segunda-feira, 19 de março de 2018

A soberba como doença a evitar nos líderes que elegemos


A reeleição de Putin e a recente decisão do Partido Comunista Chinês em alargar o mandato de Xi Jinping e dar-lhe uma amplitude de poder só comparável a Mao Zedong nos seus anos áureos, permite-nos aferir a validade da teoria defendida pelo antigo ministro inglês David Owen no seu livro «Na Doença e no Poder» e citada num artigo bastante interessante assinado por Arménio Rego e Miguel  Pina e Cunha num dos  «Expresso Revista» dás semanas mais recentes. Segundo essa tese o exercício do poder, sobretudo quando exercido em prazos dilatados, promove uma tal transformação cerebral, que os líderes perdem discernimento, ganham uma inabalável autossuficiência e deixam de ouvir quem deveria estar sempre presente no seu foco de atenção: os governados. É a corroboração da velha máxima sobre a impulso para a corrupção quando se exerce o poder sem suficientes mecanismos de controle do seu exercício.
Owen conta até um episódio esclarecedor sobre a jactância de Blair, quando um experiente diplomata o alertou para os perigos decorrentes de uma desaconselhável invasão do Iraque de Saddam Hussein, equiparando-se a Churchill quando enfrentara Hitler e associando o lúcido mentor a uma réplica de Neville Chamberlain.
Terá sido essa uma das razões para a progressiva degenerescência do regime soviético com Estaline que sem nunca perder a retórica comunista, implementou práticas nada consonantes com os valores originais do bolchevismo.
A hubris - designação feliz de tal doença, que tem por sinónimo a soberba - encontra-se ainda mais explicitada no ambiente empresarial valendo-nos particular expressão nas habituais atoardas de Soares dos Santos, o dono do Pingo Doce, que diz com o maior dos descaramentos, a forma como o país deve ser gerido quando, na condição de trânsfuga fiscal, é um reconhecido causador da limitação de receitas disponíveis por quem as deve aplicar no bem coletivo. Ou quando reclama salários mais elevados para os trabalhadores lusos e paga o que sabe aos funcionários dos seus hipermercados.
Muito embora se possa criticar o revisionismo de Deng Xiaoping,  ele estava certo quando impôs uma direção colegial do regime chinês com os mandatos a durarem períodos muito limitados. A consagração de homens providenciais é um perigo, que sujeita os povos a provações, que custam a superar. Senão atenda-se à persistência de tiques salazarentos no imaginário coletivo dos portugueses, que explicam o imerecido sucesso político de gente medíocre como Cavaco Silva ou Rui Rio, cujos traços de carácter remetem para algumas das características do seu inconfessado antecessor..
Vivendo atualmente numa época em que os povos, confundidos nas suas angústias, imaginam-se potencialmente salvos por figuras paternais, que mais não são do que meros ditadores sem outra capacidade para planearem melhores futuros coletivos do que cuidarem do exclusivamente seu, a vitória de Putin - mas também assim sucederia com o fascista Navalny se o Ocidente o tivesse conseguido opor como seu credível rival! - mostra como a Rússia tarda em reatar um trilho centenário de que se desviou, quando a soberba tomou conta dos seus líderes revolucionários.

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