sexta-feira, 22 de novembro de 2019

A extrema-direita a dar inquietante sinal de vida


Por singular paradoxo a despedida a José Mário Branco coincidiu na data com a da realização da primeira grande manifestação da extrema-direita em Portugal. E não há margem para colocar paninhos quentes para algo que incluiu insultos e pedidos de demissão do primeiro-ministro, quando os energúmenos passaram em frente à sede do PS no Largo do Rato ou, depois, ao virarem costas ao edifício do Parlamento quando entoaram o hino nacional. Ainda menos dúvidas sobram quando permitiram, e até facilitaram, que o deputado da extremíssima-direita tomasse a palavra e aproveitasse a ocasião para um breve comício. Ou sobretudo quando, como se vê na fotografia, usaram e abusaram do gesto habitualmente utilizado pelos suprematistas brancos norte-americanos e pelos neonazis europeus nos seus desfiles e celebrações.
Compreende-se mal que as instituições estejam a ser tão complacentes com quem viola ostensivamente a Constituição, assumindo o ideário explicitamente por ela proibido, e estando, ao mesmo tempo em funções policiais onde devem respeitar os órgãos de soberania, mostrarem-se neutrais em relação a todos os cidadãos e insuspeitadamente apartidários. Nesse sentido existem motivos de sobra para identificar e sujeitar a processos disciplinares com justa causa para despedimento os que se têm revelado avessos a essa conduta obrigatória.
Igualmente se estranha a passividade do Ministério Público - sempre tão apressado a iniciar inquéritos baseados em quaisquer denúncias anónimas sobre políticos de esquerda! - e que tem nas revelações dos dois fundadores do Chega mais do que motivos para apurar a fraude por ele cometida na recolha de assinaturas para se formalizar enquanto partido ou no relatório das contas da mais recente campanha eleitoral em que declarou despesas irrisórias sem se dar prova de quem pagou os vistosos cartazes espalhados por todo o país.
Quer isto dizer que não existe motivo de descontentamento para os polícias se manifestarem? Claro que existem, como sucede com quase todas as classes socioprofissionais do país. Mas não só soa a ridículo que haja grande perigo na profissão - o Relatório Anual da Segurança Interna demonstra terem apenas ficado seis agentes feridos num total de 45 mil efetivos (provavelmente nos pedreiros da construção civil os riscos de acidente de trabalho são bem maiores!) - como tardará a recuperar-se a sua imagem, quando se sabe existirem 19 sindicatos para 20 mil agentes da PSP, o que retirou da rua, e durante anos a fio, muitos «delegados sindicais» de associações que chegavam a ter quase tantos dirigentes quanto associados.
Diz o provérbio popular que quem não quer ser lobo não lhe veste a pele. Ora o que ontem aconteceu mostra uma realidade que se não for rapidamente atacada, e sem contemplações para com os prevaricadores, pode transformar as polícias naquilo que não queremos que elas sejam: exércitos armados e pagos para reprimirem aqueles que deveriam defender...

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