Na época em que, depois de longas temporadas no mar, vinha usufruir férias em terra, fui pressionado pela família a disputar a «Casa Cheia», que era concurso de cultura geral então bastante visto na televisão pública.
Se resisti durante algum tempo, acabei por anuir, primeiro pelo desafio pessoal de me confrontar com o ambiente mediático, mas depois, reconheço-o, pela perspetiva de traduzir os prémios que recebesse em viagens de lazer.
Enquanto durou tornei-me concorrente habitual e foi assim que, depois de passar meses em viagens marítimas por dever profissional, pudemos usufruir cá em casa de uns quantos programas muito compensadores por vários países europeus.
Vem isto a propósito de me recordar de uma prova de seleção em que o Pedro Bandeira Freire (o saudoso fundador do Quarteto, as salas de cinema mais estimulantes dos anos 80) me questionou sobre quem escolheria como herói da História Portuguesa. A resposta foi dada sem pensar: Bartolomeu Dias!.
Lembro-me que, na altura, estivemos um bocado a debater essa opção, para ele singular, porque distinta das que comummente lhe apareciam pela frente.
Mas Bartolomeu Dias é, de facto, a minha escolha mais do que definitiva, porque trata-se do visionário, do homem que, mesmo contra quem o tenta impedir, sabe existirem Índias na direção da proa do navio e quer lá chegar. E personalidade dramática, porque se sabia carregado de razão e é à solidão de quem se vê impedido de seguir adiante, que o condenam.
A História portuguesa tem sido caracterizada por dois tipos de líderes: os timoratos, que receiam deixar a navegação com a costa à vista, à qual se querem recolher em caso de tempestade, ou os que não se intimidam perante a vastidão oceânica, esse horizonte só feito de céu e mar, mas adivinham outros Brasis e outras Índias por aportar.
Do primeiro tipo, aqueles que ouvem sem contestar os Velhos do Restelo, que sempre andam por aí, tivemos recentemente dois exemplares que muito mal fizeram aos seus compatriotas: Cavaco Silva e Passos Coelho. Eles são os que acham que as coisas devem continuar a ser como são, e por isso assumem que é muito bonito terem respeitinho perante os que, conjunturalmente, parecem ter mais poder.
Depois existem os outros, os visionários, e nesse sentido a direita tem alguma razão quando associa José Sócrates e António Costa. Fá-lo por más razões, alegando falsidades que a História facilmente desmontará, mas existem as boas razões que unem um e outro: a crença de que, potenciando o seu talento e determinação, os portugueses conseguirão construir um futuro próspero baseado nas novas tecnologias, ecologicamente mais equilibrado mediante o recurso às energias renováveis e com um capital humano bem mais rico, porque fundamentado em forte investimento na educação, quer dos jovens, quer dos adultos.
Com os líderes do tipo timorato nunca se irá metaforicamente mais longe do que à costa marroquina, com o potencial de desastres aí passíveis de acontecer: até pode lá ficar um qualquer infante santo ou verem-se a fritar as dez mil violas deixadas pelos sebastianistas no areal de Alcácer-Quibir.
Com os líderes visionários chegaremos decerto mais longe. Podem haver tempestades bravias - como a que travou o ímpeto do governo de Sócrates a partir de 2008 - mas também há que confiar na argúcia do atual primeiro-ministro para a elas se furtar. E a amostra revela a sua sapiência e talento, desarmando todas as dificuldades lançadas pelos que ainda comandam os destinos da Comissão Europeia, do Eurogrupo ou do próprio FMI.
Que os Velhos do Restelo fiquem a falar sozinhos e confiemos que o nosso futuro resultará da capacidade desta maioria parlamentar em porfiar neste rumo.
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