segunda-feira, 26 de março de 2018

Os perigos de bestas quase moribundas


«Mudem a legislação sobre as armas ou mudem o Congresso». O slogan ostentado em Nova Iorque resume bem as posições dos muitos milhares de manifestantes deste fim-de-semana depois do morticínio ocorrido no liceu de Parkland em 14 de fevereiro.
Após o massacre de Colombine o debate sobre as armas esteve na ordem do dia. Em 2000 a «Mom’s March» reuniu um milhão de manifestantes depois dos ferimentos causados a três crianças num Centro Comunitário Judeu de Los Angeles. Mas a intensidade e o significado político do movimento de contestação atual é inédito, sobretudo por ser assumido por jovens estudantes de liceu com 18 anos. Entre eles já se salientam alguns oradores notáveis sobre quem viremos, porventura, a ouvir falar no futuro: Emma Gonzalez e Cameron Kasky. Constituem essa “generation mass shooting”, como assim próprios se definem e se não tinham idade para votar em 2016, poderão fazê-lo nas próximas eleições, prejudicando seriamente os candidatos apoiados pela NRA, sobre quem se publicam listas exaustivas para serem levadas a sério nas intercalares deste ano e nas presidenciais de 2020. Ora, o potencial de votantes é assaz significativo: em 2016 eram 21,3 milhões os norte-americanos entre os 15 e os 19 anos.
A Casa Branca parece tolhida entre os valores de quem ali manda e os absolutamente opostos ditados pelas ruas. Entre os Republicanos impera o nervosismo, sobretudo depois das derrotas recentes no Alabama e na Pensilvânia, já que são os Democratas a beneficiar com a dinâmica deste movimento por quem muitos dos seus expoentes revelam explicita simpatia.
É certo que o combate vem de longe e a segunda emenda parece incontornável no seu conteúdo, ao reconhecer o direito a cada um aceder a arma própria, mas a segurança coletiva pode ser argumentada como bem maior. A relação de forças atual no Congresso não perspetiva mudanças a curto prazo, mas o que sucederá no final do ano, quando a maioria de hoje poderá ser substituída por outra de cor política contrária? Será interessante constatar qual será o impacto do recenseamento dos jovens na lista dos eleitores.
É provavelmente essa sensação de ver o tempo a fugir-lhe e pouco concretizar do que era a sua agenda política, que explica as mais recentes decisões de Trump, ora lançando uma guerra comercial com a China, ora substituindo os falcões da sua Administração por outros ainda mais venais.
A inconsequência das suas políticas justifica tão desesperados esbracejares. O problema é que a Natureza muito nos ensina sobre os perigos das bestas feridas. O instinto de sobrevivência, mesmo que condenado ao fracasso, pode causar ainda muitos danos...

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