segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Na cratera de um vulcão

O Egipto continua mergulhado na vertigem de uma revolução indefinida. A violência instalou-se no quotidiano com a delinquência a encontrar condições para se manifestar já que reina o «salve-se quem puder».
Os turistas, que tanto dinheiro traziam ao país, desapareceram de circulação, tornando ainda mais difícil a sobrevivência de quem deles dependia para a magra sobrevivência de cada dia.
Some-se a isso um descrédito progressivo com a política, dado que a divisão dos círculos eleitorais  serviu para favorecer quem defende os interesses dos ricos e esquecer a desdita de todos os demais.
Para quem quer perpetuar o presente estado das coisas, a exploração das divergências religiosas é uma estratégia óbvia: os militares atiraram combustível para a fogueira, quando puseram as televisões a passar a informação de terem sido atacados por fanáticos coptas, razão para as dezenas de mortos constatadas nos confrontos da semana transacta. Quem ganha com toda essa instabilidade é a força política mais organizada nas presentes circunstâncias: os Irmãos Muçulmanos, que sonham criar uma República Islâmica à beira do Nilo.
Mas ainda é cedo para prever o desenlace: é que, depois da Revolução de Fevereiro, a praça Tahir volta a servir de epicentro de movimentações de direcção ainda muito incerta...

sábado, 19 de novembro de 2011

Esta semana a troika voltou a dar-nos um bom exemplo do que é a sua sapiência para resolver o problema da dívida soberana portuguesa, ao exigir a redução das remunerações praticadas nas empresas privadas em linha com o já prometido para o sector público em 2012.
Feitas as contas, até o “bom aluno” Passos Coelho se viu obrigado a recusar tal sugestão, porque, feitas as contas, o Estado perderia, em receitas fiscais e contribuições sociais, dois mil milhões de euros, ou seja, cerca de 1,7% do PIB. Ao doente quer-se aplicar uma cura, que se revela mais mortífera do que o seu actual estado...
Assim se comprova, uma vez mais, a incompetência de quem representa os credores e anda a ensaiar soluções inconsistentes para o que se vai revelando insolúvel: a crise capitalista mundial...

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A perspectiva de terra queimada

O Orçamento de Estado agora aprovado pela maioria governamental suscita as maiores reservas em muitos dos nossos melhores economistas, que vêem nele a confirmação dos seus mais temidos receios: os de uma recessão de tal amplitude, que demoraremos décadas a recuperar do desastre agora precipitado: Entrámos definitivamente numa espiral recessiva que nos deixa apenas uma garantia  - ao fundo do túnel, encontraremos um túnel ainda mais longo e escuro. (Pedro Adão e Silva, Expresso).
Singularmente Passos Coelho ainda está a escapar habilmente da censura pública a que o seu comportamento o deveria condenar. Porque o que eu esperava de um primeiro-ministro é que ele estivesse, de forma incondicional, ao lado do povo que o elegeu e não dos credores que nos querem extrair até à última gota de sangue. (Nicolau Santos, Expresso).
Ora Passos Coelho revela-se um seguidor acrítico do que as supostas lideranças europeias andam a congeminar contra o interesse dos povos envolvidos não se lhe ouvindo qualquer crítica à sucessão de disparates emanados de Bruxelas, de Paris ou de Berlim. Aonde se desconhece que o Império Romano não começou a ruir porque os bárbaros germânicos estavam às suas portas. Foi a incapacidade de gerar receitas através dos impostos para pagar às suas legiões de mercenários e o suicídio político com que se entretinham as suas élites quando não estavam a ver a selvajaria no Coliseu, que o derrotou. (Fernando Sobral, Jornal de Negócios).
É o crepúsculo de uma Europa, que tanto prometeu e tanto está a desiludir. Até porque, berço da democracia, está a caucionar o advento de uma verdadeira ditadura de tipo novo: Os mercados financeiros liberalizados depõem políticos, elegem políticos, derrubam políticas, impõem políticas. Sem precisar de nenhuma máquina de propaganda ou de líderes carismáticos. Porque dispensam a nossa simpatia ou apoio. Têm o crédito, os juros, as agências de notação e o poder da chantagem. (Daniel Oliveira (Expresso)
Se poderemos esperar algo de diferente das novas lideranças que, a prazo, substituirão as de Sarkozy ou de Merkel, teme-se que elas já não cheguem a tempo de evitar a verdadeira «terra queimada» para que vamos tendendo...

domingo, 13 de novembro de 2011

Zizek: as expectativas de uma crise

O artigo já tem mais de uma semana mas mantém plena actualidade. Escreveu-o Fernanda Câncio a respeito da afirmação do filósofo esloveno Slavo Zizek, quando anunciou o fim do casamento entre o capitalismo e a democracia, e intitulou-o «Nesta luta (a)final» e conclui-se assim:
Quando se reage com fúria e incredulidade à possibilidade de um Estado perguntar à população, submetida a brutal austeridade, qual o caminho que escolhe, isso só pode querer dizer que ou se considera que aquele povo em particular não pode ser dono de si, ou se está a negar a ideia de democracia tout court!(…)
E tendo Zizek razão, é só uma questão de tempo até que o processo de chinezação em curso chegue lá acima. Ou, visto de outra forma - e alguma esperança - até que se ressuscite a Internacional!

Entre o populismo e as revoluções pela internet

Em alternativa ao execrável Crespo, que apresenta os 60 minutos na SIC Notícias, a ARTE tem aos fins-de-semana o seu programa de reportagens bastante mais interessante do que aquele. Porque possibilita uma leitura aprofundada sobre alguns dos acontecimentos mais marcantes dos nossos dias a nível global, mas também porque os não limita à perspectiva estreita inerente à forma norte-americana de olhar para fora do seu contexto.
No programa desta semana estiveram em causa o Haiti e o Azerbaijão.
No primeiro caso está a tornar-se evidente o fenómeno comum de ver a vida política tomada de assalto pela demagogia populista, completamente incompetente para corresponder aos desafios de uma realidade muito mais complexa do que pressuporiam as suas supostas soluções primárias.
Explica o site da ARTE: Surpreendentemente eleito com 61% dos votos, Michel Martelly, ou Sweet Mickey para os seus fãs, é um óvni no mundo político haitiano.
Impulsivo, os seus excessos verbais e estilo directo, dificultaram a sua acção nos primeiros seis meses de mandato, em que só conseguiu formar um governo ao fim de cinco.
Durante essa espera o povo haitiano continuou entregue ao sofrimento da pobreza mais extrema. É que, dois anos depois do terrível terramoto ainda sobram seiscentas mil pessoas alojadas em precárias tendas.
A reconstrução continua por cumprir-se com a demolição dos destroços a sequer atingir os 40% previstos. Por outro lado dos 11 mil milhões de euros de ajuda prometida apenas chegou 1/3 e o mundo vai passando ao lado de toda essa tragédia.
Michel Martelly, o presidente cantor, ainda nada fez, mesmo ainda mantendo intacta a sua popularidade. Embora se vá sentindo que os haitianos esperam mais do que meras canções...
No caso do Azerbaijão,  fica demonstrada a precariedade dos regimes autoritários, mesmo que supostamente democráticos, perante a contestação operada a nível das redes sociais. Mesmo considerando uma evolução muito positiva da qualidade de vida da maioria dos seus cidadãos à custa da exploração intensiva dos seus recursos naturais. A chamada Primavera Árabe não se resume ao Magreb ou ao Médio Oriente, expandindo-se para outras fronteiras, aonde se repetem as mesmas especificidades políticas. Mesmo que o resultado de tais supostas revoluções ainda permaneça imprevisível.
Decidido a preservar o «modelo azeri» e os privilégios usufruídos pela sua família, o presidente Aliev reprime com dureza as manifestações, que se multiplicam por influência da primavera árabe.
Na última primavera, foi pela Internet, e sobretudo pelo Facebook, que a oposição azeri conseguiu organizar os seus simpatizantes para exigir a deposição do presidente Ilham Aliev, que está no poder desde a morte do pai em 2003. Uma mobilização imediatamente reprimida pela polícia.
De Baku, a capital, o Ministério do Interior pediu à Interpol a prisão do bloguista Elnur Majidli, exilado em França, e inculpado de tentativa de golpe de estado, que se apresentara como candidato nas mais recentes eleições locais.
A Interpol recusou esse pedido, mas Elnur Majidli arrisca doze anos de prisão se regressar ao seu país, pelo que prossegue o seu combate a partir da Casa dos Jornalistas em Paris, com contactos via skype com a família e os amigos. Hoje, eles contestam a ditadura azeri de face descoberta cientes de como a mediatização internacional será a melhor forma de protecção face às pressões do regime...



sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Entre a grandeza e a menoridade passista

Uma das piores características dos portugueses foi, um dia, verberada pelo poeta Alexandre O’Neill, quando lembrou que neste país no diminutivo, respeitinho é que é bonito!
Depois de tal poema ter sido composto os portugueses puderam verticalizar-se perante os demais povos do mundo, quer por deixarem de se submeter a uma ditadura serôdia e de deixarem de ser apontados como opressores colonialistas.
Desde então muitos líderes nacionais pugnaram por agigantarem o país à dimensão dos mais significativos a nível europeu.
Foi assim com Mário Soares principal visionário da importância da integração na União Europeia, então  CEE. Foi assim com Guterres, que se bateu pela inegração do país na zona euro. E foi assim com José Sócrates, cujo discurso sempre foi o de elevar o prestígio do país ao ponto de consagrar passos importantes para a evolução comunitária no entretanto superado  Tratado de Lisboa.
Pelo contrário a direita tem-se menorizado continuamente perante quem deveria sentir-se igual: Cavaco pretendeu ser o bom aluno de supostos professores europeus e Passos Coelho aceitou o papel de yesman de tudo quanto a chanceler alemã lhe impõe.
É precisamente sobre essa alienação dos interesses nacionais aos de outrem, que Baptista Bastos escreveu uma crónica interessante no «Diário de Notícias» de hoje. Em que conclui:
Torna-se pungente assistir aos salamaleques de Pedro Passos Coelho ante os senhores do mando, e o afã com que se apressa a ser um zeloso cumpridor das ordens emanadas de fora. Há um défice de dignidade e de orgulho que a desenvoltura do primeiro-ministro não consegue dissimular, e se espelha, afinal, em todos nós. O conceito de inferioridade nasce daquele que se considera como tal. E esse conceito, levado ao limite, transforma num ser alienado aquele que a isso se submete. 
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Até se compreende que se façam prospecções de metais aonde eles existem em quantidade suficiente para servirem de mercadoria transaccionável no mercado internacional, por muito que os interesses de quem os explora coincidam muito raramente com os dos povos, que deveriam ser os donos efectivos de tais riquezas naturais.
Também se percebe a preferência por minas a céu aberto do que pelas situadas debaixo do solo, aonde os riscos e as consequências de acidentes se tornam muito mais dramáticos. Mas, olhando para a fotografia ao lado, colhida na maior mina do mundo a céu aberto, referente a uma exploração aurífera na Austrália, não podemos deixar de nos sentirmos impressionados com os seus efeitos na paisagem.
Ambientalmente o que ali se constata é um desastre de dimensões impressionantes.

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A incompatibilidade entre a democracia formal e a forma como o capitalismo procurava salvaguardar-se enquanto sistema de futuro será uma das principais constatações deste presente marcado pelo contágio à Itália da situação problemática já vivida pela Irlanda, pela Grécia e por Portugal. Sem que se saia da sensação de vivermos daqueles momentos em que cada líder mundial está barricado na defesa intransigente de si mesmo sem pensar no interesse global de todos quantos dele dependem. Que num mundo global são todos quantos na Terra habitam...

domingo, 6 de novembro de 2011

A democracia em perigo

Um e outro pertencem ou pertenceram ao Bloco de Esquerda e dão uma interpretação interessante da realidade política actual.
No «Diário de Notícias» José Manuel Pureza considera que  a dívida é um mero pretexto para a cruzada ideológica a favor do trabalho low cost (…). O próximo passo poderá bem ser a diminuição do salário mínimo. Sempre em nome do sacrossanto mandamento da competitividade das empresas. As mesmas que o Governo afunda com a recessão purificadora.
Por seu lado, no «Expresso» Daniel Oliveira alerta para os riscos muito sérios da aparente incompatibilidade do capitalismo com a democracia: o pensamento neoliberal é a nova ideologia antidemocrática. Dando aos mercados financeiros o poder absoluto de determinar o futuro dos povos, estigmatizando a despesa pública e destruindo todas as almofadas sociais que nos têm garantido a paz, consegue instalar, sem disparar um tiro ou ocupar uma capital, o terror e a miséria.
Fica então o aviso: o tempo das falinhas mansas está a chegar ao fim. Se os actuais “estadistas” europeus não tiverem a coragem de resgatar a democracia outro tipo de alternativas surgirá. E temo que não seja bonito de se ver.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Nova carta aberta a Camilo Lourenço

Muito embora a reacção ao mail anterior tenha pisado a fronteira da indelicadeza (para que conste os meus hábitos de bebida são bastante frugais!), insisto na atitude de protesto em relação aos textos direccionados contra o ex-primeiro-ministro José Sócrates. E isto, porque lendo jornais diariamente, tropeço nos comentários de quem tem por tal político uma obsessão doentia, seja porque acreditam piamente nas suas malfeitorias passadas, seja porque ela lhes serve de cortina de fumo em relação às malfeitorias presentes deste Governo de que se sentem cúmplices.
Primeiro que tudo admira-me que o Camilo Lourenço não tenha um sentido de justiça mais apurado desde que ocorreu consigo o lamentável episódio do BPN vs. Revista Exame, que então dirigia. Situação, que indignou muitos dos então leitores da revista, entre os quais me incluía, e que justificou o meu posterior alheamento dela enquanto leitor.
Ora, se alguém tem sido injustiçado há muito tempo tem sido o anterior primeiro-ministro!
Mas, depois, enquanto jornalista esperaria vê-lo desenvolver uma atitude sofista perante a recente campanha do «Público» contra ele.
Como é possível não congeminar a possibilidade real de se tratar de mais um episódio dessa pouco edificante estratégia de assassínio de carácter assumida por tal publicação desde os tempos de José Manuel Fernandes como director e que conheceu exemplo tão eloquente quanto o das supostas escutas a Belém?
É que até nem é difícil fazer uma campanha nos termos em que foi lançada, tendo em conta que existe uma significativa percentagem de socialistas dispostos a defender a legitimidade do voto contra do seu partido contra o Orçamento para 2012. São os socialistas, que acreditaram na possibilidade de existirem virtualidades no chamado PEC IV, que obviasse a tudo quanto veio a ocorrer posteriormente e que agravou profundamente as condições de financiamento da economia nacional. E que não esquecem a coligação negativa entre a direita, o PCP e o BE para derrubarem essa hipótese de salvaguarda dos direitos da grande maioria dos portugueses.
Adivinhar nesse consenso uma suposta interferência telefónica proveniente de Paris é insultuoso para quem defende consistentemente essa posição de principio, como se precisássemos de lideres iluminados, mesmo a residirem na cidade-luz para nos esclarecerem das posições políticas mais adequadas,
Ripostar-se-á facilmente, que as hesitações da srª Merkel e do sr. Bruni impediriam o sucesso daquela estratégia. E que tornariam fútil esse esforço. Mas o que esteve subjacente à condenação do PEC IV foi a política politiqueira dos actuais governantes, que tiveram uma tal pressa em chegar ao suposto pote, contra o interesse da generalidade dos cidadãos, que não pensaram nas consequências gravosas das suas votações de então.
Que legitimidade terão agora para criticar a votação dos socialistas, agora que a relação de forças se inflectiu?
E é isso que torna condenável o seu texto de hoje («O "tanto pior, melhor" de Sócrates»): assacar ao político hoje exilado o comportamento facilmente imputável aos seus lamentáveis sucessores!