terça-feira, 30 de abril de 2019

A efémera ressurgência dos valores mais conservadores


Num documentário aparecem feministas alemãs dececionadas por verem jovens de hoje a reclamarem o direito de viverem segundo padrões de família com as características tradicionalistas das suas avós, senão mesmo bisavós. E, igualmente, uma família norte-americana do interior profundo - onde Trump teve melhores resultados! -, a diabolizar a contraceção, razão porque já nela integram vinte filhos. E porque temem que eles sejam atraídos pelas tentações do Demónio proíbem-lhes o acesso à televisão ou à internet, educando-os em casa segundo os preceitos criacionistas.
Os dois exemplos lembram-me a velha fórmula leninista segundo a qual as sociedades humanas sempre avançam dois passos para logo regredirem um. Em ambos os casos a regressão é surpreendente de tão anacrónica. Mas lembrando-nos do que fomos, quando chegámos à Revolução de Abril no final da adolescência, bem podemos prever que as tais raparigas conservadoras alemãs, ou os filhos da família norte-americana, acabarão por descobrir à própria custa o quanto existe uma outra realidade para além da que vêem tão estreitamente através dos premissas em si inculcadas. E talvez se revoltem com a determinação dos que, há meio século, viraram do avesso os valores das sociedades cristalizadas de então.

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Colocar de vez o franquismo no banco dos réus


A seguir ao Camboja de Pol Pot, foi na Espanha franquista, que maior número de pessoas se mataram por razões políticas e se as amontoaram em valas comuns sem terem sequer direito ao respeito pela sua identidade mediante as devidas exéquias fúnebres. E, no entanto, a «Justiça» espanhola nunca aceitou que esses homicídios fossem admitidos a julgamento por aquilo que, efetivamente, cometeram: crimes contra a Humanidade.
O juiz Baltasar Garzón bem porfiou em consegui-lo e foi afastado pelos pares, que o converteram num pária junto da respetiva corporação, E, mais recentemente, uma juíza argentina seguiu-lhe as pisadas nada conseguindo, porque a obstrutiva Justiça espanhola continua enfeudada nos valores da Ditadura como bem o estão a sentir na pele os líderes independentistas catalães.
Desfranquizar a Espanha exorcizando de vez os seus demónios constitui tarefa que Pedro Sanchez deverá prosseguir. Começou-o com a intenção de remover o túmulo do algoz do Vale dos Caídos, mas terá de ir mais longe. Porque trazer para a luz do dia os crimes cometidos pelo franquismo entre 1936 e 1975 é a melhor vacina, que poderá inocular no imaginário coletivo dos espanhóis para melhor se defenderem das monstruosidades prometidas pelas direitas e extremas-direitas. Umas e outras filhas abastardadas da tradição assassina dos seus antecessores...

Para que servem conjunturalmente os fascistas


O fascismo até tem, afinal, algum préstimo! É o que se pode depreender das eleições ontem ocorridas em Espanha em que a segmentação das direitas catapultou as esquerdas para uma vitória próxima da maioria absoluta. De facto, se analisarmos os resultados disponíveis, a soma do PSOE com o Unidas/Podemos corresponde a 43% dos votos contabilizados, e iguala precisamente os atribuídos ao PP, ao Ciudadanos e ao VOX. Daí que, com algum cinismo, possamos agradecer aos fascistas liderados por Santiago Abascal a irrupção na liça política para explorarem as emoções de eleitores, que reagiram impulsivamente aos anseios catalães em acederem á independência. Isso garantiu que a soma dos dois partidos das esquerdas propiciasse mais 18 deputados do que os atribuídos às direitas. E há o acréscimo de um Senado muito maioritariamente dominado pelos socialistas.
Frustraram-se, assim, os anseios de quantos viram no VOX a irrupção arrebatadora de uma nova vaga fascista, que reiterasse a dinâmica suscitada pelas vitórias de Trump ou de Bolsonaro. Tomando os desejos por realidades até já Nuno Melo se via convidado a abrilhantar comícios e manifestações dos admirados parceiros potenciais, quiçá eivado da ambição de concretizar uma federação ibérica de partidos fascistas financiada por Steve Bannon.
Confirmando o meu inabalável otimismo, e confiando que Pedro Sanchez governará com a sagacidade entre nós, demonstrada por António Costa, prevejo que o balão, agora preenchido pelos votos de protesto emotivo confiados a Abascal, se esvazie, tornando conjuntural um fenómeno sociológico apenas explicável pelas circunstâncias muito particulares.
Entre nós as sondagens vão confirmando que esse tipo de singularidades, expressas no arrivismo de Santana Lopes ou no trogloditismo de André Ventura - apostados em aproveitar uma imprensa favorável e nas fake news, que justificam maior prudência nos seus putativos crédulos! -, não causarão tanta mossa nas votações do PSD ou do CDS quanto, há um par de meses, julguei possível, garantindo ao PS, ao Bloco e à CDU uma vitória ainda mais expressiva. O que só abona os portugueses quanto à racionalidade e ponderação com que olham para a realidade optando pelas soluções de esquerda em detrimento de quantos apostariam numa sociedade mais injusta e desigual. Só espanta ainda existirem demasiados eleitores a votarem em quem, assim os deixassem, tudo fariam para os prejudicar. Não porque emocionalmente os motive essa decisão, mas porque para tal os impelir a ignorância e o preconceito.

sexta-feira, 26 de abril de 2019

O matutino da Sonae na vanguarda da criação de casos contra os socialistas


Folheando o matutino da Sonae pode-se ir percebendo como ele constitui ferramenta persistente e insidiosa contra tudo quanto o governo socialista possa ir fazendo de bom pela melhoria da vida dos portugueses, insistindo na ideia de tratar-se de uma realidade contra a qual haverá que deitar abaixo a qualquer preço. Nem que para tal recorra a um contrato firmado entre a autarquia lisboeta e os organizadores de um dos maiores eventos anuais organizados entre nós.
No seu editorial o diretor do jornal, Manuel Carvalho, insurge-se contra o seu desconhecimento dos termos do contrato com a Web Summit e que tornam Lisboa no entroncamento em que se encontram, durante vários dias, os que contribuem para os maiores avanços tecnológicos das próximas décadas.
Se a iniciativa do irlandês Paddy Cosgrave tivesse debandado para outras paragens não faltariam vozes iracundas a acusar o governo de crime de lesa-Pátria. Agora, como sucedeu o contrário, com a obrigatoriedade do respeito de sigilo por algumas cláusulas contratuais, que todos os vereadores lisboetas poderão consultar, a estratégia antigoverno passa a ser outra: a de ocultar dos portugueses o que eles deveriam ter pleno conhecimento sem quaisquer reservas, como se o mundo dos negócios não estivesse recheado de exemplos assim, em que a proteção contra a concorrência, tem de ser salvaguardada.
O que importará mais para Manuel Carvalho e para os donos da Sonae, que lhe pagam para cumprir o seu triste papel? Que Portugal continue a ser conhecido pela capacidade de assegurar tal organização, e surja como símbolo maior da economia digital, ou que outra grande metrópole europeia lhe espolie o mérito e o proveito? Sim! O proveito, porque são muitos os milhões de euros que o país atrai nesses dias e, nos que se seguem, como benefício de tal evento!
Manuel Carvalho surge como exemplo maior daquele tipo de gente incapaz de fazer, mas pródigo em esforços para impedir que outros o façam.
Mas não se fica por aí: nessa mesma página escolhe como «Cartas ao Diretor» as que lhe secundem o objetivo. Duas versam o lamentável episódio dos arruaceiros, que tentaram interromper o discurso de António Costa na Festa do 46º aniversário do PS - quem pode aceitar o comportamento ignóbil dos referidos «ativistas» e cometa o insulto de o querer equiparar ao de Alberto Martins, há 50 anos quando, em pleno fascismo, pediu a palavra ao fascista Américo Thomaz. Acaso estamos em ditadura para que essa provocação seja a única forma desse tal movimento se fazer ouvir? Ou, pelo contrário, e a exemplo do sucedido há quatro anos, quando a campanha eleitoral foi recheada de casos preparados para minimizar a derrota do PAF, estamos perante a mesma lógica em que se minimizem as qualidades efetivas dos socialistas para melhorarem a vida dos portugueses e se dê deles ideia contrária, que possibilite o regresso ao governo de quem tanto os maltratou?

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Tricas menores, mas a que convém estar atento!


Esta comemoração da Revolução de Abril trouxe duas tricas, que não valem mais do que isso! , embora denunciem a persistente tentativa de retrocesso por quem a rejeitam.
A primeira teve a ver com o convite endereçado pelos organizadores do Fórum Jurídico  de Lisboa a um ministro brasileiro, tristemente mediatizado pelo inequívoco comportamento fascista. Em vésperas da data mais querida dos portugueses por lhes constituir sinonimo de Democracia, de Liberdade, essa presença só pode ser lida como indesculpável provocação. E o biltre comportou-se como decerto pretendiam quem o trouxe à festança.
Foi lamentável que só José Sócrates tenha reagido, demonstrando ser filho de boa gente, e pior ainda, que Augusto Santos Silva se tenha sentado e deixado fotografar ao lado do biltre. Por muitas razões diplomáticas, que possa alegar em defesa do gesto, não pode ignorar o quanto ele indignou uma significativa maioria de portugueses para quem essa imagem constitui inesquecível agravo. Após ter secundado uma parte da União Europeia no reconhecimento da marioneta de Trump como presidente de um país, que tem um outro legitimado pelo voto do seu povo, pode-se considerar que o ministro dos Negócios Estrangeiros já conheceu melhores dias.
Os noticiários não contemplam apenas esse motivo de sobressalto. Também contam que os fascistoides lusos, mascarados com coletes amarelos - porque não lhes sobra esperteza para  criarem outras simbologias, que não as imitadas além-Pirenéus -, irão «manifestar-se» esta tarde no Terreiro do Paço, voltando a agitar o papão dos cem mil aderentes que dizem ter nas redes sociais. É claro que repetirão o flop de semanas atrás, quando arregimentaram à sua volta mais jornalistas do que quantos latiam. Mas essa gente repelente continua a fazer trabalho de sapa para vir a ser reconhecida como incómoda, garantindo o tal quarto de hora de notoriedade a que se julgam com direito.

Comemorando Abril com a indispensável ajuda de Sophia


Sempre que chegamos ao dia 25 de abril põe-se-nos a questão de como abordar a Revolução sem repetirmos o que já foi dito, e redito, em ocasiões anteriores, poupando-nos à sensação de redundância.  Por isso importa reiterar o essencial recorrendo ao belíssimo poema, que sobre ela Sophia de Mello Breyner Andresen escreveu: o que foi conquistado naquele dia inicial, inteiro e limpo, é para ser valorizado e recriado em cada madrugada de que emergimos da noite e do silêncio. É luta de todos os dias, de todas as horas, porque quem odiou e odeia o perfume dos cravos tudo fará para infletir o curso da História e impedir-nos de sermos livres na substância do tempo.

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Tão generosos que eles são!


Poucos dias passados sobre o incêndio, que destruiu boa parte da cobertura da Catedral de Notre Dame de Paris, a «generosidade» dos principais capitalistas franceses, e uns quantos estrangeiros mais, parece bastar para o financiamento da sua reconstrução. Só o Vaticano parece ter faltado á chamada do mecenas, porventura por ver na operação custos exagerados para quase inexistentes benefícios.
Que bela operação de marketing se desencadeou com a colaboração da prestimosa imprensa ao serviço dos seus próprios donos. Os que virão a deduzir nos impostos tão lautas doações reduzindo a nada o custo que, inchados de orgulho, dizem vir a ter...
É o capitalismo no seu esplendor e na sua mais inominável hipocrisia!

É capaz de fazer jeito um banco para se sentarem


Devemos ao jornalista Max Blumenthal a divulgação de uma reunião em Washington, que deveria ficar secreta segundo a  vontade dos seus promotores - a tripla Pence/ Pompeo/ Bolton que manda na política externa norte-americana - e destinada a promover a única alternativa, que lhes resta para derrubarem o governo bolivariano de Nicolás Maduro. 
Frustrada a entronização da sua marionete (Guaidó), que nem o lamentável apoio da maioria dos países da União Europeia, conseguiu fazer prevalecer, esgotada a campanha sobre a penúria por que passa o povo, falhada a possibilidade dos sucessivos apagões terem levado ao caos definitivo, os que, desde o início da crise a andam a fomentar, já não alimentam mais ilusões e apostam na força militar como alternativa, que lhes resta.
Não admira que, na reunião do dia 10 de abril tivesse estado presente Roger Noriega, sempre convidado para esse tipo de eventos, quando se trata de conspirar militarmente contra países, que resistam à sua condição de «quintal das traseiras» do arrogante vizinho.
Do que se sabe de quanto se passou naquela reunião, fica a convicção dos participantes quanto à severa punição por que deverão passar os venezuelanos ao escusarem-se a apoiar o «presidente», que nada conseguiu presidir, e o aviso aos chineses e aos russos para não se intrometerem nos assuntos, que julgam caber apenas aos que ainda mandam na Casa Branca.
Depois de ter estado por dias a «incontornável vitória» de Guaidó - com muitos ingénuos das redes sociais a congratularem-se com tal expetativa, exclusivamente do interesse norte-americanos relacionados com a extração do petróleo - será sempre curioso verificar por quanto tempo mais resistirá o regime chavista. É que, em tempos, quem igualmente se apressou a prever a rápida queda do castrismo em Cuba bem teve se se sentar, porque ele continua de pedra e cal...

terça-feira, 23 de abril de 2019

Se o ridículo matasse...


Perante a reportagem fotográfica de Paulo Cunha para a Lusa podem-se colocar duas questões, para além da reação imediata que nos suscita: se o ridículo matasse, Assunção Cristas, Nuno Melo, e quantos se lhes associaram na apanha das couves, já estariam em câmara ardente à espera das devidas pompas públicas.
O ridículo não comporta, porém, essa potencialidade letal, que nos pouparia a novas demonstrações de tão primário populismo. Dediquemo-nos, por isso, às perguntas óbvias: será que os dirigentes do CDS acreditam que haja muitos eleitores a deixarem-se embalar por essa súbita conversão às competências campesinas? Ou será que nós, sofisticados citadinos, olhamos para a bizarra reportagem e não a imaginamos quanto possa, efetivamente, embalar uns quantos ingénuos dispostos a afiançarem a sinceridade de quem não se coíbe de utilizar as mais desonestas manobras de marketing político?
Otimista na vontade, espero que a grande maioria dos que irão votar daqui a um mês olhem para essas fotografias e se indignem com o oportunismo de Cristas & Cª. Mas, algumas vezes tenho de me reconhecer pessimista na razão, e constatar que não falta quem acredite no que julgaríamos totalmente estapafúrdio...

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Não é a Terra que está em causa, somos nós!


Hoje é Dia da Terra. Para celebrá-la como mãe pródiga, que nos sustenta a vida, mas de quem cuidamos tão mal.  Porque são ainda escassas as vozes, que se erguem em sua defesa e, pior ainda, quase nunca dizem o essencial: não é ela quem verdadeiramente está em causa, porque continuará a orbitar o sol durante milhões de anos, estando ou não habitada por seres humanos. Somos nós quem estamos ameaçados, porque nos recusamos a aceitar as evidências já percetíveis no dia-a-dia: 90% da população mundial respira ar poluído e são já 600 mil as crianças, que morrem anualmente por essa inequívoca razão.
Para termos um planeta sustentável para filhos, netos, bisnetos e todos quantos da nossa genealogia germinem, teremos de alterar profundamente o ciclo do que consumimos e deitamos fora. É a sociedade do consumo, que se revela insustentável, é o sistema capitalista que deve conhecer um irreversível fim.  Não é possível que, anualmente, continuemos a extrair do planeta quase cem mil milhões de toneladas de recursos naturais, ou que cada um de nós gaste em média mais de doze dessas toneladas no mesmo período. E que todos os anos as lixeiras e aterros sanitários recebam 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos ainda em estado de serem consumidos.
É certo que a consciência ecológica vai-se acentuando. Gestos tidos como normais há dez ou vinte anos são agora objeto de autocensura ou de condenação coletiva, tornando-os menos comuns. A rejeição dos plásticos está atualmente a incutir-se na cultura dos povos, mas foram necessárias muitas imagens de baleias ou peixes com os sistemas digestivos atulhados desse entulho, ou praias paradisíacas transformadas em inacessíveis lugares de prazer, para que nos convencêssemos da urgência do problema. Há, igualmente, a crescente noção de ser o diesel um combustível condenado por muito que os coletes amarelos em França ou os lobbies automobilísticos mintam descaradamente para fazerem perdurar os seus interesses lesivos da Humanidade.
Afinam-se, pois, alguns paliativos, sem que prevaleça a ideologia exigível para as décadas vindouras: a associação dos discursos igualitários, que das esquerdas constituem fio identitário, com os da defesa do meio ambiente. Não admira que, mais do que os partidos comunistas, socialistas ou sociais-democratas, sejam os Verdes, os que, à esquerda, estejam a ser resilientes em sucessivas eleições por essa Europa. Operar a síntese de uns e de outros constitui a única hipótese para que as iminentes distopias tendam para as esperançosas utopias de que nunca deveremos abdicar...