sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Política com maiúscula contra as alterações climáticas


Hoje decorreram manifestações à escala europeia contra as alterações climáticas, exigindo dos governos, que tomem medidas consequentes e a curto prazo. O que o atual Executivo de António Costa se propõe fazer, embora os jovens entrevistados pelas televisões o pareçam ignorar. Isso mostra quão importante será o trabalho político do Partido Socialista para evitar o aproveitamento oportunista do PAN cujo ideário, assumidamente nem de esquerda, nem de direita, peca logo nos fundamentos para que quaisquer das suas soluções tenham grande utilidade.
Estamos a constatar o desnorte, que vai nesses jovens muito justamente preocupados com a possibilidade de não terem planeta habitável onde possam construir os seus futuros. Mas será dramático se aceitarem converter-se em presas fáceis de quem os quer tomar como idiotas úteis ao serviço das suas equívocas agendas ideológicas. Sobretudo porque os tornará mais indefesos contra as extremas-direitas emergentes, que sonham ganhar ascendente através do caos propiciado pelas suas ações propagandísticas no meio dos expectáveis cataclismos naturais.
Vandana Shiva diz que “nós, como seres humanos, somos os que estamos a ser divididos” e “trata-se de encararmos a nossa humanidade com a sua diversidade.” Em tempos idos a Revolução bolchevique proclamava a urgência da unidade entre os proletários de todos os países. Hoje os proletários já não são só os que vendem a força de trabalho nas fábricas ou nas minas, porque a exploração do tal 1% que quer comandar os destinos dos demais 99%, reside nos fundos financeiros e nalguns oligarcas - de entre os quais a cientista indiana privilegia Bill Gates como um dos mais cínicos! - e é essa ínfima minoria a merecer a unidade na ação contestatária do resto da Humanidade. Pondo em causa o sistema capitalista, que é aquilo de que os PAN’s nem sequer querem ouvir falar.
Um futuro aceitável ainda está ao nosso alcance. Rui Tavares esteve há pouco tempo numa conferência em Austin, no Texas, organizada por James Galbraith em que se demonstraram três constatações:
·   há capacidade técnica para descarbonizar 70% da economia e muito do resto pode vir com o tempo e as inovações que possam surgir entretanto;
· salvar o planeta não é significativamente mais caro do que foi para os EUA invadir o Iraque ou para a União Europeia injetar dinheiro no sistema financeiro;
· se pegássemos em meia dúzia dos homens mais ricos do mundo e os obrigássemos a salvar o planeta, ainda sobraria cerca de 25 mil milhões de euros a cada um;
Estamos a falar de Política com maiúscula, quando se trata de infletir o rumo distópico do nosso planeta. E isso exige uma urgente estratégia de organização e comunicação das forças políticas de esquerda, as únicas a poderem fazer com que as formigas que somos, mudemos de carreiro...

Onde hoje não me vão encontrar!


No dia de hoje, quem por mim procurar, de certeza que no consumo não me irá encontrar.
Quer isto dizer que bem podem os comerciantes acenar com descontos miraculosos e pagamentos a um, dois, três, até mesmo a quatro anos, que bem falam, mas não me embalam.
Não é apenas por levar muito a sério as palavras do ministro Matos Fernandes, que tanto irritaram os nossos comerciantes. O «expoente máximo do capitalismo», que denunciou, foi também ontem o eixo das afirmações da sua homóloga francesa sem que suscitasse a polémica aqui verificada. Pelo contrário, os comerciantes gauleses enfrentam uma grande concertação dos deputados, que pretendem proibir liminarmente o «Black Friday» por constituir «um modelo de consumo antiecológico».
Por muito que os ultraliberais do tipo Cotrim Figueiredo se indignem por criar-se uma cultura de privação da liberdade a quem queira comprar por cem, o que cem custava, mas onde atempadamente se mudaram as etiquetas para iludir só por duzentos anteriormente se adquirir, mandam as circunstâncias contrariar esses paladinos do mais radical capitalismo selvagem e até acantoná-los onde a sua virulência perca a capacidade de contaminar.
Hoje não é só a ONU ou a nova Comissão Europeia a fazer da emergência climática a prioridade quanto às políticas a aplicar. Se, entre nós, os campos secam, as albufeiras esvaziam e os incêndios de verão e de outono ganham dimensão incontrolável, é por se ter deixado o capitalismo alcançar uma capacidade de causar dano, que deveria ter sido travada muitos anos atrás.  Só que, lamentavelmente, os que propunham um modelo económico alternativo também não se livravam da perspetiva de garantirem melhores padrões de vida e menores desigualdades à conta de exponenciais crescimentos económicos. E por isso secaram o mar de Aral prejudicando quem afirmavam querer ajudar...
Que a Terra não suporta mais essa lógica apocalítica, vão-no demonstrando o degelo dos glaciares, a redução do pack ice no Ártico, a ampliação dos desertos ou incêndios como os de Los Angeles ou da Austrália.
Temos de consumir menos e melhor. Há que acabar com a criminosa programação da obsolescência dos eletrodomésticos para obrigar à sua frequente substituição. O plástico deve ser erradicado das nossas cozinhas e das prateleiras dos hipermercados.
Em suma urge substituir esta nossa civilização do desperdício por uma outra, de utilização racional dos recursos tanto quanto possível renováveis ou recicláveis. O que significa conciliar o tal modelo alternativo por ser o único assente no planeamento das existências e da sua justa distribuição, com a consciência ecológica de se reduzirem as pegadas de tudo quanto possamos consumir.

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Marcelo e a pobreza: o abismo entre as palavras e os atos!


Marcelo Rebelo de Sousa voltou ontem a demonstrar quem motiva o interesse em continuar como presidente da República para além do atual mandato. Ao sugerir que aceitou o aumento proposto pelo governo para o salário mínimo em 2020, mas poderá não o fazer em 2021 por ser altura de defender os empresários, dá um sinal claro quanto aos objetivos do segundo mandato se acaso conseguir para ele ser eleito.
O discurso em que anunciou esse incómodo com a prioridade dada aos que menos ganham aconteceu coincidentemente no dia em que o Instituto Nacional de Estatística publicou o relatório alusivo às condições de vida e rendimento relativo a 2018, que deveria ser bem mais risonho do que o é numa altura em que a economia cresceu e as taxas de desemprego desceram para níveis da ordem dos 7%. E, no entanto, apesar de tudo quanto a anterior maioria governamental aprovou em prol dos mais desfavorecidos a taxa de pobreza do conjunto da população só diminuiu 0,1%. E, pior ainda, agravou-se para os empregados, os desempregados e as famílias monoparentais demonstrando que os nossos salários continuam indecorosamente baixos.
Perante dados quantitativos, que se revelam tão elucidativos, soa pior a perspetiva de Marcelo ao considerar já muito ter sido feito em prol dos mais pobres, sendo altura de privilegiar os empresários e os investidores.
Em Belém pode-se argumentar que o rendimento nacional mediano cresceu 7,2% em termos nominais e 6,2% em termos reais ou que o coeficiente de Gini (indicador da desigualdade de rendimentos) baixou de 32,1% para 31,9%, mas quem poderá argumentar contra o facto de ser falaciosa a definição de pobreza, quando dela exclui quem possui rendimentos acima de 501 euros mensais? Será que alguém consegue viver dignamente com tão irrisória quantia?
A pobreza continua a ser uma realidade indisfarçável em parte significativa da população portuguesa, sobretudo naqueles desempregados que, entre os 297 mil atualmente registados no IEFP, dificilmente encontrarão quem os empregue dadas as competências e capacidades de que estão carenciados. E torna-se ridícula a contínua pressão de Marcelo para que o governo acabe com os sem-abrigo quando, por outro lado, quer restringir a solução inerente à valorização significativa dos salários e outras prestações sociais. Será que ele passou a acreditar nos méritos de uma qualquer varinha mágica? Sabemos que não! Marcelo continua apostado em sabotar na medida das suas competências, e amiúde extravasando-as, as estratégias do governo.

terça-feira, 26 de novembro de 2019

A Língua como afirmação cultural, económica e diplomática


Ainda sou do tempo em que, aluno do liceu, tinha cinco anos de francês e apenas três de inglês. Na época muito mais facilmente acedíamos a livros e revistas oriundas do Hexágono do que das terras da sua majestade. Mas a decadência da língua francesa depressa se concretizou, em paralelo com a perda de influência dos seus governos nas políticas globais. E, hoje, quando falo com amigos que andam pelos quarentas, quase nenhum tem-na como ferramenta de comunicação.
A constatação ainda melhor se expressa no «Todas as Palavras» da RTP2, quando Ana Daniela Soares entrevista escritores francófonos e obriga-os a expressarem-se dificultosamente em mau inglês para nos darem a conhecer os seus livros, decerto melhor caracterizados no que versam se pudessem descrevê-los na sua língua natal (ai a falta que o Luís Caetano faz naquele programa!).
Melhor destino almejamos para a língua que é a nossa!
Vem isto a propósito da importância que o português deve assumir no contexto da política internacional. Por muito que os fanáticos do antigo Acordo Ortográfico intentem fazer regressar o tempo atrás, prevalece a visão de quem quis fazer da versão de 1990 uma estratégia de normalização da língua, que inclua todo o mundo lusófono e possibilite a afirmação da que é hoje a oficial para 260 milhões de pessoas, constitui a mais falada no hemisfério sul e alcançará um universo de 500 milhões a nela se expressarem no final do século.
A língua não vale apenas por si mesma. Tem potencial cultural, mas também económico e diplomático. E por isso não poupemos elogios a António Sampaio da Nóvoa que, enquanto embaixador na UNESCO, conseguiu que essa organização das Nações Unidas ratificasse 5 de maio como Dia Mundial da Língua Portuguesa.
Para os saudosistas do antigo acordo o dia de ontem foi particularmente sombrio para as aspirações de fazerem o tempo recuar. Porque a sua visão diminutiva da língua fá-los parceiros de trincheira com Jair Bolsonaro que alimenta por essa versão ultrapassada o mesmo ódio de estimação. Que usufruam de tão problemática companhia enquanto podem...

domingo, 24 de novembro de 2019

Os ovos em que se acoitam as venenosas serpentes


Os programas sobre História incitam-nos a conjeturar  possibilidades alternativas, que teriam poupado muitas vidas e sofrimento se algumas ameaças, depois concretizadas, tivessem sido atempadamente contrariadas por quem teria capacidade para o fazer. Imagine-se o que teria acontecido se a Inglaterra já tivesse Churchill como primeiro-ministro em vez do medíocre Chamberlain. E que a Frente Popular espanhola tivesse merecido o apoio das democracias, quando liderou a primeira frente de batalha contra os mercenários alemães, italianos e ... portugueses. Daí a importância que a disciplina deve assumir no ensino público como forma de instruir os jovens nos erros passados que deverão evitar no futuro.
Vem isto a propósito da notória infiltração da extrema-direita nos corpos policiais como ficou detetada na manifestação desta semana e inequivocamente ateada pelo execrável comentador da SIC no domingo anterior. «Opiniões» como as que então proferiu, secundadas pelas de muita gente, que sobrevaloriza as reivindicações em causa como se elas não se enquadrassem no contexto geral de insatisfação de tantas classes profissionais, legitimamente ansiosas por condições de vida mais bonançosas, tenderam a banalizar a dinâmica lançada por um movimento clandestino que, no discurso e nos símbolos, não engana ninguém quanto ao que o mobiliza.
Acaso não sejam tomadas medidas expeditas para identificar e neutralizar os principais instigadores do inaceitável comportamento de agentes que insultam verbalmente os políticos, ou lhes viram costas enquanto discursam, e celebram no seu seio o fascista que conseguiram fazer eleger para a Assembleia da República, poderemos vir a lamentar a prazo que a venenosa serpente não tenha sido esmagada no ovo enquanto nele ainda estava a chocar. E olhando para outra horda de bárbaros em que essa mesma extrema-direita se acoita - a das claques do futebol! - poderemos vir a lamentar que Pinto da Costa, Luís Filipe Vieira e outros presidentes dos principais clubes não ajam a exemplo de Frederico Varandas, que tomou a decisão mais sensata perante as circunstâncias constatadas pela Justiça ao levar a julgamento os energúmenos envolvidos no assalto á Academia de Alcochete. É que, além de antros fascistas, as sedes das claques também tendem a constituir-se como espaços organizativos das mais nefandas formas de criminalidade.
Eu que até nada tenho a ver com o Sporting, passei a admirar a coragem do seu presidente...
(A imagem refere-se a hooligans búlgaros, mas ninguém se iluda com ter a ver com realidade de outras paragens: os nazis existem e estão entre nós!)

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

A extrema-direita a dar inquietante sinal de vida


Por singular paradoxo a despedida a José Mário Branco coincidiu na data com a da realização da primeira grande manifestação da extrema-direita em Portugal. E não há margem para colocar paninhos quentes para algo que incluiu insultos e pedidos de demissão do primeiro-ministro, quando os energúmenos passaram em frente à sede do PS no Largo do Rato ou, depois, ao virarem costas ao edifício do Parlamento quando entoaram o hino nacional. Ainda menos dúvidas sobram quando permitiram, e até facilitaram, que o deputado da extremíssima-direita tomasse a palavra e aproveitasse a ocasião para um breve comício. Ou sobretudo quando, como se vê na fotografia, usaram e abusaram do gesto habitualmente utilizado pelos suprematistas brancos norte-americanos e pelos neonazis europeus nos seus desfiles e celebrações.
Compreende-se mal que as instituições estejam a ser tão complacentes com quem viola ostensivamente a Constituição, assumindo o ideário explicitamente por ela proibido, e estando, ao mesmo tempo em funções policiais onde devem respeitar os órgãos de soberania, mostrarem-se neutrais em relação a todos os cidadãos e insuspeitadamente apartidários. Nesse sentido existem motivos de sobra para identificar e sujeitar a processos disciplinares com justa causa para despedimento os que se têm revelado avessos a essa conduta obrigatória.
Igualmente se estranha a passividade do Ministério Público - sempre tão apressado a iniciar inquéritos baseados em quaisquer denúncias anónimas sobre políticos de esquerda! - e que tem nas revelações dos dois fundadores do Chega mais do que motivos para apurar a fraude por ele cometida na recolha de assinaturas para se formalizar enquanto partido ou no relatório das contas da mais recente campanha eleitoral em que declarou despesas irrisórias sem se dar prova de quem pagou os vistosos cartazes espalhados por todo o país.
Quer isto dizer que não existe motivo de descontentamento para os polícias se manifestarem? Claro que existem, como sucede com quase todas as classes socioprofissionais do país. Mas não só soa a ridículo que haja grande perigo na profissão - o Relatório Anual da Segurança Interna demonstra terem apenas ficado seis agentes feridos num total de 45 mil efetivos (provavelmente nos pedreiros da construção civil os riscos de acidente de trabalho são bem maiores!) - como tardará a recuperar-se a sua imagem, quando se sabe existirem 19 sindicatos para 20 mil agentes da PSP, o que retirou da rua, e durante anos a fio, muitos «delegados sindicais» de associações que chegavam a ter quase tantos dirigentes quanto associados.
Diz o provérbio popular que quem não quer ser lobo não lhe veste a pele. Ora o que ontem aconteceu mostra uma realidade que se não for rapidamente atacada, e sem contemplações para com os prevaricadores, pode transformar as polícias naquilo que não queremos que elas sejam: exércitos armados e pagos para reprimirem aqueles que deveriam defender...