quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Quem luta com um porco...

 


Há uns anos, num dos seus artigos de opinião no Diário de Notícias, a jornalista Fernanda Câncio lembrava a célebre máxima do dramaturgo irlandês George Bernard Shaw: nunca lutes com um porco porque, não só ficas sujo como, ademais, ele gosta!

Esse avisado conselho deveria ser endereçado a Joe Biden antes de comparecer ao debate televisivo com Donald Trump. Deixando-se arrastar para a poça de lama por ele pretendida, Biden acabou sujo e deve ter proporcionado ao adversário a satisfação de se sentir vencedor. Porque não existem limites de vilania, de que ele se prive de ultrapassar. Basta ter presente o que o espera se perder a eleição de 3 de novembro - no mínimo a falência do frágil baralho de cartas em que assenta o seu ilusório império económico! - para tudo intentar. Até mesmo apelar às milícias suprematistas para que se preparem e abram uma nova Guerra Civil.

Embora não aprecie a prosa, e muito menos as ideias de Maria João Marques, recentemente transferida do Observador para o Público, há no que escreve alguma razão, quando nos limita o eventual suspiro de alívio se, muito em breve, pensarmo-nos livres do ainda inquilino da Casa Branca: “O fenómeno político Trump existe, porque uma minoria expressiva de americanos votou nele. Vêm de uma cultura em crise e estão carregados de rancor. Trump pode perder a presidência no início de novembro, não sabemos. Ainda que perca, esta população permanecerá, bem como a sua crise e idiossincrasias culturais. Mesmo no caso de um presidente Biden, provavelmente teremos noutros políticos a continuação da politização deste identitarismo branco, rural, religioso, colarinho azul. Os Estados Unidos continuarão um país desunido, com tribos que não se apreciam nem misturam.”

E o problema está no facto de Biden, nem tão-pouco Kamala Harris, terem o perfil necessário para empreenderem a revolução cultural de que os Estados Unidos carecem para extirpar os muitos demónios, que as campanhas neoconservadoras do último meio século fomentaram em nome da indiscutibilidade dos mercados e dos preceitos evangélicos.

Talvez Alexandra Ocasio Cortez seja a mais promissora herdeira de um testemunho dos que, pela idade, estão prestes a passar o testemunho a quem lhes prossiga com as ideias. E falo muito naturalmente de Bernie Sanders e Elizabeth Warren...

terça-feira, 29 de setembro de 2020

Das razões porque durmo na paz dos anjos

 

1. Não foi preciso ouvir os telejornais anunciarem que o adivinho de Fafe quisera sossegar os portugueses quanto a ser ou não aprovado o Orçamento para 2020 para que me comprazesse todas as noites com o sono dos justos. Durmo bem, sem pesadelos que me apoquentem, muito menos suscitados por aquele vigarista fiscal que, daqui a pouco terá com Biden o primeiro debate televisivo da campanha para as presidenciais de 3 de novembro, num percurso capaz de se concluir atrás das grades de confortável prisão.

Se António Costa garante que as negociações do Orçamento de Estado com as esquerdas têm registado “avanços positivos” só posso confiar em quem, nestes anos como secretário-geral do meu Partido, nunca me dececionou. Nem mesmo nas circunstâncias, que motivaram sucessivos assassinatos de carácter na imprensa em geral, logo aproveitados por alguns adversários internos, que julgaram próxima a hora de procurarem um lugar mais ao sol. E claro que esta referência nada tem a ver com Pedro Nuno Santos que, honesto como sempre, se declarou candidato futuro à sucessão do atual líder, mas nunca lhe endereçou a mínima crítica.

A lealdade é uma das características, que me fazem admirar - muito, mesmo muito! - o atual ministro das Infraestruturas, ao mesmo tempo que desprezo quem sempre se associou a tais campanhas e nelas viu a oportunidade para desviar o PS do rumo traçado pela sua direção a partir de 2015: a da convicção de não estarem nas direitas os eventuais parceiros de acordos políticos, mas sim nas esquerdas. Uma dessas adversárias internas decidiu concorrer à presidência para dar força a quem, no interior, pensa como ela e os seus apoiantes, desde Francisco Assis a esse fenómeno de estudo que é Daniel Adrião, um daqueles seres minúsculos sempre apostados em darem saltos e a falarem o mais alto possível para ver se alguém dá pela sua existência.

Votando a favor ou abstendo-se o Bloco possibilitará a aprovação do Orçamento para 2021 e corroborará uma das razões, porque, desde cedo, manifestei a intenção de votar em Marisa Matias na eleição de janeiro.

2. Das bandas do PSD ouviram-se as histéricas afirmações de Paulo Rangel, sempre pronto a prever efeitos apocalíticos de tudo quanto o PS concretize ao convergir com as demais esquerdas. Para o eurodeputado a alternativa reduzia-se a receber o dinheiro da União Europeia e entrega-la aos privados, que melhor saberiam como o investir e dar emprego. Ver o Estado a definir onde vai aplicar essas verbas é que o faz sair do sério e armar o chinfrim que as televisões lhe possibilitam.

Na cupidez por recursos, que sabe irem-lhe passar ao largo, Rangel ajuíza desmemoriados os portugueses quanto aos muitos exemplos dados pelos patrões de grandes, médias e pequenas empresas, que sempre olharam para os subsídios e outros dinheiros europeus com a ganância de quem segue a lógica de não querer ser o tolo que despreza a oportunidade de ficar com maior parte.

3. Para quem vive no distrito de Setúbal e, amiúde, dá uma volta pela Arrábida para apreciar uma das mais belas panorâmicas possibilitadas pelo nosso lindíssimo país, foi com apreensão que se soube das ambições da Secil em ainda mais esburacar a serra para aumentar os lucros do seu negócio cimenteiro. Seria possível um atentado ao ambiente ainda mais significativo do que o já por ela perpetrado?

O ministro Matos Fernandes veio sossegar-nos: com ele como titular da pasta não há licenças para ampliar a dimensão das pedreiras, acabando de vez com as dúvidas. Que se justificarão se as esquerdas vierem a perder eleições futuras e as direitas voltarem a desprezar os valores ambientais em nome do lucro de quem nelas sempre aposta.

4. Os textos de opinião do prof. J.-M. Nobre-Correia continuam a servir de referência para quem deseja uma imprensa nacional completamente diferente daquela que nos é oferecida. Desta vez aborda o comentário político lamentando a quase inexistência de quem o faça com independência e objetividade, algo que se torna improvável naqueles que as televisões contratam e, não só provém dos partidos com assento parlamentar, mas pior ainda, denotam singular desequilíbrio entre os que provém das direitas e os das esquerdas. Na realidade Francisco Louçã ou Ana Catarina Mendes acabam por servir de caução à multidão vinda do CDS e do PSD, que fica com os melhores horários em termos de audiências. Casos de Marques Mendes, Manuela Ferreira leite, José Miguel Júdice e outros figurões, que tecem comentários escandalosamente parciais nos seus propósitos manipuladores.

Lamentável, pois, que se verifique aquilo que, no «Público» o prof. J.-M. Nobre-Correia conclua que “a presença farta de políticos no ativo como “comentadores” traduz de facto a pobreza dos média portugueses em termos de quantidade, variedade e qualidade da informação inédita que propõem aos cidadãos. Mas traduz igualmente a inacreditável omnipresença e ascendente que os políticos foram tomando para além do perímetro normal dos seus mandatos públicos. Procurando, nomeadamente, puxar “os cordelinhos” da informação, mantendo à distância verdadeiros especialistas independentes (mas não desprovidos de sensibilidade sociopolítica). E mantendo sobretudo os cidadãos longe da esfera política, privando-os da análise crítica que os levaria a exercer o desejável controlo das atividades dos seus representantes…”

Fará sentido justapor as ideias de progresso e de esquerda?

 


Interessante o debate atualmente em curso em França a propósito do que ajuizaria Jean Jaurès - ainda hoje tido como a grande referência dos socialistas! - se voltasse aos nossos dias e olhasse para símbolos do progresso como o são as garrafas de plástico, os navios de cruzeiro, as centrais nucleares ou o 5G.  Aceitaria tratarem-se de notáveis avanços tecnológicos, que suscitariam progressos sociais, ou vê-los-ia como perversões do atual capitalismo, merecedoras de justificada censura?

A questão pôs-se esta semana, quando o partido de Macron aproveitou a luta das esquerdas para travarem o 5G para as crismar de retrógradas, acusando-as de terem perdido a legitimidade para se definirem como baluartes do progresso.

Que progresso? É precisamente o que ripostaram os criticados com o socialista Dominique Potier a dizer que a era do Antropoceno mudou o paradigma anteriormente existente: ”num mundo de recursos limitados a inovação deve ser posta ao serviço da partilha”.

Argumentando dentro da mesma lógica, os ecologistas lembram que existe uma contradição crescente entre o progresso técnico e o progresso humano, lembrando o exemplo dos pesticidas.

E o filósofo Pierre Dardot corrobora a necessidade de as esquerdas se libertarem de vez dessa associação entre os avanços tecnológicos e os sociais, porque durou demais a precaução de não se quererem ver emparceirados com os luditas do século XIX, crismados de arcaicos por terem destruído os teares, que os atiraram para o desemprego.

Nesta fase histórica faz todo o sentido pôr em causa que progresso nos propõem, quando só aproveita a alguns em detrimento da grande maioria da população mundial, e nada vem contribuir para a concretização de maior justiça económica e social na Humanidade...

domingo, 27 de setembro de 2020

O novo normal, que ainda continuará a ser o antigo normal

 


Logo na introdução do seu mais recente ensaio publicado entre nós - A Pandemia que abalou o mundo - Slavoj Žižek diz-nos, preto no branco, que nada de substancial mudará nas nossas sociedades, quando esta crise sanitária, social e económica passar. Aquilo que alguns chegaram a crismar como «novo normal» continuará a significar a tradução da luta de classes, tal qual ela se prefigura nesta fase crepuscular do capitalismo mundial. Poderão sobrar algumas vozes a pôr em causa a globalização, mas os mercados continuarão a impor a sua lógica, alheio aos nacionalismos, porque é certo e sabido que o (grande) capital não tem pátria.

Aquilo que parece a rendição resignada a um estado de coisas, que parece imutável, não o é de facto. Muitas coisas mudam no dia-a-dia de forma impercetível e todas elas tendem a conjugar-se para o próximo momento transformador, aquele tipo de revolução raramente anunciado por grandes acontecimentos, mas depois traduzidos em alterações de facto. Por isso a edição brasileira do livro de Žižek tem um título mais elucidativo: A Pandemia - Covid 19 e a Reinvenção do Comunismo. Porque ciente de como o comunismo falhou em todas as tentativas de afirmação verificadas durante o século passado - e continua a nada ter a ver com tal ideologia o que hoje se passa na China, na Coreia do Norte ou em Cuba - ele está longe de considerar definitivamente morto o pensamento marxista. Pelo contrário, aposta na sua reinvenção por ser a única alternativa ideológica estruturada ao capitalismo cujo prazo de validade está a aproximar-se do fim.

Por isso mesmo, ao iniciar a leitura deste ensaio, recordei aquele professor da Escola Náutica, e também militar envolvido no que acabara de se passar em 25 de abril que, nos primeiros dias de maio de 74, dizia aos alunos a maravilha que iria ser o país depois de consolidada essa revolução. Se até novembro de 75 pareceu que, no meio do caos entre forças tão diversas, algo de novo poderia acontecer, viu-se que tal não se verificou: acabou o fascismo e, já de si, essa mudança, muito significou para quase todos nós, mas os Carluccis mobilizaram-se seriamente para que o novo normal do Portugal do último quartel do século XX não se diferenciasse do que ia sendo a Comunidade Económica Europeia enquanto modelo económico alternativo ao soviético através da tão consagrada fórmula social-democrata. O pior foi que, com a queda do muro de Berlim e a implosão do regime protocomunista (que nunca o chegou a ser!) essa estratégia ocidental também se esboroou para dar lugar ao neoliberalismo da escola de Chicago. A financeirozação que se seguiu foi, apenas, uma evolução perversa da ideologia segundo a qual se deve dar livre curso á mão invisível dos mercados por ser essa a estrada de tijolos amarelos, que conduz ao palácio mágico onde se acumulam as riquezas com que o povo se deleitará.

Dos defensores desta trapaça ideológica  sobram estarolas hoje congregados na Iniciativa Liberal e no Chega, embora também com lugar certo dentro dos demais partidos da direita.

Repensar o marxismo é, segundo Žižek, algo de perigoso: a tal ponto que estudantes chineses interessados na matéria acabam por desaparecer durante semanas para, depois, surgirem em tribunal acusados de quererem subverter o regime de Pequim. Mas entre a financeirização das economias, que prosseguirá depois da pandemia e acelerará ainda mais a separação entre os cada vez mais ricos e a enorme maioria que sobreviverá dentro das contingências das remunerações miseráveis e da precariedade dos postos de trabalho, e aquela faísca que Mao dizia capaz de incendiar toda a pradaria para a deixar preparada para algo de novo, vai um prazo, que só depende da agudização de uma crise social potenciada pelos efeitos da pandemia.

É por isso que a União Europeia se apressou a aprovar um pacote de apoios económicos, que pretenderão restabelecer o antigo normal. Mas muitos dos que o congeminaram sabem bem quanto eles apenas adiarão uma evolução, que tenderá a sacudir uma vez mais a história dos povos feita da tal luta de classes tal qual Marx e Engels começavam por referir no seu Manifesto. E, a exemplo do que faz Žižek, convirá que pensemos nesse futuro - ademais igualmente condicionado pela possível catástrofe ecológica! - para que, no momento do possível caos, haja quem saiba indicar os caminhos por onde ele se reestruture.

sábado, 26 de setembro de 2020

Mais do que uma teoria da conspiração?

 


Augusto Santos Silva não é ministro que me mereça particular simpatia, principalmente, por o sabermos conotado com aqueles denodados atlantistas, que consideram imprescindível a consolidação de um eixo, que ligue a União Europeia com os Estados Unidos para melhor enfrentar os interesses geoestratégicos da Rússia e da China.

Nesse sentido situo-me num europeísmo equidistante dos diversos imperialismos, sejam eles ascendentes (chinês), decadentes (russo) ou mais a decair do que a subir (norte-americano). E isso enquanto não se justificar plenamente o esperado internacionalismo, que garanta a plena igualdade entre todas as nações e seus povos, independentemente das coordenadas geográficas onde vivam.

Este fim-de-semana veio demonstrar-me que, até para os mais entusiásticos atlantistas, a ingerência dos serventuários da Casa Branca torna-se exagerada. E, de facto, o que o embaixador norte-americano faz na entrevista ao Expresso tem apenas um nome: chantagem. Atreva-se o país a facilitar a penetração da Huawei no seu sistema de telecomunicações e vai ver o que penará - preto no branco é isto que o sujeitinho se atreveu a dizer. Razão mais do que justificada para o ministro dos Negócios Estrangeiros dizer que, para cá vigora a regra dos que vivem para lá do Marão: mandam os que cá estão!

Têm, porém, alguma piada as preocupações do entrevistado com a nossa segurança, alertando-nos para a captação de informações indevidas pelos serviços secretos chineses. Como disse?

É que nós sabemos muito bem o que Edward Snowden denunciou a propósito das práticas da NSA e até um modesto blogue como o é este Ventos Semeados tem contínuo e significativo fluxo de visualizações a partir dos Estados Unidos, como se vê no quadro ao lado. Olhando para as últimas 2500 visualizações de quem o consultou e especificando a origem geográfica de quem o fez, será que existem tantos emigrantes nesse país que justifiquem o facto de mais de 1/4 das consultas dos seus conteúdos tenham dali provindo? Não é que possamos provar que existe gente da NSA ou doutras agências a vasculhar o que possamos dizer sobre os seus governantes, mas que dá que pensar, não duvidamos...