quinta-feira, 22 de março de 2018

A questão da trasladação dos corpos dos que tombaram nas guerras coloniais


Há um par de anos  fiquei surpreendido com a importância conferida pelo meu amigo Manuel Ramos à questão dos restos mortais dos soldados portugueses falecidos nas guerras coloniais e que o Estado Português descurara depois da Revolução de Abril, nunca corrigindo o crime salazarista de só se incumbir do transporte dos militares na ida ou no regresso de África, estando vivos.
Em «Os Anos da Guerra Colonial, 1961 - 1975»  Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes lembram, segundo transcrição no «Público» que “a trasladação de corpos de Angola custava à família 10 mil escudos (o que equivaleria a cerca de 4000 euros aos preços de hoje); trazer um corpo de Moçambique era ainda mais caro, 12 mil escudos; da Guiné, ficava um pouco mais barato, 7500 escudos”, autênticas fortunas para as famílias paupérrimas, que mal tinham com que mitigar a fome, quanto mais pagar pelo resgate dos despojos mortais dos seres queridos, que o regime transformara em carne para canhão nas guerras de África.
A minha incompreensão para a acuidade atribuída por aquele amigo à questão prende-se com o desapego que sinto por este corpo, que me carrega, tão só dele se me escape o derradeiro sopro da vida. À matéria morta, exijo a cremação, sendo-me indiferente o sítio para onde despejem as cinzas. No assumido ateísmo recuso liminarmente a hipótese de uma qualquer vida além-morte, nem sequer para essa “alma” cuja perdurabilidade finda com a da matéria de que sou feito.
Admito, porém, que outros pensem de forma distinta e vejam a questão à sua maneira. Assim se explica o caso hoje noticiado no matutino da SONAE segundo o qual uma senhora conseguiu finalmente trazer as ossadas do irmão morto em Angola cinquenta e sete anos depois do incidente trágico que o vitimou. Nessa persistente vontade de cumprir um desígnio tão importante para ela só posso dar razão ao que, a principio, não entendera e que fará todo o sentido para quem tem todo o direito de ver o Estado português a mostrar um respeito por aqueles a quem chamou a servir, que Salazar nunca teve a mínima intenção de satisfazer.

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