quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Em Atenas caiu mais uma carta de um baralho mais do que instável

Na Grécia há novidades na frente socialista para o pós-25 de janeiro, quando o Syriza ganhar as eleições contra a chantagem a que as instituições da troika e o governo alemão estão a anunciar para essa altura e o Pasok não passar dos 5%.
George Papandreou, o histórico dirigente socialista anunciou a formação de um novo partido, o que assusta a corte de Venizelos depois do insidioso comportamento a que se sujeitou nestes últimos quatro anos: o de se limitar a bengala da direita de Samaras na imposição das políticas austeritárias ditadas pelo FMI, pelo BCE e pela Comissão Europeia.
A lógica de Papandreou é cristalina: o Pasok é um moribundo para o qual não há esperança de redenção e haverá que ocupar o espaço do Syriza se este, a médio prazo, não concretizar as expectativas de que vem investido. Um plano B é imprescindível se não se quiser ver a Grécia entregue ao lunatismo assassino dos neonazis da Aurora Dourada.
Depois do suicídio a que a esquerda socialista se sujeitou, a esperança reside no reencontro com a sua perdida identidade.
Felizmente, neste final de 2014, o PS soube evitar a deriva pasokizada para que tendia arrastá-la a sua anterior direção. Os próximos anos não poderão ser de tibiezas de quem não tinha pressa e aceitava a lógica dos que aqui ainda andam a mandar há demasiado tempo.
Com a viragem já concretizada ou em vias de se tornar possível em diversos países europeus, este neoliberalismo responsável pela miséria e sofrimento de tantos europeus tem de ser erradicado.  Já quase todos os economistas de renome o concluíram e muitas das próprias organizações apostadas na mesma receita têm no seu seio quem alerta para o erro histórico, que estão a cometer.
O Estado não pode servir apenas para apressar o seu próprio definhamento. A política não pode ficar cingida a uma elite medíocre e sem visão de futuro! A Democracia tem de ser rejuvenescida por uma esquerda com soluções e com competência para as tornar possíveis.
Muito embora seja fácil perceber que a direita, através de todos os meios de que dispõe - a começar pela comunicação social por ela inteiramente dominada! -, passará os próximos nove meses a difamar, a mentir e a ameaçar, temos o dever de cidadania de nos empenharmos num esforço ininterrupto e incansável para a derrotar.

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Contra a banalização do mal

Os dias vão passando e a situação de José Sócrates como preso político de uma fação totalitária do poder judicial, permanece sem alteração, e até parece que se conjugam interesses para transformar um acontecimento tão grave numa aparente normalidade pantanosa. A aposta parece ser a da banalização da prisão preventiva do antigo primeiro-ministro do país e uma das personalidades mais admiradas por muitos milhares de portugueses. Mesmo que se reconheça o ódio profundo que lhe votam os néscios e os mentecaptos...
O imperdível texto «Quando o soberano dita a exceção» do jurista José Augusto Rocha (http://www.publico.pt/politica/noticia/quando-o-soberano-dita-a-excepcao-1680712?page=-1) constitui um dos libelos mais contundentes e fundamentados contra essa suposta normalização. Ao citar o nazi Carl Schmidt o autor  demonstra a similitude entre o poder absoluto conferido ao juiz instrutor do processo e o tipo de “justiça” aplicado na Alemanha de Hitler.
Mal vai um país onde tanto poder é posto nas mãos dos carlos alexandres e dos rosários teixeiras. Será por isso urgente que o poder político se apresse a conter os propósitos justicialistas de uma geração de magistrados dispostos a assumirem responsabilidades para as quais nem foram democraticamente eleitos nem revelam sensatez e sentido de equilíbrio bastante para se julgarem delas merecedores. Como alguém dizia  num debate televisivo desta semana, o respeito pela autonomia do poder judicial não significa vê-lo sobrepor-se aos dos poderes executivo e legislativo.
E outra tarefa de que o poder político não pode  alhear-se é a de conter os danos suscitados por pasquins, que criam esta subcultura de violação sistemática do segredo da justiça e da difamação sistemática de quem entende transformar em «inimigos públicos».
A liberdade de imprensa e de expressão do pensamento são bens inalienáveis da democracia.  Mas quando elas são utilizadas crapulosamente por quem bem as desejaria transformar numa farsa a soldo dos verdadeiros poderes que representam, será fundamental que a democracia encontre a forma mais adequada para se defender. 

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Mudanças no horizonte!

1. Hoje conhecemos, através do «Jornal de Notícias», a correspondência trocada nos últimos dias entre José Sócrates e Mário Soares. E se a admiração pelos dois socialistas já era enorme, não sei que qualificativos poderei utilizar para exprimir a reação, que ela me suscitou. Porque Sócrates aproveita a oportunidade de dar os parabéns ao fundador do PS pelos seus 90 anos, teorizando com substância sobre a razão do carisma de que o sabe eivado: a coragem que sempre demonstrou nas diferentes fases do seu percurso político.
Se sentíramos no antigo primeiro-ministro qualidades políticas acima da média e capacidade de visão para projetar um país moderno e desenvolvido como aquele a que aspiramos, os estudos de filosofia em Paris e a terrível provação por que tem passado nestes quarenta dias, aprofundaram a agudeza da sua análise sobre tudo quanto aborda.
Que diferença entre um político, que leu e interiorizou o que escreveram Kierkegaard ou René Char, em comparação com o néscio, que somos obrigados a suportar e cuja “cultura” foi adquirida em manuais de autoajuda…
E coragem é o que Mário Soares também reconhece no seu interlocutor epistolográfico: um e outro são feitos da mesma fibra do antes quebrar que torcer, já que ambos desta corte homens não são!
O que as cartas revelam é a superioridade intelectual e moral de dois homens que, por isso mesmo, são odiados e vilipendiados por medíocres, que não suportam a sua própria menoridade!
2. Sem surpresa o primeiro-ministro grego samaras foi obrigado a convocar eleições legislativas antecipadas. Nem um dia se passou e a chantagem dos mercados e das organizações, que os representam já começaram. A Bolsa grega afundou mais de 11%, o FMI congelou a tranche do programa de “ajuda” e o discurso da direita é uma variante de «nós ou o caos».
Das minhas memórias do meio ano, que vivi na Grécia em 1988, fica a noção da teimosia de quem lá vive. Recordando o Apostolatos ou o Ifimios, com quem trabalhei mais diretamente o estaleiro de Perama, perto de Pireu, não os vejo cederem facilmente a quem se põe com ameaças. Por isso mesmo faço votos para que o Syriza vença já que o PASOK deixou, infelizmente, de merecer a designação de socialista.
É certo que os 50 deputados a mais, que Tsipras poderá acrescentar aos que as eleições lhe propiciarem, por ser o partido vencedor, não bastarão para a maioria absoluta. Mas confio que saiba conseguir a aliança de esquerda necessária para enfrentar os mercados com determinação.
Já é tempo demais, este em que eles têm ditado ordens indignas para empobrecerem os povos do sul da Europa. Com uma nova realidade política na Grécia e o apoio cada vez maior de Renzi em Itália, poderão surgir as condições propícias para infletir um rumo austeritário, que uns quantos quereriam tornar eterno.
3. As notícias que chegam da Hungria também são animadoras. Ali tem mandado viktor orban, um ditador que aproveitou os erros cometidos pelos socialistas para alcançar uma maioria absoluta e estabelecer um poder autocrático onde as liberdades fundamentais são continuamente violentadas.
Desde outubro, porém, crescem as manifestações, que começam a demonstrar como a democracia não se resume à designação eleitoral de um governo. E embora a mudança não seja já para amanhã, orban está a ser denunciado como um rei, que vai nu… e não tardará a ser apeado!

A importância de recuperar o projeto europeu

Num texto anterior já abordámos a entrevista concedida por António Guterres a Teresa de Sousa (Público, 28/12/2014), mas valerá a pena a ela voltar por conter análises pertinentes sobre muitas das situações, que nos inquietam.
A crise de liderança, que afeta a Europa é por ele vista como consequência duma tabloidização da informação, que dissuade os mais qualificados de sujeitarem-se ao enxovalho e à devassa da sua privacidade. A opinião pública tem sido manipulada pelos pasquins para engolir sucessivas patranhas, que acabam por repetir sem sentido crítico. Vide o sucesso com que, durante anos a fio, se quis fazer crer na superioridade da gestão privada em relação à do Estado. 
Guterres refere, igualmente, a incapacidade de, até agora, as estruturas políticas não terem conseguido cativar a participação ativa dos cidadãos, quando têm ao seu dispor as ferramentas tecnológicas capazes de as facilitar.
Desse distanciamento resultou a perda de influência de alguns dos principais legados do Iluminismo: a supremacia da razão e da tolerância nas nossas sociedades. Por três razões, que ele destaca: “Em primeiro lugar, os nacionalismos agressivos; em segundo lugar, os fundamentalismos religiosos que não são apenas o fundamentalismo islâmico; e finalmente os conflitos étnicos que não têm  justificação nos tempos modernos, mas que estamos a ver multiplicar-se de uma forma particularmente agressiva, com o afloramento de formas de racismo e xenofobia, mesmos nas sociedades mais desenvolvidas.”
Perante a falta de oportunidades de realização pessoal e profissional, que incrementa as frustrações dos jovens entre os vinte e os trinta anos, não causará propriamente espanto que, os de raiz muçulmana abracem  o Islão radical, enquanto os demais optam pelo nacionalismo xenófobo. Para evitar esses comprometimentos de quem já perdeu esperança nas nossas sociedades, importa que o poder político a saiba recuperar e não se vê outra forma que não seja a de olhar para as pessoas como tal e não como números espelhados em gráficos de excel.
Face a uma evolução política, que tende a reduzir a influência da Europa nos anos vindouros, pouco ganho se obterá da desfragmentação dos seus polos de decisão pelos vários Estados-nações. A integração continua a ser uma prioridade, mas só exequível se não for traduzida no domínio quase absoluto da Alemanha e dos seus mais próximos aliados sobre os países do Sul em que nos integramos.
António Guterres não o diz explicitamente na entrevista, mas a solução para a melhoria da qualidade de vida dos portugueses residirá na capacidade de António Costa, Rienzi, Tsipras e outros líderes socialistas e sociais-democratas porem termo à orientação neoliberal da Europa, retomando o projeto visionário, que os fundadores da União tinham em mente, quando começaram por concretizar a ideia de uma Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. 

Guterres, um excelente sucessor para Ban-Ki-moon

António Guterres deu uma entrevista a Teresa de Sousa, que o «Público» facultou na edição deste domingo e em que demonstra, de forma eloquente, as  muitas razões porque merece suceder a Ban-Ki-moon.
Ao longo destes anos, em que tem liderado os esforços internacionais para corresponder ao crescimento contínuo do número de refugiados e deslocados (hoje são 51 milhões de pessoas, o máximo  alcançado desde a Segunda Guerra Mundial!), a sua competência tem sido sujeita a rudes desafios de que tem saído quase sempre bem sucedido, mormente quando faltam verbas para o Programa Alimentar  Mundial e as consegue arranjar sem  ver estancado o fornecimento de alimentação a quem dela carece.
Mas habilita-o igualmente a visão sobre  uma conjuntura onde as grandes instâncias internacionais não têm sabido prevenir nem resolver os conflitos.
Num dos momentos mais interessantes da entrevista constata: “Recordo-me que, quando estudava História no liceu, as guerras tinham normalmente um vencedor e um vencido. Agora, nas guerras ninguém ganha, todos perdem. A guerra vai-se eternizando e não há capacidade para a terminar.”
Para um futuro próximo onde já não estamos na lógica da Guerra Fria, nem dos EUA como única superpotência, é fundamental que a ONU tenha a liderá-la quem  reconhece  o mundo caótico em que vivemos e para o qual importa recuperar o sentido da sua previsibilidade possível... 

domingo, 28 de dezembro de 2014

Renacionalizar poderá fazer todo o sentido!

Daniel Oliveira tem revelado um consistente pessimismo face à influência ameaçadora de forças antidemocráticas nos diversos países europeus. Por isso mesmo defende que estamos a viver a maior crise democrática desde a 2ª Guerra Mundial, muito à conta da secundarização do Estado-Nação e das condições por ele propiciadas para exercer a democracia.
A culpa devemo-la atribuir a quem tem liderado a União Europeia nos últimos anos e que promoveu um golpe profundamente antidemocrático, baseado numa “integração” em que se desnacionalizou sem federalizar.
Os cidadãos viram os respetivos Estados serem despojados da soberania, que lhes permitia usufruir de imprescindíveis políticas sociais, e por isso mesmo deixam-se iludir pelos populistas, que invocam nacionalismos serôdios para cavalgarem um descontentamento crescente de quem se sente perdido na sua identidade.
A solução proposta pelo comentador do «Expresso» e do «Eixo do Mal» é lapidar: “devolver a soberania aos estados-nação e recuperar os recursos que fogem para o sistema financeiro para os devolver aos Estados e aos cidadãos.” Por outras palavras os próximos anos voltarão a dar pertinência à renacionalização de muitos dos setores, que nunca deveriam ter sido entregues ao “mercado”. Tanto mais que se viu a facilidade com que essa entidade abstrata pode assumir a forma de a nacionalização de tais empresas por outro Estado, o chinês, que não tem reserva alguma em manter a economia comandada pelo seu poder político. 

Quem nos guarda de quem nos guarda?

Pedro Adão e Silva tem denunciado frequentemente a intenção dos juízes em apossarem-se do poder em Portugal, impondo um tipo de regime, que de democrático tem muito pouco. Constatamo-lo na forma como alguns ex-governantes socialistas têm sido tratados nos últimos tempos, quer com a absurda detenção de José Sócrates em Évora, quer com as penas absurdas impostas a Armando Vara ou a Maria Lurdes Rodrigues em julgamentos onde a matéria apurada não teve qualquer correspondência nas penas aplicadas.
No texto «A Regeneração e o Rei-Juiz», hoje publicado no «Expresso» ele aborda as declarações criptofascistas emitidas por maria josé morgado numa entrevista concedida à SIC Notícias em que a diretora do DIAP de Lisboa prometia um mundo novo, perfeito e maravilhoso depois da “Justiça” ter cuidado dos casos de promiscuidade entre as nossas elites políticas e económicas atualmente na ordem do dia.
A ameaça antidemocrática, personificada na antiga militante maoísta, leva Pedro Adão e Silva a recordar que a História ensina-nos onde nos costuma levar a política fundada na “virtude” e na seleção dos “honestos”. “Desde logo, porque precisamos de saber quem é que certifica a honorabilidade”.
Nesse sentido, e porque maria josé morgado parece acreditar nesse papel “regenerador” da sua classe profissional, ele volta a transcrever o texto que a Associação Sindical dos Juízes Portugueses pôs à discussão no seu Congresso: “o poder judicial (…) corre o risco de se vir a assumir como o verdadeiro poder, depois do século XIX (ter sido) do poder legislativo e o ´seculo XX o do poder executivo”.
Se isto não explicita uma vontade corporativa em fazer um golpe de Estado onde os dois outros poderes constitucionais ficariam sujeitos aos ditames dos juízes, não sabemos que mais precisamos de evocar. Para Pedro Adão e Silva os juízes ameaçam ser novos inimigos das sociedades democráticas.