Na infância vivi num ambiente familiar, do meu ramo materno, onde se prezava a cultura das touradas. O meu avô João era um aficionado e levava-me consigo sempre, que decidia ver um desses espetáculos na Moita, no Montijo, em Setúbal, em Vila Franca ou em Santarém.
Curiosamente só não me lembro de alguma vez termos ido ao Campo Pequeno, mas a explicação talvez decorra de não existir ainda a Ponte sobre o Tejo e as passagens para a margem norte ocorrerem preferencialmente pela ainda recente ponte Carmona.
Essa condição de aficionado também se conjugava com a sua amizade com um dos donos de uma das então maiores ganadarias do país: os Oliveira & Irmãos. Nunca soube da origem dessa afinidade, mas suspeito ter sido forjada na solidariedade colhida da participação de ambos na campanha da Flandres durante a Primeira Guerra Mundial.
Quer isto dizer que assisti a touradas e à exploração taurina nos campos de Samora Correia desde a mais tenra idade.
Foi isso suficiente para eu mesmo me ter tornado num apreciador desse tipo de espetáculo? Claro que não!
Lembro-me, por exemplo, de uma tourada na Praça de Santarém, em que terei passado mais tempo em correrias de miúdos nos corredores por baixo das bancadas do que sentado ajuizadamente ao lado do meu avô e do motorista, que sempre nos acompanhava.
Esse distanciamento em relação a esse tipo de cultura foi-se aprofundando, embora tenha sofrido uma recaída breve, quando li com especial agrado a «Fiesta» de Hemingway.
Progressivamente fui confirmando a existência inequívoca de inteligência e de emoções nos mais variados animais. Com o contributo inestimável da minha mulher que, a esse respeito, foi sempre mais vanguardista. Por isso mesmo, quando numa prova de pré-seleção para um concurso da RTP chamado «Arca de Noé», ela chumbou clamorosamente na possibilidade de ir à sessão a sério por ter discutido acaloradamente com a produtora, e ao mesmo tempo juíza de seleção, que teimava não terem os animais esse tipo de similitudes connosco humanos.
Data, pois, de já várias décadas a minha repugnância pelo espetáculo taurino. Conoto-o indubitavelmente como algo de bárbaro, inaceitável numa sociedade que se pretende civilizada. E olho para os seus apreciadores como trogloditas, que bem mereceriam ser deixados à solta num campo onde andassem touros à solta para comprovarem como são tão marialvamente audazes quanto querem parecer.
Quem viu um vídeo, que anda aí pelas redes sociais, em que um touro se prostra de joelhos face aos toureiros como que pedindo-lhes a compaixão de não o torturarem, não pode ficar indiferente ao sofrimento de um animal que passa longos minutos num espaço donde não consegue fugir e sucessivamente agredido com as afiadas bandarilhas.
É claro que não me espanto que os betinhos do CDS tenham agora decidido organizar uma corrida em Coruche como manifestação de defesa de tão repugnante «tradição». Embora alguns dos principais dirigentes do partido se tenham associado ao evento - a começar pelo estulto João Almeida! - a direção teve algum pudor e distanciou-se do evento. Mas os jovens, que se reveem nas propostas ideológicas do Largo do Caldas confirmam o que sobre eles já sabíamos: são uns patetas sem préstimo destinados a serem exibidos no Museu das mais obsoletas «Tradições», arvorando os seus sorrisos idiotas e tendo a pancarta indicativa de que eram aficionados das touradas.
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