quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Que mais preciso para me sentir confortável na minha escolha?


A posição anteontem expressa sobre a minha recusa em votar em Ana Gomes nas próximas eleições presidenciais pretextou algumas reações de camaradas socialistas, que estranharam o meu apoio a Marisa Matias. Como é possível que um militante socialista de há mais de trinta e cinco anos opte por votar na militante de outro partido?
Muito sinteticamente digo que considero mais grave a uma militante socialista sempre pôr-se em bicos dos pés quando se trata de criticar os governos do seu Partido como ela o fez, de forma populista, com os de José Sócrates e António Costa. Nessas alturas Ana Gomes sentiu que poderia colher benefícios de opiniões populistas contra o seu próprio partido e não teve o mínimo rebuço em formulá-las. E, em definitivo, se Groucho Marx nunca aceitaria pertencer a um clube que o aceitasse como sócio, eu nunca me situaria como apoiante de quem foi lançada e promovida por essa criatura esdrúxula chamada Francisco Assis. Homessa!
Não é de ânimo leve que apoio Marisa Matias. Há quase cinco anos lamentei que ela se apresentasse, retirando força à candidatura de Sampaio da Nóvoa, quando esta tinha o enorme potencial de unir toda a esquerda num combate com melhores hipóteses de vencer Marcelo. Mas, atendendo às circunstâncias, entendo-o como pecado menor, que justifica reticências, mas não impede um apoio justificado por a ver com potencial para ir muito além do universo do seu partido e representar a esquerda que não se verga aos valores do mercado e se dispõe a combater a pandemia social, que a sanitária apenas agravou.
Na apresentação de ontem, Marisa fez tudo bem: anunciou-se como republicana, laica e socialista, uma fórmula que remete para Mário Soares e em que a grande maioria dos socialistas se revê. Escolheu para cenário o Largo do Carmo com todo o simbolismo a ele inerente. Dispensou a presença dos dirigentes do seu partido numa clara afirmação de não se querer cingir a eles nos apoios. E, sobretudo, apresentou-se como candidata contra o medo, porque se este divide, a república une!
Que mais preciso para me sentir confortável na minha escolha?

3 comentários:

  1. Isto já é, Jorge Rocha, uma declaração de apoio a Marisa Matias como deve ser. Se o meu caro não se revê nas posições de Ana Gomes, pois deve dar o seu voto à pessoa de quem se sente mais próximo seja em termos ideológicos, seja na forma como está na política e aí a Eurodeputada do BE é uma pessoa sem mácula. Enfim, a escolha é sua.

    Quanto às supostas críticas de Gomes a Sócrates ou a Costa, não confundamos indignação com populismo. E no que diz respeito a Sócrates, os militantes do PS terão infelizmente que dar a mão à palmatória, porque Ana Gomes acertou em cheio, a não ser que ainda acreditem nas explicações cada vez mais esdrúxulas do antigo PM que note-se, deixou o Partido porque António Costa lhe deu o apoio que ele merecia, ou seja, nenhum, depois de ele ter arrastado pela lama a ética republicana e socialista...

    Quanto à presença de Assis entre os apoiantes de Gomes, não vai agora imputar a Gomes a culpa de Assis ter decidido apoiá-la, pois não? E depois, em que é que aceitar o apoio de Assis, se o fizer, desonra a candidata? Assis é um político impoluto, com coragem física e cívica, basta lembrar que foi agredido em Felgueiras quando afrontou a cacique local e que mais tarde foi a única pessoa a sair a terreiro no nadir do PS em 2011 contra Seguro, quando António Costa se guardava para melhores dias...

    De novo, o Jorge Rocha convive mal com as críticas feitas por Assis à liderança de Costa. Eu discordo de Assis, mas se voto PS é porque o PS é um Partido Plural, não um Partido de Kim Il Suns, mau grado as tentativas de Sócrates no Passado. Lembra-se de quando ele argumentou, tal como Cavaco, que o voto lavava mais branco?

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  2. Caro Jaime:

    Relativamente ao José Sócrates há dois aspetos, que me cumpre realçar. O primeiro tem a ver com o facto de, como republicanos que somos, só aceitarmos a efetiva culpabilidade de alguém quando os tribunais assim o decidirem. Até lá a presunção de inocência deverá ser regra a ser respeitada. Mas, em segundo lugar, a questão até nem tem a ver com a pessoa em si, mas com o seu governo. Ora, embora o Jaime se apresse a definir a sua política como próxima da da direita, na melhor das hipóteses como centrista, a verdade é que, nas circunstâncias em que se implementou - lembremos que antes da crise dos subprimes - nenhum governo progressista respeitador do colete de forças das convenções europeias poderia seguir cartilha mais avançada ideologicamente do que aquele. Com a diferença de ter ambicionado lançar politicas ambientais em rutura com o que decorrera até então, apostar decisivamente na ciência através da continuidade do projeto de Mariano Gago e conseguir, à luz dos critérios de Gini ingletir a curva relativamente à distribuição de rendimentos.
    Como tem constatado nas nossas já antigas divergências de opinião, a leitura marxista da realidade tende a ser realista: em cada momento faz-se o que se pode, não o que se deseja. Conquanto não percamos de vista o objetivo para que pretendemos caminhar e a forma mais eficiente para o fazermos aproximar. Umas vezes mediante medidas reformistas em contextos adversos, noutras alturas com acelerações revolucionárias quando as contradições de classes as propiciam. Mas é sempre um gosto ler-lhe as opiniões e a forma como continuamos em campos opostos nos detalhes e, provavelmente, consonantes no fundamental.

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  3. Nunca vi Sócrates mostrar qualquer inclinação esquerdista no que diz respeito à sua política económica (nem Costa). Sempre foi um político do centro, pró-europeu (e teve o meu apoio). E contrariamente a Costa, sempre recusou qualquer convergência à Esquerda.

    Mas cultivou uma proximidade com certos grupos económicos (independentemente das acusações de que é alvo) que mostram a sua apetência por um capitalismo de Estado que qualquer pessoa de Esquerda rejeitaria (a não ser que demonstre afinidade com os regimes chinês ou russo, como o PCP).

    Não me venha pois com racionalizações marxistas, insultando a minha inteligência e a sua. Não, os meios não justificam os fins, e depois o objectivo de Sócrates nunca foi aquele a que você aspira...

    Quanto à questão da presunção de inocência, não nos podemos resguardar nela para não admitir que as explicações que Sócrates deu à Justiça se afiguram ridículas. E depois, como eu já aqui escrevi várias vezes, Sócrates pode até não ter cometido qualquer crime, que o seu comportamento pessoal após 2011, se afigura moralmente condenável (ninguém o escreveu melhor do Fernanda Câncio no DN, cuja admissão só pecou por tardia), sobretudo porque colocou em cheque o seu legado (de que você fala acima) e a posição de todos os que com ele trabalharam.

    Claro que só poderia esperar de Costa que este sibilinamente sugerisse que a verdade pela qual Sócrates lutava até poderia não ser a verdade dos seus concidadãos... Chapeau!

    Tivemos um PM que assim que deixou de o ser se esqueceu que era uma pessoa politicamente exposta e que à mulher de César não basta ser honesta. O antigo SG e PM, se não é criminoso, é um néscio...

    E é isso que o Jorge Rocha não é capaz de aceitar. Se um líder partidário no exercício das suas funções, ou posteriormente, se comportar de uma forma eticamente duvidosa é dever dos militantes criticá-lo e foi isso que Ana Gomes fez.

    Você, em particular, tem todo o direito de criticar Ana Gomes pelo seu lado. O que não pode fazer é criticá-la por exercer a sua liberdade de expressão dentro do PS, sobretudo quando estava cheia de razão...

    Quanto à inclinação segurista de Gomes, pois bem, eu preferiria outro candidato que não ela, porventura. Até era capaz de preferir o próprio Assis, que me parece alguém mais cordato e com maior substância do que Ana Gomes, cuja argumentação desce por vezes ao simplismo.

    Mas, alas, a tibieza e o calculismo de António Costa não nos providenciaram esse candidato/a, o que quer dizer que se não fosse Gomes, o campo do socialismo democrático não ficaria representado nesta eleição e que com quase toda a certeza Ventura seria segundo depois do candidato da Direita, porque é altamente duvidoso que desta vez Matias faça sequer o pleno do seu Partido.

    O perigo não passou aliás, nada garante que Gomes remeta Ventura para o 3º lugar. E perante esta possibilidade, andam os socialistas preocupados (estão no seu direito) com as posições de Ana Gomes?

    Eu, se fosse Francês, teria feito o que Mélenchon fez em 2002 e não foi capaz de fazer em 2017, ou seja, teria votado de cruz na segunda volta em Chirac (um corrupto e mentiroso sem escrúpulos) ou em Macron (um neoliberal impoluto).

    Chame a isto uma leitura marxista da realidade. Há quem prefira deixar-se levar pelo despeito...

    E não, não somos consonantes no fundamental. Eu sou um social-democrata liberal que recusa qualquer cedência ao colectivismo de Esquerda. O Jorge Rocha tem a alma de um marxista mas depois no dia-a-dia apoia acriticamente os líderes do PS de quem gosta, sem sequer reconhecer que qualquer um deles está a anos-luz das suas posições...

    Como lhe disse, ideologicamente está mais próximo do BE, mas a sua alma clubista pertence definitivamente ao PS...

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