segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

POLITICA: um ano que não deixa saudades


Perfeitamente de acordo com Leonel Moura, quando, no «Negócios», considera 2012 um ano perdido: Perdido de muitas maneiras. Para a história, para a democracia, para a economia, para as vidas de milhões de portugueses (…)
Perdido pois para um povo que foi enganado por promessas vãs e falácias ideológicas. Resultado: escolheu, nas últimas eleições, o pior partido e agora sofre as consequências. Colocou no poder gente sem cultura nem escrúpulos, disposta a tudo para agradar aos mandantes. O resultado é a sopa dos pobres, as vidas desfeitas, o colapso da economia, a venda do país a retalho.
Façamos votos para que 2013 lhe traga a clarividência, que lhe ficou completamente omissa em 2011, quando decidiu confiar nesta gente sem qualidades...

A GUERRA AOS REFORMADOS


É um facto cada vez mais notório o esforço dos «donos das vozes», que falam enquanto governo e possuem os meios de comunicação, em afastar os jornalistas e os comentadores mais dissonantes do processo de imposição de uma agenda ideológica em seu benefício. Abundam os camilos lourenços e os mários crespos, e são raros os testemunhos de um André Freire, de um Boaventura Sousa Santos ou de um Pedro Nuno Santos.
É por isso com algum espanto, que se vê publicado no símbolo mais evidente do «jornalismo de sarjeta», um texto de Fernanda Palma, com o qual é difícil não estar totalmente de acordo:
Os compromissos assumidos perante os reformados não podem valer menos do que os vínculos contraídos com credores que cobram juros desproporcionados num mercado financeiro sem regras ou limites. Quem faça o discurso de honrar os compromissos não pode sustentar a invalidade retroativa dos compromissos assumidos perante os cidadãos mais velhos e com menor poder negocial. E os argumentos "económicos" que consideram natural a colocação de capitais em offshores não têm nenhuma legitimidade para condenar uma parte da população a uma existência miserável.’
O que comprova que até os mais entusiásticos defensores de passos & companhia não conseguem evitar a disseminação de um discurso a eles totalmente contrário.

CITAÇÃO DO DIA: O exemplo que vem de La Paz


Em tempo de fúria privatizadora nas periferias europeias é bom saber que nada é irreversível na economia política:  quatro filiais da Iberdrola nacionalizadas na Bolívia. Recuperar o controlo público de sectores estratégicos é uma das tarefas incontornáveis de um governo suportado por um "Bloco nacional-popular", para recuperar a expressão “gramsciana” de Garcia Linera, vice-presidente de Morales. Uma lição de política. Esperemos que quem a queira aprender por aqui possa vir a ter todas as forças democráticas.
João Rodrigues, Ladrões de Bicicletas

HERÓI DO DIA: Evo Morales


O que está vivo não diga nunca NUNCA! Esta frase do Bertolt Brecht ajusta-se perfeitamente ao que se passa na Bolívia, aonde o Presidente Evo Morales não tem hesitado em concretizar uma determinada campanha de nacionalizações.
Para quem defende a importância de manter na propriedade coletiva as empresas estratégicas, que têm a ver com a energia, as águas, as telecomunicações e outros setores capazes de, per si, possibilitarem políticas mais distributivas das riquezas de cada país (como será possível um Estado Social sem este garantir receitas de setores altamente lucrativos, que nunca deveria passar para as mãos da ganância privada?), o exemplo de Evo Morales constitui um estímulo.
Que diferença abissal entre um presidente preocupado com o bem estar do seu povo com outro, relativamente ao qual a provável senilidade não servirá de desculpa para promulgar um Orçamento de Estado criminoso pelo que implicará de maior miséria e infelicidade para quase todos os seus compatriotas!

sábado, 29 de dezembro de 2012

POLÍTICA: uma entrevista elucidativa


Raquel Varela é a coordenadora de um estudo académico que calcula da forma mais exata possível a relação entre gastos sociais do Estado e os impostos pagos pelos assalariados. «Quem paga o Estado Social em Portugal?» é um livro que assume a posição clara de desmontar a chantagem política feita sobre os trabalhadores ao propagar a ideia de que andaram a viver acima das suas possibilidades.
No «i» de hoje, ela deu uma entrevista a Nuno Ramos de Almeida em que diz coisas essenciais sobre o presente estado das coisas. O que se segue é uma colagem de várias passagens dessa entrevista de forma a dar-lhe alguma homogeneidade e ajudar a divulgar o mais possível as conclusões fundamentadas desta historiadora. Nada que se confunda com as serôdias teses do josé hermano saraiva dos nossos dias - rui ramos - por muito que seja este quem mais aparece promovido nos nossos ecrãs televisivos.

Nós provamos que de acordo com os números existentes os trabalhadores pagam com os seus impostos os gastos sociais do Estado. A outra questão é a razão por que chegámos aqui. Aquilo que aconteceu foi uma permanente transferência de recursos, desde o início do advento das políticas neoliberais em Portugal.
O neoliberalismo caracteriza-se pelo modelo just in time: não há stocks de mercadorias nem de força de trabalho. A força de trabalho tem de ser precária e estar permanentemente móvel. O neoliberalismo surge como reação à crise de 1981-84, que foi uma das maiores crises cíclicas do capital, que teve efeitos explosivos. Em Portugal assiste-se ao esforço para diminuir os stocks da força de trabalho. Desenrolam-se um conjunto de processos negociais em que parte crescente da força de trabalho mais velha é enviada para a reforma antecipada, o que vai ter um peso enorme sobre a Segurança Social. Estas reformas antecipadas são na realidade despedimentos encapotados em que as empresas não pagam a indemnização e endossam esse custo à Segurança Social.
A utilização da Segurança Social como uma espécie de fundo de despedimento das empresas privadas representa um grande rombo para esta. Parte significativa da força de trabalho mais velha e com mais direitos é empurrada para a reforma, sendo substituída por um contingente de trabalhadores subcontratados e sem direitos.
Durante 30 anos assistimos ao desenrolar deste processo, aquilo que muda em 2008, a maior crise desde 1981-84, é que a solução que os governos escolheram para sair desta crise passa pela transformação de todos assalariados em força de trabalho precária. Uma política que defende que as exportações só podem tornar-se competitivas com a queda abrupta dos salários, o que tem como consequência a quebra da procura interna. Esta política aumenta a conflitualidade entre os próprios capitalistas e nos partidos no poder: quando se aumentam as exportações, a Portucel ganha, mas o Belmiro de Azevedo e o Continente perdem.
Nós mostramos, por exemplo, que desde que existem os hospitais empresas, que são hospitais públicos com gestão privada, se verifica que a diminuição dos salários de médicos e enfermeiros é idêntica àquilo que é gasto na subcontratação externa de serviços a privados. Outra coisa que pomos em dúvida são determinados programas que estão contabilizados como gastos sociais mas que são subsídios diretos às empresas privadas, como por exemplo o Estado pagar parte do ordenado de trabalhadores que estavam desempregados que são contratados por empresas privadas.
Neste momento a Segurança Social não é deficitária, mas se me perguntar se uma sociedade aguenta ter mais de um milhão e quatrocentos mil desempregados por muito tempo, tenho muitas dúvidas. E não se trata só do equilíbrio financeiro da Segurança Social. Portugal com este nível de desemprego não é sustentável do ponto vista económico, social e político.
Chegamos a um nível de desenvolvimento da humanidade em que o problema do emprego tem de ser equacionado de outra forma: andamos na autoestrada e pagamos as portagens numa máquina, o mesmo fazemos em relação às compras no supermercado, o metro de Turim anda sem condutor... Chegamos a um nível de desenvolvimento tecnológico que naturalmente acarreta um patamar de desemprego estrutural se nós não mudarmos a nossa forma de viver. Temos de criar uma sociedade em que toda a gente trabalhe menos horas, mas que trabalhe. Se a única coisa que fazemos é formar engenheiros para construírem máquinas que vão substituir o trabalho de milhares de pessoas estamos a cair num buraco negro em que temos máquinas de um lado e desempregados do outro. Em nenhum sítio é possível aguentar a Segurança Social e a sociedade nestas condições.
Acerca da dívida, aquilo que concluímos é que, se os trabalhadores pagam tendencialmente mais do que recebem em serviços sociais, temos de ir procurar outras razões para explicar a acumulação do défice. Para isso damos um conjunto de pistas: as parcerias público-privadas, o crescimento dos encargos financeiros da própria dívida pública...
Se nós tivemos de nos endividar nos últimos 20 anos para compra de habitação isso não significa que tenhamos vivido acima das nossas possibilidades, mas abaixo delas. Os salários portugueses mantiveram-se tão baixos nos últimos 20 anos que as pessoas para resolverem este direito básico que é a habitação tiveram de se endividar. O neoliberalismo nem o direito básico da habitação conseguiu resolver. Das duas uma: ou nós insistimos que as pessoas são umas perdulárias que quiseram ter casa própria – mais de 70% dos portugueses são proprietários de casa própria para a qual a grande maioria teve de se endividar aos bancos – ou podemos dizer que os portugueses têm salários tão baixos que tiveram de se endividar para conseguir comprar casa.
O mais importante está no endividamento dos particulares para garantir os lucros do sistema financeiro e das grandes construtoras nacionais, cujo processo de acumulação de capital resultou desse endividamento forçado das famílias para resolver o direito básico de ter uma habitação. Esse processo não resolveu o problema das famílias portuguesas, que todos os dias, com o aumento do desemprego, arriscam ser despejadas. Temos de assumir que não andamos a viver acima das nossas possibilidades, mas pelo contrário vivemos num sistema económico que nem o problema da habitação consegue resolver.
Dizer que um país vive acima das suas possibilidades não é correto do ponto de vista histórico. Num país há pessoas que vivem acima das suas possibilidades e outras que não. A mim parece-me que é claramente o caso europeu. Por exemplo, culpabilizar todos os alemães é uma deriva nacionalista. Os trabalhadores alemães têm os seus salários congelados nos últimos dez, 15 anos por causa deste processo. Do meu ponto de vista, não devemos fazer esta afirmação em relação aos países no seu todo, mas em relação às classes sociais.
Portugal é o segundo país mais desigual da Europa, depois do Reino Unido, e esta crise é acompanhada pelo um aumento exponencial do consumo de bens de luxo, mas não se pode daí concluir que todos os portugueses estejam implicados nisso. Nós não temos um consumo excessivo, temos é um consumo exagerado de hidratos de carbono, temos um consumo deficitário de legumes frescos com nutrientes, temos um consumo exagerado de transportes individuais e um consumo deficitário de transportes coletivos. Ou seja, o problema do consumo não é abstrato, concretiza-se numa sociedade que é desigual. Há sectores que consomem muito e outros muito pouco e há coisas que se consome muito e outras muito pouco. Tem de haver uma elação saudável do homem, da economia e da natureza, mas não pode haver a ideia de um regresso a um passado mítico em que estaríamos em harmonia com a natureza.
A sustentabilidade deve ter por base uma análise criteriosa daquilo que consumimos a mais e daquilo que consumimos a menos. Nós consumimos muitas coisas a menos. Consumimos a menos alimentos biológicos, cultura de qualidade, transportes públicos, bicicletas não poluentes. Podia estar a tarde toda a dar exemplos. Mais que uma crítica do consumismo em abstrato temos de nos centrar numa análise daquilo que devemos e podemos consumir em concreto.
O processo de globalização que vivemos é um processo de globalização imperialista. É óbvio que esta globalização nos trouxe coisa de que nós gostamos: conhecer os outros povos, a sua cultura, a sua comida, consumir os seus produtos, etc. Isto tem sido feito através de um processo muito desigual e que vai produzindo desigualdades. Ao mesmo tempo que aos trabalhadores chineses é entregue uma guia para trabalhar 16 horas por dia por dois dólares, sem que se lhes permita levar a família e sem assistência social – estou a citar números oficiais usados por um historiador chinês –, temos um dos maiores processos de acumulação de capital nos Estados Unidos devido a esta divisão de trabalho que torna a China a fábrica do mundo. Esta desigualdade não é aceitável. Estou convencida que um dos grande objetivos do programa da troika é aproximar-nos da China. O capitalismo chinês tem um problema imenso que deriva de viver da exploração da mais-valia absoluta, o que significa que um trabalhador chinês dá mais--valia devido ao aumento da exploração do trabalho. Para isso é necessário manter o elevado número de horas da jornada de trabalho. Enquanto um trabalhador americano rende pela mais-valia relativa. Ele trabalha meia hora para si e as outras sete horas e meia são para o capital, enquanto um trabalhador chinês é muito menos produtivo. Para acumular o mesmo capital na China é preciso muito mais trabalhadores. A jornada de trabalho é maior por causa disso. Com um aumento de salário na China de 10% deixa de compensar as empresas estrangeiras estarem lá. Esse aumento de salário tem um efeito muito maior na diminuição da acumulação de capital que um mesmo aumento num país com uma grande produtividade. Nos últimos anos tem havido aumentos salariais na China fruto das greves. É possível que a burguesia europeia pense que a forma de resolver esta crise é tentar fazer uma China aqui perto, contornando os problemas que têm tido no processo de acumulação chinês.
Quando a chanceler Angela Merkel falou na hipótese de reindustrializar Portugal era isso que estava a propor. Por um lado, a utilização dos países do Sul da Europa como uma espécie de nova China, por outro o roubo de cérebros e licenciados para os países do centro da Europa e a Alemanha.
Nós temos hoje um milhão e trezentos mil licenciados em Portugal, e a mão- -de-obra na Europa é altamente qualificada. É tão proletarizada como era nas fábricas. Neste momento um investigador em Portugal ganha muito menos que um operário alemão. É um novo proletariado qualificado. É mais produtivo que o tradicional. O que eu faço hoje com um computador exigia há poucos anos dezenas de pessoas. Todo o processo de Bolonha visou criar as condições para a deslocação na Europa desta nova mão-de-obra extraordinariamente produtiva. Cada vez mais a língua é o inglês, há cada vez mais empresas que não trabalham na sua língua nacional. Estão-se a criar condições para ter um mercado de trabalho à escala continental. É por isso que a nossa precarização vai ser o enterro dos direitos sociais dos trabalhadores alemães. O que se prepara é que de hoje para amanhã os trabalhadores qualificados do Sul ocupem por um salário muito mais baixo o lugar de um trabalhador alemão. É este o objetivo da política da troika.




O QUE TORNARÁ BOM O ANO DE 2013


Três temas são prioritários nos combates que hão de fazer de 2013 um ano bom: a defesa do Estado social; a afirmação da democracia em todas as suas expressões; a exigência de compromissos para que se produzam bens e serviços úteis ao desenvolvimento da sociedade portuguesa.
Carvalho da Silva, Jornal de Notícias

CITAÇÃO DO DIA: Ainda a mensagem de Natal do pedro e da laura


A redacção do Pedro, na sua penosa mediocridade, revela-nos antes de mais um ser (que, por acaso, é nosso primeiro-ministro) que não domina a língua que utiliza, deixando-nos sérias dúvidas quanto à articulação do seu pensamento – que como se sabe não é algo de etéreo e se traduz através da linguagem em que se expressa. Como se imagina, é sempre desagradável descobrirmos que, depois de tudo o que já passámos, chegámos agora ao cúmulo, de ter um primeiro-ministro cuja utilização da língua é no mínimo rudimentar. Este pormenor ajuda-nos a perceber a constante trapalhada conceptual em que o Dr. Passos Coelho navega, utilizando conceitos que não domina e frases que ninguém compreende. A título de exemplo refira-se apenas a misteriosa “refundação” que começou por ser do Memorando, depois aterrou no Estado, para acabar por se esfumar, sem que ninguém tenha alcançado o que o primeiro-ministro quis dizer – nem sequer o próprio, que, obviamente, não sabia o significado da palavra que utilizou.’
Constança Cunha e Sá, i

FOTO DO DIA: um salazar debaixo do banco


A imagem já está em muitos blogues e em páginas do facebook não sendo pois novidade para muitos quantos aqui a veem, mas foi captada quando passos coelho se deslocou a Coimbra para ser apupado à entrada do Museu Machado de Castro. E é elucidativa sobre o tipo de leituras, que andam a sugestionar o marido da laura.
Depois de termos sabido há uns tempos quanto lhe estava a ser inspiradora a leitura das ideias do ditador de Singapura, ei-lo a buscar suplementos de alma no botas de má memória.
Não sobram quaisquer dúvidas quanto à incompatibilidade do pedro com o regime democrático em que conseguiu imerecida notoriedade. Razão de peso para ser atirado para o caixote do lixo da História enquanto vende-pátrias despudorado!

CRÁPULA DO DIA: fernando leal da costa


O “prémio” de hoje vai para fernando leal da costa, secretário de estado da saúde, que já se “notabilizara” por algumas afirmações vergonhosas contra o governo anterior e hoje emitiu o apelo aos portugueses para que recorram menos ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) como forma de lhe reduzirem os custos.
Falta de sensibilidade social, já alguns comentaram a propósito de tais palavras. Mas, sobretudo, denota uma visão ideológica sobre o setor, que tem há muito fortes raízes na direita portuguesa. É o «Quem quer saúde paga-a!», emitido por um, tristemente célebre, deputado de tempos idos ou a versão nacional do thatcherismo no seu máximo esplendor, já que se coaduna com o que se sabe hoje da sinistra ex-primeira-ministra inglesa, que só não acabou com o SNS no seu tempo de (des)governo, porque os próprios colegas de governo quase se amotinaram.
“Que bom será quando a saúde não custar um cêntimo ao Estado e só quem tiver algum dinheiro o pode entregar aos privados, que tiverem então os hospitais por sua conta.” - é o que vai na cabeça destas luminárias comandadas por Paulo Macedo, um homem proveniente de um dos principais grupos apostados em garantirem lucros com a medicina privada...



FILME: "Os Verdes Anos" de Paulo Rocha, (1963)


Na morte de Paulo Rocha faz todo o sentido rever um dos filmes, que mais contribuiu para mudar o cinema português.

FILME: «Sherlock Jr.» de Buster Keaton (1924)



É evidente que, quer pela genialidade, quer pelos pressupostos políticos inerentes à sua obra, Charles Chaplin é o grande realizador de comédias do cinema mudo. Mas Buster Keaton, como se comprova neste «Sherlock Jr.» de 1924, também possuía argumentos suficientes para, quase nove décadas passadas, vermos com maior interesse esta média-metragem de três quartos de hora do que muitas imbecilidades, que toldam os nossos ecrãs horas a fio supostamente com o mesmo propósito de nos fazer rir.
Aqui há uma rapariga que Buster Keaton corteja, mas igualmente pretendida por um rival pouco escrupuloso apostado em afastá-lo de vez. Para isso consegue fazê-lo acusar de roubo do relógio do potencial sogro, motivo suficiente para ele se ver proibido de aproximação à rapariga.
Dado que se trata de um autêntico sonhador a que a atividade de projecionista de cinema mais potencia os desvarios, Buster Keaton adormece logo se imaginando na tela, em ambientes sofisticados e aventureiros aonde tenta recuperar a namorada em enfrentando os perigos da selva ou do deserto.
Claro que, no final, tudo se esclarece e a rapariga fica ao seu alcance. Oportunidade para ele ir olhando para o ecrã do cinema e imitar os gestos galantes com que aí os protagonistas cortejam as suas potenciais namoradas.
Trata-se, pois, da revisitação da personalidade do «homem que nunca sorria» e cuja timidez impedia de conhecer os sucessos dos galãs, que tanto se esforça por imitar!

POLÍTICA: glórias passadas e os buracos do BPN


No «Diário de Notícias» Fernanda Câncio tem sido uma incansável denunciadora dos contrastes entre as promessas assumidas por esta equipa governante, quando se tratou de menorizar as políticas implementadas pelo governo anterior e a prática, que tem estado à vista de todos.
Bastou um ano e meio para se constatar como enganadoras tinham sido as opiniões, que davam passos coelho como impoluta figura ou vítor gaspar enquanto técnico infalível.
Por isso ela escreve a tal respeito na edição de ontem:
Difícil encontrar hoje um analista ou jornalista que não faça pouco das previsões do Vítor, não é? Mas quem não se recorda de ter sido apresentado como "um técnico brilhante e apolítico", "uma infalível máquina de contas", e a sua austeridade como "o único caminho"? E já não se lembram de como o Pedro era "um homem sério", "sensato", "bem falante" (!), que "não enganava ninguém", e o Álvaro um brilhante académico que trazia do Canadá a saída para todos os problemas? 
Das opiniões publicadas nos jornais ontem lidos também vale a pena retomar o caso BPN tal qual Daniel Oliveira o aborda no «Expresso». Porque os buracos nele cavados continuam a vir à tona, causam prejuízos gravosos em todos nós e, como facilmente se conclui tem sempre o fedor insuportável de gente pouco recomendável de que cavaco silva sempre se gostou de rodear:
Soubemos este fim de semana, através de uma investigação do Expresso e da SIC, que há mais de 500 clientes do BPN com dívidas superiores a meio milhão de euros em incumprimento total. Estarão em causa três mil milhões de euros. Os maiores devedores são empresas e offshores ligados ao grupo SLN. Em particular, uma empresa de Emídio Catum e Fernando Fantasia (que pertenceu à comissão de honra de Cavaco Silva).
Estas dívidas são às três sociedades veículo criadas pelo ministério das Finanças, que deixaram para o Estado os problemas do BPN (o que se safava ficou para a SLN ou foi privatizado). Como grande parte destas dívidas correspondem a garantias insuficientes ou nulas, é provável que este dinheiro nunca venha a ser pago. O buraco total deixado pelo BPN pode chegar aos sete mil milhões de euros.
Uma dívida de três mil milhões, dois terços do que o governo quer cortar em educação, saúde e reformas. Sete mil milhões de buraco, quase o dobro.

POLÍTICA: não é preciso ser adivinho que passos coelho não aguenta mais um ano!


Sou dos que acreditam na inevitabilidade da queda do governo de passos coelho durante o ano de 2013.
Pode acontecer no segundo trimestre tão só se conjuguem os resultados da execução orçamental no 1º trimestre com as manifestações de repúdio das políticas governamentais decorrentes da redução significativa dos rendimentos das famílias com as novas tabelas do IRS. Ou poderá ocorrer em setembro quando, após um terrível verão em que as famílias não terão uma vez mais direito a férias, estas oferecerão ao PSD um resultado desastroso nas autárquicas. Nessa altura ao desagrado do eleitorado somar-se-á o motim do próprio aparelho laranja subitamente despojado de tantos empregos municipais e dos fundos deles provenientes e disposto a defenestrar um passos coelho tão fragilizado, que verá o golpe final aplicado pelo seu parceiro de coligação ansioso por ir limitar os danos do seu comprometimento com nova ronda por feiras e por lares de idosos.
Embora a permanência de passos coelho até lá nos saia dos já depauperados bolsos, prefiro a segunda hipótese: será fundamental que o veneno agora ingerido pelos portugueses sob a forma desta política injusta garanta um tal antídoto que, durante muito tempo, não haja quem se arrisque a voltar a prova-lo.
E até lá convirá que, quer a nível interno, quer externo, a esquerda consiga encontrar as respostas mais eficazes para contrariar esta tendência generalizada para um obsceno enriquecimento dos mais ricos à custa da pauperização das classes médias e mais desfavorecidas…

CRÁPULAS DO DIA: seis monstros indianos


Em rigor os crápulas aqui referenciados perpetraram o seu nefando crime no dia 16 deste mês: seis homens que, na Índia, violaram continuamente uma rapariga, que regressava do cinema com o namorado e apanhara o autocarro aonde todos viajavam. Hoje ela morreu em Singapura, jamais conseguindo recuperar das lesões sofridas.
Não é difícil, pois, escolher quem designar como os monstros do dia, porque esses seis assassinos exprimiram um dos mais ignóbeis comportamentos, que se revelam na espécie humana. É por isso que, muito embora, formalmente contra a pena de morte, surjam casos que nos fazem refletir se se justificam as contemporizações com quem não mostrou nenhuma para com as suas vítimas indefesas...

BANDA SONORA: Chelsea Wolfe: Flatlands


«Unknown Rooms» é, segundo Gonçalo Frota («Público»), um dos discos mais subterrâneos e encantadores dos últimos meses, a merecer uma visibilidade que a postura esquiva de Wolfe dificilmente facilitará.

BANDA SONORA: Ballake Sissoko & Vincent Segal - Chamber Music


Ballaké Sissoko é o grande mestre da kora. Aqui ele conjuga-se com o violoncelista francês para uma demonstração da transversalidade da música.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

POLÍTICA: quando o burlão mitómano não é quem anda por aí a ser denunciado!


Sou dos que gostei de ouvir Baptista da Silva no «Expresso da Meia-Noite». Por momentos a televisão apresentava um alto quadro de uma organização internacional a afirmar desassombradamente aquilo que já é defendido por milhares de economistas, de politólogos e de outros analistas da conjuntura atual.
O que estava em causa não era o conteúdo da mensagem, cada vez mais convertido numa evidência incontestável, mas a qualidade do seu mensageiro.
Viu-se que, afinal, ele não representava quem dizia ter por trás, mas logo cresceu o coro dos que desqualificando-o, logo quiseram desvalorizar o que dizia. E até surgiram exércitos de justiceiros prontos para usarem a lei do faroeste contra o excelente jornalista, que é Nicolau Santos, acusando-o das piores vilanias.
É contra essa chusma de gentalha que Fernanda Câncio se indignou no «Jugular»: No momento em que se legisla para que os portugueses sejam enganados mensalmente no recibo do ordenado, para não perceberem bem o quanto a alteração dos escalões do irs os rouba, encarniçarmo-nos na perseguição de um homem que fez uns cartões falsos e pretendeu ser lá da onu para “aparecer” é o mais perfeito retrato do jornalismo -- e provavelmente do país -- que temos e somos.
Mas, se a jornalista do «Diário de Notícias» reage com pessimismo, Pedro Lains relativiza os efeitos nefastos deste incidente no seu blogue:
Quem está a usar o caso do "impostor" em defesa dos seus próprios argumentos, porventura não se aperceberá o quanto o caso é episódico.
O debate vai prosseguir como dantes, em Portugal e no resto da Europa, reforçando as conclusões que têm sido feitas até aqui, nomeadamente, quanto à necessidade do abrandamento na austeridade, das reestruturações na periferia, e do acentuar da mudança das posições do BCE e da Alemanha.
Há dois anos, aqueles mesmos "sabiam" que bastava cortar nas "gorduras"; depois que a austeridade seria obviamente redentora e expansionista; e em seguida que bastaria aguentar dois anos para se verem os resultados. Agora, tudo isso já é História.
Assim como o caso Baptista da Silva. Claro que não vale acrescentar que o uso desse caso é uma medida da fraqueza da argumentação, pois isso seria usar o mesmo método de discussão. É preferível esperar pelos próximos episódios da solução da crise.
É que está à vista que o verdadeiro burlão mitómano é outro, como o demonstra Sérgio Lavos no «Arrastão»: burlão mitómano Pedro Passos Coelho achou que o espaço mediático estava a ser usurpado por outro burlão de quinta categoria cujas mentiras e invenções não se aproximam sequer do brilho das suas próprias mentiras e decidiu vir uma vez mais insultar a inteligência dos portugueses com uma mensagem no Facebook, mostrando à saciedade uma das suas melhores qualidades: o cinismo. 
É alguém tão insuspeito como Luís Meneses Leitão quem comenta no «Delito de Opinião»:
Ao assistir à comunicação de hoje à noite do Primeiro-Ministro a procurar inspirar os portugueses e incutir otimismo para um ano que vai representar a maior crise de sempre, só me vieram à memória dois episódios.
O primeiro foi a reação da França nos primeiros meses da II Guerra Mundial. O país lançou um slogan que dizia: "Vamos vencer porque somos os mais fortes". Três semanas depois Hitler entrava em Paris.
O segundo foi o célebre ministro da propaganda de Saddam Hussein que garantia estar o Iraque a esmagar as tropas americanas às portas de Bagdad. Ficou conhecido pelo nome de "Ali, o cómico", embora os iraquianos não lhe devam ter achado graça absolutamente nenhuma.
Passos Coelho tem uma atitude semelhante, proclamando que "ainda não podemos declarar vitória sobre a crise, mas estamos hoje muito mais perto de o conseguir", quando o país cada vez mais se enterra. Merece justamente o cognome de Passos, o cómico. O problema é que isto aos portugueses também não dá nenhuma vontade de rir.
E vontade de rir é o que não tem decerto Baptista Bastos, quando, no «Diário de Notícias» também comenta o tipo de pessoa, que é  passos coelho:
‘Quando um primeiro-ministro, este, diz que os reformados já receberam mais do que as verbas por eles descontadas, a frase deixa de constituir uma questão semântica para configurar a mais desprezível vilania. Este homem não é digno de nos representar, em circunstância alguma. Mas ele vai passar, deixando um traço de ignomínia e uma soma de vergonhas morais, a começar pelas suas mentiras, continuando pela sua frondosa incompetência e terminando na leviandade dos juízos. É um subalterno. A voz não lhe pertence, as ideias são de outros.’

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

OS CRÁPULAS DO DIA: um padre italiano e um extremista de direita vindo do maoísmo


Agora que o novo ano já espreita, o Ventos Semeados vai abrir uma nova secção intitulada «Crápula do Dia», na qual se «premiará» regularmente uma personalidade merecedora de referência pela sua desprezível conduta.
Contrariamos assim uma célebre regra ditada há umas décadas pelo realizador francês François Truffaut, a quem um dia acusaram de só publicar críticas positivas aos filmes sobre que escrevia, e ao que ele redarguia com o merecimento do silêncio para os demais.
Mas poderíamos deixar tais biltres entregues ao seu desmerecimento sendo eles capazes de gerarem tão nefastos danos, ainda que nos circunscritos ambientes que influenciam. Por isso convém, pelo contrário, denunciar tal gente enquanto verdadeiros delinquentes à solta, que devem, de facto ser publicamente execrados.
E, para iniciar esta rubrica, começamos logo com dois exemplares de eleição.
O primeiro nunca tinha surgido no nosso horizonte, mas aterrou agora com todo o estrondo devido ao anacronismo das suas opiniões afixadas à porta da igreja aonde supostamente serve os desígnios do Senhor seu Deus. Segundo ele as mulheres, com as suas roupas curtas e ofensivas, estão a afastar-se da vida virtuosa em família, provocando instintos em criminosos.
Don Piero Corsi,  padre de San Terenzo, ao norte de Itália, exprime assim uma opinião repugnante, desculpabilizadora de violadores e de outros predadores sexuais, como se a mulher continuasse a personificar para a Igreja a própria representação do pecado.
O outro crápula do dia foi diretor do «Público» durante muitos anos e ainda continua a ditar as suas teses odiosas enquanto colunista.
Ele que é mais um lamentável exemplo de como alguns extremistas de esquerda o são fanaticamente, quando os tempos revolucionários o suscitam, e logo viram para a extrema-direita quando são as troikas e as obscuras eminências pardas do setor financeiro a tudo parecerem controlar, tem o desplante de encabeçar um movimento bloguista de condenação a Nicolau Santos pelo sucedido com a presença de Baptista da Silva no seu programa.
Não chega a ser triste a desmesurada infâmia a que chegam os josémanuelfernandes deste tempo. Porque há sempre a esperança de estar para breve a tal manhã clara e limpa, de que falava Sophia a propósito do 25 de abril, que remeta para a esterqueira os fautores deste tipo de imundície...

Documentário: «Dador Anónimo» de Jerry Rothwell



Joellen, Danielle ou Fletcher não se conhecem entre si, mas têm em comum o olhar, as sobrancelhas altas ou o mesmo gesto de passarem a mão pelos cabelos atrás da orelha. Desde que souberam, mais cedo ou mais tarde, que tinham nascido a partir de inseminação artificial, cada um deles não deixou de imaginar o aspeto desse pai invisível, designado pelo nº 150 do certificado de tal operação. Alguns acabam por encontrá-lo na sequência de um artigo sobre essa busca.
O homem que todos procuram chama-se Jeffrey Harrison e é um hippie, que vive na Califórnia. Quando dera o seu esperma, motivava-o o dinheiro assim recebido para o ajudar a pagar as contas. E é claro que a sua vida irá ser perturbada pela irrupção dessa inesperada e numerosa progenitura.
De que pai se é filho, quando se nasce de uma inseminação artificial a partir de uma ejaculação anónima recolhida numa proveta? O anonimato desse homem a quem uns quantos devem o nascimento e uma parte do seu património genético poderá calar a necessidade de inscrever a sua existência numa filiação precisa?
Se a mãe sempre dissera a Joellen, que não tinha pai, mas sim um dador, ela nunca desistira de encontrar esse progenitor de quem herdara as suas sobrancelhas elevadas. Um indivíduo escolhido pela mãe entre dezenas de outros candidatos baseada num perfil digno de um garanhão: 28 anos, raça branca, 1,80 metros, 77 Kgs, cabelo castanho, olhos azuis, boa audição, boa debtadura, excelente estado físico.
Ao encontrar alguns dos meio-irmãos e meio-irmãs provenientes do mesmo macho reprodutor - que vendia o esperma duas a três vezes por semana  por 25 a 50 dólares por ejaculação - ela parte ao encontro desse vagabundo místico, que vive na roulotte com os seus cães e pássaros numa praia californiana.
Dirigido com a ligeireza de uma comédia romântica, «Dador Anónimo» segue a busca de Joellen e semeando conclusões de uma banalidade enternecedora. Por entre tais sequências faz-se uma incursão ao banco de esperma Cryobank, que reivindica sessenta mil nascimentos a partir dos seus «masturbatoriuns» com paredes revestidas de revistas pornográficas.


Documentário: «À Sombra da Montanha» de Danielle Jaeggi

http://vimeo.com/33297722


«À Sombra da Montanha» é um filme singular na forma como alia a investigação à atmosfera de um outro tempo, ao confrontar o espectador com uma época há muito ultrapassada. E, no entanto, a tuberculose foi uma pandemia que marcou e fez sofrer europeus durante mais de um século, apesar de já quase nada restar desse passado nas estâncias de tratamento mais conhecidas de então. Como Davos, aqui representada no filme, ou o nosso Caramulo.
O filme evoca as décadas de 30 e de 40 do século passado, quando a Europa passava por um dos seus piores pesadelos e durante as quais haviam cidadãos das diversas potências beligerantes a coabitarem nos Alpes suíços.
Tratando-se de um dos primeiros e mais conhecidos sanatórios, Davos não escapou aos sobressaltos da História. Da época pacata do início do século até à ascensão do nazismo , culminando na adequação ás solicitações dos vencedores da Segunda Guerra Mundial, adivinha-se como esse universo, aparentemente preservado, acaba por representar um modelo reduzido de uma Suíça exposta às pressões exteriores.
Nessa estância imortalizada por Thomas Mann na sua «Montanha Mágica», cruzaram-se sucessivamente por essa época socialistas, chefes nazis, militares americanos e sobreviventes de campos de concentração.
O filme aborda as evoluções ocorridos nesse cenário a partir da experiência pessoal da própria realizadora. É que, através das cartas do pai, descobrira, entretanto, as razões para as suas insuportáveis ausências.
Conta ela: O meu pai, tuberculoso, passou longos anos no sanatório, sobretudo antes de eu nascer, e depois enquanto era bebé. Custou-me suportar a distância e as ausências que a doença instaurava entre nós.
Ao reler atentamente as cartas do meu pai para a minha mãe durante essas estadias forçadas na montanha, que me decidi a ir a Davos.
Escritas antes e durante a segunda guerra mundial, elas evocam não só a doença, mas também a situação política da Suíça de então. Ora, os meus pais eram tanto mais sensíveis á ascensão do nazismo e ao fecho progressivo das fronteiras quanto, sendo o meu pai suíço, a minha mãe era judia oriunda da Hungria.
Decidi-me, então, a retratar de forma ficcional, o meu próprio percurso de descoberta, através de um testemunho em voz off na primeira pessoa onde, dando a escutar algumas das cartas do meu pai, aproveito para inquirir sobre Davos e os sanatórios, locais de que ignorava o seu lado escondido e violento.
Foi assim, que descobri que após a época dourada dos sanatórios -  a do tempo suspenso e das festas de máscaras - a História fez uma entrada brutal em Davos. De facto, essa pequena cidade, conhecida pelo seu ar puro, pelos hotéis de luxo e pela sua paisagem, não tardará a ser um espaço muito peculiar aonde não tardam a cruzar-se oficiais nazis (hóspedes dos sanatórios sob o controle direto do Reich) e as vítimas do nazismo, a par desse episódio burlesco dos aviadores norte-americanos confrontados com as paradas dos inimigos nas ruas da vila.
Ao longo da investigação utilizei a linguagem muito direta e datada do meu pai sobre a situação da época, intercalada com a perspetiva documentada de historiadores especializados nela.
O aspeto mais curioso do filme tem a ver com o facto de tanta gente ficar refém de um contexto de que não se consegue libertar e em que a própria vida parece estar sempre em risco.
Nos materiais sobre o filme também é curioso encontrar uma resenha histórica, que o ajudam a aprofundar: em maio/junho de 1940, milhares de soldados franceses, marroquinos e polacos, que fogem à invasão alemã, encontram refúgio na Suíça ao longo do Jura. É assim que a Suíça recebe mais de 200 mil refugiados entre 1940 e 1945, na maioria internados em campos de trabalho na agricultura e na construção civil. Ao contrário, os refugiados judeus intercetados na fronteira são quase todos recusados e encontrarão a morte nas câmaras de gás.
Desde abril de 1933, um decreto do Conselho Federal afirma que “os israelitas não devem ser considerados refugiados políticos”.
Em setembro de 1938 foi a própria Suíça a solicitar à Alemanha a obrigatoriedade de afixação de um carimbo com um «J» nos passaportes dos judeus alemães e austríacos, que tentavam entrar na Suíça ao consumar-se o Anschluss e a Noite de Cristal.
Até agosto de 1942, os que se apresentassem nas fronteiras suíças, ora eram admitidos, ora eram recusados. Os que conseguiam entrar clandestinamente conseguiram maioritariamente salvarem-se. Mas, a 13 de agosto de 1942, uma circular oficial anuncia o encerramento das fronteiras com os refugiados, que fugiam por razões raciais, a não serem considerados como refugiados políticos.
Heinrich Rothmund, chefe da divisão federal da polícia, afirmava que «o barco já tem lotação esgotada».
Esta medida permanece em vigor até julho de 1944, data em que Berna aceita acolher todos os refugiados civis cuja vida e integridade física estivesse ameaçada. O que corresponde a um reconhecimento implícito dos judeus como refugiados. Só que, por essa altura, já são muito raros os judeus ameaçados capazes de chegarem às fronteiras suíças.
Segundo o relatório Bergier, publicado em dezembro de 1999, foram pelo menos 24 mil os judeus a quem foi recusada a entrada nas fronteiras suíças, mas admite-se um número efetivamente muito maior, já que foram muitos os arquivos destruídos depois da guerra.
A dureza das autoridades da época assenta na recusa em acreditarem no pior dos cenários. E, no entanto, Berna fora informada no fim de 1941 dos massacres dos judeus a leste. No final de 1942 poucas dúvidas sobram sobre a existência de campos de extermínio, mas o Conselho Federal recusa-se a mudar de política em nome da «razão»: é que a maioria dos cantões recusava-se a aceitar mais refugiados entre 1942 e 1943. O antissemitismo latente estava bastante disseminado entre os dirigentes suíços desde o início do século XX, que acreditavam na dificuldade de assimilação dos judeus e na ameaça à judaização do país.
Só em 1995 é que o Conselho Federal apresentou desculpas públicas ao povo judeu.