Há quem saiba isso a meu respeito: quando me confronto com um daqueles Torquemadas, que olham para a língua como algo de imutável e veem no novo Acordo Ortográfico um crime de lesa majestade, costumo dizer que, a tal respeito, nunca me enquadraria no mesmo lado da barricada que Vasco Graça Moura. Foi, de facto, por o ter visto na pele de D. Quixote disposto a investir contra os moinhos, que julgava ser o dos exércitos dos assassinos da língua, que comecei a escrever de acordo com a aproximação da fonética à sintaxe, eliminando as letras, que já não se pronunciam no seu verbalizar. Atual substitui-se a actual, mas facto continuou a ser facto, porque mantenho o c para distinguir a palavra do mero fato de vestir.
Nem morto Vasco Graça Moura me passou a merecer outra opinião que não a de um pedante reacionário que, com Agustina, serviu de caução intelectual ao execrável cavaquismo. Mesmo reconhecendo-lhes o talento, a qualidade da escrita, o defenderem uma política, que tão gravosa se mostrou para o interesse da maioria dos portugueses, não os poupa de integrarem o meu índex pessoal.
Deixaram, porém, seguidores, que agora se amofinaram com o Ministro da Cultura, por dizer o óbvio numa entrevista: “Não considero que este Acordo Ortográfico seja perfeito e penso que há coisas suscetíveis de melhoria, mas sendo o que se utiliza oficialmente achei que seria hipócrita não o fazer. Isto sem criticar outras pessoas, até porque não tenho ideias tão fortes sobre ortografia como elas. O acordo não é o melhor possível mas está vigente e segui-o para horror e espanto de muitos amigos. Não porque lhe tenha um grande amor, mas porque para mim a ortografia é uma convenção e não considero que a anterior seja a maior das maravilhas. Tudo se pode aperfeiçoar, é a minha opinião. Enquanto estiver em vigor vou segui-lo e lamento os meus amigos que consideram isto uma traição. Há como que uma luta de religiões em torno do acordo, só que eu não tenho religião. Acredito que esta opção vá ser muito criticada, mas é assim.”
O que Luis Filipe Castro Mendes afirma, subscrevo-o na íntegra: não vejo no Acordo Ortográfico senão uma convenção, que sigo sem estados de alma. Quem a quiser cumprir, como é o meu caso, que o faça, quem nele se incomodar, só tem de escrever da forma que entender. Mas querer impor a quem quer que seja uma ortografia, só porque acha ser essa a mais pura, a mais genuína, mesmo não sendo a oficial, só pode ser vista como inerente a uma mente manifestamente inquisidora.
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