sábado, 30 de julho de 2011

ÉTICAS PASSISTAS

O escândalo das nomeações dos novos administradores da Caixa Geral de Depósitos atingiu tais proporções, que nem os mais condescendentes dos articulistas para com o governo conseguem evitar críticas explicitas.
É o exemplo do que escreve Fernando Madrinha na edição de hoje do «Expresso»:
A Caixa Geral de Depósitos, que o primeiro-ministro tanto queria privatizar quando apenas sonhava chegar ao Governo, está mais nacionalizada do que nunca. Dê-se à palavra «nacionalizada» o pior sentido possível: controlada por amigos fiéis dos dois partidos do poder.
É que, até agora, ainda se procurava um equilíbrio entre Governo e Oposição, que justificava a nomeação de um administrador conotado com esta última para presidir ao banco estatal. Faria de Oliveira, por exemplo, foi nomeado por José Sócrates, muito por ter sido ministro de Cavaco Silva.
Agora é o despautério total sem sequer tomar em consideração as práticas anteriores.
Estamos, pois, falados quanto às mudanças éticas, que Passos Coelho se propunha implementar!

sexta-feira, 29 de julho de 2011

NEGAR O NOME AO ASSASSINO

Ontem o jornalista Jorge Almeida Fernandes publicou um texto de opinião interessante sobre os crimes do monstruoso fascista norueguês ao qual se recusa a sequer enunciar o nome. Por isso escolhe uma letra, B., para o designar invocando um apelo do escritor Claudio Magris e um exemplo histórico singular.
A conclusão é pertinente: será justo sabermos o nome do criminoso e desconhecermos o de todas as suas vítimas? Na batalha pela notoriedade macluhaniana será justo facilitarmos o propósito do algoz?
Vale a pena pensar nas questões levantadas neste texto: 
“O que este morticínio de seres humanos mostra é a infinita banalidade e idiotia do mal e da violência, tantas vezes mostrados envoltos em sedução. (…) É uma vergonha, embora inevitável, registar na memória o nome do assassino norueguês e não os das vítimas”, comentou no «Corriere della Sera» o escritor italiano Claudio Magris.
Em Julho de 356 a.C. , um anódino Eróstrato incendiou o Templo de Artemisa em Êfeso, de que se dizia ser uma das sete maravilhas do mundo. Assumiu que o fizera como desesperado meio de alcançar a glória. O sacrilégio foi castigado com a morte. Como póstuma punição, os magistrados proibiram os efésios de jamais citarem o seu nome, que foi também apagado de todos os documentos. Mas um historiador de outra cidade nomeou-o, outros o repetiram e Eróstrato entrou na História.
Ninguém conhece o nome do arquitecto que desenhou o templo de Êfeso. Tal como Eróstrato, B está a ganhar. (…)
Voltando a B e citando Magris: “O seu gesto atroz mostra a contínua latência do mal, a possibilidade de se desencadear a qualquer momento; revela a nossa convivência quotidiana, corpo a corpo, com o mal, sempre emboscado e por vezes assustadoramente em acção”.

OS BOYS DA CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS

É verdade que o actual Governo ainda vive o seu estado de graça, parecendo imune às tropelias, que já vai protagonizando. Mas as máscaras vão caindo rapidamente conduzindo-o ao descrédito que merece a sua ideologia ultracapitalista.
Dizia-se que nunca iria invocar a «pesada herança» e já só ela lhe serve, quando confrontada com as suas incompetências (vide a resposta de Vítor Gaspar a Pedro Silva Pereira, quando este lhe pedia justificação para o corte no subsídio de Natal). Dizia que optaria pela competência em detrimento do cartão partidário e veja-se o que se passa com as nomeações de Nogueira Leite ou de Nuno Thomaz para a Caixa Geral de Depósitos.
Até alguém tão insuspeito como o é o actual director do Jornal de Negócios comenta e editorial:
A nomeação da administração da CGD é muitas vezes o teste do ácido de um governo estreante. Para medir a sua partidarização. Para contar os "boys". Neste caso, isso é até o menos. O mais é a falta de experiência e os conflitos de interesses. (…)
"Albergue espanhol" é uma expressão francesa para lugares confusos, onde se juntam pessoas de culturas diferentes e sem regras. A Caixa começa assim e começa mal. Porque no final disto tudo sobra uma enorme perplexidade: há de tudo neste "onze", de quem sabe muito de política, muito de banca de investimento, muito de mercado monetário, muito de Direito, muito de advocacia de negócios, muito de supervisão, muito de sistemas de pagamentos, muito de governo de sociedades. Na Caixa só não há é ninguém que saiba de uma coisa: de banca tradicional. 

OS RICOS ENQUANTO NOSSOS INIMIGOS DE CLASSE

A actual disputa política entre Barack Obama e os republicanos tem subjacente o boicote, que os ricos norte-americanos estão a encabeçar contra a actual Administração com o objectivo de manterem as isenções de impostos garantidas durante os mandatos de George W, Bush.
O escândalo hoje verificado nos EUA é tal, que há quem afirme serem mais baixos os impostos pagos por Warren Buffet do que a sua secretária.
Chegou-se, assim, a um exagero tal, que um pequeno punhado de ricos usufrui de mordomias obscenas, contrapostas por uma pauperização crescente das classes remediadas.
O fosso entre pobres e ricos tem aumentado de uma forma acelerada, o que coloca os EUA na iminência de grandes turbulências sociais. Estudos universitários já propõem a redinamização sindical, tendo em conta o seu papel potencial como catalisador de insatisfações descontroladas. E os filmes de Michael Moore vão revelando estados de alma, que nada se ajustam à imagem pós-maccartista de uma América rendida ao capital.
Há, no entanto, estratégias de adiamento de uma previsível revolução social, que ainda surtem efeito. Num artigo publicado no Jornal de Negócios, Simon Kuiper demonstra que as notícias maioritariamente divulgadas nos meios de comunicação mundial referem-se aos ricos, transformando-os em modelos impossíveis de imitar, mas com quem os desvalidos criam insólitas empatias. As que no seu inconsciente travam a vontade de neles verem os seus inimigos de classe...

terça-feira, 26 de julho de 2011

SÓ UM CEGO É QUE NÃO QUER VER

São muitos os comentadores, que vêm alertando para os riscos inerentes à acelerada privatização de grandes empresas nacionais dada a incapacidade de quem detém capital em Portugal para se apossar de tais activos e potenciá-los de acordo com os interesses do país. Explica Murteira Nabo no seu artigo de ontem no «Diário Económico». os grupos nacionais, além de pequenos, encontram-se hoje descapitalizados e incapazes de concorrer no desafio que se avizinha de poderem vir a ser controladores das maiores empresas portuguesas.
Irá, pois, ocorrer um inevitável enfraquecimento dos centros de decisão nacional. Com grave prejuízo da nossa economia, porquanto o valor criado tenderá a volatilizar-se para outros espaços económicos: É sabido que uma das primeiras decisões que, nestas circunstâncias, os grandes grupos tomam é o de maximizar as sinergias de grupo, reduzindo ao mínimo o valor acrescentado retido no país onde operam.
Aqui se sugere o quanto a opção ideológica por um capitalismo sem regras, nem protecções, porá em causa a exequibilidade autónoma do nosso país. Condenado a uma espécie de colonização económica, que demorará bastante a libertar.

domingo, 24 de julho de 2011

As preocupações dos deputados da maioria

Estava com curiosidade por saber qual o primeiro diploma legislativo, que os deputados da maioria iriam levar à aprovação no parlamento.
Seria algo de inovador para combater o desemprego? Ou para minorar a pauperização crescente da classe média portuguesa?
Nada disso: um assunto bem mais pertinente mereceu o esforço dos insignes deputados: a promoção e valorização dos bordados de Tibaldinho, uma pequena aldeia da freguesia de Alcafache.
Ficamos descansados quanto à determinação com que os deputados da maioria se preparam para atacar os aspectos mais importantes da vida dos cidadãos.

A ameaça fascista

Na Noruega dois atentados provocaram a morte de quase uma centena de militantes do partido do poder, falhando por pouco o próprio primeiro-ministro.
Na RTP - cada vez mais tendenciosa na (des)informação desde a saída de José Alberto Carvalho - logo se enfatizou a pista islâmica. As razões derivariam da presença de tropas norueguesas em missões da NATO em países muçulmanos e a iminente deportação de um clérigo fundamentalista para o Iraque.
E, no entanto, as características específicas destes atentados pressupunham uma origem bem diferente dos de raiz islâmica: quer por não terem havido conspiradores suicidas, quer por incidirem em alvos bem definidos pertencentes a uma das correntes ideológicas norueguesas.
A rápida detenção de um suspeito veio confirmar essa ilação: é a extrema-direita vestida de fundamentalismo religioso de natureza católica, quem imita os assassinos dos atentados do Oklahoma demonstrando que, embora os opinadores dos jornais e das televisões tenham uma obsessão pelos movimentos islamistas, os perigos podem vir da monstruosidade neofascista, que se acoita em franjas importantes das nossas sociedades ocidentais. Por isso mesmo os governos europeus deveriam olhar com bastante atenção para esses movimentos extremistas, que excitam ódios em mentes psicóticas. E reprimi-los com determinação, vedando-lhes o acesso a meios de disseminação das suas mensagens.
Em Portugal a repressão dessas ideias fascistas está consagrada na constituição. Cabe à esquerda assumir a exigência de uma acção constante e consequente contra os epígonos do assassino de Oslo… porque o sucedido na capital norueguesa poderá replicar-se em breve na Bélgica, na Holanda, na Finlândia ou na Áustria aonde as forças de extrema-direita têm progredido de forma inquietante.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Contestações insuspeitas

Enquanto o governo de Passos Coelho ainda vai usufruindo de boa televisão, com um coro de entusiásticos apoiantes a vibrarem com cada uma das suas (raríssimas) decisões, os jornais já estão a retirar-lhe o estado de graça com que começou.
Um bom exemplo disso mesmo foi o que sucedeu com o jornal «i». Recentemente comprado por Jaime Antunes, viu-se dirigido desde então por António Ribeiro Ferreira, cujas diatribes fascistóides contra José Sócrates chegaram a raiar o insultuoso.
À luz desse passado ainda recente contaríamos vê-lo entre os ululantes defensores do novo Governo. Puro engano!
Basta pegarmos em duas das suas crónicas mais recentes para constatarmos quanto poderão sair da sua pena alguns dos mais violentos ataques jornalísticos contra a nova situação política.
Por exemplo no editorial do dia 15, ele escrevia a propósito do tão incensado Ministro das Finanças:
Vítor Gaspar fez questão de mostrar que afinal este novo imposto não vai ser muito violento para os portugueses. Isto é, o ministro das Finanças deixou a porta aberta para mais impostos em 2012 de modo a conseguir reduzir o défice para os valores acordados com a troika. O que Vítor Gaspar quis dizer afinal é que na sua opinião ainda não foi alcançado o tal limite a partir do qual não será possível pedir mais sacrifícios aos portugueses. (…)
Quando Vítor Gaspar afirma que Portugal vai sair da crise e triunfará no exacto momento em que anuncia mais um imposto violento, que retira metade do subsídio de Natal aos portugueses, só pode estar a brincar. Com as pessoas e, já agora, com o fogo.
Convenhamos que é impossível discordar com o que ele escreveu. Porque, para além das suas olheiras e da sua suposta simpatia, o novo Ministro está determinado a levar por diante a transformação da economia nacional num campo de experiências para as suas idolatradas teorias miltonfriedmanianas, que tão mau resultado deram aonde foram aplicadas.
Já hoje, o mesmo Ribeiro Ferreira dirige a sua aspereza para com o sector financeiro responsável pela crise actual, quase se confundindo nos argumentos com a esquerda mais radical: Os miseráveis que provocaram esta tormenta continuam de pedra e cal à frente de bancos, empresas e instituições e, como não podia deixar de ser, estão cada vez mais ricos e poderosos. Há crimes mas não há responsabilização, não há castigo. (…)
Numa altura em que se pedem auditorias a tudo e mais alguma coisa, seria interessante perceber o que fizeram os sucessivos governos dos camiões de dinheiro recebidos de Bruxelas desde a adesão, em 1986.
Outro colunista do mesmo jornal em quem suspeitávamos de simpatias esquerdistas é Tomás Vasques, que escreve um texto muito crítico em relação ao actual governo: O que nos deve preocupar seriamente é, em primeiro lugar, a visão deste governo ao fazer incidir este imposto extraordinário sobretudo nos rendimentos do trabalho; em segundo lugar, não ter até ao momento conseguido elaborar uma proposta séria de redução das despesas do Estado, reduzindo-se ao folclore que condenava ao anterior governo: a de tirar a gravata para poupar energia entrou já no anedotário político e na piada de café.
O ministro das Finanças não explicou cabalmente, titubeando nas
respostas, a razão pela qual se excluíram deste esforço nacional os lucros das empresas e os rendimentos de capital, quer sobre dividendos, quer sobre juros de depósitos, não dividindo assim o mal pelas aldeias e, consequentemente, sobrecarregando o esforço exigido a quem trabalha. (…)
A conclusão óbvia sobre a decisão deste governo quanto a a incidência deste imposto recair principalmente sobre os rendimentos do trabalho e isentar do esforço nacional os lucros das empresas e os rendimentos de capital, é a subordinação à sua cartilha ideológica, segundo a qual se atribui aos custos do trabalho e à protecção legal de quem trabalha, consagrada no Código do Trabalho, a fonte de todos os males que impedem o crescimento económico. Esta visão, que protege os lucros das empresas e os rendimentos do capital, massacrando os fracos proventos de quem trabalha, conduz-nos, seguramente, a uma desgraça muito maior do que aquela em que estamos. Ir buscar dinheiro, para atingir as metas da consolidação orçamental, a quem ganha 600 ou 700 euros por mês e deixar de fora lucros de empresas e de rendimentos de capital de milhões euros é, no mínimo, um desvio colossal.

O agravamento das desigualdades

 Artigo interessante o de João Cardoso Rosas no «Diário Económico» de 15 de Julho, porque recorda os fundamentos ideológicos do ultraliberalismo económico de que este governo é expoente. Um dos inspiradores dessa doutrina é o norte-americano Robert Nozick, que no seu livro «Anarquia, Estado e Utopia», considera que a justiça distributiva é uma forma de roubo, na medida em que equivale a obrigar alguns - os mais favorecidos - a trabalhar para os outros - os mais desfavorecidos, ou a sociedade no seu conjunto.
Simplificando, esses gurus defendem a existência das desigualdades sociais enquanto forma de retribuição do mérito, sendo uns mais inteligentes ou «espertos» e por isso mais capazes de ficarem com a maior parte do quinhão produzido pela comunidade em que se inserem.
É esse tipo de ideologia, que tem agravado de sobremaneira as desigualdades sociais e económicas nas nossas sociedades. E prevê o colunista: A diminuição generalizada da TSU e a sua compensação com o aumento do IVA consistirá, caso seja aplicada, numa distribuição do dinheiro das famílias, incluindo as mais pobres, para os empresários, muitos dos quais aproveitarão para aumentar os lucros imediatos e não para serem mais competitivos no futuro.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

No dia em que o bode expiatório já estava longe!

Agora que José Sócrates já não serve de bode expiatório para todos quantos ansiavam por políticas de direita e não sabiam como as aplicar, o despertar para a cruel realidade dos factos não deverá estar a revelar-se fácil. Porque se a troika até foi simpática para com os seus propósitos: privatizações baratinhas de negócios capazes de gerarem grandes lucros para os seus novos proprietários e uma legislação laboral facilitadora dos despedimentos - quem verdadeiramente está a comandar os cordelinhos da mais maquiavélica estratégia de acumulação de capital mostra-se completamente indiferente aos interesses dos seus verdes pupilos.
As agências de rating, que servem de batedores das investidas dos oráculos dos Omahas, estão-se completamente nas tintas para o sucesso ou o fracasso do capitalismo liberal neste ou naquele país. Possam assegurar aos seus oligopólios o cumprimento da lógica gananciosa dos seus verdadeiros patrões e tudo o resto é paisagem. Como reconhece Fernando Sobral na sua crónica de hoje no «Jornal de Negócios»: A Moody's não é uma borboleta: é um animal predador. Só ataca com golpes baixos. O primeiro-ministro sentiu mais o soco porque julgou que a Moody's tinha simpatias ideológicas com o seu Governo. Enganou-se: a Moody's só é liberal quando quer e interessa aos seus accionistas. 
No «Diário Económico», Francisco Murteira Nabo voltava a repetir o que está a ser reconhecido por cada vez maior número de sumidades: a questão de fundo está na Europa, e que por mais medidas que se tomem, quer em Portugal, quer noutro qualquer país, enquanto a Europa não evoluir de forma decidida para uma maior união económica "de facto" e não apenas "de jure", criando instrumentos de intervenção europeus de natureza estrutural numa cultura europeia de solidariedade, será difícil conseguir estabilidade nos mercados.
Infelizmente a Europa conta hoje com lideranças medíocres de políticos da estirpe de um Durão Barroso, quando necessitaria de gente visionária capaz de convencer os mais retorcidos nacionalistas nórdicos em como, até para eles, as vantagens de pertencer a uma vasta federação de nações são maiores do que se orgulharem dos serôdios valores dos seus limitados espaços geográficos...

domingo, 10 de julho de 2011

Conversões aceleradas

No blogue Arrastão Daniel Oliveira e Sérgio Lavos abordam a surpresa dos que pregam um proselitismo liberal ao verem o governo de que são entusiásticos apoiantes levar murros no estômago de quem lhes deveria aplanar o percurso.
Daniel Oliveira lembra o fatalismo dos que consideram ser incontornável a cedência aos conceitos mais absurdos do capitalismo selvagem: Os nossos aspirantes a liberais passaram os últimos anos a desenvolver uma teoria complexa de uma enorme profundidade ideológica: as coisas são como são. E pronto, é isto. Os mercados são como são. E sendo como são, só lhes devemos estar agradecidos por serem assim mesmo. São eles que nos emprestam dinheiro. E, como explicou o nosso Presidente, que é, ele próprio, como é, não devemos aborrecer os mercados.
E Sérgio Lavos fala de uma súbita conversão desses mesmos prosélitos:  Um dos fenómenos extraordinários que o corte no rating de Portugal pela Moody's produziu foi a conversão em massa dos antigos adoradores do mercado e do seu funcionamento: afinal, a culpa não é dos anos de despesismo promovidos por Sócrates; os mauzões das agências de notação estão a dar cabo disto, movidos por obscuros interesses que visam proteger o dólar.

Krugman e a lógica liberal

Um dos principais comentadores da realidade actual é o Nobel da Economia Paul Krugman com os seus artigos de opinião no The New York Times.
Crítico fundamentado do liberalismo económico, ele constata que com uma rapidez assombrosa, as lições retiradas da crise financeira de 2008 - que a regulação é má por natureza, que o que é bom para os banqueiros é bom para a América, que as reduções de impostos são uma panaceia universal - foram esquecidas e as próprias ideias que nos conduziram a ela recuperaram a sua influência.
Agora impera a ideia de que tudo o que aumente os lucros das grandes empresas é bom para a economia. Mas os números são eloquentes: ao longo dos últimos dois anos os lucros aumentaram mas o desemprego manteve-se desastrosamente alto. Que razão temos nós para estar convencidos de que dar ainda mais dinheiro às grandes empresas, sem exigir quaisquer compromissos em troca, conduz inexoravelmente à criação de emprego? 
Mais: como é possível defender ao mesmo tempo cortes selvagens nos programas públicos de assistência médica Medicare e Medicaid e privilégios fiscais para os gestores de hedge funds e os donos de jactos corporativos?
A receita adequada para esta conjuntura está longe de ser a seguida pelos políticos do Congresso e do Senado: o que faz falta à economia norte-americana é criação directa de emprego pela administração e medidas de alívio aos que estão em incumprimento com hipotecas. O que não faz falta é transferir milhares de milhões de dólares para empresas que não têm a menor intenção de contratar quem quer que seja além de lobistas.
Embora o mundo pareça parado na sua lógica capitalista, existe uma vaga de fundo na opinião pública, que exige mudança significativa nas políticas dos governos a respeito da desregulamentação da actividade financeira e económica...

O sempre omnipresente mito sebastianista

Há muito se sabe a tendência lusitana para seguir estímulos sebastianistas. Andamos sempre tão insatisfeitos com a nossa desdita, que acreditamos na possibilidade de virmos a encontrar soluções através de redentores vindos de fora, depois de longas ausências.
Foi um efeito desse tipo, que Passos Coelho ensaiou no actual Governo com o convite endereçado a Álvaro Santos Pereira para liderar o ministério da Economia.
Desconheço se José Sócrates teve isso mesmo em consideração, quando decidiu avançar para uma travessia no deserto, optando supostamente por se dedicar a estudos de filosofia, mas pode-se conjecturar no que resultará dessa súbita ausência do nosso espaço mediático: á medida que o executivo da direita for deparando com o seu banho de realidade, desfazendo as suas promessas e ilusões, mais se vai fazer sentir o peso dessa ausência. Convertendo-a em desejo de regresso.
É por isso mesmo que a redenção de José Sócrates será um facto daqui a não muito tempo. E o seu discurso de despedida, tão elogiado pelos indefectíveis e tão causticado pelos detractores, ganhará a dimensão de documento histórico eivado de receitas para o que se seguirá a este liberalismo errático.
O Partido Socialista já tem candidato de peso para suceder ao consulado de Cavaco Silva!

O DISCURSO DE DESPEDIDA DE JOSÉ SÓCRATES: UM DOCUMENTO PARA A HISTÓRIA

Nesta noite quero começar por saudar os portugueses. Todos os portugueses. Todos os portugueses onde quer que se encontrem e seja qual for a preferência política que manifestaram no dia de hoje. É em dia de eleições que as democracias e as nações se afirmam.
Pois neste dia – neste dia em que o povo democraticamente falou e fez a sua escolha – é isto que sinto e é isto que quero dizer aos portugueses: hoje, como sempre, acredito profundamente em Portugal e no seu futuro. Portugal é fruto da vontade dos portugueses. Portugal é uma nação antiga, forte e capaz, que nunca se vergou nem ao pessimismo, nem à descrença. Os portugueses sempre souberam ser senhores do seu próprio destino olhando para a frente com confiança e com ambição. É dessa confiança e ambição que precisamos, neste momento. É esse Portugal que quero saudar.
A democracia cumpriu-se hoje, mais uma vez. O povo foi às urnas, o povo falou, o povo fez as suas escolhas políticas para a próxima legislatura. Quero por isso saudar, com respeito democrático, quem ganhou estas eleições: o PSD. (…)
Sempre o disse, e às vezes fui uma voz isolada a dizê-lo: os tempos que temos pela frente exigem sentido das responsabilidades e espírito de compromisso. Nunca precisámos tanto de diálogo, de entendimento e de concertação como agora. E isso não muda com o  resultado  das eleições. Reafirmo, assim, diante do país, a disponibilidade do Partido Socialista para o diálogo e para os entendimentos que, em coerência com o seu  projecto, sejam necessários para que o país possa superar esta crise que atravessamos. Os votos do Partido Socialista estarão sempre ao serviço de Portugal.
Agora como sempre, o Partido Socialista será fiel aos seus valores, aos seus compromissos e ao seu programa. E provará que também na oposição é possível fazer muito para defender Portugal e construir o futuro.
O Partido Socialista, todos o sabem, disputou estas eleições em circunstâncias nacionais e internacionais extraordinariamente difíceis.
Os resultados são o que são: o Partido Socialista perdeu estas eleições. Mas é preciso que se diga: nas actuais circunstâncias, o PS teve um resultado que dignifica o Partido Socialista e o seu papel na história da democracia em Portugal.
Mas não me escondo atrás das circunstâncias. Esta derrota eleitoral é minha e assumo-a por inteiro esta noite.
Entendo, por isso, que é chegado o momento de abrir um novo ciclo político na liderança no Partido Socialista. Um novo ciclo político que seja capaz de cumprir aquele que é, a partir de hoje, o dever primeiro do Partido Socialista: preparar uma alternativa consistente, credível e mobilizadora para voltar a governar Portugal.(…)
Pela minha parte, encerro hoje mais uma etapa de um longo percurso de 23 anos de exercício das mais diversas funções políticas. Estou profundamente grato aos portugueses por me terem dado a oportunidade e a honra de servir o meu país e os meus compatriotas. Regresso, com orgulho, à honrosa condição de militante de base do Partido Socialista.
Quero dar espaço ao Partido Socialista para discutir livremente o seu futuro e afirmar uma nova liderança, sem qualquer condicionamento. Deixo, pois, a primeira linha da actividade política e não pretendo ocupar qualquer outro cargo político nos tempos mais próximos.
Mas serei, como sempre, cidadão. Cidadão nesta democracia, cidadão de corpo inteiro nesta República centenária. E na nossa República democrática, quem assume plenamente a condição de cidadão estará sempre na vida política.
Todas as lideranças políticas cometem erros e eu terei, certamente, cometido alguns. Mas nunca cometi o erro de não agir e de não decidir. E não cometi o erro de fugir e de virar a cara às dificuldades, isso não.
Ocorrem-me, naturalmente, algumas coisas que porventura poderia ter feito melhor, aqui ou ali. Pelos resultados outros falarão a seu tempo. E o tempo é sempre o melhor juiz da obra realizada. Mas o que vos digo é que não me ocorre nada que os socialistas ou o Partido Socialista pudessem ter feito mais e melhor do que aquilo que fizeram ao meu lado, ao serviço de Portugal!
Ao longo destes seis anos, o Partido Socialista deu tudo o que tinha, honrando a sua identidade e o melhor da sua História. Soube ser, em todas as ocasiões, um Partido solidário, um partido forte, um partido de muita coragem.
Coube ao Partido Socialista enfrentar na governação tempos tão difíceis que um dia terão de ser estudados nos livros de História, tal como hoje se estudam outras grandes crises do passado. E fizemos o que tinha de ser feito, sem virar a cara. Tomámos medidas difíceis a pensar no futuro do País e aceitando correr os riscos partidários da impopularidade.
O contexto da crise económico-financeira, porventura, não permite a inteira visibilidade do muito que o país progrediu nestes últimos seis anos. Mas quero dizer ao Partido Socialista e a todos os que me apoiaram nesta campanha eleitoral que podemos ter perdido hoje estas eleições, mas não temos de recear o julgamento da História!
Fizemos juntos um longo caminho. Esta campanha permanecerá como um momento inesquecível da minha vida. Não sei o que mais poderíamos ter feito para ganhar estas eleições. Esse juízo deixo-o para outros. Cada minuto passado a pensar nisso é um minuto perdido para o futuro. O que sei é que o PS fez, nestas eleições uma grande campanha. Uma campanha muito forte, com muito entusiasmo e com muita mobilização. O Partido Socialista travou, por todo o país, um grande combate pelas suas ideias e pelo seu projecto político. (…)
Termino este mandato com o sentimento de serenidade interior, de quem enfrentou tempos difíceis dando o seu melhor, até ao limite das suas forças, ao serviço do seu país.
Não perderei um momento que seja a lamentar o que podia ter sido e não foi; ou o que podia ter feito e não fiz. Recordarei, isso sim, o que pude fazer convosco ao serviço de Portugal.
E também não levo nem ressentimentos nem amarguras. Não são essas as companhias que quero para os dias felizes que tenho pela frente.
Esta noite – especialmente esta noite – o meu coração está preenchido. Não há nele outro sentimento que não seja amor ao meu país, amor aos meus compatriotas. E gratidão. Uma profunda gratidão por os portugueses me terem dado a extraordinária oportunidade e a suprema honra de, como primeiro-ministro, poder servir o meu país – que é Portugal. 

estórias de cama e a adiada História europeia

Para quem acredita na necessidade europeia de voltar a contar com políticos visionários, capazes de redireccionarem o projecto comunitário para o seu destino federalista, o que sucedeu com Dominique Strauss-Kahn foi um recuo dramático.
Porque a estratégia calculista da empregada do hotel Sofitel, fosse ou não estimulada por algum amigo de Sarkozy, acabou por arredar da presidência francesa quem poderia conferir ao Eliseu o brilhantismo ali perdido desde a saída de François Mitterrand.
Infelizmente não se vislumbra nem em Aubry, nem em Hollande, nem em Valls, nem em Royal, as capacidades óbvias de Kahn.
Fica, assim, adiada a possibilidade do próprio socialismo europeu encontrar uma via alternativa ao decrépito liberalismo e ao mumificado comunismo, implementando políticas ao mesmo tempo respeitadoras do empreendedorismo de alguns e dos direitos sociais da maioria a começar pelos do emprego, da saúde e da educação.
Mas o sucedido com Strauss-Kahn também demonstrou a existência do efeito onda suscitado pela abordagem mediática dos acontecimentos.
Desde o início que se suspeitou do carácter conspirativo do caso - afinal o antigo director-geral do FMI até mudara a estratégia habitual da instituição no sentido de um friedmanismo puro e duro e prometia protagonizar uma viragem política a nível europeu! - mas a imprensa foi lesta a acompanhar a Procuradoria nova-iorquina na sua caracterização enquanto culpado.
A empregada de hotel foi mostrada como uma vítima (pobre, viúva, mãe solteira, etc.) em contraponto com a caracterização do seu suposto agressor como sendo rico, poderoso e depravado.
Estava criado o cadinho em que se pretendia incinerar uma brilhante carreira política. Sem cuidar do mais básico dos direitos democráticos: a presunção de inocência.
Essa onda sociológica, que inculpa apressadamente sem estarem reunidos todos os dados informativos necessários para um correcto juízo do caso, lembra os piores momentos da Inquisição espanhola ou do maccartismo: um diz mata e logo o corro colectivo se ergue a propor em uníssono o esfola!
Há alguns anos um caso muito semelhante ao da Casa Pia, ocorrido em Outreau (França) conduziu ao suicídio de um dos suspeitos, que não resistiu a uma sucessão de incriminações para as quais não conseguia arranjar defesa capaz de o ilibar. E, no entanto, comprovou-se depois estar completamente inocente. Mas a sociedade local não estava defendida das mentiras de uma mitómana e foi, assim, cúmplice de um autêntico homicídio social.
Strauss-Kahn poderá estar a viver algo de semelhante, tornando-se no conveniente bode expiatório de quem aproveita o efeito de catarse de diferentes sectores sociais para impedir uma mudança efectiva nos rumos europeus.

domingo, 3 de julho de 2011

FRANZ SCHUBERT (trio no.2 op 100) - Renaud Capucon

Últimos dias de um estado de graça...

Para quem ouve os discursos de Cavaco Silva e os compara com os que fazia quando era José Sócrates o primeiro-ministro, a diferença não pode ser mais abissal: este é um presidente, que não consegue mascarar a sua condição de eleito de um quarto dos portugueses, nada dizendo aos que votaram contra ele ou nem sequer se dignaram a ir às assembleias de voto no dia das últimas presidenciais.
Ao colar-se tão ostensivamente ao Governo da direita, Cavaco arrisca-se a ficar conotado com o seu anunciado fracasso! Falhando assim o papel de árbitro face às intensas lutas sociais, que aí não tardarão a surgir. Porque nem é preciso a esquerda manifestar a sua opinião crítica a respeito das políticas a implementar: são os próprios patrões a colocarem-se na trincheira contrária, como é o caso do presidente da Confederação de Comércio, que confidenciou ao «Diário de Notícias»: Por mais que se incentive as exportações, se não olharmos para o mercado interno e não conseguirmos resolver o problema do desemprego, estamos a matar o doente com a cura.
É por isso que o estado de graça ainda vivido pelo executivo nestas duas últimas semanas terá em breve um epílogo turbulento.
O corte de metade do subsídio de Natal para a maioria das famílias irá pressupor uma tal quebra de consumo, que o comércio se irá ressentir de uma forma previsível: com mais falências de empresas e a condenação ao desemprego de muitos dos que aí ainda laboram.
Nesse sentido, constata João Marcelino num texto publicado no mesmo jornal, que mais uma vez se prova que governar é sempre mais difícil do que fazer oposição. (…) A ‘contribuição especial’ é o primeiro choque do novo chefe do governo com o mundo real das decisões.
Não seria negativo que Passos Coelho tomasse decisões desde que elas fossem acertadas, mas o problema reside, como o afirma Maria de Belém, no  caminho escolhido assente numa opção ideológica segundo a qual o Estado é o problema e o mercado a solução.
Conhecendo há tanto tempo a falta de carácter empreendedor pelos portugueses mais endinheirados, bem pode Passos Coelho esperar, que eles se deixem motivar pelos investimentos em produtos transaccionáveis: haja bancos a remunerarem-lhes lautamente os rendimentos depositados, para nem sequer ponderarem na colaboração do esforço de redenção financeira nacional! Até porque os sacrifícios agora pedidos dirigem-se exclusivamente aos que trabalham ou são reformados. Reconhece a capa do «Público»: novo imposto de Passos deixa escapar 80 milhões de lucros da bolsa e de juros. (…) Rendimentos de capitais podem não entrar no IRS.
Como é costume, quando a direita toma as rédeas do poder, cresce a injustiça na distribuição de rendimentos com os ricos a ficarem cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Para já não falar dos estratos intermédios, cada vez mais a juntarem-se aos da metade inferior da escala social…
Só é triste constatar como muitos dos que mais sofrerão com as políticas deste Governo, lhes deram apoio nas eleições, enganados por discursos eleitoralistas sem qualquer coincidência com a realidade ulterior.
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Sabe-se que a Madeira está falida e muitas das suas empresas - habituadas a parasitarem o orçamento da região! - preparam-se para fechar as portas, atirando para o desemprego muitas centenas de pessoas.
É por sentir que a situação atingiu uma tal dimensão, que nem o governo do seu partido no Continente lhe poderá valer, que Alberto João Jardim voltou a ameaçar com o fantasma independentista.
É claro que essa possibilidade não se verificará nos próximos anos, mas eu sou daqueles que, em eventual referendo, votaria na independência coerciva daquela região. É que o Estado português pouparia dinheiro e nós seríamos poupados ao degradante espectáculo de um líder com feitio de bobo da corte, mas com argúcia de vendedor de mistificações...