sexta-feira, 30 de setembro de 2016

A Coragem de uns, a cobardia mesquinha de outros

É muito oportuna a publicação do livro de Fernando Pereira Marques «Uma Nova Concepção de Luta» em que o tema é a atividade da LUAR nos últimos anos de existência do Estado Novo.
Havendo ainda tanto por conhecer do que foram esses anos difíceis em que se enviavam milhares de jovens para as guerras de África e tudo se fazia para lhes silenciar as aspirações a uma vida diferente, o contributo do antigo deputado socialista vem cobrir uma lacuna, que estava por preencher.
A abordagem na primeira pessoa de alguém que conheceu as atividades, que exasperaram, amiúde, o regime fascista e tornou Palma Inácio e Camilo Mortágua em  seus inimigos de estimação, que  Pide se esforçava por neutralizar, coincide com alguns ataques hediondos de gentinha da direita a Mariana Mortágua a propósito do imposto sobre o Património e que se explicaria por ser “filha de quem é” como se isso constituísse um insulto, em vez de um gratificante motivo de orgulho..
Os autores de tais atoardas, por se revelarem uns meros imbecis, não merecem qualquer atenção, mas fiquemo-nos pela constatação de que bem gostariam de ter uma parcela, mesmo que muito pequena, da coragem desses lutadores antifascistas. Porque as alusões desonestas só significam manifestações de cobardia cívica.
Mesmo sabendo-se que eram mais homens de ação do que de pensamento ideológico estruturado, e que eram olhados com suspeição pelos comunistas, os dirigentes da LUAR tinham um fibra admirável. Porque arriscar seriamente a pele para confrontar o regime com a sua degenerescência,  serviria para acelerar o advento do 25 de abril e exigir uma sociedade mais justa, completamente diferente da que tentavam diariamente demolir.


A oportunidade perdida de Sanchez

A crise quase insanável por que passa o Partido Socialista Operário Espanhol - que significará a iminente pasokização nas terceiras eleições legislativas desde o fim do mandato do governo Rajoy! - é o resultado da sua social-democratização forçada por indicação de Felipe Gonzalez.
Infelizmente uma das causas do declínio dos partidos socialistas europeus tem sido o verem-se liderados por quem não é socialista e até tem vergonha de o ser, como se passa com Manuel Valls em França.
Julgando-se ainda nos tais Trinta Anos Dourados, que possibilitava a expetativa de ser eternamente possível uma sociedade de bem-estar, os dirigentes da maior parte desses partidos não soube encontrar alternativa ao fim das politicas redistributivas pelas quais as gerações sucessivas iam julgando que as seguintes encontrariam lugar no ascensor social.
As crises financeiras e económicas dos últimos trinta anos, a globalização e a queda do muro de Berlim (com o desaparecimento do contrapeso ideológico daí oriundo, mesmo mais mítico do que real!) deixaram os sucessores de Willy Brandt ou de Mitterrand sem resposta eficaz. Blair, acolitado por Giddens, ainda apostou na Terceira Via, mas ela mais não era uma versão das estratégias governativas da direita, moderando-lhe os excessos propiciadores de maior desigualdade.
Qual o tipo de programa que os sociais-democratas podem hoje oferecer numa altura em que não possuem a condição fundamental - o crescimento económico - que lhes garantiria substância às suas políticas?
A única exceção de um Partido Socialista europeu, que está a mostrar uma via alternativa bem sucedida é o português com o seu acordo parlamentar envolvendo os demais partidos da esquerda. Tendo em conta a radicalização pró-privatizações e anti-regulamentação da Economia e das Finanças, as esquerdas têm bastante mais em comum do que no que possam divergir.
Infelizmente a inteligência de António Costa, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins não encontrou paralelo no país vizinho. Pedro Sanchez, porque foi eleito pelas bases nas Primárias e nunca se livrou do desprezo dos barões, e Pablo Iglésias cuja ambição pessoal se sobrepõe ao interesse coletivo dos compatriotas, deitaram a perder a oportunidade histórica de alargar a toda a Península Ibérica, uma concertação estratégica de todas as esquerdas.
Para Sanchez o tempo corre em seu desfavor como se constata nas sucessivas derrotas eleitorais, que vem conhecendo. Como mal menor talvez se justificasse seguir o que querem os barões ligados a Gonzalez, fazendo uma cura de oposição exigente a Rajoy, mas recusando liminarmente o recentramento político, que lhe retiraria ainda mais a consonância com a sua identidade histórica. E apenas por, ao contrário de António Costa, não ter as condições objetivas para continuar a sabotar as tentativas de Rajoy para formar governo.
Às vezes faz sentido recuar um passo para dar dois em frente, e quem o disse foi um superlativo tacticista político. É pena que Sanchez não o esteja a compreender.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Ah! Agora percebemos melhor o filme

1. Uma das reações mais destemperadas contra Mariana Mortágua a propósito do Imposto sobre o Património foi a do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, que perorou a propósito de se tratar de um saque.
Ora, uma fonte insuspeita - a penúltima página do suplemento de Economia do «Expresso» - e mesmo que, em letras muito pequeninas, vem a informação de se tratar de alguém com uma luxuosa vivenda na Foz avaliada em quatro milhões de euros, e tendo como fortuna pessoal 2,5 vezes esse valor. Assim se compreende melhor a razão do seu tom desorientado. Próprio de quem se adivinha englobado nos que deverão abrir mais os cordões à bolsa.
2. Quem ainda melhor percebe o filme e finge que não, é a oposição, que consegue defender na mesma intervenção parlamentar uma coisa e o seu contrário, cuidando que quem ouve se fique pela convicção com que é dita, mesmo soando incongruente a quem a considera mais atentamente.
É o caso de atacar o governo pela quebra do investimento por causa da falta de confiança dos investidores externos face às reversões decididas a propósito de algumas das mais indecorosas privatizações e concessões, que o governo de Passos Coelho quis concretizar nos seus últimos dias de existência.
Ora os números agora conhecidos do INE demonstram que, pelo contrário, o investimento privado está a subir significativamente, só não acontecendo o mesmo globalmente por falta do de natureza pública. Mas aí não é manifestamente um caso de falta de confiança.

A agitprop já não é o que era!

Há quatro anos um dos maiores especialistas norte-americanos em sondagens previu um enorme e duradouro sucesso às campanhas democratas, porque era tão pífia a campanha de Romney nas redes sociais, que os republicanos pagariam caro a pouca afeição por esse novo e determinante terreno de ação da luta política.
Chegados a nova eleição presidencial o augúrio de Silver não se confirma ao verificar-se que uma boa parte do sucesso de Donald Trump tem a ver com o uso intensivo das diversas plataformas oferecidas pela net.  De repente são os métodos esgotados de fazer política, que ficam em causa: enquanto Hillary gasta imenso tempo de campanha para encontros com quem lha financia, o adversário - até por ter fortuna própria, que investe sem pudor no seu objetivo! - dedica todo o tempo a comunicar com os eleitores, seja presencialmente, seja através das redes sociais.
Esta é uma lição importante a colher pelas esquerdas. O que mais me custa constatar é como elas não evoluem na forma de comunicar com os seus apoiantes, repetindo fórmulas que já deram ensejo a muitas derrotas, mas ainda teimosamente repetidas, pelo menos a nível local.
Hoje a agitação e propaganda têm de se enquadrar nos tempos vindouros. E, neles, é fácil demonstrar que quem não prioriza a difusão dos seus materiais no mundo digital, está condenado ao fracasso.

Quando a estupidez impera

A tese já a ouvira a amigos que a estão a ponderar como exequível: será que  quem está habituado a votar no Partido Socialista francês irá optar, desta feita, por Alain Juppé, o candidato da direita mais moderado e comprometido em respeitar algumas das conquistas do Estado Social?
É que teimando Hollande em testar a dimensão da sua impopularidade, e com as esquerdas divididas entre vários candidatos envolvidos em espúrias lutas fratricidas, existe o sério risco de serem Marine Le Pen e Nicolas Sarkozy a passarem à segunda volta nas presidenciais de maio do próximo ano. E, nessa altura, entre a lepra e a peste, que solução resta a essas mesmas esquerdas?
A questão é deixada em aberto no editorial de Matthieu Croissandeau no L’Obs, hoje publicado.
O que se passa em França é terrível para o futuro das esquerdas europeias. Haver dirigentes tão estúpidos, que dão prioridade aos respetivos egos, é algo que se pagará muito caro. Mas é uma demonstração eloquente do que sucede aos socialistas, que têm tanta vergonha em o serem, que tudo fazem para se confundirem com a direita. E não se trata apenas de uma questão de biquíni ou de burkini.

Motivos de sobra para o crescimento do eurocetiscismo

A estratégia de Angela Merkel em promover a candidatura de Kristalina Georgieva ao cargo de secretário-geral das Nações Unidas, é tanto mais indigno, quanto se tinha comprometido a não se opor à de António Guterres.
Uma vez mais a Alemanha considera legítimo que, dentro da União Europeia, seja ela a definir as políticas fundamentais a que os demais países se devem submeter.
Convenhamos que, acontecendo isso numa altura em que diversos povos estão a afastar-se cada vez mais do anterior entusiasmo pelo projeto europeu, esta atitude da chanceler só tende a consolidar essa tendência soberanista.
Ademais se, vista no contexto dos países do Norte contra os do Sul, se somar o escândalo em torno da antiga comissária holandesa da concorrência, Neelie Kroes, cujos comprometimentos com interesses financeiros durante o seu mandato foram agora conhecidos, podemos concluir que o crepúsculo da União Europeia tem sido seriamente acelerado por quantos dela se têm julgado donos. 

Um clima quotidiano de sabotagem

Uma das dificuldades que o governo António Costa está a enfrentar é a dos defensores do neoliberalismo herdados de Passos. Eles ocupam posições estratégicas na Administração Publica, no Banco de Portugal, na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, na UTAO, na instituição liderada pela drª Teodora, na comunicação social, nas universidades, nos grupos de reflexão.
É para lhes favorecer os intentos que os programas de opinião nas televisões e os jornais andam a criar um clima de intriga entre José Sócrates e António Costa, utilizando-o como cortina de fumo para o esforço de demolição diário, que todos os dias, e em múltiplos fóruns organizados um pouco por todo o lado, tais lugares-tenentes do austericídio acometem contra o atual governo.
Não podemos, por isso, deixarmo-nos iludir permitindo que nos distraiam do que é essencial. Existe uma guerra não declarada de certas elites contra as políticas atualmente implementadas e não podemos permitir que ela se decida em nosso desfavor.
E, à medida que for sendo possível, haverá que ir removendo desses lugares de influência aqueles que nunca se conformarão com o abandono de um projeto de empobrecimento do país e de agravamento das desigualdades entre os que tudo têm e a grande maioria, cuja luta pela sobrevivência é um desafio diário. Na Física o esforço de remoção de entropias nos sistemas é quotidiano. Assim o deve ser igualmente na política.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A contestação do marxismo

Embora discordando em muitos dos aspetos aqui defendidos pelo Jaime Santos aqui deixo mais um dos seus textos fundamentados, que o levam a defender a social-democracia em detrimento do marxismo:

Já agora insisto neste ponto. O meu problema com o modelo marxista é que ele não garante as liberdades fundamentais (de associação, de expressão, de iniciativa, etc). As derivas totalitárias que observamos em todos os casos de Governos marxistas (o caso de Allende é talvez a exceção, mas aí havia um profundo problema de competência na gestão económica, acompanhado pela contestação direitista, claro) não são um defeito, são mesmo feitio, para usar um termo do agrado de alguns desses 'jovens turcos' que referi acima. 
Como alguém disse, não se pode esperar que uma pequena árvore que foi transformada num cajado, frutifique e dê flores e frutos (só por milagre como na história de Tannhauser, mas não acredito em milagres). O marxismo contém em si o gérmen da ditadura. 
Só o Governo limitado (o que quer dizer um modelo social-democrata) pode garantir que a Liberdade não acabe sacrificada em nome da (pretensa) Igualdade. Por outras palavras, mesmo em relação ao modelo presente, o Marxismo é regressivo e eu não gosto de andar para trás...
O que me aflige é que agora, quando o Capitalismo apresenta uma das suas crises recorrentes (e eu alinho mais com Kondratiev do que com Marx nisto) a Esquerda em vez de pensar em novas alternativas regressa às velhas... 
Será que a inovação tecnológica não permite a formação, em áreas diversas, de cooperativas industriais que possam competir com o capitalismo e eventualmente substituí-lo, porque a sua produtividade, as condições de trabalho, etc, são melhores do que nas empresas capitalistas altamente hierarquizadas, que parecem internamente funcionar de forma estranhamente similar ao regime soviético?
Jaime Santos

Guterres ou Georgieva: tudo em aberto!

Os genes e as experiências de seis décadas de vida tornaram-me num inveterado otimista, mas ainda tenho sérias dúvidas quantos às hipóteses de vitória de António Guterres na eleição para secretário-geral das Nações Unidas.
Claro que me congratulei com as sucessivas votações, que o deram como o candidato mais bem posicionado para assumir o cargo. E toda a sua ação no comando da ACNUR demonstrou-o como o mais bem habilitado em conhecimentos e competências.
Há, porém, um fator que pode levá-lo a fracassar contra a búlgara Georgieva e só colateralmente tendo a ver com nem ser oriundo do Leste Europeu, nem mulher, como andaram uns quantos funcionários das Nações Unidas e da Comissão Europeia a propagandear como requisitos fundamentais para a função.
Esse fator prende-se com o declínio irreversível do Partido Popular Europeu e do resto da direita internacional a ele coligada: se os partidos sociais-democratas já andam há muito a perder apoios eleitorais por não terem encontrado respostas para um mundo cada vez mais financeirizado e globalizado, os que com eles iam alternando nos governos também sofrem do mesmo declínio. Estão a dar espaço à extrema-direita cujo discurso xenófobo e nacionalista poderá encontrar efémero sucesso junto dos iludidos eleitores, condenados a verem essas receitas de governo em causa- mesmo que com custos terríveis para os seus povos, e sobretudo, para as suas franjas mais ostracizadas! - pelo banho da realidade.
É da Dialética, mas também das propriedades das ciências naturais, que provém o ensinamento sobre o fortalecimento dos extremos opostos, quando as propostas contraditórias mais ao centro acabam por enfraquecer. É por isso que à demagogia do Tea Party correspondeu o surpreendente resultado eleitoral de Bernie Sanders, Que a subida do UKIP nas sondagens britânicas é contraposta pela ascensão do sentimento independentista escocês e da vitória de Corbyn nos Trabalhistas. Tal como o surgimento do fenómeno Aurora Dourada na Grécia, potenciou o sucesso do Syriza grego.
Dirão os sofistas: então e onde estão os que na Polónia ou na Hungria se opõem aos ditadores aí aparentemente consolidados no seu poder? E a resposta só pode ser esta: esperem pela volta e vão ver o que acontece a Orban ou às marionetes agitadas por  Kaczyński. O fracasso das suas políticas já lhes prenuncia o funeral.
É perante tudo isso que Merkel e o PPE procuram contrariar o sentido inequívoco da História com a eventual eleição de Georgieva. A sua vitória iludi-los-ia quanto ao adiamento do crepúsculo causado por não terem modelos alternativos a este capitalismo ameaçado de morte.
Enquanto sistema este modelo económico, anteriormente caracterizado pela liberdade dos mercados, mas cada vez mais fundamentado na especulação de capitais, não possui forma de continuar a expandir-se geograficamente. E essa é uma das constatações indubitáveis: se conseguiu dar saltos qualitativos com as suas sucessivas estratégias colonialistas, imperialistas e globalizadoras, já não tem possibilidades de manter a rota do seu imprescindível crescimento. Ademais está perante um planeta exausto, verdadeiramente em perigo, e com forças políticas em ascensão a valorizarem cada vez mais a importância de verem diluídas as desigualdades.
Por tudo isso Merkel precisa de respirar brevemente, depois da asfixia das suas recentes derrotas, embora desconheça como encontrar saída para os labirintos em que se tem desnorteado. Resta saber se os países que votarão em Guterres ou em Georgieva decidirão pela competência ou pela submissão a uma líder política cuja estrelinha da sorte deixou há muito de brilhar.


Os quadros do Miró são nossos, ponto!

Existem muitas diferenças, que tornam abissal a comparação entre os governos de António Costa e de Passos Coelho. Se as começássemos aqui a listar encheríamos páginas e páginas com o que um estragou e o outro está a tratar de reparar. Mas, se nos dessem apenas um exemplo para demonstrar essa oposição, poderíamos tomar a coleção Miró como exemplo. Onde Passos a quis rapidamente vender a preços de saldos, decidiu este governo que ela ficará na tutela pública e dará à segunda cidade do país um argumento acrescido para aumentar a atratividade junto dos que vivem o prazer de turistas associados aos do conhecimento da oferta cultural disponível.
Só podemos especular sobre (a falta de) as qualidades intelectuais do antigo primeiro-ministro e atual líder da oposição, mas podemos sempre conjeturar que, acaso conhecesse a obra do pintor catalão e adivinhasse o seu potencial  para enriquecer o património das obras artísticas que integram as coleções do Estado, nunca lhe passaria pela cabeça avançar para essa iniciativa, que só a determinação de quem se opunha a tal crime cultural conseguiu impedir. Não esqueçamos que a pressa era tanta em entregar esse excelente negócio à Sotheby’s, e a quem dele assumisse papel de comprador que, por duas vezes, chegaram a ser marcadas as datas para o seu leilão. E não poderemos, igualmente, ficar indiferentes aos que, furibundos por verem frustrados os objetivos da direita, lhe quiseram dar argumentos baseados na ideia de se tratarem de obras menores do artista e como tal perfeitamente dispensáveis.
Com tal mancha no currículo - complementado por todas as que acumulou nos quatro anos de desgovernação - como ainda é possível que haja tanta gente nas sondagens a dá-lo como um político credível?
Há por aí muita cabeça carecida de ser reformatada! 

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Discordâncias dentro do mesmo lado ideológico

Um dos leitores mais atentos e críticos do blogue é o Jaime Santos (ele confirmou que posso designá-lo pelo nome e não pelas iniciais como anteriormente!), cujos textos vou passar aqui a transcrever em itálico, porque valem a pena ser lidos como contraponto às opiniões aqui formuladas. Eis o texto por ele enviado como comentário ao que escrevera sobre a morte da social-democracia face ao definhamento dos Partidos Socialistas europeus, e ao qual  só tomei a liberdade de o dividir em parágrafos mais curtos por facilidade de leitura:

“Orwell dizia que o Comunista e o Católico (referia-se aos leninistas e aos católicos apoiantes do fascismo) nunca conseguiam conduzir uma discussão considerando que o seu adversário era simultaneamente honesto e inteligente. E o meu caro infelizmente vai no bom caminho de cometer o mesmo erro.
Nos anos 20 e 30, a Esquerda Radical combateu o Liberalismo e a dita 'Democracia Burguesa' e acabou por dar espaço aos Fascismos (não esquecer nunca o infame pacto Ribbentrop-Molotov).
Olhando para como algumas pessoas hoje em dia à Esquerda parecem entusiasmadas com a vitória dos populismos de Direita (não é felizmente o seu caso), porque eles podem contribuir para afundar a UE, vamos a ver se a História não se repete, esperemos que desta vez apenas como farsa (aqui só estou parcialmente de acordo com Karl Marx).
Eu também acredito no velho Heráclito, mas mais do que ele, acredito na infinita capacidade humana para cometer os mesmos erros vezes sem conta. E isto porque o dito ser humano não passa de um primata mal adaptado à vida numa comunidade planetária.
Quanto a Corbyn, olhando para o apoio que deu ao IRA, as suas ligações ao Irão, esse exemplo egrégio de laicismo humanista, e para a incompetência da sua direção, a começar pelo seu 'Chanceler-Sombra' para as finanças, e atendendo às sondagens, eu diria que Theresa May, que quer que o RU continue a ser um campeão do comércio livre depois do Brexit, pode dormir descansada. E quem sofrerá, claro está, serão os mais desfavorecidos. Mas que interessa isso perante a intransigente defesa de princípios socialistas?
Quanto à Espanha, não entendo como um socialista pode exultar com o definhar do PSOE. Espera que Iglesias seja o futuro líder da Esquerda? Deus nos livre! Eu espero que Costa não alinhe nunca neste canto de sereia dos Esquerdismos, porque a partir desse dia o PS nunca mais leva o meu voto. Quando Seguro era SG, pensei em votar no Livre, felizmente esse Partido ainda existe, porque nunca se sabe... Posso ficar em minoria, mas paciência, às vezes é preferível perder a luta a perder a razão...“

O que nos une, a mim e ao Jaime, é muito mais do que aquilo que nos desune: ambos queremos uma sociedade mais justa e igualitária, onde haja respeito pelas liberdades fundamentais, e o mais universal possível no acesso à saúde, à educação, à habitação, ao emprego.
O que nos desune é ele acreditar na via social-democrata e eu apostar na socialista, no que esta se sustém no modelo formulado por Marx e Engels nos seus textos fundamentais.
Temos, igualmente, entendimentos diferentes da História: eu enquadro o pacto germano-soviético dentro das circunstâncias desse período. Não esqueçamos que na Inglaterra de Chamberlain, e depois de Churchill, a classe dirigente preferiria um acordo com os nazis do que com Estaline, o que só poderia estimular as desconfianças paranoicas deste último, temeroso de se ver subitamente atacado por todos os lados e com um Exército enfraquecido pelas purgas dos anos anteriores. Por isso mesmo discordo do conceito de «infame», porque essa é uma perspetiva de quem olha o passado com os olhos de hoje, quando uma análise honesta obriga a colocarmo-nos na de então.
Discordamos também na repetição do erro, sempre da mesma maneira, como se fôssemos o Bill Murphy de um filme de há muitos anos, quando acordava todas as manhãs no hotel  para repetir o dia em que a marmota iria revelar como seriam meteorologicamente os meses seguintes.
A própria Ciência demonstra-nos que nunca se chegará à verdade absoluta, seja em que área de investigação se tratar, mas, de ensaio em ensaio, de falhanço em falhanço lá chegaremos muito próximo. O falhar sempre, falhar sempre melhor, é tão válido nas ciências políticas como nas naturais. Por isso mesmo será estulta a ambição de chegar à sociedade sem classes, prometida pelo texto mais conhecido de Marx e de Engels, mas devemo-nos dela aproximar por sucessivas tentativas. Podem falhar estrondosamente como se viu na Europa de Leste, em Cuba ou no Chile de Allende, mas há a obrigação de ir aprendendo com os erros e evitá-los nas tentativas seguintes. Errar não pode ser de modo algum uma fatalidade impeditiva de continuarmos a tentar.
Por isso mesmo a diabolização de Corbyn não colhe qualquer acordo da minha pessoa: nem enjeito a legitimidade do IRA para se libertar do colonialismo britânico, embora preze a solução de partilha de poder conseguida na Irlanda do Norte há já alguns anos - e não esqueçamos que numa guerra como a ali existente cumpre-se o provérbio de «dar e levar», tanto mais que o terrorismo católico era replicado pelo do lado protestante! - nem contesto os projetos de nacionalizações, mormente dos transportes ferroviários, defendidos pelos trabalhistas.
Quanto aos resultados lamentáveis do PSOE não é possível sentir nos meus textos qualquer regozijo com eles. Limitei-me sim, a exemplo do que já fizera com o Pasok grego, ou não tardarei a fazer com o PS francês e com o Partido Democrático italiano, a constatar que a social-democratização de tais partidos só afasta os eleitores, que procuram respostas mais esperançosas, mesmo que xenófobas, mesmo que absurdamente demagógicas, em partidos sem projetos capazes de lhes darem satisfação a essas aspirações.
Mais uma razão para as esquerdas mudarem de discurso, acenando com objetivos tangíveis, que vão ao encontro do que os eleitorados pretendam ouvir.
Estou confiante que a razão do sucesso da governação da atual maioria parlamentar tem a ver precisamente com as pessoas sentirem que estão a recuperar rendimentos e melhores serviços públicos, maior acesso a empregos e possibilidade de verem os filhos e netos não precisarem de emigrar para aqui se realizarem profissionalmente.  António Costa consegue ser o líder que cumpre o que prometeu, razão bastante para consolidar a sua credibilidade e apoio popular.
Ora, entre um Pasok, que não conseguiu convencer o eleitorado de uma verdade inquestionável (os governos da Nova Democracia foram mais culpados na crise grega do que os socialistas, porque foram eles quem mascararam as contas!), entre um Partido Socialista francês, que está a cumprir todos os passos já por nós conhecidos do austericídio, liderados por um primeiro-ministro, que lhe queria mudar o nome por se saber já sem qualquer empatia com os valores tradicionais por ele defendidos, ou um PSOE, que tem parecido muito mais preocupado com os jogos politiqueiros internos e externos do que em dar resposta ao que quer o povo espanhol, acredito estar definitivamente condenada a receita da Terceira Via.
O futuro das esquerdas internacionais está em fazer o reboot, corrigir os bugs, entretanto identificados, e tentar de novo. Sem o preconceito de, por ter tido falhanços clamorosos, não possa vir, de futuro, a encontrar implementações mais bem sucedidas.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A social-democracia morreu! Viva o socialismo!

Os resultados eleitorais na Galiza, no País Basco e no Partido Trabalhista britânico só confirmam o que já se vem sabendo há algum tempo, desde que o Pasok grego foi reduzido quase à insignificância grupuscular.
Apesar de sempre lhe preverem fracassos na sua liderança, Jeremy Corbyn vai  confirmando-a sempre com o apoio das bases do Partido e contra essa falaciosa Terceira Via, que representou o estertor da social-democracia.
Vira-se com António Costa em Portugal: ou os partidos socialistas perdem a vergonha de o ser, e retomam o eixo teórico do que presidira à sua fundação - o marxismo - ou afundam-se tão inapelavelmente quanto os nossos vizinhos do PSOE acabam de comprovar neste fim-de-semana.
Perante a agudização das desigualdades suscitadas por um capitalismo definitivamente comandado por quem o financeirou, e esse poder quase absoluto de só facilitar crédito a quem se comportar com submissão, negando-o aos recalcitrantes, a resposta só pode ser firme e sem pudores.
Há quem venha acenar com os riscos de totalitarismo e de repetição do sucedido no Leste Europeu entre 1917 e 1989, mas quem invoca esses fantasmas ou é ignorante por desconhecer que a História é como um rio cujas águas jamais passarão duas vezes pelo mesmo sítio - e portanto conjunturas diferentes suscitarão implementações diferentes dos mesmos conceitos ideológicos! - ou é desonesto intelectualmente por usar esses  exemplos como papões, que fazem tanto sentido quanto hoje execrarmos o Papa Francisco, porque a instituição de que faz parte tem no passado os nefandos crimes causados pela Inquisição.
Basta ler a elucidativa entrevista com Sérgio Sousa Pinto, no «Expresso» deste fim-de-semana para constatarmos como os defensores da «social-democracia» barricam-se na invocação do bolchevismo ou do sucedido no Verão de 1975 para rejeitarem liminarmente qualquer abordagem de esquerda, muito embora a preguiça mental os iniba de encontrarem qualquer saída viável para o impasse em que se colocou essa mirífica social-democracia. Muito embora não haja quem no mundo académico onde a questão é estudada, encontre forma de ressuscitar o que já está ideologicamente morto.
Atualmente temos de combater dois paradigmas, que nos querem impor nas notícias de telejornal ou nos comentários dos opinadores do costume: se Marques Mendes ou Manuela Ferreira Leite multiplicam-se em banalidades, são apresentados como a «opinião que conta» ou parvoíces similares. Se é a Mariana Mortágua ou o João Galamba a defenderem o óbvio com a maior das sensatezes, aqui d’el-rei que estão a tomar posições «ideológicas». Como se o não fossem todas, à direita ou à esquerda.
Ter ideologia, que equivale a apresentar ideias para transformar esta sociedade, é pecado que não se perdoa a quem as ousa defender. Para os Sousas Pintos ou os Franciscos Assis dentro do PS, ou os Miguel Sousa Tavares nos veículos ideológicos de Balsemão, o mais conveniente é mantermo-nos todos dentro da formatação aprovada pelos que representam 1% da população, e que procuram fazer da classe média a carne para canhão defensora dos seus interesses.
Mas o outro mito, muito semelhante, tem a ver com o ser-se radical. Quem trabalhar para reduzir as desigualdades entre os mais ricos e os mais desfavorecidos, é apodado de radical, enquanto os que pugnam pelo contrário e conseguiram, segundo diversos estudos, aumentar esse fosso entre quem tudo tem e os que mal sobrevivem com rendimentos miseráveis nos quatro anos que desgovernaram os país, são vistos como os moderados, os sensatos, os que servem de bitola para mostrar quão desviados dessa suposta mediana estão aqueles.
Muito há a fazer para alterar a manipulação das consciências que, através dessas habilidades sintáticas, procuram induzir conceções retrógradas na mente dos que mais vigilantes se devem posicionar para não serem iludidos.


domingo, 25 de setembro de 2016

Uma investigação que tem tudo para não ser banal

Causou perplexidade a decisão do ministério público iniciar uma investigação sobre a gestão da Caixa Geral dos Depósitos desde o ano 200o.
Em primeiro lugar por coincidir com o início do mandato de uma nova Administração, que precisa de tudo menos de ruído destinado a dificultar a recuperação da imagem de um banco conhecido internacionalmente  como estando com sérios problemas e necessitar de um autêntico resgate interno.
Sobre o patriotismo de quem assim decidiu estamos conversados: se a estratégia política agora implementada carece de determinação e competência, dispensa por outro lado notícias sensacionalistas em tabloides destinadas a sabotar a consolidação do banco público.
Por outro lado desconhecem-se as competências dos procuradores para ajuizarem da bondade das decisões de gestão, sejam elas quais forem. Podem partir de indícios que alguém lucrou indecorosamente com esta ou aquela decisão tomada em seu proveito, mas nos casos vindos a público como sendo os verdadeiramente objeto da atenção dos serviços ainda dirigidos por Joana Marques Vidal, o que esteve em causa foi o financiamento de investimentos passíveis de gerarem retornos substantivos, quando foram aprovados, mas condenados à falência, quando a crise dos suprimes alterou totalmente a conjuntura em que viriam a ser enquadrados. Salvo alguns dos maiores críticos do neoliberalismo quem é que, antes de 2008, adivinhava o estoiro da bolha imobiliária norte-americana, que viria estender-se à Europa e causar problemas sérios nas economias menos capacitadas para a ele resistir?
Uma vez mais estamos perante uma daquelas investigações  sem fim, que o Ministério Público enceta sempre numa perspetiva ideologicamente orientada, ciente de contar na sua estrutura com aqueles que passarão para os tabloides as suspeições infundamentadas, mas capazes de gerarem títulos de primeira página «denunciadores» dos que pretendem sempre atingir.
Essa investigação vai juntar-se a outras, que singularmente nem começaram - como a que envolveu as luvas para a compra de submarinos por Paulo Portas ou dos financiamentos do CDS por um tal Jacinto Leite Capelo Rego - ou das que vegetam num limbo onde «nem o pai morre nem a gente almoça». Mas, de entre essas, com destaque para as relacionadas com o banco do cavaquismo ou com o da família Espírito Santo não existe a mesma negligência em deixar sair dá Procuradoria peças importantes do processo, seja sob a forma de escutas, seja de outros documentos nele contidos.
A perplexidade desta decisão ainda é maior tanto mais que decorria uma Comissão de Inquérito Parlamentar sobre essa mesma gestão, e que fazia todo o sentido,  pois se as decisões de gestão podem ser discutíveis, mas dificilmente incrimináveis, a sua dimensão política já configura uma possibilidade concreta, porque poderá justificar medidas legislativas concretas destinadas a evitar a forma como até agora tinham sido escolhidos os administradores, todos oriundos dos partidos anteriormente designados como «do arco da governação».
Chegados a este ponto podemos encontrar uma explicação crível para esta singular decisão do Ministério Público: estando a gorar-se a tal judicialização do poder defendida em 2008 num Congresso de juízes (as reações às entrevistas de Carlos Alexandre não terão sido propriamente as esperadas por quem as promoveu!), e tendo sido anunciada uma aprofundada reflexão sobre a Justiça por parte de António Costa - com reflexos óbvios na correção das tropelias assumidas pelo ministério publico quanto à prisão de José Sócrates para o investigar, quando não tinham provas do que suspeitavam, ou quanto a esta ultrapassagem recorrente dos prazos para decidir pela acusação ou pelo arquivo dos casos mais mediáticos que tem em mãos - a investigação ganha a dimensão de mais uma munição resguardada por quem se vê acossado numa trincheira. Provavelmente por temerem ver-se cerceados nalguns dos excessivos poderes, que esta forma de gerir a Justiça lhes propiciou - e nunca é de esquecer que foi o próprio José Sócrates quem lhos deu sem cuidar que se tornaria deles vitima privilegiada! - os procuradores procuram criar uma relação de forças, que intimide a necessária reforma no seu funcionamento. Para que, mesmo perdendo essa batalha, tentem ainda salvaguardar o resultado da guerra com uma campanha mediática, que os dê como vítimas da demonstração totalitária das esquerdas para o que não hesitarão em recorrer a falsidades como as de se mimetizar o que ocorria em tempos na antiga Europa do Leste.
Conclui-se, pois, que uma decisão aparentemente normal tem tudo para não o ser e constituir um momento importante de uma guerra judicial, que já dura há tempo demais: desde o momento em que, apesar de nunca terem sido eleitos por qualquer voto popular, os senhores juízes e procuradores julgaram-se no direito de definir quem deve ou não deve comandar os destinos políticos do país.