terça-feira, 10 de junho de 2025

Frivolidades em fim de ciclo

 

As celebrações do 10 de Junho, com a pompa habitual, trouxeram-nos este ano a condecoração de Ramalho Eanes. Para alguns o reconhecimento a um antigo Presidente, que lhes deu alento depois dos sustos do PREC. Ao invés esta notícia trouxe-me de volta o sentimento de profunda satisfação por nunca nele ter votado.

Lembro-me bem do tempo em que a escolha eleitoral cingiu-se a ele e ao "fascista de serviço" imposto pela direita da altura, na figura de Sá Carneiro, cuja morte abrupta marcou o final dessa campanha. Felizmente, o acaso quis que eu estivesse algures no meio do Índico, poupando-me àquela que teria sido, para mim, uma vergonha pessoal: pôr a cruzinha no quadrado do general de aparência pinochetiana.

Enquanto figura celebrada como suposto herói de Abril, a verdade é que Eanes era um notório spinolista. Longe do protagonismo e da importância de figuras como Otelo Saraiva de Carvalho, Salgueiro Maia ou Melo Antunes, esses sim verdadeiros heróis da Revolução, cujas ações e convicções moldaram um Portugal novo, Ramalho Eanes esforçou-se por devolver o país à elite exploradora . O seu papel, embora importante em momentos específicos, careceu da essência revolucionária e alinhamento com os ideais mais profundos de Abril que definem o verdadeiro heroísmo.

Desde então, o que sabemos de Eanes? Que é um homem honesto, sim, isso é inegável. Mas a honestidade, por si só, não apaga as marcas ideológicas. A sua trajetória posterior, nomeadamente a ligação académica a uma universidade sabidamente conotada com a Opus Dei, veio apenas confirmar a sua orientação conservadora. E ao longo dos anos, ele tem sido um apoiante consistente daqueles que as direitas designam como seus "títeres" nas estratégias políticas, reforçando essa perceção de alinhamento.

Por tudo isto, a medalha concedida por Marcelo Rebelo de Sousa neste 10 de Junho não é mais do que o esplendor daquilo a que um primo meu, com a sua sabedoria popular, costuma chamar de "cagança". Uma demonstração de ostentação, de validação de narrativas que nada têm a ver com o verdadeiro espírito de Abril e com os valores que deveriam ser celebrados. É uma homenagem que sublinha a persistência de certas leituras da História que continuam a ofuscar a memória dos que, de facto, arriscaram tudo por um Portugal mais livre e justo. 

Sem comentários:

Enviar um comentário