terça-feira, 30 de junho de 2020

Batidas as asas de uma borboleta


Nunca ninguém conseguiu provar que o bater de asas de uma borboleta no continente americano possa provocar um tufão no mar da China, mas a metáfora funciona bem para múltiplas situações em que um acontecimento localizado suscite reações exponencialmente detetáveis.
O hediondo crime cometido contra George Floyd alterou a tal ponto a realidade norte-americana, que Trump deverá, nesta altura, estar a pôr os poucos neurónios a fazerem horas extraordinárias a fim de procurarem alguma saída airosa, que venha a explicar o seu previsível desaire de novembro. Em poucos dias um dos estados onde maior peso têm os republicanos - o Mississipi - legislou de forma a alterar a bandeira onde ainda constava a reprodução da assumida pelos racistas do Sul durante a Guerra da Secessão. No Supremo Tribunal Trump julgava já ter maioria a favor da sua agenda e duas semanas bastaram para compreender o  engano: votação favorável à comunidade LGBT, aos dreamers  e ao direito a abortar puseram em estado de choque os seus atoleimados apoiantes. E Mark Zuckerberg teve de vir, em pânico, comunicar que ia impor avisos a mensagens de ódio espalhadas na sua rede, quando as ações do Facebook tiveram quebra significativa por se multiplicarem os anunciantes dispostos a cortarem-lhe as receitas por nada fazer contra quem visa sabotar a onda antirracista em curso no país.
Cá dentro o Aldrabão terá já pressentido que os tempos correm em seu desfavor. O primeiro sinal terá dado por quem julgava fiel aliado - o grupo Cofina - e levou-o a pretender-se mais moderado do que o seu discurso extremista pressupunha. Por isso, depois da retórica de ódio contra comunidades étnicas especificas decidiu organizar a manifestação de sábado, à qual apenas compareceram os prosélitos espalhados pelo país, normalmente aquele tipo de oportunistas, que falharam a possibilidade de serem alguém nos partidos tradicionais e buscaram alternativa neste que prometia ascensões fáceis tão só debitassem os preconceitos até então guardados no seu íntimo.
O flop foi indisfarçável. O tal sapo que queria inchar até parecer um boi ameaça não passar da dimensão de um texugo por não lhe sobrar fôlego para muito mais. E se a meia dúzia de pontos percentuais a colher nas presidenciais o poderão iludir, eles significarão para Ventura os oito conseguidos por Tino de Rans em 2016: uma mão cheia de nada.
Daí que justifique associar-me a Miguel Pompeia quando, nas redes sociais, questiona se o partido do Aldrabão chegará sequer às próximas legislativas. E para isso decerto contribuirá o responsável da tutela, que promete reprimir todos os polícias - alguns dos principais apoiantes do Chega - que dentro ou fora do Movimento Zero fazem política contrária ao ditado pela Constituição de que devem ser incondicionais zeladores. Para eles a morte de George Floyd também terá significado o dobre de finados sobre as suas práticas protoneofascistas.

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Os prometedores sinais que vêm d’além-Pirenéus


A imprensa francesa dá os ecologistas como os grandes vencedores da segunda volta nas eleições municipais de ontem, mas prefiro realçar o sucesso dos socialistas, porque foram particularmente saborosas as vitórias de Anne Hidalgo em Paris e de Martine Aubry em Lille ou a humilhante derrota de Gérard Collomb em Lyon.
As duas primeiras mantiveram-se no partido, quando Macron fez sobre ele uma OPA agressiva após o desastre Hollande e viram confirmada a coerência e competência com o apoio dos seus munícipes. Quanto a Collomb, um dos trânsfugas para o reduto presidencial - sendo então premiado com o influente ministério do Interior -, de nada valeu aliar-se, em desespero de causa, a toda a direita, porque os leoneses cuidaram de o despachar para o merecido caixote do lixo onde cabem os oportunistas impossíveis de reciclar.
Para quem dava o partido de Mitterrand como moribundo com prognóstico de vida muito reservado, o resultado foi animador. A recuperação ainda demorará, mas está em curso, tanto mais que o partido de Macron conhecerá destino semelhante ao, entre nós, verificado com o eanista PRD e os Verdes assemelham-se ao nosso PAN: tão comuns são as divisões no seu seio, fruto da total indefinição programática, que vá além dos seus slogans de protesto. Tudo se conjuga para que os socialistas recuperem a histórica relevância, tanto mais que, em muitas autarquias foi possível unir todas as esquerdas numa demonstração plena das vantagens de se esquecerem as estéreis divisões, que as vinham dividindo. A União da Esquerda, que valeu a vitória da força tranquila em 1981, poderá estar a germinar para os combates seguintes.
Uma última constatação, igualmente, interessante, terá sido a quase ausência da extrema-direita dos Le Pen, mesmo com a exceção de Perpignan. Se o Aldrabão luso espera ganhar alento nos sucessos dos congéneres além-fronteiras, bem pode esperar sentado, porque eles vão de derrota em derrota até ao final definhamento.

sábado, 27 de junho de 2020

Falemos hoje de fantasmas e de moscas...


1. No mesmo dia em que umas centenas de pascácios desceram a Avenida da Liberdade para comprovarem quão poucos são, proclamando uma das muitas mentiras em que porfiam, conheceu-se o relatório do European Social Survey sobre o racismo em Portugal. Por ele corrobora-se o que já sabíamos: quase dois terços dos portugueses manifestam comportamentos ou opiniões racistas e apenas 11% se livram de um preconceito preponderante nos mais velhos, e em que nem a escolaridade, nem o rendimento serve de demarcação. Há gente que muito poliu os bancos das escolas e universidades e nada aprendeu para saber o que é a tolerância e confirma-se que tanto faz ter conta bancária recheada como não, porque tanto ricos como pobres são racistas de acordo com índoles cuja explicação residirá em tempos mais recuados.
Sobre a passeata de sábado à tarde pouco haverá a acrescentar: se, desde o 25 de abril, os fascistas mais descarados têm encontrado expressão em grupúsculos ultraminoritários, as expetativas futuras prometem não lhes serem mais animadoras. É que olhando para aquela gente nem dá para reconhecer-lhes a capacidade de nos assombrarem. Porque, sem disso se darem conta, são fantasmas de tempos idos a que jamais pretenderemos regressar.
2. Era expectável o que anda a acontecer: depois de semanas a remoerem o azedume de Portugal passar pela crise do covid 19 com alguma benignidade, basta as coisas parecerem um pouco menos dignas de elogio para saírem da sombra os que nela se acoitaram à espera de ganharem protagonismo no que julgam ser momento propício. O bastonário da Ordem dos Médicos é tipo D. Constança, presença inevitável em cada festança onde manda o protocolo dizer cobras e lagartos do governo. E Rui Rio volta-se a mostrar o homem sem qualidades, que tantas circunstâncias passadas já confirmaram.
Não cuide o PS de manter as pontes possíveis com os parceiros da dita geringonça e arrisca-se a vê-los darem a mão ao PSD para levarem o antigo autarca do Porto ao colo até São Bento. Com manifesto prejuízo para todos quantos viram minguados os direitos e os rendimentos entre 2011 e 2015. Porque Rui Rio confirma aquela regra debitada pelo personagem de Lampedusa que, afiançava a necessidade de, querendo-se os ricos mais ricos e os pobres mais depenados, mudar alguma coisa para que tudo ficasse na mesma. E, de facto, o PSD de Rui Rio em nada se diferencia do de Passos Coelho: as moscas que nele moram são exatamente as mesmas...

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Quando a política fica no registo da anedota


Não têm sido necessários muitos anos para percebermos que certos partidos políticos enquadram-se no registo da anedota. Vimos recentemente a tese demonstrada com Joacine e o Livre e temo-la agora com o PAN, eivado de uma pandemia que, segundo outra boa piada nas redes sociais, está a transformar-se cada vez mais em AN, porque as pessoas estão dele a fugir aceleradamente. E, a prazo, o partido do Chicão arrisca-se a seguir-lhe o exemplo, porque o do Aldrabão tenderá a representar mais convincentemente aquela franja de gente deplorável que sempre nele se viu representada.
Que o Chega pouco mais longe irá não é difícil prevê-lo: há quem se assuste com os 6 ou 8 por cento, que o seu «querido líder» alcançará na pugna com Marcelo nas presidenciais do próximo ano, mas tendo em conta a abstenção de um bom número de socialistas que nunca votarão no atual inquilino de Belém na primeira volta, essa «proeza» equivalerá à do Tino de Rans há quatro anos e que teve o seguimento conhecido.
André Silva terá alguma razão quando associa aos trânsfugas o arrivismo das suas intenções. E não falta, de facto, quem por aí ande a passear a mediocridade dos seus méritos e os procure iludir dentro dos partidos, sobretudo se eles lhes prometem cargos razoavelmente bem remunerados no parlamento ou numa qualquer outra sinecura: por muito que fiquem caladinhas até ao fim da legislatura, quer Joacine, quer a deputada setubalense do PAN têm resolvido o  problema do emprego por mais três anos. Para não falar do balúrdio que o seu ex-deputado europeu auferirá mais ou menos no mesmo prazo.
É por isso que confio nos partidos há muito estabelecidos, e muito especialmente naquele em que milito há trinta e muitos anos: é que, embora não faltando arrivistas no seu seio - é sabido quanto me não conformo com a clique que domina aqui no Seixal! - terá de passar por muitos filtros quem acaba por chegar aos cargos politicamente mais determinantes para que os cidadãos se sintam melhor servidos por quanto decidam. Existirão assim condições para que venham a ser escolhidos os mais competentes, por muito que a realidade se encarregue de mostrar quanto isso falha, quando são os Cavacos, os Passos Coelhos, as Albuquerques, os Relvas e outros que tais a habilidosamente a eles se alcandorarem.
Aos pequenos partidos, sobretudo nos que surgem nos céus como fogachos luminosos tipo cometas, mais facilmente se penduram os ambiciosos sem qualidade para subirem muitos degraus acima daquele em que, segundo o conhecido princípio de Peter, já se revelaria à saciedade a sua incompetência.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Nova Iorque vista com trinta anos de diferença


A primeira visita que fiz a Nova Iorque, e a Manhattan em particular, foi no verão de 1978.  Encontrei-a, pois, tal qual Martin Scorcese a filmara dois anos antes com Robert de Niro a desempenhar o papel do taxista decidido a percorrer a sua via sacra para garantir a catarse das expiações do realizador enquanto cristão angustiado.
A Rua 42 era uma sucessão de sex shops e de peep shows com as prostitutas em permanente assédio a quem por ali transitava. No bairro italiano os polícias sentiam-se tão inseguros, que vigiavam as ruas dentro daquelas lavandarias abertas toda a noite para que os clientes metessem moedas nas máquinas e delas se servissem. Num delicatessen, onde jantei com alguns colegas, um cliente veio à nossa mesa desafiar um deles porque, na sua perspetiva, estava a olhar insistentemente para a namorada (e se calhar até era verdade, tendo em conta de quem se tratava!).
Havia, pois, uma sensação de insegurança, que se estendia ao ferry para Staten Island onde, no piso inferior, quase ficávamos pedrados com o cheiro da marijuana aí presente sob a forma de densa cortina de fumo.
Foi experiência completamente oposta à última vez que ali fui há uns sete ou oito anos. Para além de se ter tratado da ocasião em que dispus do tempo bastante para apreciar a notável coleção do Metropolitan Museum ou subir a espiral do Guggenheim, senti uma enorme segurança em andar nas ruas à noite. Fui a um espetáculo na Broadway, passei umas horas numa cave a beber gin e a ouvir um excelente grupo de jazz e não senti nada de parecido com essoutra vez em que decidi comer umas sandes no Union Park e, no banco onde me quis sentar, encontrei ao lado a marca a giz de um corpo ali abatido horas antes.
E, no entanto, em termos de decência, da primeira vez que fui a Nova Iorque residia na Casa Branca um homem bem mais decente do que aquele que ali residia da última vez que lá fui. Mas, enquanto Jimmy Carter tinha uma honestidade, que não existiu em Obama - cujo Nobel desmereceu o carácter de falcão, que sempre revelou nas questões da Defesa! - a aparência ditava que este último se mostrasse muito mais convincente na capacidade de suscitar efetiva mudança nos rumos do país do que o infeliz antecessor, incapaz de gerir convenientemente a herança de uma derrota acabada de sofrer no Vietname...

Queremos uma TAP efetivamente nossa!


Há três ou quatro anos, pressionado por familiar que se dizia confortável em voar amiúde numa companhia de low cost, decidi fazer exceção à regra de sempre voar na TAP,  tão-só tenha voos para onde queira ir, e segui o conselho. Para não mais repetir: se o argumento do custo mais baixo se cumpriu, não gostei de apanhar frio e chuva no Terminal 2 do Aeroporto de Lisboa, nem das condições vividas durante o voo. O espaço disponível era exíguo para os meus quase cem quilos e, se quis comer alguma coisa, acrescentei ao preço do bilhete o da sandocha solicitada.
Daí que não possa perdoar a Passos Coelho nada do que fez para prejudicar uma grande maioria dos portugueses e, sobretudo, o de, na sua fúria privatizadora, ter feito com a TAP um crime pelo qual deveria ser efetivamente incriminado. Assim como me indigno com a parolice - se for só essa a razão, algo que ainda estaremos por comprovar! - que moveu a Associação Comercial do Porto a meter a providência cautelar inibidora do apoio já autorizado pela Comissão Europeia. E, porque em termos de parolice, Rui Rio, continua a sê-lo sem qualquer disfarce, tem secundado os que pretendem associar a transportadora aérea ao Novo Banco, prosseguindo implicitamente a estratégia do líder anterior do PSD quanto à vontade em impedir o país em manter uma companhia de bandeira.
É claro que serão muitos os portugueses consonantes com o que exijo: ter no futuro, a médio e longo prazo, uma TAP com maioria de capital público, como tal reconhecido na composição do Conselho de Administração e da Comissão Executiva. Porque não esqueço aquele casal - por sinal residente no Porto! - que encontrei um dia no aeroporto de Frankfurt e proveniente do Japão onde fora visitar a filha aí residente. O facto de encontrar em mim um compatriota depois de muitas horas de voo desde Sidney, com escala em Bombaim ou Singapura, e a confiança de fazer na TAP o resto da viagem, dava-lhes a alegria de, finalmente, se sentirem quase em casa.
E essa é uma das vantagens que a TAP dá aos muitos portugueses que, nela viajam: a partir do momento em que entram num dos seus aparelhos sentem-se, mesmo a muitos quilómetros de distância, bem pertinho do sítio com que se identificam.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

O nunca por demais recordado Mariano Gago


Se quisermos ter dos portugueses uma perspetiva justificadamente negativa podemos sublinhar-lhes a tendência para condenarem ao esquecimento os melhores de entre eles, porque poderão subsistir sem escândalo os cuja mediocridade melhor justificaria tal condenação.
Explica-se assim que os dez anos sobre a morte de Saramago quase se passassem sem referência, bem como os 50 anos de idade que, hoje, Bernardo Sassetti faria. Não podemos, pois, admirarmo-nos com o esquecimento a que é sujeito Mariano Gago, apesar de terem sido determinantes para Portugal os anos em que foi Ministro da Ciência e Tecnologia (e do Ensino Superior num deles) em quatro governos constitucionais, liderados por António Guterres e José Sócrates. Apesar de tudo quanto os governos do PSD/CDS fizeram, entretanto, para lhe prejudicarem a herança, os resultados das suas políticas vão-se afirmando, como agora sucedeu com o relatório do European Innovation Scoreboard, que situa Portugal no grupo mais avançado dos países fortemente inovadores.
Acaso Passos Coelho e sua companhia, tivessem prosseguido na rota de vocacionar o país para se tornar numa espécie de Bangladesh da Europa e a notícia de hoje nunca ocorreria. Mas como foi atirado para o tal caixote do lixo em finais de 2015 o referido relatório dá Portugal como único país do sul a ficar entre os doze primeiros entre os 27. Portugal equipara-se à França e a Alemanha, deixando para trás a Espanha  ou a Polónia. E, porque o carácter visionário da ação de Mariano Gago só a prazo se revela, o relatório sublinha o enorme salto dado nos últimos dois anos em que a pontuação do ranking subiu 20%. Com este acelerar da herança poderemos estra otimistas quanto ao que revelarão os próximos relatórios.