sexta-feira, 30 de março de 2018

Cinco notas nas margens das notícias do «Expresso»


1. Não foi só o país que Passos deixou num estado calamitoso: Rui Rio encontra o PSD com um passivo de 10 milhões de euros.
2. Aonde estão as camisolinhas amarelas, que enchiam as ruas de Lisboa para que prosseguisse o esbulho de dinheiros públicos nos colégios privados? O que agora se sabe da gestão do grupo GPS revela o quão boa era a vida de quem os geria na lógica de levar vida faustosa com os contribuintes a pagarem-lhes os luxos.
3. A exemplo de Ricardo Costa ainda não li «The Great Leveler», ensaio no qual um professor de Stanford, Walter Scheidel, conclui que a correção das desigualdades mais gritantes só é conseguida com guerras, colapsos de Estados, pragas, fomes … e Revoluções. Ora precisamente foi isso que terá concluído Salvador Allende, quando perdeu as ilusões de uma viragem pacífica para o socialismo. Como diria o outro, a Revolução não é nenhum convite para jantar, e a evolução da luta de classes tenderá a demonstrá-lo!
4. Até Pedro Santos Guerreiro, no seu ensimesmado reagir, tem de o reconhecer: com este governo a massa salarial está a subir 7,6% e as receitas do IVA 6,1%. Se isto não é crescimento, que nome lhe atribuir? Há muito tempo que a relação entre os rendimentos do Capital e os do Trabalho não conhecia a necessária inflexão de ver estes últimos a reduzir a obscena distância, que os separam dos primeiros.
5. Enquanto uns histéricos andam por aí a agitarem-se como pirómanos da diplomacia, Macron mantém a prevista visita de Estado a Moscovo e Merkel aprova o gasoduto entre a Rússia e o Báltico. O fogo-de-artifício anti russo vai-se esgotando à medida que os negócios voltam a falar mais alto.

Saem uns valiuns ali para os lados de Belém!


Continuando a saber o que vai pensando Marcelo Rebelo de Sousa através do seu alter ego no «Expresso» (Ângela Silva) ficamos a saber da sua angústia por já não acreditar que Rui Rio venha a vencer António Costa nas legislativas de outubro de 2019. Segundo «her master’s voice» ele terá reunido com os assessores e considerado nada estar ao seu alcance para alterar a situação por muitas “selfies” que tire ou abraços que dê a quem lhe passa ao alcance. (Prudentemente continuo a manter por ele uma distância mínima de segurança não vá filar-me sem para tirar uma “prova” comprometedora comigo. Vade retro!).
Na notícia do semanário de Balsemão Marcelo lamenta (é o termo utilizado no texto), que o PSD e o CDS se mostrem avessos a uma coligação pré-eleitoral, que poderia minguar-lhes a derrota graças aos artifícios do método de Hondt. Porque a nova liderança laranja não parece dar mostrar de ter pressa em virar a situação e Cristas, apesar do espalhafato do Congresso, não conseguiu medrar nas sondagens, o objetivo presidencial restringe-se a evitar que o PS atinja a maioria absoluta. Para o que conta com dois aliados de circunstância: os fogos deste verão (“alô, alô, pirómanos!”) e a contestação sindical prometida pelo PCP e pela Intersindical.
Bastará? Não bastará? Adivinha-se um crescimento do consumo de ansiolíticos ali pelas bandas de Belém!

quinta-feira, 29 de março de 2018

Repreensão escrita por um grave crime ecológico?


Aquando da poluição do rio Tejo a jusante de Vila Velha do Ródão, Miguel Sousa Tavares fez uma acusação frontal ao ministério público de Castelo Branco por estar corrompido pelo grupo Cofina, procedendo de forma a que os crimes ecológicos cometidos pela Celtejo nunca fossem objeto de pronta investigação e devida condenação.
Nas semanas seguintes fiquei expectante quanto à possibilidade de, à semelhança do ativista que filmara a emissão de efluentes para o rio, demonstrando a responsabilidade da empresa do «Correio da Manhã», também o comentador da SIC viesse a ser indiciado por manchar a já muito enegrecida honorabilidade de quem acusou. Só que, forte com os fracos, mas intimidado por quem possa ter do seu lado outros apoios, que não os partidos mais à esquerda, o sr. Paulo Fernandes eximiu-se de reagir não fossem os ventos soprarem demasiado contrários aos seus interesses.
Na sequência do sucedido o Ministério do Ambiente impôs coimas ridículas, que não ressarciriam os prejuízos das populações ribeirinhas afetadas, nem o habitat agredido. Quando se esperariam fortes penalizações, que detivessem a empresa em causa de prosseguir na sua nefasta atividade, constatava-se a tibieza incompreensível com que o governo reagia a tão gravosa ocorrência.
O que agora mais indigna é saber-se que nem essas parcas coimas o grupo Cofina quis pagar, encontrando juízes que decidiram reduzir as penalizações a uma inócua «repreensão escrita».
Perante estes factos vale a pena recordar a acusação de Miguel Sousa Tavares, questionando-nos se esta benevolência da Justiça para com os donos do pasquim matinal não terá algo a ver com a sua condição de altifalante dos tais segredos malevolamente passados para as suas páginas e destinados a conseguir condenações na praça pública de quem possa haver dificuldades em encontrar provas bastantes para justificar as penas pretendidas. Ademais, e porque tudo isto parece ligar-se, não podemos ignorar que a mais recente eleição para os novos dirigentes do sindicato dos juízes (organização incompreensível para quem se reclama a separação de poderes face ao legislativo e ao executivo!) premiou o candidato mais identificado com a tendência que, anos atrás, alegava vir a ser o século XXI o do primado do poder judicial sobre os demais.
Após todos os danos que os juízes causaram nas democracias italiana e brasileira, livremo-nos de ver a judicialização da política portuguesa ir mais além do que já chegou.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Não é o facebook o nosso verdadeiro inimigo


Para os principais defensores das direitas um mundo perfeito neste cantinho à beira-mar plantado seria aquele em que as únicas fontes de informação, que chegariam aos eleitores, seriam os canais de televisão e de rádio atuais (quer os públicos, quer os privados, porque em nada se distinguem no seu alinhamento com tais áreas políticas) e os jornais e revistas remanescentes da crise geral da imprensa (quase) todos da propriedade dos mesmos suspeitos do costume.
Sem outro contraditório que não fosse o da militância dos partidos de esquerda através das, então, pouco noticiadas ações de divulgação das suas ideias, chegaríamos a um situação parecida com a da Polónia ou a da Hungria em que os resultados eleitorais contemplam maiorias robustas às forças políticas já no governo e de cujos mecanismos se servem para imporem uma ditadura de facto, que só ingénuos ou mal-intencionados continuam a qualificar de democracia.
No entanto essa é tese que não impressiona os antissocialistas primários, que vituperam a Venezuela de Maduro, mas esquecem facilmente as práticas dos partidos europeus parceiros do PSD e do CDS no PPE. Um dos nossos leitores até veio com a tese peregrina de que, se os povos do Leste, tinham eliminado os seus partidos comunistas, justificava-os a memória de quanto eles lhes tinham desagradado. Para quem defende tais teses não existiram contínuas ações da CIA no sentido de desestabilizarem esses países, financiando-lhes muitos dos seus «opositores» e, depois, através do controlo dessa (des)informação, instilar-lhes ideias manipuladas sobre o que é a Democracia, a Liberdade de Imprensa ou qualquer dos demais direitos fundamentais.
Quem anda tão ciosamente a defender os multipartidarismos do tipo de Democracia implantado por  todo o Ocidente compraz-se com essas supostas liberdades - usufruídas decerto pelos que detêm a propriedade, e por inerência, o poder, mas sonegadas à grande maioria silenciada e explorada.
Não pondo em causa que a Democracia socialista deva ser multipartidária, deve-se porém denunciar o quanto o modelo atualmente existente só aceita essas regras de respeito pelas maiorias se elas coincidirem de facto com os interesses dessa minoria, cuja natureza é explorar as mais valias da enorme maioria. Porque, como se vê na Catalunha, acaso essa compatibilidade se não verifique, logo avançam os tribunais para condenar, as prisões para encarcerar, e os tratados internacionais para extraditar quem sair do redil pretendido.
Nos últimos anos as redes sociais têm permitido disseminar vozes alternativas ao dar o direito à palavra, e quantas vezes à indignação, dessas minorias silenciadas nos órgãos de comunicação tradicionais. Por isso importa silencia-las e é nesse quadro que se constata a guerra atualmente declarada contra o Facebook. O que se espera venha a ser compreendido por Zuckenberg é quanto os métodos empreendidos pela Cambridge Analytica correspondem a esse ataque: embora detestando a democracia global quanto à afirmação da liberdade do pensamento, os plutocratas, que financiaram as ações de sabotagem agora expostas, tiveram a inteligência de explorar-lhe as fragilidades, estando à vontade para a conseguirem calar depois de terem levado a Grã-Bretanha a votar no Brexit e Trump a ocupar a Casa Branca.
Nós precisamos das redes sociais para contrariar o cerco mediático, que nos quer obrigar a pensar todos pela bitola dos mesmos valores e conceitos, que só interessam a quem nos explora. Que o Facebook se reformule e volte a ser aquilo que urge converter-se: no grande instrumento de discussão e de partilha de ideias, que facilite o advento de uma sociedade efetivamente democrática.

Quem ganha com a atual campanha anti russa?


Ouvindo-se governantes ocidentais e russos, opinadores pró-NATO e anti-NATO, sujeitamo-nos a um chorrilho de disparates, que não esclarecem algumas questões essenciais: a primeira tem a ver com as provas do suposto atentado contra Skripal que continuam por aparecer. Os argumentos britânicos cingem-se a meras especulações. Que não passam disso mesmo. Até o insuspeito Jaime Nogueira Pinto - com quem quase sempre discordo! - punha bem a questão nestes termos: quem é que ganha com tudo isto? A menos que tivesse enlouquecido - algo que por certo não aconteceu! - Putin só sairia prejudicado da autoria decisória de tal situação.
No «Público» a guerreira (de penas murchas) Teresa de Sousa atira com outra razão: Putin andaria a enganar-se sucessivamente em relação ao que presume virem a ser as reações internacionais aos seus supostos ataques ao Ocidente. É claro que a jornalista está sempre na primeira fila dos entusiastas da Guerra Fria, mas alguém no seu juízo pode imaginar que Putin cai em erros de palmatória como os que afiança ele incorrer?
Essa segunda questão, que coincide com o habitual raciocínio de Hercule Poirot quando se põe a exercitar as suas famosíssimas células cinzentas, é quem tem a ganhar com este caso. E as respostas imediatas são óbvias: Theresa May, em primeiro lugar, cuja frágil liderança pode consolar-se com o colinho de tantas nações amigas. Mas também os países bálticos, a Polónia e o governo de Kiev, todos eles sempre apavorados com a possibilidade de verem os tanques russos, ou quiçá os  recentes mísseis indetetáveis nos seus escudos, a caírem-lhes em cima. Igualmente beneficiada com esta «crise» a enorme quantidade de burocratas da NATO, que escaparam de se verem obrigados a procurar outras vidas, quando a organização deveria ter imitado o Pacto de Varsóvia na extinção, e se manteve à custa da criação de novas guerras por procuração, que só têm agravado a vida de milhões de pobres vítimas, supostamente socorridas pelos batalhões por ela enviados. E há ainda Trump, que precisa de se livrar dos comprometimentos mais do que suspeitos com quem o ajudou a ganhar a Hillary e encontra na pose de super-herói antirrusso a vistosa capa sob que se pretende esconder.
Tem, pois, toda a razão o nosso governo, quando se exclui de seguir os «aliados» em decisões precipitadas, que terão expetável ricochete. Ademais, ao contrário do histérico Rangel ou do tonto Santana Lopes, há quem não esqueça a providencial ajuda da Rússia na eleição de Guterres como secretário-geral da ONU contra a própria Angela Merkel, que pretendia impor uma búlgara do seu partido europeu.
Por mim aguardo com antecipado gáudio a resposta russa, que doerá a sério a quem decidiu acompanhar os ingleses nesta campanha, que poderá perfeitamente ter o selo do MI5. Sobretudo se a imprensa norte-americana começar a ser alimentada com quanto possa derrubar mais facilmente o bufão da Casa Branca, se efetivamente tiver sido verdadeira a presunção da concertação momentânea de interesses, que resultaram na decisão eleitoral de novembro de 2016. Os próximos dias prometem ser animados.

terça-feira, 27 de março de 2018

Não bastou Napoleão, nem Hitler. Os líderes ocidentais não aprendem as lições do passado.


As «democracias ocidentais» vão revelando a sua verdadeira face já nem se dando ao trabalho de manter as aparências quanto ao respeito das liberdades fundamentais em que deveriam assentar a sua legitimidade. Se há uns bons anos as capitais europeias tomaram posição firme contra a Áustria por incluir no governo um neonazi confesso (Haider) e eleger outro para a presidência (Waldheim), passaram a mostrar outra complacência com as progressivas derivas fascistas verificadas na Hungria de Orban, na Polónia de Kaczynski ou Ucrânia de Poroshenko. Igualmente para não esquecer a vindicta imposta aos gregos por se atreverem a eleger para o governo um partido de esquerda, condenado a perder a face e os valores à medida que se foi acocorando às ordens ditadas pelo sr. Schäuble.
As últimas semanas têm sido, porém, de total perda dos escrúpulos, que pudessem restar, seja com a conivência assumida com Rajoy para tratar os independentistas catalães como criminosos em vez de serem tidos pelo que representam: os representantes da vontade soberana de um povo democraticamente expressa em sucessivos atos eleitorais. Ou a cumplicidade com a estratégia de Theresa May em fazer dos russos oportunos inimigos de estimação para distrair os britânicos dos efeitos potencialmente devastadores de um Brexit, agora revelado como mais uma das cerejas em cima do bolo implantadas pela tal Cambridge Analytica, a empresa financiada por plutocratas de extrema-direita para que desse cabo dessas remanescentes veleidades democráticas em todos os continentes.
Às tantas devemo-nos interrogar se, tal como nenhuma prova concreta surge a relacionar a Rússia de Putin com o envenenamento do seu ex-espião em solo britânico, também se justificam dúvidas pertinentes sobre a origem das tais fake news, que deram a vitória a Trump e ao Brexit.
Para quem leu John Le Carré torna-se crível que os autores do atentado em causa sejam, afinal, os mesmos que, acolitados em empresas como a agora denunciada, trabalhem ativamente nos seus objetivos, incluindo na sua ação a criação de um clima de suspeição em torno do diabolizado Vladimir Putin. Só que os mais avisados questionarão se os métodos de Mariano Rajoy serão mais democráticos que os do senhor do Kremlin? Ou se a vil Arábia Saudita deverá ser mais respeitada como aliada do que a Rússia ou a China, contra quem se atiça uma nova Guerra Fria.
Felizmente que Portugal pôs-se à margem da indecorosa expulsão de diplomatas russos, que Theresa May invocará junto do seu eleitorado para desmentir o óbvio isolamento em que se encontra. E quero crer que, bem mas esperto do que qualquer dos líderes ocidentais - de Trump a Merkel, de Macron a Tusk - Putin não tardará a dar-lhes o devido troco. Com dispendiosos juros, que é para não se armarem tão estupidamente ao pingarelho…
A História mostrou sobejas vezes que os mais arrogantes agressores da Rússia encontram nessa imprudente atitude o princípio da sua desgraça. Mas há quem não aprenda nada com o que o passado lhes deveria ter demonstrado...

segunda-feira, 26 de março de 2018

Os perigos de bestas quase moribundas


«Mudem a legislação sobre as armas ou mudem o Congresso». O slogan ostentado em Nova Iorque resume bem as posições dos muitos milhares de manifestantes deste fim-de-semana depois do morticínio ocorrido no liceu de Parkland em 14 de fevereiro.
Após o massacre de Colombine o debate sobre as armas esteve na ordem do dia. Em 2000 a «Mom’s March» reuniu um milhão de manifestantes depois dos ferimentos causados a três crianças num Centro Comunitário Judeu de Los Angeles. Mas a intensidade e o significado político do movimento de contestação atual é inédito, sobretudo por ser assumido por jovens estudantes de liceu com 18 anos. Entre eles já se salientam alguns oradores notáveis sobre quem viremos, porventura, a ouvir falar no futuro: Emma Gonzalez e Cameron Kasky. Constituem essa “generation mass shooting”, como assim próprios se definem e se não tinham idade para votar em 2016, poderão fazê-lo nas próximas eleições, prejudicando seriamente os candidatos apoiados pela NRA, sobre quem se publicam listas exaustivas para serem levadas a sério nas intercalares deste ano e nas presidenciais de 2020. Ora, o potencial de votantes é assaz significativo: em 2016 eram 21,3 milhões os norte-americanos entre os 15 e os 19 anos.
A Casa Branca parece tolhida entre os valores de quem ali manda e os absolutamente opostos ditados pelas ruas. Entre os Republicanos impera o nervosismo, sobretudo depois das derrotas recentes no Alabama e na Pensilvânia, já que são os Democratas a beneficiar com a dinâmica deste movimento por quem muitos dos seus expoentes revelam explicita simpatia.
É certo que o combate vem de longe e a segunda emenda parece incontornável no seu conteúdo, ao reconhecer o direito a cada um aceder a arma própria, mas a segurança coletiva pode ser argumentada como bem maior. A relação de forças atual no Congresso não perspetiva mudanças a curto prazo, mas o que sucederá no final do ano, quando a maioria de hoje poderá ser substituída por outra de cor política contrária? Será interessante constatar qual será o impacto do recenseamento dos jovens na lista dos eleitores.
É provavelmente essa sensação de ver o tempo a fugir-lhe e pouco concretizar do que era a sua agenda política, que explica as mais recentes decisões de Trump, ora lançando uma guerra comercial com a China, ora substituindo os falcões da sua Administração por outros ainda mais venais.
A inconsequência das suas políticas justifica tão desesperados esbracejares. O problema é que a Natureza muito nos ensina sobre os perigos das bestas feridas. O instinto de sobrevivência, mesmo que condenado ao fracasso, pode causar ainda muitos danos...

Recordar maio de 68 (2): a crise política


Em 1966 e 1967 as lutas contra as políticas do governo já tinham sido intensas, pelo que as centrais sindicais possuiam as máquinas oleadas para, em 13 de maio de 1968, convocarem uma greve geral, que exigia a demissão de De Gaulle.
Nessa noite os estudantes ocupam a Sorbonne e a maioria das universidades e o Odeon, organizando-se fóruns permanentes de discussão, onde a palavra se liberta. Criam-se comités para tudo e mais alguma coisa, com a Utopia a fazer-se urgente  no tomarem-se os desejos por realidades. O marxismo, o situacionismo e o anarquismo encontravam formam inéditas de se interligarem.
No dia 14 o movimento de ocupações estende-se às fábricas - Sud Aviation, Renault, Cléon - com a greve geral a declarar-se permanente a partir do dia 16, quer para o setor público, quer para o privado. Na televisão (ORTF) os jornalistas exigem a liberdade de informação. As ordens profissionais - médicos, advogados, arquitetos - também declaram a adesão à luta.
Surgem novas palavras de ordem: «é proibido proibir», «sejam realistas, peçam o impossível», «a imaginação ao poder», «sob as calçadas, a praia».
Por essa altura nem os mais ativos participantes conseguem perceber o que se está a passar: trata-se de um movimento com carácter unificador em que se revelará em breve uma liderança, ou uma conjunção de movimentos distintos com muito de contraditório entre si? A greve assume ou não um caderno reivindicativo? Está ou não em curso uma nova forma de fazer política? Há ou não condições para levar por diante a almejada autogestão pretendida pela CFDT socialista?
A maioria governamental também não escapa às divisões tão evidente se torna o crepúsculo do gaulismo. A 24 o general anuncia ao país a intenção de organizar um referendo.  Por essa altura, e vendo que não consegue controlar o caos, o PCF disponibiliza-se para negociar conseguindo a aprovação de um aumento de 35% no salário mínimo pelo Ministro do Trabalho. Mas o objetivo da central comunista é a criação de condições para a implantação de um governo popular de união democrática.
A 29 de maio De Gaulle desloca-se a Baden Baden para conferenciar com o general Massu, mas, no dia seguinte, regressa a Paris para comparecer numa manifestação nos Campos Elísios convocada pelos seus apoiantes. Nessa noite, em comunicação aos franceses, denuncia a «conspiração do comunismo totalitário» e revela ter decidido a dissolução da Assembleia e a convocação de novas eleições.

domingo, 25 de março de 2018

A origem dos nossos males

Na edição desta semana de «O Eixo do Mal», Pedro Marques Lopes conseguiu demonstrar a desonestidade intelectual de quantos insistem na tese de José Sócrates ter levado o país à bancarrota, enervando Clara Ferreira Alves, que tanto tem usado e abusado do simplismo na forma de ver como o país vem evoluindo.

No blogue Ladrões de Bicicletas, Ricardo Paes Mamede também combate essa forma demagógica de fazer análise política ao demonstrar que, embora podendo existir corrupção e excessiva ligação entre o poder económico e o poder político daí se tendo tornado inevitável a crise de 2011, as verdadeiras razões foram outras: as privatizações, a liberalização comercial no espaço europeu e a adesão ao euro. Foi nesse cenário que a dívida soberana cresceu por influência de um tecido económico assente em grande parte nas mercadorias não-transacionáveis destinadas ao consumo interno e sem potencial exportador.

Terá sido à conta dessa opção empresarial, implementada à custa de significativo endividamento externo, que o país derrapou para a situação responsável pela vinda da troika. 

A interpretação de Ricardo Paes Mamede é consistente e fundamentada nos estudos em que participa ou que lhe chegam às mãos. Mas que parecem ser ignorados pelos comentadores do costume, sempre presos às suas convicções, seja por nelas acreditarem, seja por cálculo político. Ora como diz o autor do texto em causa: “O problema é que se acreditarmos em explicações simplistas nunca perceberemos o que verdadeiramente o que nos aconteceu. Nem perceberemos o que devemos fazer para evitar que volte a acontecer.”

O momento certo para rever a legislação laboral acabará por se impor


Nas últimas semanas o PCP tem dado alguns sinais de distanciamento em relação ao governo levando alguns setores mediáticos das direitas a salivarem só de imaginarem o fim abrupto desta maioria parlamentar. Arranjam para si o argumento supostamente sólido de PS, PSD e CDS terem votado contra as demais esquerdas quanto à revisão de alguns aspetos da Lei Laboral, que o governo da troika impôs  e cuja reversão se justificaria, tanto mais que, em 2012, eram as próprias confederações patronais a reconhecerem que não eram eles a justificarem os problemas económicos e a falta de competitividade do país. Só que os patrões gostaram tanto desse bónus, que agora dele não querem abdicar e, numa altura em que o emprego aumenta e não se sentem vinculados a tal alteração nos acordos assinados com as esquerdas, os socialistas dispensam-se de dar a Marcelo mais achas para uma fogueira em que, com a história dos incêndios, ele não se priva de atirar mais combustível. Imagine-se o que seria o corrupio de patrões enfurecidos a serem recebidos em Belém e a dispararem flechas verbais contra um governo, que os trataria como pobres vítimas indefesas do papão esquerdista.
Embora as esquerdas não pretendam esperar por circunstâncias mais favoráveis, a legislação laboral, mormente na questão da precariedade, tem de ser reaferida a prazo até pelo facto do desenvolvimento da sociedade portuguesa depender da melhoria significativa dos salários, da diminuição das desigualdades e da redução da pobreza. A oportunidade poderá não ser a melhor, mas, a exemplo da questão da dívida soberana, perfila-se no horizonte a incontornabilidade de olhar para a questão dentro da estratégia mais vasta de fortalecer o crescimento, que nos integre no lote das economias mais desenvolvidas.
Melhor emprego é preciso, e por isso não se entendem as reticências dos comunistas à taxação complementar de quem usa e abusa dos contratos a prazo, tendo em conta o quanto eles contribuem para essa produtividade baixa, que importa incrementar. O argumento ouvido a Arménio Santos em como os patrões pagariam de bom grado 2% a mais para conservarem essa prerrogativa de despedirem facilmente quem para eles teria trabalhado em tarefas não sazonais até ao limite permitido pela lei, é muito discutível sabendo-se quanto muitos dos nossos empreendedores  continuam a entender os recursos humanos como um custo sem levarem em conta as oportunidades decorrentes de os apreciarem como um investimento com assinaláveis potencialidades de lhes conferirem maiores retornos. Mas essa é ainda a sina de um país onde são os próprios estudos sobre a matéria a demonstrarem que as competências e capacidades dos empregados continuam a ser bem maiores que as dos seus empregadores.
Ademais importa assinalar que os 70 ou 80 milhões de euros, que se preveem garantidos por tal taxa, serão destinados à Segurança Social, assim capitalizada progressivamente de formas complementares para que não perca a sua sustentabilidade apesar das ameaças demográficas.

O Facebook manipula. E a imprensa tradicional o que faz?


Os incêndios do ano transato continuam a alimentar a persistente campanha antigoverno, que os jornais e as televisões exploram até à náusea apesar do sentimento de orfandade deixado pelo autoafastamento de Passos Coelho. Cristas tenta-lhe ocupar o espaço vago, mas, apesar da constante promoção publicitária só ela parece levar-se a sério. Ademais acaba de ter uma significativa derrota interna no Porto, bem reveladora de como nem na própria freguesia, não consegue ser convincente prior.
Com Rui Rio acontece outro fenómeno curioso: tido como patinho feio de uma ninhada, que as sondagens revelam manter-se enfezada, procura ao mesmo tempo imitar o discurso do antecessor, mas adoçando-o com uma aparente civilidade, que acaba por o deixar numa espécie de hibridismo, em que os próprios militantes laranjas dificilmente detetarão se a sua proposta é mais carne, ou mais peixe, sem se revelar de coisa nenhuma.
Os contestatários ao governo assumem como alternativa uma conduta niilista: nada está bem, mesmo que os indicadores económicos provem o contrário, e tudo se submete a crítica, mesmo que ela se descredibilize pela natureza absurda. Se se leva tempo a aprovar uma lei antecipam-se as consequências da demora, se se a aprova rapidamente insiste-se na precipitação com que terá sido oficializada. Se a seca se instala a culpa é do governo, mas se as chuvas e os ventos fustigam o país, também a Costa se imputará a responsabilidade. Foi essa a lógica  - ou a falta dela! - que levou o vil Montenegro a atribuir ao primeiro-ministro a razão de ser do surto de sarampo, que vem afetando dezenas de cidadãos.
A obsessão em associar António Costa ao que de negativo ocorre dia-a-dia, fazendo com que a ação de mobilização das populações para a prevenção dos incêndios tenha sido, indecentemente, qualificada de mero marketing. Mas quem ousa olhar para a agenda de Marcelo Rebelo de Sousa e constatar o quanto, ela sim, está totalmente orientada para continuar a vender uma imagem falsa do afilhado do último ditador do Estado Novo? Ou onde se ouviu algum apresentador de telejornal aplicar essa perspetiva à breve visita de Cristas aos cantoneiros de limpeza da Câmara de Lisboa?
Não surpreende que a imprensa portuguesa passe por tão grave crise. O abismo entre a opinião publicada e a que maioritariamente é formulada por quem tem a legitimidade do voto e o expressa em eleições e em sondagens, é tão significativo, que as redes sociais acabam por servir de alternativa preferencial para se conseguir uma informação com uma perspetiva mais próxima da do governo do que da oposição. Por muito que as notícias da passada semana revelem bem os riscos de manipulação a partir do manuseio dos dados aí partilhados. Mas é caso para questionar se existe alguma razão para alguns assumidos relapsos do facebook (Pacheco Pereira, Miguel Sousa Tavares, Clara Ferreira Alves) diabolizarem essa alternativa se a imprensa convencional atingiu o nível zero na sua credibilidade?

sexta-feira, 23 de março de 2018

Recordar maio de 68 (1) : um movimento transnacional


O «movimento de Maio 68» ou a «greve geral» apenas compõem uma parte da crise inédita, que afetou a França entre 3 de maio de 23 de julho desse ano. Tais acontecimentos integram um movimento transnacional de natureza geracional: nos anos 60, a geração nascida após a Segunda Guerra Mundial chegou à idade adulta numa altura em que se verificava a eclosão do consumismo como corolário do crescimento económico. Aumentava-se o tempo de escolaridade obrigatória, democratizava-se o acesso á universidade  e assistia-se a uma rápida revolução nos costumes.

Inicialmente cultural, com os blusões negros, os hippies e outras autoproclamadas tribos, a afirmação da juventude politiza-se com a guerra do Vietname. Nos Estados Unidos a contestação estudantil começa em 1964 na universidade de Berkeley. Na Europa é agitada pela militância comunista e de extrema-esquerda. Ganham forma novos métodos de ação, que tanto decorrem do movimento norte-americano dos Direitos Cívicos, como dos berlinenses da Ação Subversiva, dos Zengakuren japoneses ou dos provos de Amesterdão, que não excluem o recurso à violência. Essa contestação de base essencialmente estudantil, embora mais pródiga nos EUA e na Europa Ocidental também ganha expressão nalguns países do Bloco Leste (Polónia e Checoslováquia), na Espanha franquista, no México e no Japão.  Mas há quem nas universidades de Lisboa também olhe atentamente para os ecos, que vão soando vindos de tais direções, e os procure imitar à boleia da contestação contra a Guerra Colonial.

Em França o movimento acompanha essa vaga de fundo, mas apresenta uma dupla particularidade: combina a crise estudantil á de carácter social (só de dimensão similar na Itália e na Argentina) e reveste dimensão política numa acessão clássica desconhecida noutras latitudes. Existe uma condicionante antropológica no descontentamento dessa juventude, que pretende ocupar um espaço ainda ocupado pelos mais velhos. Sacudida pelas inquietações provocadas pelas redefinições económicas e sociais promovidas pelo quinto plano anunciado pelo governo, ocorre uma crise  decorrente da tardia modernidade da produção de riqueza.

A explosão escolar gera uma tensão entre o acesso crescente de estudantes e as universidades, que não se tinham preparado para esse afluxo. Em Paris, o encerramento da Universidade de Nanterre em 3 de maio, na sequência dos protestos do Movimento de 22 de Março  (grupo libertário liderado por Daniel Cohn-Bendit), logo seguido do da Sorbonne, verte para as ruas o descontentamento dos estudantes

A revolta alarga-se a todas as universidades, culminando na noite das barricadas entre 10 e 11 de maio, que sugere a reedição dos velhos fantasmas revolucionários. Fecham-se as ruas, mas abrem-se caminhos, proclama-se  perante a polícia de choque, que prende 460 pessoas e fere 367. A Comuna de Paris é assumida como modelo e bandeira, ganhando a simpatia em amplos setores sociais. Num país, que estivera em guerra (na Argélia) até 1962, a passagem da tolerância social para a violência contribuiu para exacerbar as emoções.


Os Torquemadas da língua continuam por aí


Há quem saiba isso a meu respeito: quando me confronto com um daqueles Torquemadas, que olham para a língua como algo de imutável e veem no novo Acordo Ortográfico um crime de lesa majestade, costumo dizer que, a tal respeito, nunca me enquadraria no mesmo lado da barricada que Vasco Graça Moura. Foi, de facto, por o ter visto na pele de D. Quixote disposto a investir contra os moinhos, que julgava ser o dos exércitos dos assassinos da língua, que comecei a escrever de acordo com a aproximação da fonética à sintaxe, eliminando as letras, que já não se pronunciam no seu verbalizar. Atual substitui-se a actual, mas facto continuou a ser facto, porque mantenho o c para distinguir a palavra do mero fato de vestir.
Nem morto Vasco Graça Moura me passou a merecer outra opinião que não a de um pedante reacionário que, com Agustina, serviu de caução intelectual ao execrável cavaquismo. Mesmo reconhecendo-lhes o talento, a qualidade da escrita, o defenderem uma política, que tão gravosa se mostrou para o interesse da maioria dos portugueses, não os poupa de integrarem o meu índex pessoal.
Deixaram, porém, seguidores, que agora se amofinaram com o Ministro da Cultura, por dizer o óbvio numa entrevista: “Não considero que este Acordo Ortográfico seja perfeito e penso que há coisas suscetíveis de melhoria, mas sendo o que se utiliza oficialmente achei que seria hipócrita não o fazer. Isto sem criticar outras pessoas, até porque não tenho ideias tão fortes sobre ortografia como elas. O acordo não é o melhor possível mas está vigente e segui-o para horror e espanto de muitos amigos. Não porque lhe tenha um grande amor, mas porque para mim a ortografia é uma convenção e não considero que a anterior seja a maior das maravilhas. Tudo se pode aperfeiçoar, é a minha opinião. Enquanto estiver em vigor vou segui-lo e lamento os meus amigos que consideram isto uma traição. Há como que uma luta de religiões em torno do acordo, só que eu não tenho religião. Acredito que esta opção vá ser muito criticada, mas é assim.”
O que Luis Filipe Castro Mendes afirma, subscrevo-o na íntegra: não vejo no Acordo Ortográfico senão uma convenção, que sigo sem estados de alma. Quem a quiser cumprir, como é o meu caso, que o faça, quem nele se incomodar, só tem de escrever da forma que entender. Mas querer impor a quem quer que seja uma ortografia, só porque acha ser essa a mais pura, a mais genuína, mesmo não sendo a oficial, só pode ser vista como inerente a uma mente manifestamente inquisidora.

quinta-feira, 22 de março de 2018

Oferecer um chouriço para conseguir ficar com o porco todo


Quando se quiser perspetivar a diferença entre um governo de direita e um de esquerda, o exemplo do Hospital do Senhor do Bonfim, em Vila do Conde, pode ser dado como elucidativo. Inaugurado há três anos trata-se de uma instituição privada pertencente ao empresário Manuel Agonia, que se veio agora queixar do risco de o fechar, por não estarem a ser cumpridas as promessas de financiamento das suas atividades pelo governo anterior.
A lógica desse investidor é a comum à da maioria dos que mostram a sua veia empreendedora segundo a regra de ver os investimentos beneficiados com lucros só para os próprios, porque havendo prejuízos, deverão ser «democraticamente» distribuídos pelos contribuintes através dos subsídios estatais.
Para o patrão de tal Hospital de pouco importa que os clientes pagantes não sejam suficientes para lhe garantirem os almejados proventos. A culpa está em quem deveria canalizar recursos do Serviço Nacional de Saúde para que essas expetativas se cumprissem. Já não é só o célebre raciocínio de um histórico dirigente do CDS para o qual «quem queria saúde teria de a pagar», porque o cabisbaixo queixoso considera que deverá ser o Estado a colmatar-lhe os prejuízos do seu azarado investimento.
Mas, voltando ao início, teremos dúvidas em que, se Passos Coelho tivesse continuado à frente dos destinos do país esse Hospital apresentaria lautos proveitos ao seu proprietário? Não aconteceria assim com outros Agonias, que apostariam em negociatas semelhantes em que parecendo oferecer um chouriço às respetivas comunidades, teriam a certeza de, através de governo amigo, conseguirem ficar com o porco todo?