segunda-feira, 12 de março de 2018

A evidência está à vista, mas ainda sobram muitos inocentes a deixarem-se degolar


Se não tivéssemos uma imprensa, que se dedica ao acessório e esquece o essencial, os portugueses não ficariam tão espantados com o teor dos contratos estabelecidos pelo Estado com algumas entidades privadas a quem dá excelentes oportunidades de negócio e ainda lhes paga os custos. Nesse particular os governos de Cavaco Silva foram verdadeiros campeões e Passos Coelho só fez figura de amador, porque o setor empresarial do Estado já se reduzira a uma parca expressão e a troika também não era propriamente parva para possibilitar negociatas tão escandalosas. Embora como se constata abaixo, também ocorreram com maior recato!
O que houve de positivo na histeria alimentada pelas televisões e pelos jornais a respeito da condição estrutural da Ponte 25 de abril foi o facto de a opinião pública voltar a ser recordada que, além de propiciar lautos dividendos aos donos da Lusoponte através das portagens pagas entre as duas margens do Tejo, também se responsabiliza pelos custos da manutenção. É caso para dizer que a Lusoponte fica com o filet mignon  e os contribuintes lusos ainda pagam para desosssar e remover para o lixo o que sobra no prato.
Que a estória vem de longe lembra-o Francisco Louçã na sua crónica de sábado transato, quando recorda como, em 1992, Champalimaud comprou o Banco Pinto & Sotto Mayor com recurso a um cheque careca. Na época, nem o vigarista em causa, nem Cavaco Silva, que era primeiro-ministro desde 1985, foram incomodados pelo Ministério Público sobre o escândalo de que eram protagonistas. E assim se compreende como Leonor Beleza, uma das principais cavaquettes, acabou por se tornar na presidente da Fundação lançada com os dinheiros do suposto filantropo, mas afinal resultantes do esbulho cometido às finanças públicas.
O artigo de Louçã é bastante elucidativo, e até deveria ser de leitura obrigatória para essa mesma opinião pública distraída com trivialidades para nunca chegar a entender o logro em que vai caindo. Porque denuncia-se nele a forma como os CTT - aqui sim um crime efetivamente cometido por Passos Coelho - está a ser descapitalizado para os seus acionistas encherem os bolsos antes de a empresa ser retomada, já falida, pelo Estado, então incumbido de a sanear financeiramente. Tendo dado 27 milhões de euros de lucros no ano passado, a sua Administração decidiu atribuir mais do dobro aos tais «investidores», que continuam a provar a «excelência da gestão privada» à conta da eliminação das reservas e do património remanescente.
E os exemplos vão-se repetindo: a Fosun comprou a Fidelidade com os dinheiros desta empresa seguradora, também logo aplicados noutros negócios internacionais sem qualquer relação com os seus interesses ou atividades. E o mesmo se vai passando com a TVI, que a Altice deseja comprar para logo a pôr no mercado, auferindo mais-valias que fundamentem a continuação do seu endividamento junto de entidades bancárias, que já começam a fazer contas à vida quanto ao buraco com que lidarão, quando o grupo de Patrick Drahi der o estoiro por muitos previsto como estando para breve.
O capitalismo selvagem, feito de trapaças tão notórias, continua a mostrar a sua vitalidade. Até quando?

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