domingo, 26 de setembro de 2010

A maledicência como forma de existir

Se Lula está a ser continuamente atacado pela grande maioria dos colunistas dos principais órgãos de (des)informação brasileiros, que desejariam o fim da influência do Partido dos Trabalhadores  e o regresso da direita personificada em José Serra, algo de semelhante está a acontecer com o governo de José Sócrates em Portugal.
Percorrem-se os principais jornais e abundam os artigos de opinião em que do Governo se dizem cobras e lagartos. E, no entanto, olha-se para esses senhores e questionamo-nos o que é que eles já provaram aonde estiveram. Alguma vez estariam à altura de fazer melhor do que o actual primeiro-ministro?
Ninguém se atreveria a sequer gastar um cêntimo nessa aposta.
Não deixa de ser lamentável que a maledicência esteja na ordem do dia. E que haja quem, de forma objectiva, consiga lançar pistas construtivas para um futuro melhor...

Os sovietes segundo a extrema-direita

O relançamento em Portugal dos álbuns do Tintin, começando por aquele que figura como o primeiro de Hergé («Tintin no País dos Sovietes») levanta questões que remontam à recuperação tardia de um álbum durante anos arrumado como inconveniente. No «Expresso», João Boléo elogia o carácter visionário de Hergé, que terá colado aos bolcheviques as práticas só anos depois conhecidas, já Estaline estava morto e enterrado.
Visionário?, questionamo-nos. Para que fique claro desde início não se pode escamotear o posicionamento ideológico de Hergé: por muito que custe reconhecê-lo, ele era anti-semita, de extrema-direita e racista. Na Bélgica ocupada pelos nazis ele acomodou-se à situação com a cálida indiferença dos colaboracionistas passivos.
Será ele, pois, o que menos legitimidade possuirá para criticar o regime bolchevique, porquanto estava tacitamente de acordo com os campos de extermínio nazis.
Mas, arrumada a questão da ilegitimidade da direita para criticar os crimes estalinistas (não esqueçamos a defesa de Pinochet por Margaret Thatcher ou de como toda a Operação Condor responsável por milhares de mortos latino-americanos assentou no apoio dos presidentes norte-americanos desde Nixon a George Bush), fica a de se clarificar quem possuirá tal legitimidade.
E à esquerda há quem a tenha. Muito embora queira esquecer que os regimes «comunistas» sempre foram assediados de fora por ameaças resultantes de forças defensoras de um capitalismo ainda em crescimento. Porque, como resultam das análises de Marx e de Estaline, o capitalismo só entrará em decadência, quando, como agora, atingir a sua dimensão global.
Então ocorrerá uma agudização violenta da luta de classes entre a oligarquia financeira, que concentra em si a riqueza produzida, e a maioria dos que vão empobrecendo à conta do desemprego e da miséria distribuída por governos, que daquela são meras marionetas.
A Revolução não será nenhum convite para jantar, assim o considerava Maozedong. E a esquerda mundial terá de ser reformista, enquanto as condições o aconselharem, mas suficientemente revolucionária, quando elas lhe exigirem menos palavras e mais actos. Isso acontecerá quando, como previa o mesmo Maozedong uma faísca incendiar toda a pradaria…
As tempestades já aí estão. Restará saber quando os relâmpagos se aproximarão convenientemente…
Quanto aos crimes estalinistas eles só derivam de uma razão: foram formas de defesa de regimes isolados, que ainda não tinham condições para serem bem sucedidos. Porque virá o dia em que a estatização da economia a nível global será condição única para uma distribuição justa da limitada riqueza de um planeta aonde a sustentabilidade ambiental exigirá medidas eficazes a nível demográfico, consumista e energético...

José Sócrates não poderia ser mais claro nas suas declarações: A verdade, verdadinha, é esta: o Governo propôs negociar previamente o Orçamento e o PSD disse que não!»
O ónus da actual crise política recai, pois, sobre o maior partido da oposição, que tem revelado um completo desnorte a lidar com as sucessivas reviravoltas, que a conjuntura impõe ao país.
Se surgira como a estrela emergente, que ocuparia São Bento com fragor depois de uma derrota copiosa e inevitável do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho acumula erros sobre erros. E a qualidade do seu discurso político, no seu atabalhoamento vazio de ideias, também o não ajuda a confirmar aquela perspectiva.
Neste início de Outono, e com uma carga de trabalhos às costas, José Sócrates ressurge em força dando razão a quem sempre apostou na extemporaneidade de quem lhe decretara o funeral. Mesmo com mais impostos, o Governo socialista ainda promete resistir à erosão dos acontecimentos e manter-se como o mais fiável dos homens do leme para responder às presentes tempestades…

República britânica: quando?

Espero ainda ver a Monarquia britânica substituída por uma República efectivamente democrática, já que, enquanto persistirem poderes não eleitos, apenas baseados na sucessão hereditária, é na ditadura de um punhado de privilegiados, que a maioria padece.
Em tempos que já lá vão, a revolução republicana seria sempre violenta. Como em Paris em 1789 ou na Rússia em 1917/8.
Mas a própria Coroa vai acumulando gaffes, que a vão descredibilizando até a reduzir à dimensão da sua tremenda insignificância.
A história agora contada pelo Independent em como a Rainha recorrera sem sucesso a uma candidatura de subsídios para os mais pobres dos britânicos, a fim de garantir o pagamento da electricidade e do gás, apenas vai na mesma linha.
A existência da monarquia britânica roça a dimensão mais anedótica.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

ACÇÃO VS REACÇÃO

Estamos quase a chegar à data do centenário da República, que nos pode confrontar com a grande questão da durabilidade ou não dos regimes políticos ou dos sistemas económicos.
De facto, olhando para os últimos anos da Monarquia fácil é depreender que terá residido nos seus políticos representativos, a razão de ser para o sucesso da República.
A exemplo do que ocorreria em 25 de Abril de 1974, as condições de insucesso da Revolução terão sido muitas, mas a facilidade com que uma minoria militar terá conseguido congregar em seu torno um genuíno apoio popular, foi demonstrativa de como a maioria silenciosa estava desejosa de uma alteração promissora das suas condições de vida.
O problema reside no facto dessa mesma maioria tender a colar-se à mudança pela mudança sem olhar seriamente para o que lhe propõem. Porque a 28 de Maio de 1926 aderiu a quem acabava de lançar as bases para a ditadura fascista de 48 negros anos.
Na conjuntura actual essa insatisfação com o presente volta a estar na ordem do dia. E pode alimentar propostas perversas como as enunciadas pela extrema-direita, que por toda a Europa vai conseguindo sair do ovo em que foi sendo chocada.
Razão ponderosa para que surja uma verdadeira resposta da esquerda capaz não só de contrariar essa ameaça, mas com substância suficiente para se tornar credível e popular. O que só pode suceder através da condenação efectiva do insuportável capitalismo e do desastre climático com ele umbilicalmente relacionável.
Em vez de se dividir em tendências autofágicas a esquerda tem de se unir no que em comum defende e lançar um projecto frentista, que salvaguarde o futuro dos desnorteados milhões de cidadãos, que vêem o abismo aproximar-se e não sabem como dele se livrar...


sexta-feira, 17 de setembro de 2010

QUANDO AS FERAS SE MORDEM ENTRE SI

Em França Sarkozy manda os ciganos romenos e búlgaros para casa. Em Itália Berlusconi quase conseguiu implantar um terror mussoliniano sob a capa festiva dos seus indigentes espectáculos televisivos. E nos Estados Unidos o Tea Party está a ganhar eleições primárias denotando um recrudescimento de uma extrema-direita fundamentalista.
Por estes exemplos o mundo parece estar a converter-se num lugar cada vez mais perigoso. Mas trata-se de uma ilusão, que a História acabará por desvanecer. Porque Sarkozy irá perder as próximas eleições para o candidato socialista. Porque Berlusconi só vai aguentando o poder à conta de umas operações tão plásticas como as que o reduzem a uma versão masculina da Lili Caneças. E perante gente tão radicalmente reaccionária, os democratas de Obama acabarão por conservar a maioria de outro modo quase perdida.
Significa isto que é preciso ver a extrema-direita em crescimento para que a ameaça assuste os mais acomodados e os faça ir votar quando a oportunidade se apresentar.
Afinal nem tudo o que representam as movimentações da direita pode ser visto como algo de negativo. Quando ela entra em autofagia resta à esquerda deixá-la dilacerar-se. Para melhor avançar nos seus projectos de aperfeiçoamento social...

sábado, 11 de setembro de 2010

Comemorações

À beira de eleições, vistas pela direita como a oportunidade para inflectir os resultados das últimas presidenciais, a América comemora o 9º ano do atentado da Al Qaeda completamente dividida entre os fanáticos, que querem proibir a liberdade religiosa, queimando o Alcorão, e os defensores da Constituição enquanto matriz verdadeira do que é a essência do seu país.
Numa altura em que a própria Europa vive o sobressalto da xenofobia mais inquietante, há que temer a respeito dos direitos e garantias dos mais pobres, dos que são diferentes, dos que professam outros valores civilizacionais.
E o grande problema é que a multiplicação dos veículos de conhecimento não tornou as massas acéfalas mais inteligentes. A maioria está disponível para acreditar naquilo de que um qualquer populista as convença

domingo, 5 de setembro de 2010

Um bom aluno afinal não tão bom assim!

Durante alguns meses os principais detractores da estratégia do Governo português para combater a crise, apresentaram a Irlanda como o bom exemplo de uma opção, que não deixavam de considerar como a mais adequada para o nosso país: uma redução significativa dos vencimentos, uma política de grande contenção da despesa, ou seja, uma aposta decidida na redução do endividamento à custa na limitação dos investimentos públicos.
Afinal a receita que os iluminados «economistas», que foram incensá-la a Belém, propunham com entusiasmo a começar por esse corifeu intragável, que se chama Medina Carreira.
O resultado prático dessa receita pode ser agora apreciado em tempo útil: afinal essa mesma Irlanda tem tido um desempenho macroeconómico tão negativo, que o desemprego já vai em 13% e a dívida ameaça ultrapassar a da Grécia.
Que dirão agora os que execraram os investimentos públicos como apostas de lesa-pátria?