Às vezes olhamos para acontecimentos, que nos chegam pelas imagens televisivas e tendemos a aceitá-las tal qual no-las querem transmitir. Podemo-nos, assim, convencer que, por exemplo toda a Venezuela está contra Nicólas Maduro ou que, privando-se as agências de espionagem norte-americanas de acompanharem tudo quanto fazemos nos nossos computadores, ou smart phones, os tenebrosos chineses procuram, através da quinta geração dos equipamentos da Huawei, fazerem-nos precisamente isso mesmo. Temos, neste último caso, um exemplo paradigmático do que as bandas desenhadas ianques do tempo da Segunda Guerra formulavam a propósito do «perigo amarelo».
Amarelos também são os coletes dos que os envergam em França para protestarem contra as políticas de Emmanuel Macron e que associámos, porventura demasiado manipulados pelas mesmas televisões, com a extrema-direita de Marine Le Pen.
Não é que alguns dos que mobilizam milhares de franceses todos os sábados não andem nessas áreas ideológicas, e que a sua líder não pretenda com isso retirar dividendos, mas deve-nos perturbar a contínua aprovação de tal movimento de contestação junto de uma percentagem maioritária dos franceses. Se assim é, a que se o deve?
O artigo de primeira página da edição deste mês na sempre excelente versão portuguesa do «Le Monde Diplomatique» dá-nos alguns elementos fundamentais para melhor vermos essa realidade em tons, que não sejam exclusivamente a preto-e-branco.
Serge Halimi, o autor, e igualmente, diretor da edição francesa, integra esta luta dos coletes amarelos nas que, historicamente, abalam a França regularmente. A última vez terá sucedido em maio de 1968 e, tal como então, já se ouvem alguns patrões a referirem a intenção de contemplarem algumas reivindicações para que não percam o essencial dos seus verdadeiros interesses.
É certo que, a exemplo de outros episódios históricos semelhantes, não faltaram reações indignadas de alguns dos pretensos «maîtres à penser». Em 1848, Alexis de Tocqueville não se conteve nas palavras para descrever um dos principais líderes da insurreição, por ele comparado a um ser “doente, malévolo, imundo (...) [que] parecia ter vivido num esgoto e estar a sair dele.”
Sobre os revolucionários da Comuna de Paris, nem sequer supostos progressistas como Flaubert ou Zola ter-se-ão inibido de os verberar e defender contra eles “um banho de sangue”.
O artigo de Halimi, que continuaremos a abordar noutro texto, cita um dirigente socialista que, em 1900, dissecava a artimanha através da qual a classe capitalista procurava prolongar-se no poder ao dividir-se entre a burguesia progressista e a republicana, entre a clerical e a livre-pensadora, de forma a suscitar uma aparente alternância no poder como forma de defender a continuidade da mesma relação entre exploradores e explorados. Seria uma espécie de “navio de anteparas estanques que pode meter água de um dos lados e que, ainda assim, não vai ao fundo.”
O problema, segundo Halimi é existirem momentos, como o atual, em que o mar agita-se e a estabilidade do barco fica ameaçada Quando isso acontece os dois lados, supostamente progressistas ou veementemente reacionários, unem-se na urgência de uma frente comum. E é contra ela, que se passam a justificar as estratégias dos decididos a mudar mais do que alguma coisa, para verem se nem tudo fica na mesma...
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