Numa recente entrevista Nuno Artur Silva constatava que ocorreu uma mudança civilizacional na forma como são encarados os programas de humor: se há trinta anos um sketch em que se gozava com Cristo, ou qualquer outro cânone católico, era pretexto para uma reação intempestiva dos seus fanáticos, que exigiam castigo inquisitorial para quem a tal se atrevera, hoje já ninguém se indigna com o que era então motivo de escândalo. Hoje as mesmas emoções são despoletadas quando o tema é outro: o clubismo. Troça-se de um dos três maiores clubes nacionais, e logo os seus adeptos vêm-se manifestar para as redes sociais, emitindo as diatribes mais violentas, chegando a ameaçar de morte quem lhes gozou com o emblema.
Por estes dias anda na ordem do dia a questão da expatriação para Portugal do whistleblower, sedeado na Hungria, que tanto ódio suscitou nos benfiquistas deste país. Ora o que ele denunciou, a exemplo do que fez com outros protagonistas do mundo do futebol mundial, foram negócios indecorosos, que nada têm a ver com ideais desportivos, e tudo com interesses mafiosos. Mesmo quando decorrem de branqueamentos fiscais, que não deixam de ser criminosos pelo facto de terem Ronaldo ou Messi por protagonistas? Se queremos que os plutocratas financeiros paguem os impostos correspondentes aos seus obscenos lucros, porque desculparíamos um qualquer jogador por ser do nosso clube ou seleção?
Não equiparando Rui Pinto a Julian Assange e, muito menos a Edward Snowden - exemplos superlativos de denunciadores de práticas ilícitas, que deverão ser combatidas! - o que ele faz pode contribuir para limitar os danos ocorridos no futebol desde que os clubes deixaram de corresponder a culturas locais e regionais, para se transformarem em empresas apostadas em remunerarem o mais lautamente possível os acionistas que são os seus donos. E longe vai o tempo em que os jogadores até comiam a relva do estádio por amor à camisola, porque converteram-se em ativos, que se compram e vendem em função do potencial de rentabilidade inerentes a essas operações.
Hoje ser pelo Benfica, pelo Sporting ou pelo Porto, faz tanto sentido como considerar-se adepto da Microsoft, da Apple, da Google ou do Facebook. E, no entanto, ainda há quem se exalte, porque alguém se atreve a dizer o que quer que seja sobre aquilo que, absurdamente, assume como fazendo parte da sua identidade.
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