quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Passivos, que viraram ativos, e descarados oportunistas


Costuma dizer-se que, mais do que errar, importa aceitar a derrota e perceber o seu porquê. Parece ter sido isso, que Marcelo aconselhou aos enfermeiros depois de conhecida a decisão do Supremo, que prioriza os direitos dos doentes em relação aos dos grevistas. E estendeu a recomendação aos demais funcionários públicos que esquecem a importância do bem comum em relação aos seus interesses individuais ou de classe profissional.
Não se entenda com isto que fiquem em causa os direitos de reclamar, ou até de fazer greve, mas a impopularidade dos mais aguerridos contra um governo, que lhes afiança não haver margem orçamental para lhes satisfazer tudo quanto ambicionam, explica-se pelo facto de se saber o quanto recuperaram em rendimentos e direitos desde a forçada marginalização da coligação de direita dos instrumentos do poder. E há quem não esqueça - e diria que é uma parte significativa do eleitorado! - quão calados e passivos estiveram esses vociferantes contestatários durante o período compreendido entre 2011 e 2015.  Se não investem esforços pelo regresso dos partidos das direitas ao governo, parecem-no fazer com grande ardor!
Furor também foi o do discurso demagógico de António Mexia na Assembleia, que indigna quem o ouviu pelo descaramento nos argumentos. A petulante criatura, que conhecêramos como craque do risível governo de Santana Lopes, conseguiu suficiente influência para garantir a saída definitiva do Estado do capital da EDP, afiambrando-se com o cargo de Presidente do Conselho de Administração, aliciando os acionistas privados com o monopólio quase total da população portuguesa como seus clientes e tratando de conseguir para si e para os amigos - mormente para o “apintelhado” Catroga! - remunerações milionárias. Agora vem-se queixar das supostas exigências excessivas do Estado, procurando convencer quem o ouviu da possibilidade de borlas duradouras para os consumidores se quem perdeu um valioso anel, ainda aceitasse prescindir do dedo? Provavelmente, se Mexia & Cª vissem reduzidos os salários e complementos para o seu efetivo merecimento, baixaria significativamente a fatura mensal dos seus insatisfeitos clientes.
Topete também não falta à família de Rui Moreira a propósito da compra ilegal de um valioso terreno camarário na escarpa adjacente à ponte da Arrábida. Não contentes com a decisão do Tribunal quanto a nenhuns direitos terem por tal espaço, que ambicionariam transacionar em milionário negócio imobiliário, anunciaram recorrer. O autarca em causa não vê na disputa judicial qualquer conflito de interesses com a sua manutenção no cargo. Mas só ele assim ajuizará, porque qualquer observador sensato conclui facilmente o que significa essa remake do episódio da Olívia patroa e da Olívia empregada na sua pessoa.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Quando odiar Maduro equivale a cumprir os desejos de Trump (e dos que são seus titereiros)

Há quem nada aprenda com as suas opiniões passadas. A exemplo de muitos, que se congratularam com a derrota do PT de Lula nas recentes eleições brasileiras, vejo quase os mesmos nomes a repetirem-se nas profissões de fé por Juan Guaidó e na diabolização de Nicolás Maduro.
Ontem, num debate nos «28 minutes» do canal franco-alemão ARTE, um dos comentadores do painel moderado por Renaud Dely, considerou uma imprudência inaceitável o seguidismo dos principais países da União Europeia pela estratégia norte-americana, inviabilizando a possibilidade de se tornarem mediadores de um conflito, que pode acabar num autêntico banho de sangue. Mas nada que demova esses atuais defensores da conspiração em curso, apenas motivada pela ambição das petrolíferas norte-americanas quanto a apossarem-se das enormes reservas de hidrocarbonetos existentes no subsolo venezuelano.
Relativamente ao Brasil esses entusiastas do golpista - tão compungidos com a fome e a falta de alimentos do povo venezuelano quanto escandalizados com a deportação de uma equipa de «jornalistas» de uma estação televisiva de Miami, financiada por quem concebe a intoxicação em forma de desinformação - deveriam questionar-se de valeu a pena odiarem tanto Lula para agora contarem com Bolsonaro? Se tanto os chocava a corrupção dos amigos do PT que dirão da corte em torno do atual governo, ainda mais óbvia e descarada na ganãncia dos seus propósitos? Se invocaram ridiculamente a falta de democracia do poder anterior, porque se calam perante os quotidianos os atentados à liberdade, perpetrados pelos que mandam no Planalto?
Perguntas vãs, porque a desonestidade intelectual basta para que varram da memória tudo quanto disseram e escreveram, e tenham em Guaidó a sua nova Joana d’Arc. E, no entanto, tem estado mais do que demonstrada a sua condição de marioneta dos interesses norte-americanos. De forma tão escandalosa, que os seus apelos para a invasão dos marines  a Caracas vem encontrando resistência crescente nos governos amigos, que esperavam vê-lo empossado por um grande movimento popular e, afinal, ele não surge, ou quanto muito, é contrabalançado pelo que defende a preservação da Revolução Bolivariana.
No debate da ARTE, que ontem acompanhei - felizmente que outros canais europeus conseguem escapar ao maniqueísmo primário das nossas televisões (todas unanimemente ao lado do golpe em curso!) - a defensora de Guaidó já punha a hipótese de Maduro só cair daqui a um ano se o bloqueio económico se agravar e punir o povo a maiores tormentos. Ao que outro participante no debate colocava uma hipótese académica, mas pertinente: se os norte-americanos, os canadianos e outros países compadecidos com o sofrimento dos venezuelanos quiserem entregar ajuda humanitária sem o controlo de Maduro, porque não incumbem uma das agências internacionais dispostas a fazê-lo sem comprometimento com nenhum dos lados da pugna, e igualmente recetoras das ajudas, que os russos já andam a ali fazer chegar?

Má sorte ser mulher com quem lhes inferniza a vida


Má sorte a de ser mulher num país onde dez delas já foram assassinadas desde o início do ano como resultado da execrável violência doméstica para a qual não resultam campanhas publicitárias nem piedosas condenações dos principais responsáveis políticos do país. Se uma parte do país puxa a realidade para uma ponta, à espera de que ela se torne mais civilizada, que dizer de um juiz apostado em empurrá-la no sentido contrário, libertando energúmenos e verberando comportamentos femininos não coincidentes com os seus preconceituosos valores? Pode-se aceitar que os Netos de Mouras deste país continuem a caucionar as bárbaras violências de uns quantos biltres, que deveriam perdurar atrás de grades para não voltarem a ameaçar quem pretendem agredir como sendo objeto seu?
Má sorte a de ser humilhada e ofendida como a operária corticeira de Paços Brandão, ilegalmente despedida por dar assistência ao filho doente, e a quem os patrões sujeitam a condições medievais. Porque será que Marcelo, tão rápido a investir abraços e selfies, em tantas causas inócuas, não fez o menor esforço para influenciar a imposição da autoridade do Estado sobre quem a tem impunemente espezinhado? Cristina Tavares continua à espera que se lhe faça justiça, ou seja que o emprego, de que nunca deveria ter sido afastada, lhe seja devolvido.
Má sorte a de Paula, a habitante do Bairro do Lagarteiro no Porto, que saiu da prisão após cumprir a pena correspondente aos atos ilícitos em tempos cometidos - ou seja com a suposta dívida para com a sociedade integralmente paga! - e agora sem a casa onde vivia, quando estava pronta a reconstruir-se de acordo com a reabilitação reconhecida por todos quantos a conhecem e a sabem decidida a viver de acordo com os pressupostos da Lei. O que fez Rui Moreira, em cumplicidade com o seu vereador da Habitação? Despejou-a, negando-lhe a principal condição para ver-se bem sucedida nesse começar de novo. A decisão do autarca do Porto não se fica na qualificação de desumana. É uma crueldade, que define uma personalidade maligna, sem qualidades justificativas para ser o responsável pela defesa dos interesses dos seus munícipes. Rui Moreira porta-se como um crápula sem remissão!

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

A origem do crescimento da extrema-direita


Num artigo inserido no «Público» de ontem, Teresa de Sousa faz uma leitura da razão de ser do mal estar social por que passa a generalidade da Europa, nela crescendo a influência dos partidos e movimentos de extrema-direita.
Segundo a jornalista a origem desse fenómeno reside na globalização, que trouxe como consequência imediata a estagnação dos rendimentos das classes médias. Estas, para não sentirem a perda de estatuto e de qualidade de vida apressaram-se a enredar-se na armadilha para elas criada por quem pretendia salvaguardar o essencial do sistema económico: as facilidades de crédito.
A ilusão perduraria se não tivesse ocorrido a crise financeira de 2008, que estancou essa alternativa. De repente ficou evidenciada a inevitabilidade da pauperização, sentida com uma incrédula frustração, tanto mais agudizada, quanto se tornou evidente a desigualdade crescente entre quantos podem estudar e aceder à informação e os que se veem empurrados para a retaguarda do pelotão social, sem esperança de voltarem a chegar-se mais à frente.
Criaram-se assim as condições para o momentâneo sucesso dos discursos populistas contra as elites.

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Algumas ideias pertinentes sobre o ser-se, ou não, europeísta


No «Expresso» desta semana há uma entrevista com Marisa Matias, que me suscita acordo numa constatação, que ela não formula da mesma maneira como aqui o faço. Existe uma tentativa de separar águas entre quem é ou não é europeísta. Levado por esse maniqueísmo demasiado primário, eu tenho-me sentido a tender para quem, apressadamente, se qualifica de eurocético dado o comportamento de Bruxelas em ocasiões decisivas. Como quando quis impor aos países do sul um doloroso castigo por serem despesistas e, sobretudo, como destruiu um país (a Grécia) por ter havido a pretensão dos seus eleitores em buscarem solução política mais à esquerda. Ou como tem hostilizado ostensivamente a Rússia de Putin ao submeterem-se à agenda expansionista do Pentágono, que acolitado pela CIA e outras agências, vai conspirando para mudar sucessivos governos, ora na Ucrânia, ora na Venezuela (e com Mike Pompeo a prometer que não se ficarão por aqui!).
Nesse sentido a deputada do Bloco tem razão quando considera nada ter de europeísta a política seguida por Bruxelas nos últimos anos: é europeísta apresentar propostas sistemáticas de redução de fundos de coesão? Pôr um garrote às economias periféricas que não deixa margem de respiração e condiciona a própria democracia? É europeísta fazer um caminho que agrava os desequilíbrios macroeconómicos? Não tenho visto a UE a ser europeísta ou a promover a cooperação nos domínios que importam.” E essa constatação torna-se ainda mais consequente, quando se sabe a ânsia do Partido Popular Europeu em reduzir os fundos estruturais para criar um fundo europeu de defesa, que crie um novo exército europeu.  O que está em causa é Portugal ver-se privado de verbas fundamentais para desenvolver o seu interior, e nomeadamente a sua agricultura, para pagar os salários e o armamento dos militares alemães, franceses, polacos, espanhóis ou italianos, que certamente, prevalecerão nessa organização militar comum.
Outra constatação em que Marisa Matias tem razão é a falácia em como os partidos da direita dita democrática, a nível europeu, integraram nos seus discursos políticos os argumentos das respetivas extremas-direitas a pretexto de lhes esvaziarem a importância. Hoje já é possível constatar que, não só contribuíram para lhes propiciarem a ascensão, como para banalizarem os seus propósitos mais execráveis.
Numa circunstância em que as esquerdas europeias carecem de lucidez para enfrentarem e vencerem os desafios dos próximos anos, algumas das ideias expostas nesta entrevista integrarão, por certo, a análise que conduzirá a uma concetualização de conceitos ideológicos, traduzidos numa estratégia política eficaz, que sacuda o Velho Continente da letargia retrógrada em que se vem afundando.

Os zombies andaram por aí...


Em 1968 George Romero pregava-nos valente susto, quando dois irmãos eram atacados por um zombie num cemitério. Doravante não pararia de nos amedrontar com tais monstros até 2009, quando assinou o derradeiro título da sua filmografia. Pelo meio andou a alertar-nos para a importância de olharmos para esses filmes como sendo bem mais do que entretenimentos enquadrados no género do terror. Denúncia do capitalismo, esclarecia ele e, de facto, olhando para «Terra dos Mortos» (2005) com merecida atenção, está lá tudo quanto um empedernido marxista possa evocar sobre os malefícios do sistema económico baseado na exploração das mais valias inerentes à transação de mercadorias.
Fica, assim, explicada a razão porque aprecio os filmes de Romero, mesmo que insuportáveis nas escabrosas cenas em que os zombies se deliciam a provar os corpos dos ainda vivos. Dá para perceber que são monstros terríveis, que convirá serem circunscritos às suas sepulturas.
Não é isso que, porém, vai acontecendo, como pudemos constatar nas notícias dos últimos dias. Da algarvia urbanização da Coelha um, de Massamá outro, dois mortos vivos saíram do respetivo recato e vieram assombrar-nos com os seus gestos trôpegos e palavras inaudíveis. Uns supostos jornalistas andaram a conjeturar o que disseram, mas não ficou provado que tenham tido substantivo significado o que das suas bocas se ouviu. Por mor das dúvidas aos arquivos e reciclaram algumas coisas requentadas, mesmo que com odor entre o mofo e o fétido.
Porque eram só dois não suscitaram grande sobressalto: das tumbas vieram, a elas voltaram, sem grandes males que se reportassem. Mas justifica-se a atenção a muitos outros, que possam engrossar-lhes a virulência. Nessa altura convirá regressar à obra de Romero e recordar a melhor forma de os devolver definitivamente à procedência.

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Apreciei, não apreciei, deixou-me indiferente


Dos acontecimentos de ontem apreciei:
- a tolerância de ponto para o dia de Carnaval decidida pelo governo para os trabalhadores em funções públicas nos serviços da administração direta do Estado e nos institutos públicos. É claro que quem achou muito bem o corte de feriados na época de Passos Coelho pode perfeitamente ser coerente consigo mesmo e comparecer ao serviço para, eventualmente, reduzir o que tiver em atraso.
- a iminente chegada a Portugal do ex-deputado federal brasileiro Jean Wyllys, que vem participar em conferências em Lisboa e Coimbra para desagrado dos fascistas, como se depreende dos seus arrotos nas redes sociais. Mas importa estar atento aos seus émulos brasileiros, que se vieram instalar em Portugal e daqui deveriam ser remetidos à precedência ou aos riscos potenciais vividos por Lula na prisão, que são bem reais segundo o político em causa.
- o artigo de Daniel de Oliveira no «Expresso« em que elogia Mariana Vieira da Silva e zurze justificadamente contra Rui Rio, que fez dela um inacreditável tema de campanha rasteira: “Mariana Vieira da Silva não chegou ao Governo às cavalitas do seu pai. Não foi ele quem a convidou, não é por causa dele que lá está. E fazer essa acusação, falando de nepotismo para atacar a promoção daquela que foi um dos principais pivôs políticos deste Governo, não é apenas injusto. Por envolver uma dimensão pessoal que quando as pessoas têm méritos próprios pode ser mais um fardo de o que um privilégio, é cruel. Rui Rio não é um político especialmente talentoso ou denso. Mas tenho-o por um homem sério, pouco dado aos ataques pessoais. Ter chamado à colação do debate político o parentesco da nova ministra da Presidência com o ministro do Trabalho não é um gesto que se esperaria dele. Um passo escusado para quem se quer destacar por não recorrer à baixa política.”
Dos acontecimentos de ontem não apreciei:
- que a ministra da Saúde tivesse telefonado ao figurão em suposto jejum em frente ao Palácio de Belém para lhe dar notícia do recomeço das negociações na próxima semana. A chantagens desse tipo não se dão importância, devem-se liminarmente desprezar. Se reunião se justifica é com os sindicatos, que não andaram a agir de forma ilegítima de acordo com o que a PGR concluiu.
- que o Polígrafo tivesse dado espaço a Assunção Cristas para vender a sua versão da negociata com o genro de Cavaco. Ela tenta fazer-nos passar por tolos, mas a entrevista serviu, sobretudo, para esclarecer, em definitivo, o objetivo dessa página na net, que Jorge Coelho chegou a saudar inicialmente como iniciativa a ter em apreço. Agora ficámos elucidados.
Não me suscitou estado de alma particular:
· a morte de Arnaldo de Matos, embora nos idos dos anos 70, tenha-me sentido atraído pelas ideias do «grande educador do proletariado». Mas desde o apoio a Ramalho Eanes para a presidência, que senti não ser aquela a minha praça. Não porque me houvesse escusado a votar contra Soares Carneiro, se não estivesse então algures no Índico, mas porque os elogios ao vencedor foram tão esdrúxulos quanto o foram as suas mais conhecidas posições políticas desde então.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Como se atribuem culpas a socialistas que só às direitas dizem respeito!


Porque andei todo o dia afastado das redes sociais e da comunicação audiovisual não sei se já foi desmascarada a notícia com que acordei de manhã, segundo a qual Almerindo Marques teria contactado em 2002 com Jorge Sampaio e Vítor Constâncio a propósito da forma como se andavam a prodigalizar créditos na Caixa Geral de Depósitos como que atirando para esses socialistas, então em Belém e no Banco de Portugal, o ónus do que viria depois a acontecer, e já demonstrado no recente relatório da auditoria ao que ali se passou.
Imagino o que gente menos informada terá pensado sobre tal atoarda: poupando as direitas dessa culpa, seriam os socialistas a estarem sempre no topo do vulcão. Mas pondo o filme a andar para trás pergunta-se: quem estava então à frente do governo? Não era Durão Barroso? E quem tutelava a instituição bancária do Estado enquanto ministra das Finanças e de Estado? Não era Manuela Ferreira Leite?
Se houvesse honestidade intelectual por parte de quem fez a notícia poderia dizer que o gestor em causa teria alertado a situação ao governo de então, liderado por Durão Barroso, o único em condições de proceder às mudanças que se justificavam. Por que vem Jorge Sampaio à liça, se como Presidente não poderia fazer mais do que exercer alguma magistratura de influência para alterar o rumo das coisas? E Vítor Constâncio não se inseria na tradição de neutralidade do Banco de Portugal perante o setor, e que só a crise de 2008 justificou alterar sem que, com Carlos Costa, ainda tenha sido possível fazê-lo?
A notícia serve os interesses das direitas e constitui uma forma pagamento de favor do mesmo Almerindo Marques a quem, nesse ano de 2002, o nomeou para presidente da RTP. Precisamente o governo das direitas! Se isto não é conflito de interesses não sei mais o que será!

O Capitalismo desastroso


Todos quantos ainda veem na atual situação venezuelana uma mera reedição da versão maniqueísta de um povo a lutar pela liberdade contra uma ditadura odiosa deveriam ser obrigados a ler o livro de Antony Lowenstein, publicado em 2015, que conheceu depois uma versão em documentário. O que aí se denuncia é a avidez com que os grandes grupos capitalistas poem os governos a trabalharem em seu favor, quando anseiam abocanhar as riquezas pressentidas nos países a intervencionar. Nenhum escrúpulo os demove ao porem os políticos de Washington, de Londres, de Bruxelas e de outras capitais, a concertarem sanções, boicotes, conspirações e outras estratégias criminosas para alcançarem os seus fins. Ora o petróleo venezuelano é-lhes tão apetecível como o foi o do Iraque quando, ainda antes de convencerem o mais idiota dos Bush a derrubar Saddam Hussein, já tinham dividido entre si as regiões, que lhes caberia no saque, aí dispondo os poços a extrairem das profundezas os cobiçados hidrocarbonetos.
Lowenstein percorre três países particularmente devastados - o Afeganistão, o Haiti e a Papua-Nova Guiné onde o capitalismo selvagem se tem revelado particularmente predador. No primeiro pode encontrar-se explicação para o sucesso dos talibãs na insurreição contra o corrupto poder em Cabul, porque a gula foi tanta que aldeias inteiras foram deportadas para que as sociedades mineiras explorassem mais facilmente os recursos naturais. O governo federal norte-americano já gastou mais do que o havia feito com o Plano Marshall no fim da Segunda Guerra Mundial e a situação política só tende a agravar-se com a  insegurança a declarar-se em regiões cada vez mais vastas. Não admira que, por isso, os norte-americanos anseiem por atrair os talibãs à mesa das negociações. Que se lixem a Democracia e os direitos das mulheres, porque maior interesse haverá em torná-los sócios minoritários do esbulho, que os amigos capitalistas, de quem são meros intermediários, possam prosseguir.
No Haiti, devastado por terramotos e furacões, a «compaixão norte-americana traduziu-se na criação de muitos programas «humanitários», que nada infletiram na endémica pobreza daquele povo. Pelo contrário esses milhões de dólares serviram de pretexto para a construção de gigantescos parques industriais onde a Walmart consegue produzir artigos a baixíssimo custo para os seus centros comerciais, pagando cinco dólares diários aos que ali emprega. Ora com esse salário de miséria essa mão-de-obra sobre-explorada não consegue corresponder aos custos com os transportes e com a alimentação. Subsiste uma pobreza tal, que muitos preferem despedir-se para trabalharem no mercado negro onde as hipóteses de encherem a barriga dos dependentes se tornem mais prováveis.
Há ainda o estudo de caso da Papua-Nova Guiné, onde a Austrália, antiga potência colonial e atual explorador neocolonial, cuida de garantir as condições para que a multinacional mineira Rio Tinto prossiga a exploração das minas de cobre na ilha de Bourgainville. Ela já aí esteve durante os anos suficientes para devastar a floresta, arrasar uma montanha e causar um desastre ecológico irreparável. Mas, não contente com essa «obra», pretende prossegui-la dada a expetativa de ainda sobrar muito minério para encher os bolsos dos seus acionistas sem que as populações locais beneficiem o que quer que seja com tal espoliação.
O livro e o filme baseado na investigação de Lowenstein constituem denúncias incontestáveis a um sistema predatório, que tarda em ser derrubado.