sexta-feira, 26 de abril de 2024

Uma data para voltar a acelerar a História

 

1. Não têm sido poucos os momentos, que tenho pressentido como de importância crucial por, em maior ou menor dimensão, acelerarem tendências que, umas vezes, representam um passo atrás na História, mas, na maior parte das ocasiões, a tendem a acelerar para lá do que pretenderiam os cultores do conservadorismo económico, social e cultural.

Ontem, ao assistir no Rossio, à passagem do cortejo vindo da Avenida da Liberdade, enchendo-a completamente, vaticinei estar numa dessas datas por ser a que, fez refugiar em bafientos armários, os que execram tudo quanto simboliza o 25 de abril tomados do medo de neles se voltarem a enclausurar. Foram muitos os milhares que vieram proclamar a intenção de não deixar o tempo recuar até meio século atrás exigindo, ao mesmo tempo, o cumprimento das muitas esperanças definhadas por uma Revolução ainda por se cumprir plenamente.

Se o José Mário Branco constatara ter visto multidões a lutarem para acabarem com a sua exploração, ontem viram-se idênticas marés humanas a dizerem que fascismo nunca mais.

2. É claro que as confidências de Marcelo aos correspondentes estrangeiros são prova concludente da incapacidade para manter-se no cargo sob pena de prosseguir a ação nefasta, que nos trouxe ao atual contexto par(a)lamentar, mas numa coisa tem razão: é tempo dos portugueses libertarem-se da mitologia malsã do fascismo, que os convenceu da grandeza de um império de ladrões, de traficantes de escravos e de genocidas. Se esses crimes podem entender-se à luz dos conceitos de então, o balanço tem de ser assumido como inequivocamente negativo. Sem que faça sentido pagar indemnizações a quem, na prática, é descendente muito distante de quem, efetivamente, sofreu as dores da ganância de uns quantos aventureiros, que nada descobriram, porque já existia quem vivesse em terras ilegitimamente declaradas como pertencentes à nossa coroa. 

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Abril, Revoluções adiadas mil

 

1. A questão ainda agora posta, pelo Paulo Alves Guerra na Antena 2, surpreendeu-me deveras: será que existe muita gente a sentir esta como a última vez em que se dá tanta importância ao 25 de abril? Haverá um progressivo esquecimento da efeméride nos anos vindouros, um pouco como sucedeu com o 5 de outubro, hoje quase reduzido a feriado nacional ?

Quero crer que assim não será: enquanto o regime republicano está consolidado não sendo crível que o tonto Pio, ou um dos seus sucessores, sentem o traseiro num trono real, a Democracia não está assim tão firme no inconsciente nacional não faltando quem suspire por líderes providenciais. Daí que, no ano que vem e nos que se seguirão - mesmo quando o Chega for epifenómeno dado como morto e enterrado! - fará todo o sentido proclamar sempre o 25 de Abril e o fascismo nunca mais!

2. Uma das opiniões mais ousadas - mas que subscrevo sem pejo! - foi formulada nos dias mais recentes pelo jornalista António Marujo: a urgente substituição do vetusto hino nacional pelo Grândola Vila Morena.

Faria bem mais sentido proclamar a importância de ser o povo a mais ordenar do que contra canhões marchar, marchar...

3. Com toda a justiça juntou-se gente um bocado ambígua (Guilherme d’Oliveira Martins, Álvaro Vasconcelos) para homenagear Mário Soares na Fondation Maison des Sciences. E a eles se juntou, mesmo que pela net, o Edgar Morin a valorizar o que menos nele interessa: a fase do PREC, quando enfatizou o anticomunismo e andou de braço dado com o chefe da CIA em Portugal (Carlucci).

Continuo convencido, que nunca Álvaro Cunhal supôs possível a repetição de uma revolução bolchevique no Portugal de então, nem terá encontrado artes de contrariar uma dinâmica, que visaria devolver os meios de produção aos mesmos de sempre.  Terá sim, porventura, secundado Sebastião Salgado, numa outra esperança agora recordada numa entrevista singular: “a gente acreditava que Portugal ia ser completamente de esquerda”.

Vale que, depois como presidente, e sobretudo no período da troika quando sinalizou o caldo de cultura propício para formar-se o governo da Geringonça, Mário Soares contrariou a imagem alimentada nesse pós 25 de abril e reencontrou-se com o lutador antifascista o tempo salazarista-marcelista.

4. No extremo oposto o cabeça de fila da AD para as eleições europeias viu Carmo Afonso lembrar a queixa, depressa abandonada e arquivada, de uma antiga namorada quanto à violência com que foi por ele destratada.

Perante a sua falta de chá, senão menos malcriadez, não espanta esse episódio que justificaria melhor indagação pelo jornalismo de investigação. A violência doméstica é crime público e não deve haver complacência com quem a comete. Seja ou não cometa (esperemos que fugaz!) da direita sem escrúpulos.

5. Sem surpresa Fernando Araújo demitiu-se da liderança da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde não chegando a comprovar a bondade das suas soluções.

Espera-se o pior para aquela que foi uma das mais prodigiosas heranças da Revolução e que as direitas quererão, definitivamente, garantir como chorudo negócio para os interesses privados.

6. Mas falando de direitas sem escrúpulos, que dizer da aprovação pelos conservadores ingleses da deportação para o Ruanda de todos os candidatos a asilo político, mesmo dos que para eles trabalharam no Afeganistão? Hipótese também já em vias de ser secundada pela Itália com o beneplácito da Albânia?

E que dizer da continuação do indecoroso apoio norte-americano a Israel, quando é o Departamento de Estado a publicar relatório a confirmar o que outras fontes (invariavelmente acusadas de antissemitas!) já proclamavam: violações odiosas de direitos humanos contra palestinianos, incluindo assassínio arbitrários ou ilegais, incluindo execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, tortura e tratamento desumano ou degradante?

E o que dirão os financiadores da Ucrânia (nós incluídos) quando rebenta mais um escândalo: o do ministro da Agricultura a locupletar-se com a aquisição ilegal de terrenos no valor de sete milhões de euros, quiçá para garantir auspicioso futuro num pós-guerra, que tende a apressar-se com a vitória de Putin? 

terça-feira, 23 de abril de 2024

Milho aos pardais

 

1. Tão Amigos que nós éramos voltou a passar na Cinemateca na semana passada lembrando a frase sobre o quanto os personagens tinham querido mudar o mundo enquanto jovens mas, envelhecidos, acontecera-lhes o contrário.

Ela voltou a ter particular pertinência quando soube quem liderará a lista de deputados da AD ao Parlamento Europeu. Porque sendo natural - pelo menos era-o para a geração em vias dechegar à vida adulta no dia da Revolução dos Cravos! - que os jovens queiram transformar o mundo, fazendo-o mais justo e esperançoso, constitui enorme mistério porque alguns nunca o chegam a ser por os motivarem a preservação de uma realidade feita de exploração da maioria por uma minoria e um conservadorismo nos costumes a lembrar Ary dos Santos, quando lembrava quantos tinham sido concebidos em ceroulas.

Raras vezes me demorei a ouvir a criatura inventada pelas televisões mais do que o tempo necessário para fazer o higiénico zapping, mas sei que nada ganhei em nada dele reter sob pena de incómoda reação alérgica. Mas não duvido que está destinado a futuro político duradouro. Assim são premiados os que sejam prestativos servidores dos que agem na sombra como putativos donos disto tudo...

2. A primeira sondagem conhecida desde as legislativas ainda não coincide com os desejos de quem não se resigna com o golpe de Estado promovido pelos procuradores do DCIAP e anseia a retoma do curso dos acontecimentos prometido pelo governo da Geringonça. As esquerdas ainda não superam as direitas, mas para lá caminham. É só dar tempo ao tempo, que este é um interlúdio para dar milho aos pardais. 

domingo, 21 de abril de 2024

Imperativa a recuperação da consciência de classe

 

1. Pertinente a crónica de Rui Tavares Guedes na Visão a propósito da tendência dos bons resultados económicos já não bastarem para ganhar eleições e até serem “negligenciados nos inquéritos sobre a popularidade dos governantes”. Recorrendo à opinião de Paul Krugman e Francesco Rigoli conclui que “a política, mais do que um debate de ideias, transformou-se num duelo de estratégias de comunicação, apostadas em criar perceções desligadas da realidade”.

Fomentar ilusões - como a do trapaceiro choquinho fiscal de Luis Montenegro - estão a resultar em governos de que os eleitores deveriam fugir como da peste. Esperemos que a frase com que se conclui o texto se confirme: “no fim, como sabemos, a realidade vencerá sempre qualquer ilusão”

2. No Público de hoje o antigo ministro António Costa e Silva também glosa o tema, confirmando essa estratégia de comunicação, que levou as direitas a superarem as esquerdas em 10 de março: “Sempre existiu e existirá a mentira no espaço público, mas o que se passa é que hoje ela impera, dissemina-se rapidamente, o que é facilitado pela diminuição do pensamento critico e pelo enfraquecimento do poder de mediação dos media. A fragmentação das fontes de informação e as redes sociais criaram um mundo atomizado em que as mentiras e os rumores dominam e alimentam o ódio e o ressentimento.”

Razão para as esquerdas focarem-se num urgente trabalho nas redes sociais - já que as fontes tradicionais de comunicação são de quem nós sabemos quem!  - para transformarem esse ódio e ressentimento numa consciência de classe, que melhor identifique quem são os verdadeiros inimigos.

3. Poucas dúvidas sobram quanto à incontornável coligação das direitas (incluindo as ostensivamente xenófobas e racistas), quando o atual governo demonstrar a incompetência para lidar com a situação complexa, interna e externa, com que se confronta. E, na entrevista ao Observador , Passos Coelho pôs-se em bicos dos pés para ser ele a vir das trevas e, musculadamente, replicar o sentimento trumpista de vingança, que o tem amargado desde 2015.

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Um videirinho de braços cruzados

 

1. É regra elementar aprendida no coaching: deve-se evitar a pose de braços cruzados, quando se discursa, negoceia ou interage de uma qualquer outra forma com quem se contacta publicamente. Porque dá a ideia de alguém retraído em si próprio, defendendo-se de imprevisíveis ameaças, que o possam atingir.

Luis Montenegro é pródigo em assumi-la - aliás a exemplo do que já acontecia com Passos Coelho e Paulo Portas na época da troika! - e, só nos últimos dias, vimo-lo assim,  primeiro perante Pedro Sanchez, depois num intervalo do Conselho Europeu.

Para além do medo a atitude defensiva de Montenegro tem outra interpretação: a de se sentir impostor na pele que o seu arrivismo o levou a vestir. E porque, intimamente - mesmo sem provavelmente ter visto o Barry Lindon  do Kubrick -, sabe quase nunca ser feliz o destino dos videirinhos.

Não é preciso grande esforço de memória para, comparando-se a António Costa, ser visto, interna e externamente, como um pobre amador. E os paralelismos vão-se confirmando com outros protagonistas no dia-a-dia nos debates televisivos : basta ver Alexandra Leitão apoucar Hugo Soares, ou Miguel Prata Roque rebaixar os morgados, que lhe ponham pela frente, para comprovar quanto os eleitores entregaram a governação a quem não tem talento, nem pinga de visão, para aquilo que só pode redundar num lamentável estrago.

2. O dia de ontem terá sido amargo para Lucília Gago e  seus acólitos com o Tribunal da Relação a dá-los como ineptos e eivados de juízos especulativos na imputação de graves acusações a quem se limitava a fazer o seu trabalho, quer do lado dos empresários do Data Center de Sines, quer dos governantes incumbidos de criarem as condições para o sucesso de um investimento de reconhecido valor económico e social para o país. Como comentou o insuspeito Manuel Carvalho na edição de hoje do Público tratou-se de uma evidente demonstração de abuso do poder judicial, que resultou na queda de um governo legitimado pela maioria absoluta, que o tornara possível. 

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Imposturas

 

Sobre o comportamento de Luis Montenegro, quer quanto ao episódio sobre a eleição do presidente da Assembleia da República, quer quanto ao o seu “choquinho” fiscal, têm-se utilizado os conceitos de «embuste» ou de «fraude», mas prefiro-lhes o de «impostura» por melhor adequar-se a sua personalidade, a de alguém a fingir competências que não tem e a querer passar-se por “sonso” a justificar o que nem os mais crédulos aceitam como explicação.

Tendo prometido muito para além do que um discurso honesto - mesmo em período eleitoral - pressuporia, ele defronta-se com um banho de realidade e vê-se a contas com um exercício da governação para que denota insuficiente talento.

Comparativamente com Cavaco - em quem busca inspiração no lema do deixarem-no trabalhar, ou na estratégia para almejar a uma próxima maioria absoluta -  Montenegro possui uma retórica superior, condizente com o mister de advogado, mas nada percebe de contabilidade pelo que resulta inevitavelmente contraditório o que diz com o que o obriga a fazer o ministro das Finanças. E assim já nem falou dos médicos no discurso sobre o programa do governo, nem se apresta a dar aos polícias e aos professores aquilo que exigiram com implementação imediata ao governo anterior.

Não o ajudará, igualmente, os problemas que o ministro da privatização da TAP enfrenta quanto ao financiamento da campanha eleitoral. Os casos e casinhos terão tendência para continuar por parte de procuradores que sabem residir na pressão sobre os políticos o melhor salvo conduto para não perderem o indecoroso poder de derrubarem governos e promover outros menos tentados a questioná-lo..

Como sucede com a maioria dos impostores não se adivinha promissor o futuro daquele que agora passou a residir em São Bento.

sábado, 13 de abril de 2024

Afinal eles nem sequer chegam a ser trogloditas!

 

Há um paralelo entre a máxima científica de se aceitar algo como verdade até desmentirem-nos as provas em contrário, com a revisão de alguns conceitos apressadamente coaptados para o léxico das ofensas substantivas dirigidas a alguém.

Burro, por exemplo. Quem se atreve ainda a apodar alguém com esse insulto, quando se conhece a verdadeira inteligência e simpatia dos burricos?

Palhaço é outro exemplo lapidar, sobretudo desde os gags de um cómico brasileiro que demonstrava como alguns poderes pretendem imporem-nos poses de bobos, quando não  sentimos nenhuma predisposição para tal.

Agora impõe-se a revisão de outro conceito depois de a ele associarmos aquela tremida gente, que se perfilou perante o “sábio” discurso de Passos Coelho. E mudei o adjetivo inicial, que os desqualifica por afinal eles não serem tremendos no despudor com que surgiram a defender tão esdrúxulas opiniões sobre o papel da mulher e a caracterização da família. Antes justificam a ideia de tremidos porque, como escreveu Luciana Leiderfarb, move-os “a raiva de não poderem controlar que o mundo mudou, mas eles não”, concluindo que “o problema é deles, não nosso”.

Inês Pedrosa ponderou na versão de trogloditas mas propôs-lhes outra designação à luz do que se vai sabendo sobre o papel feminino na época pré-histórica: as mulheres eram não só guerreiras assanhadas (e não só recolectoras de frutos!), mas também lhes devemos muitas das pinturas rupestres, que conhecemos. Nada que leve a associá-las às ideias de passividade ou de secundarizadas no exercício das artes, movesse-as ou não estímulos ritualistas.

Em termos civilizacionais os trogloditas batiam aos pontos os participantes e os autores dos textos incensados pelas direitas mais extremas. E não vejo nenhuma admiração por, entre eles, figurarem Manuela Eanes ou Guilherme de Oliveira Martins, porque quem não quer ser lobo, rejeita vestir-lhe tão convictamente a pele.

Mas, já que estamos a rever conceitos e pegando nos lobos... Bom, fica para a próxima vez, porque o tema afigura-se extenso e adequado a outras futuras perorações! 

sexta-feira, 12 de abril de 2024

Um (des)governo estroina e irresponsável

 

Não se pode classificar de chico-esperta a argumentação de Montenegro na apresentação do programa do (des)governo, a pretexto de, deixando-o passar, as oposições - e em particular o Partido Socialista - deverão aturá-lo nos quatro anos seguintes.

Trata-se, tão-só, de sabendo que os interlocutores não são parvos, querer acreditar que o são os eleitores chamados a pronunciarem-se sobre a sua continuidade quando, a curto prazo, Marcelo fizer jus a mais um cognome - o de «Liquidificador».

O problema maior é o de sabermos que, qual estroina sem tino, Montenegro prepara-se para esvaziar os cofres deixados repletos por Medina, desbaratando o esforço de credibilização da dívida soberana nacional com as borlas fiscais dadas a quem já conta com lucros indecorosos (banca, distribuição, EDP) e com a satisfação de reivindicações corporativas, que agora lhe farão pagar com língua de palmo as promessas feitas durante a campanha eleitoral.

E basta olhar para quem tomou posse como novo secretário de Estado do Trabalho para saber-se quem pagará os custos do estrago para o qual o Partido Socialista terá de voltar a fazer o papel de laboriosa formiguinha.

Perante os inquietantes sinais do que nos espera faz efeito de guerra de alecrim e manjerona aquela que se perfila na direita mais extrema com Ventura, ora entusiasmado com a profissão de fé inquisitorial de Passos Coelho, ora vindo atravessar-se-lhe ao caminho ao compreender quanto o mesmo poleiro pode ser demasiado exíguo para lá caberem dois desafinados galos.

E, porque assuntos mais importantes se perfilam, deveremos olhar para a Colômbia onde, apesar de sempre húmida a 2600 metros de altitude, e rodeada de florestas, a capital Bogotá só tem água para sustentar menos de dois meses do consumo dos seus habitantes. Porque por cá continuam a importar os turistas, que não olham para os recursos que consomem, e até anseiam por courts de golfe verdejantes onde possam passear os seus tacos. Aqueles que o (des)governo quer acarinhar para satisfazer os especuladores imobiliários comungados com os empresários do alojamento local...

terça-feira, 9 de abril de 2024

A desfaçatez de um zero à direita

 

A apresentação de um livro com um insuportável cheiro a mofo justificou o regresso à ribalta de um político, que para a maioria não endinheirada fez tudo mal em quanto pegou desgovernando enquanto voluntariosa marioneta da troika, retirando rendimentos e direitos a quem entendia demasiado fracos para o contestarem e, depois, fazendo ridículas birras por lhe terem tirado o “brinquedo”.

Agora, envolto numa nuvem de naftalina, decidiu perorar sobre temas mui prezados pelas gentes mais retrógradas deste país. Daí foi um passo ter-se implicitamente assumido como candidato presidencial com o beneplácito de quem já o foi, e quer continuar a sê-lo pela extrema-direita, e com a conivência de quem engole litros de água benta sem se lavar dos muitos pecados que comete, seja por atos, seja por omissões.

As televisões acorreram ao evento mas, que dirão dele todos quantos optaram pelas direitas no último ato eleitoral e não se reveem numa agenda decidida a revogar muitos dos avanços civilizacionais que, nos usos e costumes, se consolidaram nas décadas mais recentes? A menos que seja como aquele deputado do Chega, gozado pelo RAP no domingo passado que, de tez negra, defende uma Europa só para brancos, indo mais longe na desfaçatez, apelando, em sotaque brasileiro, que o país deve pertencer exclusivamente aos portugueses.

Se há gente nas direitas capaz de não ter um pingo de vergonha com o que diz, quando depois se vai mirar ao espelho, é possível que o político em causa ainda colha um número significativo de apoiantes. Seja porque o mau carácter o justifica, seja porque a inteligência não abunda nas meninges. 

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Afinal o problema estava no logótipo

 

Andávamos dele tão precisados e não sabíamos!!!

Com a urgência de quem se atirou com todas as ganas aos principais problemas, que afetam os portugueses, Leitão Amaro anunciou essa medida como a primeira do (des)governo de que faz parte.

Só por imprudente distração, não percebemos de quanto a falta da esfera armilar prejudicara as nossas vidas e como facilitará a resolução dos problemas por resolver na saúde, educação ou habitação. Em vez da varinha mágica temos o logotipo a corresponder à concretização das promessas de quem diz vir por quatro anos e meio para dar cabo de tudo quanto de bom se conseguira nos oito anos agora já pressentidos como saudasos.

Esta notícia pareceria ser a confirmação do ridículo, que acompanha a repetição da História do passismo, antes vivida como tragédia e agora prometida como comédia aparentada com a do período de Santana Lopes, o antecessor que, mais cedo do que o esperado, mereceu o epíteto de O Breve. Mas, reconheceu-o um dos principais jornalistas do Jornal de Notícias, é sinal do que aí vem: sabedor de quão pouca complacência contará do Partido Socialista, Montenegro já fez a escolha. No que o seu porta-voz anunciou como resultado da primeira reunião dos ministros ficou o piscar do olho ao Chega com uma referência nacionalista ao seu gosto pela mistificação histórica em torno dos ditos Descobrimentos, e o trazer à colação uma outra, a da corrupção, que os números das condenações efetivas concretizadas desmentem, mas a extrema-direita e a imprensa conseguiram inculcar nos eleitores como um dos seus maiores problemas. Mesmo que não saibam apontar um exemplo consistente quando indagados sobre um que tenham, de facto, testemunhado... 

quarta-feira, 3 de abril de 2024

Chonés por chonés

 

Não estava fácil a vida de quem, ontem à tarde, pretenderia entreter-se com o propiciado pelos canais generalistas ou noticiosos. Em quase todos assistia-se à consumação do golpe de Estado, que derrubou um governo com maioria absoluta e o substituiu por outro inventado pelas ações de um presidente e uma procuradora ali presentes com o óbvio destaque e, consensualmente, tido como um dos mais fracos da História da Democracia.

Fazendo zapping só se encontrava alternativa aceitável nos desenhos animados da RTP2. Particularmente os da tonta Ovelha Choné, os quais nos entreteve cá em casa durante uns bons momentos. É que chonés por chonés, não sobravam dúvidas sobre quais escolher... 

terça-feira, 2 de abril de 2024

À espera do vórtice

 

Tivesse António Costa apresentado um governo com as características deste que Marcelo hoje empossará, e não faltariam comentários depreciativos nas televisões. Uma equipa só com gente do próprio partido, a inexistência de independentes oriundos da mítica “sociedade civil” e nada se saber sobre quantas das mirabolantes promessas eleitorais deixará pelo caminho, tudo justificaria a atitude desdenhosa, que mereceria de tal gente.

Ao invés, sendo um governo de direita, é vê-lo ornamentado de enfáticos elogios, como se fosse um impossível bando de águias. E, no entanto, nem os bajuladores, ao serviço dos interesses de quem os guindou à condição de figuras mediáticas, conseguem iludir a fraqueza de um elenco, que sabe-se de vida curta, sempre à espera de um percalço suficiente para lhe fazer soar as trinetas da maldição que o acompanham desde o primeiro dia.

E será funesta ilusão a de Montenegro se se julgar a palmilhar as pegadas de Cavaco Silva em 1985: nem o Chega é o PRD, nem o Partido Socialista ´conta com uma liderança ferida pelo sangramento causado pela cisão promovida por Ramalho Eanes.

Em mares desconhecidos os navegadores precisavam de lucidez, mas também muita argúcia, para lidarem com os sinais de tempestade, ou de bonança, que divisavam no horizonte. Ora, para além de saber calar-se para poupar-se aos disparates mais imediatos, Montenegro não disfarça a miopia de quem só vê o que lhe está mais próximo. E não consta, que conte com binóculos miraculosos capazes de lhe evitarem a atração pelo vórtice final, o do desfazer do breve contentamento de se sentir talhado para destino maior do que o dos seus parcos talentos...