Um dos maiores paradoxos do nosso tempo é que, ideologicamente, ninguém apoia mais os refugiados do que os partidos de esquerda, e, no entanto, são eles as maiores vítimas políticas do fluxo contínuo de desesperados vindos, na maior parte, das frágeis embarcações, que atravessam diariamente o Mediterrâneo. Por toda a Europa os partidos defensores de estratégias mais humanistas vão perdendo influência e veem-se ameaçados eleitoralmente pelos que, ainda não imitando o discurso de Trump quanto aos mexicanos, o decalcam intimamente dentro de si mesmos.
O que se passou em Calais anteontem é um bom exemplo disso mesmo: proclamando-se como não pertencentes ao partido de Marine Le Pen (o que é duvidoso, tendo em conta o sucesso eleitoral da Frente Nacional nas últimas eleições regionais ali disputadas!) a população de Calais insurgiu-se contra a existência da Selva, o tenebroso campo onde se acumulam cerca de dez mil candidatos à travessia do Canal da Mancha.
E tenebroso é, de facto, esse espaço lamacento, pejado de lixo e onde os ratos circulam descontraidamente no meio das pessoas.
Qual a resposta que a esquerda deverá encontrar para esta situação, que favorece objetivamente a extrema-direita? Veja-se o resultado eleitoral do fim-de-semana num dos Estados alemães menos sujeito aos fenómenos da emigração, onde essa mesma direita radical conseguiu mais de 20% dos votos, metade dos quais provenientes do Partido Social-Democrata e do Die Linke (o equivalente ao nosso Bloco de Esquerda).
Tarda essa urgente resposta, que desincentive eficazmente os sentimentos de medo e os preconceitos mais estúpidos contra quem não tem a tez clara e a religião católica ou protestante. Enquanto ela não for encontrada a Europa arrisca ver reavivados os seus mais sinistros pesadelos.
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