Meio século atrás o fim do ano escolar coincidia normalmente com a Volta à França, que costumava acompanhar com o mesmo interesse então dedicado às missões das naves «Apollo». Nalguns desses anos havia a expetativa de ver Joaquim Agostinho a chegar a Paris de amarelo vestido. Mas esse era o tempo do belga Eddy Merckx, que não dava hipóteses à concorrência: quando ligava o turbo ia por ali fora numa aceleração, que ninguém conseguia acompanhar.
Antes dele imperara Jacques Anquetil que era do género cerebral: não tinha capacidades muito acima dos concorrentes, mas superiorizava-se graças às capacidades estratégicas traduzidas em amealhar uns segundos nos contrarrelógios para depois os gerir inteligentemente até à meta final. Foi assim que ganhou cinco Tours quase de seguida...
Na época desses três campeões também andava lá a fazer pela vida um outro corredor chamado Raymond Poulidor. E era ele o mais popular de todos quantos bicicletavam, ora nas planícies do Norte, ora nas montanhas alpinas e pirenaicas. Tão pouco sofisticado quanto o nosso atleta de Torres Vedras, impressionava pelo esforço voluntarista com que procurava suprir as limitações e nunca desistia de alcançar a almejada vitória. Por oito vezes ganhou o pódio, ora em segundo, ora em terceiro e, no ano em que parecia finalmente encaminhar-se para chegar ao lugar do topo, pôs-se a descer uma montanha que nem um doido e espetou–se por uma ribanceira abaixo, quase morrendo. Na altura a França quase se vestiu de luto julgando-o, se não morto, pelo menos acabado para as competições. Mas qual quê: no ano seguinte, lá estava a recriar nos admiradores a expetativa de, finalmente, chegar à vitória.
Na época não havia quem o superasse em popularidade! O povo identificava-se com ele no espírito de sacrifício, no nunca virar a cara à luta, em jamais ostentar expressão de derrotado, mesmo quando a meta lhe parecera tão próxima de ser alcançada.
Recordei tudo isto porque o «Libé» deu-me conta da morte de «Poupou» aos 83 anos. E ele era o símbolo de uma França como tanto a apreciava por esses anos sessenta e setenta, quando as classes populares primavam pela «bonne franquette» e não imaginavam alguma vez verem-lhes as proles apoiarem o lepenismo. De facto esses eram os saudosos tempos em que ainda acreditavam e lutavam pelos amanhãs que cantassem...
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