domingo, 25 de junho de 2023

Como vamos de modas noticiosas neste verão

 

As temperaturas aquecem e as notícias privilegiam os temas associáveis à condição apalermada da estação, ora versando danos menores - um jogo de futebol em Budapeste ou a breve guerra de alecrim e manjerona na Rússia -, ora com mortes justificativas de constatações redundantes sobre as que merecem relevância mediática (as dos turistas do submersível «Titan») em relação às bem mais numerosas e anónimas ocorridas ao largo da Grécia e das Canárias..

Em tempos idos os jornais e revistas espicaçavam os interesses dos banhistas optando por sexo nas capas, que estimulavam a curiosidade voyeurista de quem não se livrara dos preconceitos herdados da manipulação judaico-cristã.

Quase dá para ter saudade desse tempo em que a imprensa anunciava inocentes modelos de satisfação sexual, que nos desligavam das pequenas e grandes tragédias de então.

Eram parvas? Eram pois! Mas davam-nos merecido descanso das inquietações, que terão de ser agarradas com outra profundidade e desenvoltura, quando temperaturas mais amenas nos derem menos vontade de arrefecermos os corpos nas águas atlânticas.

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Degradações democráticas

 

1. Vale a pena voltar atrás quase duas semanas para nos fixarmos num texto de José Carlos Vasconcelos sobre a degradação da Democracia (Visão, 8 de junho). Nele, o antigo fundador da admirável aventura que foi o semanário “O Jornal” constata que a oposição limita-se a “estar contra tudo que o governo faz ou, no mínimo, dizer que é pouco e já devia ter sido feito antes”. Pergunte-se a qualquer simpatizante desses partidos (comunistas à parte!) e nenhum deles saberá o que de concreto propõem aqueles que apoiam.

E pelo crivo do jornalista passa, igualmente, o desastre que foi a CPI da TAP: “por vezes pareceu não se estar no Parlamento, numa inquirição, mas numa esquadra da polícia, num interrogatório a efetivos ou supostos meliantes”.

2. «Os Engenheiros do Caos», ensaio de Giuliano da Empoli recentemente publicado entre nós, faz todo o sentido quando aponta como motivos para o sucesso das extremas-direitas a hábil utilização da “raiva de certos meios populares que se baseia em causas sociais e económicas reais”  e a uma “máquina de comunicação superpoderosa” capaz de manipular a opinião pública.

Combater eficazmente esses dois polos da propaganda das direitas continua a ser uma das suas prioridades.

sábado, 17 de junho de 2023

Quando MST quase acerta (mesmo raramente!)

 

Tal como Miguel Sousa Tavares aprendi a desconfiar do patriotismo, assente em empunhar a bandeira verde rubra e em cantar o hino como expressão mais primária. Que me lembre nunca agitei o estandarte, que alguns veem como identitário, e nunca entoei os versos que me mandariam avançar contra os canhões. Mais radical do que o colunista do «Expresso» sempre me identifiquei com Samuel Johnson, quando apontou o patriotismo como o refúgio derradeiro dos canalhas. Porque continua a ser o argumento, que fundamenta todas as guerras e fanatismos fascistas.

Marcelo aproveita os discursos do 10 de junho para revisitar esse refúgio, invariavelmente aplaudido pelos que alimentam as sondagens sobre a insatisfação com o país e a culpabilização dos que governam, embora estendam as responsabilidades a toda a classe política numa afinidade perigosa com a sua representação extremista mais perigosa.

Sendo injusto para com o melhor Presidente que tivemos - Jorge Sampaio - que nunca cedeu àquela que enuncia como tentação dos titulares do cargo durante o segundo mandato, Miguel Sousa Tavares critica a escolha de Marcelo pelo caminho mais fácil e nada profere de pedagógico para com aqueles que o ouvem. Particularmente contundente a constatação em como “é doentia e desagradável de ver a sua obsessão com a popularidade, oferecendo-se como Presidente Marcelfie a cada ajuntamento de mais de duas pessoas, mesmo quando à sua frente caminha o primeiro-ministro a ser insultado pelos mesmos populares: Ramalho Eanes ou Mário Soares não o teriam feito.”

Nesse sentido Marcelo tende a só ser menos mau que Cavaco, que concentrou em toda a sua perfídia, o que de pior tivemos como detentor da mais alta magistratura do país.

E, no entanto, nem seria difícil que convencesse os portugueses com a mais elementar das possíveis constatações: “que não valemos mais do que aquilo que valemos e que não pode ser sempre e só por culpa “deles” que, com tantas ajudas e tão poucas catástrofes comparados com tantos outros, vamos ficando sempre para trás.” 

quinta-feira, 15 de junho de 2023

Entre a cobardia e a coragem

 

Enquanto os últimos atos da Comissão Parlamentar sobre a TAP suscitam os últimos sobressaltos e acabam ingloriamente no caixote do lixo da História sem mais efeitos colaterais, ainda vale a pena retomar os ecos da versão intramuros da comemoração do Dia de Portugal para anotar o consenso quase universal na censura aos cartazes ostentados contra António Costa naquele que terá sido um certeiro tiro dos professores nos próprios pés. Por muito que os prosélitos do Observador, e seus próximos, se tenham esforçado por negar o óbvio, eles mereceram repúdio por serem racistas e expressarem o ódio de alguns professores incapazes de reconhecerem os direitos e rendimentos, que ganharam durante a recente negociação.

Avulta ainda a cobardia de Marcelo Rebelo de Sousa a desdizer o que efetivamente disse nas suas elucubrações botânicas, mais uma vez confirmando-se a tendência para atirar achas para a fogueira e, depois, pôr-se de lado a vê-la a arder com a falsa candura de quem para ela não atirara uma palha. E, ao mesmo tempo, a coragem de António Costa e João Galamba, comparecendo juntos à cerimónia, na atitude de nada deverem a quem quer que seja. Mesmo cientes dos insultos e desconsiderações a que se sujeitavam.

Enquanto um confirmou as piores, mas bem conhecidas, características do seu feitio, os dois governantes reiteram a determinação em seguirem por diante com o que deles se espera: a determinação para cumprirem o programa para que foram eleitos com maioria absoluta.

segunda-feira, 12 de junho de 2023

Recordar o passado para melhor entender o presente

 

«As Bombas que aterrorizaram Portugal - os Bastidores do Terrorismo Contrarrevolucionário no Pós-25 de Abril» é o recente livro de Fernando Cavaleiro Ângelo para que Miguel Carvalho chama a atenção no mais recente número da «Visão» e é tentador associá-lo às notícias sobre comprovada delinquência de um dirigente do Chega e de um dileto amigo de André Ventura, ambos sujeitos a investigação policial.  Porque o autor do ensaio, um oficial da Marinha com experiência nos serviços secretos, defende o comportamento mafioso da extrema-direita no período escolhido para a abordagem, demonstrando que “o anticomunismo era apenas o guarda-chuva ideológico que servia para encobrir negócios ilícitos: fuga de capitais, tráfico de armas, etc.” numa estratégia de banditismo “puro e duro”!

Olha-se para a bancada na extrema-direita da Assembleia da República e não se lhe vislumbra a mínima identificação com uma ideologia consistente, que suporte os preconceitos de todos os seus discursos. A bússola está sempre apontada para o que possa ser eficaz do ponto de vista populista, mesmo contradizendo-se com frequência. Daí, e olhando para os seus antecessores de há meio século, dá para questionar, qual será o seu verdadeiro propósito, que interesses pretendem defender (nomeadamente quais os seus financiadores!) através da cortina de fumo mediática, que fazem por manter tão opaca quanto possível!

O livro sugerido por um dos jornalistas, que mais tem denunciado a verdadeira natureza do Chega, merece atenção. Porque o passado continua a dar-nos pistas significativas sobre o que acontece no presente. E não podemos esquecer esse banditismo em que se colocavam bombas assassinas nos carros de quem pretendia mudar o país para melhor. Como era o caso do padre Max, cujos assassinos nunca foram levados à justiça.

sábado, 10 de junho de 2023

Juros e emissões de certificados de aforro

 


Depressa se esgotou a novela sobre o suposto enfeudamento do governo aos interesses bancários a pretexto da nova emissão de certificados de aforro. O estranho foi ver os bloquistas, liderados por reputada economista, a alinharem nos propósitos populistas das direitas, porque a quem escapará que, endividando-se o Estado para satisfazer as suas despesas orçamentais, poderá pagar esse instrumento de poupança a juros muito mais altos do que aqueles a que se vê obrigado junto dos seus credores?

A operação em causa teve tanto de racional, como de desinteressante para os bancos, exceto o dos CTT, que nem sequer querem ter nada a ver com ela.  O que está em causa nesta altura continua a ser a forma obscena como o cartel bancário continua a remunerar os depósitos a prazo com juros muito baixos enquanto engorda à custa dos altos juros nos créditos aos seus clientes. 

quarta-feira, 7 de junho de 2023

Temos Homem!

 

Grande Pedro Nuno!

Tínhamos, de facto, saudades da sua determinação e consistência ideológica, que lhe fundamentou o contundente xeque mate às políticas de Passos Coelho para entregar a TAP aos interesses privados e, demonstrando - ao contrário do pretendido pelos comentadores televisivos, que esperavam encontrar motivos para alimentarem a maledicência relativamente a este governo! - que o inimigo da esquerda nunca pode enganar-se de direção sendo o conjunto das direitas, o seu inesgotável foco.

Bem procuraram os mesmos comentadores troçar do autoelogio de ter sido o único ministro que, em cinquenta anos, conseguiu sair de funções, deixando a transportadora aérea e a CP a darem lucro, mas não o conseguiram desmentir. Razão para valorizar, ainda mais, o autoelogio. Porque, como dizia um antigo encarregado que, comigo trabalhou, se não formos nós a elogiar as nossas qualidades quem o fará?

E, perante comunistas e bloquistas, que insistem em contestar a necessidade da TAP em integrar-se num grupo influente do setor, Pedro Nuno deu-lhes que pensar com argumento difícil de contrariar: ou se compra uma empresa como a Lufthansa, ou se é por ela comprado, negociando as condições de interesse nacional, que a participação acionista do Estado luso possa impor.

Para quem salivava por antecipação, julgando que as audições parlamentares seriam o toque de finados sobre a carreira política de Pedro Nuno Santos, o despertar para a realidade estará a ser perturbador. É que ele está de volta e promete ser-lhes osso (demasiado) duro de roer.

segunda-feira, 5 de junho de 2023

Para acabar com a ideia de um inexistente abraço

 

A sucessão na liderança do Bloco de Esquerda justificou muitos comentários televisivos, a maior parte pouco abonatórios quanto à capacidade da nova liderança em reverter o tombo ocorrido nas eleições legislativas de janeiro de 2022.

Independentemente do que venha a suceder - “prognósticos só no fim do jogo” como diria o outro! - houve quem aproveitasse para desmistificar a ideia da perda de quase três quartos da bancada parlamentar como efeito do “abraço de urso” feito pelos socialistas durante os anos de Geringonça. Ora, é um facto que o Bloco conquistou 19 deputados em 2015 como resultado da sua estratégia mediática contra o (des)governo de Passos Coelho, e manteve-os em 2019, depois de quatro anos de sintonia - mesmo que amiúde cacafónica! - com o de António Costa.

Em vez do tal sufoco por envolver-se numa aliança contranatura, terá sido pela sua rutura, traduzida na rejeição do Orçamento de Estado, que o Bloco se viu penalizado. Mas trata-se de uma interpretação factual, que Mariana Mortágua, apesar do seu tão elogiado brilhantismo intelectual, não parece capaz de fazer...

sexta-feira, 2 de junho de 2023

A escrita como arma enquanto há quem encha chouriços

 

1. Na Visão da semana passada surgia uma interessante entrevista com Don Winslow, conhecido escritor de policiais, que iniciou uma sabática para investir o talento narrativo no esforço de bloquear o acesso dos trumpistas, e dos republicanos em geral, ao poder.

Faz sentido o que defende: “uma boa parte da política é sobre quem controla a narrativa” e “a pessoa que conta a história mais convincente é o vencedor”. Mesmo que assim relativize a lógica marxista de tudo explicar pela dinâmica da luta de classes. Mas, se José Mário Branco defendia que a cantiga pode ser uma arma, o autor norte-americano parece convencido dessa mesma urgência em criar narrativas, que combatam eficazmente as que, mentirosamente, provém da extrema-direita norte-americana. E convenhamos que também precisaríamos de uns quantos Winslows lusos para estilhaçarem a retórica ruidosa das réplicas locais desse vírus político de além-Atlântico.

2. Na mesma publicação Rui Tavares Guedes também estabelece um paralelismo pertinente entre o que se passa na Comissão de Inquérito Parlamentar à TAP e os McGuffins dos filmes de Alfred Hitchcock. E explica o que significa essa expressão, que os cinéfilos aprenderam a associar à melhor forma do mestre do suspense em conseguir esse tipo de efeito: “um objeto ou pessoa que, embora sem importância alguma, acaba por funcionar como motor do enredo e motivar as ações das personagens”, mesmo sem qualquer relevância para o que será o final da história. 

O McGuffin também corresponde à expressão lusa de encher chouriços, que nenhuma importância tem, mas adia interminavelmente o que seria de mais curta duração.

Por isso mesmo, e sem nada de substancial para apresentarem como propostas para melhorarem a vida das pessoas, as oposições - com a honrosa exceção dos comunistas! - tentam manter esse palco ativo tanto tempo quanto possível. Mesmo que em nada corresponda ao motivo porque foi criado: o de discutir as estratégias políticas e empresariais da companhia aérea nacional nos últimos anos...