóginas, racistas e homofóbicas, alimentadas por uma educação ainda iniciada na época do Estado Novo. Mas uma coisa é ter a noção dessa íntima e permanente contradição entre o velho e o novo, outra a de ser considerado fidalgal inimigo pelos ativistas de muitas causas na moda. Com vocação inquisitorial, esses fanáticos causam males maiores do que os almejados benefícios como o defende o cientista David Marçal num texto de opinião hoje inserido no «Público»: “O pensamento pós-moderno, e o ativismo que dele decorre, nunca demonstrou qualquer utilidade para os oprimidos que afirma defender. Pelo contrário, tem o dom de tornar pessoas razoáveis e tolerantes em adversários, que se veem catalogadas como racistas ou homofóbicas simplesmente por não professarem o credo pós-moderno.”

Sensatez e racionalidade é o que se exige a quem pretenda traduzir em ganhos civilizacionais as ideias e valores que defende.

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Um idiota fanaticamente anticomunista

 

Não sou militante comunista, mas sempre aqui tenho assumido Marx como uma das principais referências ideológicas aliás a exemplo de muitos camaradas socialistas com que me identifico plenamente. Também não vou há muitos anos à festa do Avante apesar de a ter aqui à beira de casa, mas não esqueço ter vivido nalgumas delas alguns espetáculos, que não esqueci.

Ao invés uma personalidade como José Milhazes causa-me asco. Por isso nem sequer o ouço, quando o zapping me dá o desfavor de o pôr, por breve segundo, no ecrã do meu televisor, donde logo o erradico enquanto opinador absolutamente contrário ao que acredito. E isso não me faz putinista, nem simpatizante com o atual poder do Kremlin como alguns groupies zelankistas se apressaram a comentar, quando aqui interpretei a agressão russa à Ucrânia como corolário de um conjunto de atos políticos do Ocidente, que acabariam por ter resposta de quem se sentiu militarmente ameaçado.

Milhazes viveu na Rússia soviética e pós-soviética e não sei se alguma vez acreditou nas virtudes do antigo regime. Se assim foi transformou-se naquele tipo de fariseu capaz de começar por acreditar beatificamente numa coisa e depois vir a aderir ao absolutamente contrário. Mas aquilo que soube via Carmo Afonso é estar a fazer, com apoio da SIC - ainda esta semana condenada pela ERC por destratar ilegalmente o PCP numa das suas “peças jornalísticas” (sic) - uma campanha destinada a desacreditar um conjunto de meritórios artistas - Carminho, Ricardo Ribeiro, entre outros - por aparecerem no cartaz da Festa deste ano. Como se essa participação fizesse deles comunistas encartados (que quase por certo não são!) e caíssem no maior dos opróbrios por «apoiarem» amigos de Putin.

Normalmente não há grande futuro para quantos viram casacas e se expõem em tais vestimentas. Zita Seabra, que constitui exemplo lapidar dessa conduta, nunca mais foi ninguém, quando tomou por inimigo de estimação quem antes entendia ser camarada. Ao mesmo Milhazes está destinado igual «sorte» desacreditando-se no seu fanatismo anticomunista. Que ofende um partido a quem devemos mais de cem anos de luta pela melhoria da vida dos trabalhadores e sempre esteve na primeira linha quando se tratou de combater o fascismo. E esse é tributo, que nenhum antifascista pode ignorar...

terça-feira, 19 de julho de 2022

Mas quereremos continuar a enganarmo-nos?

 

1. Os incêndios, que varrem a Europa, e não atingem ainda as dimensões noutros anos conhecidas na Austrália ou na Califórnia, dão às populações a noção das alterações climáticas, que já ninguém consegue desmentir apesar das campanhas de desinformação dos vinculados aos interesses do petróleo. Numa das televisões um aldeão trasmontano rendia-se ontem à evidência e questionava o que deixaria como legado aos filhos e aos netos tendo em conta, que só lhe sobrava a terra seca e as árvores queimadas.

Daí que António Costa discursasse sobre o assunto e lhe desse a devida importância, prescindindo até dos galões de Portugal poder orgulhar-se de, em 2021, ter sido o país europeu capaz de mais reduzir as emissões de carbono para a atmosfera (menos 5,5%). Mas, nesta matéria, o país arrisca-se a ser como aquele bom cidadão, que limpa o mato na sua pequena propriedade, embora venha a ser prejudicado pela incúria de todos os vizinhos: é que, à exceção da Finlândia, que também reduziu, mesmo que me menor percentagem, a sua pegada carbónica, todos os demais países europeus aumentaram-na no mesmo período.

2. E eis que Pedro Nuno Santos continua a ter plenamente razão: embora compareça ao encontro com o primeiro-ministro para discutir a nova localização do aeroporto de Lisboa, Luís Montenegro já disse nada adiantar sobre o que pensa. De facto interessar-lhe-á tão-só ter as televisões a entrevista-lo à saída desse encontro e, a seguir, pegar nos argumentos dos que contestarem a decisão do governo, comprando-lhes as teses sobre os prejuízos em detrimento dos contrabalançáveis benefícios.

3. Em Lugano uns quantos economistas começaram a discutir a reconstrução da Ucrânia propondo a receita habitual da cartilha neoliberal: sonegação dos direitos de quem trabalha, acentuando a precarização dos vínculos laborais, além da privatização de tudo quanto o puder ser. No entretanto Zelenski vai aprovando leis no parlamento, que já vão nesse sentido: facilitar a exploração dos trabalhadores por oligarcas para os quais o ocidente olha com a simpatia, que deixou de ter para com os apaniguados de Putin.

4. Sem pudor John Bolton deu uma entrevista à CNN na semana transata e, num assomo de gabarolice, revelou ter passado quase toda a carreira diplomática a preparar golpes de Estado contra governos antipáticos para o Departamento de Estado. E mostrou-se convencido de que assim foi, é e sempre será.

No caso presente temos Biden a secundar o governo de Zelenski contra a agressão russa, apesar das muitas provas em como o cómico ucraniano sempre esteve longe de ser um menino de coro eivado de princípios admiráveis. Mas como não entender essa propensão dos Democratas em portarem-se exatamente com a mesma agressividade dos Republicanos se tiveram no seu historial a invasão da Baía dos Porcos sob Kennedy, o derrube de João Goulart sob Lyndon Johnson, ou a do hondurenho Manuel Zelays sob Barack Obama?

Republicanos ou Democratas, os políticos americanos pedem meças a Putin nos propósitos imperialistas e justificam que Lindsay O’Rourke tenha contado 64 mudanças de regime durante a Guerra Fria, inspiradas pelas ações da CIA e do Departamento de Estado, 44 das quais destinadas a imporem regimes autoritários.

Perante este cenário entende-se que se passa na Ucrânia algo muito diferente da narrativa maniqueísta que nos vai sendo vendida. 

segunda-feira, 18 de julho de 2022

Não dá para nelas acreditar, mas...

 

As sondagens valem o que valem, e isso ficou bem demonstrado nas mais recentes eleições em que a maioria absoluta do PS nas legislativas, ou a derrota de Fernando Medina em Lisboa nas autárquicas, não faziam parte das previsões mais divulgadas. Daí que a conhecida esta semana, que dá o PS em queda e o PSD de Montenegro em recuperação, têm de ser relativizadas. Mas, pessoalmente, considero preocupante não estarmos mais na regra da soma das esquerdas superar a das direitas. E isso demonstra quanto importa contrariar a continuação da coligação dos partidos das direitas com as televisões e com as ordens profissionais. Começando por alterar as políticas, que lhes alimentam as insidiosas campanhas. Por exemplo na saúde, onde começa a ser óbvia a necessidade de substituir quem a lidera, mas sobretudo virando do avesso a lógica economicista estabelecida transversalmente no SNS, valorizando novamente o que deveria ser a prioridade - a resposta às necessidades dos seus utentes! - em vez de o caracterizar por um conjunto de indicadores quantitativos que, na prática, nada contribuem para os que deveriam verdadeiramente contar: os qualitativos. 

domingo, 17 de julho de 2022

Tempos novos, táticas velhas dos mesmos do costume

 

Chegados ao fim de uma semana em que os incêndios atingiram dimensões avassaladoras, mas foram correspondidos por um dispositivo de combate, que se revelou particularmente eficiente, temos o governo a calar a voz às oposições, desta feita sem argumentos para cavalgarem oportunisticamente na desgraça alheia e repetirem os truques de política politiqueira em que sempre são tão useiras e vezeiras nesta altura.

Igualmente assinalável a autoridade do Estado manifestada perante os organizadores de um festival previsto para o Meco ou para a poluente demonstração (ecológica e mental) dos motards. Mas não deixa de ser curioso o sentido de «oportunidade» das autoridades judiciais, que quiseram vir manchar o manifesto sucesso governamental na resposta aos incêndios com o trazer de volta um infeliz caso de corrupção parola cujo interesse maior parece ser o de voltar a agitar a efígie de Eduardo Cabrita.

Há estratégias dos que se opõem ao governo, que não mudam com as circunstâncias! 

quarta-feira, 13 de julho de 2022

Uma questão de preconceito ou de pré-conceito?

 

1. Billy Wilder pôs-nos a ver Marilyn transformada em Sugar Kane Kowalczyk para justificar a regra de quanto mais quente melhor  (pelo menos na tradução lusa!), mas estes dias tórridos desmentem a regra: tempo demasiado quente incomoda-nos a sério, dão-nos conta (sobretudo aos séniores) das fraquezas e, sobretudo, confrontam-nos com os efeitos descontrolados das alterações climáticas. Pensando na lapidar frase do senhor Vladimir - que fazer? - não sabemos como dar a solução mais sensata para o anunciado apocalipse: o fim do capitalismo e a sua substituição por um ecossocialismo inevitavelmente musculado, porque não faltarão os indignados com os prejuízos de não continuarem alegremente a alargar, mais e mais, a pegada de carbono, que insistem vital para os seus privados interesses.

São muitos os que constatam não haver futuro para a continuidade da civilização humana no planeta azul se não se der o capitalismo como bem morto e enterrado, quiçá preferencialmente cremado para evitar invocações de mortos-vivos. Só não se sabe como impor a todo o planeta uma Visão sustentável, que implique melhor redistribuição das riquezas e contenção racional dos consumos.

2. Que entusiasmo o de alguma comunicação social com a suposta contraofensiva ucraniana em Kherson! E, no entanto, apesar de provável logro, como não compreendê-la como artifício de propaganda de Zelenski ao ver nuvens densas a toldarem-lhe o horizonte com os arrepios por que passam os alemães com o verem-se já sem o gás natural fluído pelo North Stream - condenando muitas fábricas a fecharem e a perspetivarem um inverno gélido nos lares dos que com ele se costumavam aquecer - e o fracasso da perspetiva de reduzir o custo do petróleo russo no mercado internacional através do preço dos seguros dos petroleiros, que o transportam para países não aderentes às sanções ocidentais.

Putin é, indubitavelmente, um execrável ditador, mas no xadrez da política mundial, tende a desmascarar como incompetentes amadores os que criaram o cerco político e militar à Rússia sem cuidarem das consequências, que a prazo, implicaria. Por isso Zelenski precisa da mais ínfima hipótese de um êxito militar para animar as hostes e adiar uma derrota, que se vai perfilando em diversas frentes.

Por estes dias os que se cingiram às “posições de princípio” para condenarem a invasão da Ucrânia sem olharem para a complexidade do que ali está em causa, devem viver no mesmo desconcerto que Daphne/ Jack Lemmon no final do mesmo filme de Wilder, ao deparar com a impensável resposta de Osgood Fielding perante a confissão de ser um homem.

Nesta altura Putin não está preocupado com nenhuns preconceitos ou, na perspetiva ocidental, pré-conceitos! Espicaçaram o urso, que dentro dele existe, e agora atenham-se com a sua fúria irracional. Que, é claro!, adia mais e mais, a mais do que urgente transformação política e social capaz de possibilitar futuro às gerações, que nos sucedam. 

segunda-feira, 11 de julho de 2022

Um limiar que não deveria ter sido transposto

 

As praias até podem estar muito agradáveis garantindo momentos retemperadores a quem as procura nesta altura. Mas não podemos alhear-nos das temperaturas acima do normal e da secura, não só no ar que respiramos, mas também nos solos alavancados na inquietante erosão. Por muito que as notícias se focalizem na guerra do leste europeu - agora menos, porque os russos vão levando a água ao seu moinho com a consolidação dos ditos territórios separatistas - são as alterações climáticas a merecerem atenção por muito que António Guerreiro considere que  ”já se ultrapassou o limiar em que a situação depende da ação humana e tudo o que está a acontecer se tornou irreversível.”

Esperemos que a justificada tentação de ordenar o confuso leve os europeus a tomarem direção diversa da decidida pela Comissão Europeia na subserviência a um império tão em declínio - os EUA - quanto aquele com que se confronta, por interposto exército, nas vastidões ucranianas. Porque se Putin sabe-se condenado perante um futuro menos ávido de hidrocarbonetos, os Estados Unidos avançam à medida da senilidade dos seus dois mais recentes titulares da Casa Branca: se aspiram manter-se como polícias do mundo veem esboroada a pax americana, que lhes assegurou a acumulação de riqueza dos seus próprios oligarcas. A ambição de manterem as coisas tal qual estão, desmente-se nos cenários de miséria extrema constatáveis nas principais cidades e nas,  perifericamente, por todos esquecidas.

Não duvido que, distinguindo-se dos colegas europeus, António Costa intui o que deveria ser feito e não inclui uma total submissão à liderança política e militar americana. Por isso não disse a Zelenski o que ele gostaria de ter ouvido. Mas há um problema grave com que o nosso primeiro-ministro se confronta: não é só Montenegro, ou os demais líderes da oposição interna, que pensam no diminutivo. São os próprios líderes europeus, que desdenham do seu próprio poder enquanto superpotência, que poderiam construir, em vez de se deixarem  enlear por preocupações distintas das que hoje já são prementes. Como aquela conjunção de avalanches nos Alpes e caos nos aeroportos, que pressupõem o tal niilismo referenciado por António Guerreiro e que estamos obrigados a superar aceleradamente. 

domingo, 10 de julho de 2022

Porque não nos admiramos com o que acontece?

 

Porque não nos admiramos com a insurreição popular no Sri Lanka ou com o assassinato do ex-primeiro-ministro japonês Shinzo Abe? Ambos os acontecimentos podem refletir a irracionalidade dos que os perpetraram, mas correspondem a uma relação causa-efeito entre o que os fundamentou e a forma como se expressaram.

No caso do sucedido no país asiático, e muito embora, haja a considerar tudo quanto sucedeu nas décadas mais recentes com o aniquilamento das antigas guerrilhas tâmil, a gota de água a extravasar o copo tem origem na guerra entre a Ucrânia e a Rússia e o consequente aumento dos combustíveis e dos alimentos no mercado internacional. Nesse sentido fazem-se apostas quanto a quem se seguirá, porque outros povos, sobretudo em África e na Ásia, passam pela mesma falta de tudo quanto é básico para a sobrevivência.  Uma vez mais o ocidente verá posta à prova a sua política de sanções e o quanto ela acaba por causar mais males do que benefícios.

No caso do político japonês ninguém esquece o seu papel no abandono da política pacifista imposta depois da Segunda Guerra Mundial e o quanto a consequente militarização se fez acompanhar de políticas de despudorado capitalismo selvagem, que atira para as margens da delinquência ou do mero abandono quantos a ele não se conseguem adaptar.

Nenhuma admiração causa internamente o posicionamento de Luis Montenegro que vem para desfazer tudo das políticas socialistas quanto estiver ao seu alcance, escusando-se a mudanças entendidas como fundamentais para diluir muitas das desigualdades existentes entre as regiões do país. Ademais, se António Costa estiver à sua espera para decidir onde construir o novo aeroporto bem pode esperar sentado, porque o novo/velho líder não se compromete com nada. Com os seus botões o primeiro-ministro sentirá que Pedro Nuno tinha sobejas razões para publicar o despacho, que tanta polémica causou.

Talvez por tudo isto uma das mais veteranas jornalistas do «Público», São José de Almeida, reconhece que Marcelo iniciou esta legislatura com entradas de leão, quando deu posse ao governo, mas os acontecimentos, e sobretudo, quem tem à frente do seu próprio exército para enfrentar os socialistas, refreiam-lhe a má vontade. Daí que se detete uma insólita acalmia no relacionamento entre Belém e São Bento... 

Mir – uma vida no Afeganistão, Phil Grabsky, Shoaib Sharafi e Mir Hussain, 2022

 

Anos atrás Robert Linklater foi incensado pelo «achado» de esperar doze anos para concluir um projeto - Boyhood - que implicava ir rodando as cenas com o jovem protagonista à medida que ele ia crescendo.

Antes de Linklater Phil Grabsky fez o mesmo com Mir Hussein durante vinte anos e, para além do reconhecimento de uns quantos festivais, não consta que o tenham promovido a quase estatuto de génio como sucedeu com o colega texano.

A primeira vez que o realizador britânico deu com o rapaz tinha ele 7 anos e vivia com a família nas grutas de Bamyân já depois dos talibãs terem destruído os Budas com a sua artilharia pesada.

Nos anos seguintes foi acompanhando a evolução do rapaz, primeiro reencontrando-o na terra natal, onde faltava à escola para ajudar a família no pastoreio ou, depois, enquanto mineiro nas jazidas de carvão. Por essa altura já Grabsky montara o material com ele filmado em dois documentários: The Boy who plays on the Budhas of Bamyân (2004) e The Boy Mir (2011).

O regresso ao Afeganistão aconteceu em vésperas da saída da NATO do seu território, justificada pela morte de 3500 dos seus militares e quando Mir, já com 27 anos, associou-se ao realizador enquanto operador de câmara apostado em colher imagens do caos criado pelos atentados suicidas, um dos quais quase o vitimou. Casado com uma rapariga, que se revela bastante lúcida perante as circunstâncias em que vivem, Mir é mais um dos que, na semiclandestinidade de Cabul, procura solução para, na emigração para o ocidente, garantir à família o sossego e a qualidade de vida ali impossibilitada.

Pelo rosto concreto do rapaz e dos familiares fica o retrato eloquente de uma realidade política, que constitui uma nódoa - mais uma!  - no criminoso imperialismo norte-americano. 

sexta-feira, 8 de julho de 2022

Cem dias depois

 

1. Cem dias de governo cumpridos esta sexta-feira e há quem teça considerações sobre a escassez de decisões bombásticas neles ocorridas. Pelo contrário, com os efeitos causados pela guerra na Ucrânia e os decorrentes de uma pandemia ainda anda por aí, todas as notícias convergem para o estado das coisas no SMS, nos hospitais ou nos aeroportos, para além dos incêndios agora a ganharem prioritária relevância nas notícias. Não deixando de manter em banho maria o diferendo entre António Costa e Pedro Nuno Santos.

Como balanço não vejo motivos para pôr em causa a confiança que lhe demonstrei com o meu voto. Porque, olha-se à volta, à esquerda e, sobretudo, à direita, e tudo aquilo é uma galeria de horrores evidenciada nos debates parlamentares, ou na recente rejeição de uma moção de censura, que o era sobretudo entre campos ideológicos afins.

Mas devo reconhecer que me sabe a pouco e quero mais. Espero que, vencidas as contrariedades mais candentes, este elenco governativo consolide o legado e continue a ser absolutamente inamovível quando os portugueses voltarem às urnas e ponderarem nos ganhos e perdas do conseguido com a sua ação.

Quase sete anos depois continuo a confiar na liderança de António Costa. E na que espero que lhe sucederá!

2. Pelo contrário Boris Johnson só não sairá de cena ostensivamente achincalhado, porque é demasiado trampolineiro para disfarçar de supostos sucessos o que é uma acumulação de derrotas pessoais. A principal é nada ter feito para reduzir uma crise económica, que se agudiza progressivamente numa Inglaterra a contas com as consequências do Brexit. Nesse sentido os colegas conservadores até lhe farão um favor ao abreviarem-lhe o confronto da realidade com a sua reconhecida incompetência, porque caberá a outro o palco de uma tragédia com condições para enegrecer a olhos vistos. E não deixa de ser elucidativa a suposta razão porque, demitindo-se, Boris Johnson quer manter-se no cargo mais uns meses: para ter casamento numa das residências oficiais ao seu dispor como primeiro-ministro e viver o inócuo glamour, que a sua tonta cabeça gosta de protagonizar.

terça-feira, 5 de julho de 2022

Notícias de gente com ideias recauchutadas

 

Quem faz básica ideia de quem sou adivinha a atenção, que investi no congresso do PSD. A exemplo do costumado e diligente cinéfilo, que foge dos filmes quando ao sabê-los interpretados por gente de talento abaixo do suportável, também passo ao lado do espetáculo político quando o palco é ocupado por quem substitui a inteligência em falta por serôdia chico-espertice.

Do que, sob a forma de distantes ecos me surgiram - mormente em telejornais como banda sonora de fundo para coisas mais importantes em curso - deu para concluir que António Costa bem pode esperar sentado se quiser depender de Luís Montenegro uma qualquer conversa sobre o novo aeroporto (e lá terá de dar razão a Pedro Nuno Santos quanto à pressa em decidir depressa e bem o que todos andaram a procrastinar nos últimos sessenta anos!) e que o presumível sucessor do novo líder laranja, Carlos Moedas, agiu em conformidade com as mal disfarçadas ambições.

Ora Moedas aparenta pífio mistério, que o não é, usando e abusando da condição de filho de comunista para apimentar a insonsa personalidade. Vai-se a ver o que resulta da sua ação concreta e nada se vislumbra. Por exemplo alguém consegue apontar uma, por pequenina que seja!, decisão enquanto comissário europeu, que tenha ficado como legado da sua passagem por Bruxelas? Ou indo atrás, ao governo de Passos Coelho, onde se deu a conhecer, algo sobra que o faça dissociar-se  daquele atoleiro de péssimas decisões políticas, merecedoras de definitiva condenação ao caixote do lixo da História, mas que Montenegro veio recauchutar como se apresentáveis nesta nova conjuntura?

A melhor demonstração do logro Moedas é o abandono, semana sim, semana sim, das várias promessas eleitorais com que ludibriou a maioria dos lisboetas. Nenhuma delas ganhou concretização e agora seguiu-se a relativa à nova Feira Popular. Ademais baseando-se numa crassa mentira: que nenhuma cidade europeia tem parques de diversão dentro do seu perímetro urbano.

Quantos exemplos quererá Moedas, que lhe apresentemos em como está a mentir com todos os dentes? E quantos lisboetas ainda estarão convencidos da sua boa decisão, quando decidiram afastar uma gestão municipal com sobejas provas dadas de competência para a substituir pela que acumula demonstrações do mais absurdo amadorismo?