segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

A necessidade de forjarmos mundos novos

 

Não têm sido muitos, mas amigos há que têm considerado a minha posição sobre a invasão da Ucrânia como sintomática de alinhamento ideológico com Putin o que só posso entender como um crasso disparate. Pensar racionalmente nas circunstâncias, que conduziram a esta situação, é-me mais natural do que alinhar nas considerações emotivas de quem pretenderia ver as tropas da NATO a agirem contra o tratado, que a norteia e entrarem em força no conflito. O que daria ensejo a Putin para fazer aquilo que ameaça: utilizar as armas nucleares no que seria a concretização dos vaticínios de Einstein quanto às características de uma futura quarta guerra mundial. Não esqueçamos que, ao contrário de outros ditadores, que se ficam pelas ameaças, Putin não tem pejo em ir além delas!

José Pedro Teixeira Fernandes, investigador da Universidade Nova de Lisboa, escreve no «Publico» de hoje que “o Ocidente falhou em termos morais e políticos. Falhou por não falar claro à Ucrânia e por não a ajudar a perceber a opções reais que tinha. Levou-a a afastar-se da neutralidade sem lhe dar uma alternativa exequível. Ignorou o interesse estratégico permanente da Rússia sem proteger efetivamente a Ucrânia. Não obstante a invasão da Rússia ser totalmente injustificada e merecer uma condenação inequívoca, há responsabilidades que não se podem iludir agora.” E outra coisa não tenho aqui defendido até por outra falha subsistir neste mesmo Ocidente: não dar ao mundo a alternativa, que este tempo exigiria quanto à mesma visão darwinista, que Putin tem da luta geopolítica, avançando determinadamente para um futuro pós-capitalista e balizado nos valores inscritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O que justifica o parecer de Tom McTague, citado pelo mesmo jornal relativamente a um artigo seu na revista «The Atlantic»: “compreender Putin como fenómeno moderno é de fundamental importância se queremos evitar o erro categórico de assumir que o perigo que ele representa é o de voltar atrás no tempo e não de o acelerar, recriando mundos antigos em vez de forjar novos”.

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Contos velhos, rumos novos?

 

A guerra na Ucrânia motiva tão emotivas reações, que justifica abordagem alternativa, que não se prenda com versões maniqueístas de tudo ser branco ou preto, e olhe racionalmente para o mundo vindouro, aquele de que nos não sabíamos tão próximos.

Na «Visão» Rui Tavares Guedes volta a trazer à colação o exemplo literário de Stefan Zweig, quando tanto glosou a tranquilidade da Viena imperial em vésperas de se ver sacudida pelos canhões da Primeira Guerra Mundial. Comportamento depois replicado em vésperas do conflito generalizado seguinte, que encontrou quase toda a Europa não nazifascista a usufruir as delícias de um verão particularmente bonançoso. E, de facto, existe essa acostumada ilusão de se viver perpetuamente em paz, indiferentes ao facto de continuarem a funcionar em pleno as fábricas de materiais para as anunciadas guerras futuras.

Esperam-nos anos de inquietação por muito que, agora, a União Europeia se una em torno da ideia de não depender dos Estados Unidos para assegurar a sua própria defesa. Até porque não sabemos se Trump não voltará a suceder a Joe Biden...

Tempos difíceis se adivinham para quem, na Rússia e na sua esfera de influência, quiser ostentar veleidades antioligárquicas: a exemplo do sucedido com a Bielorrússia ou o Cazaquistão, lá estarão os tanques a reencaminhar as ovelhas rebeldes ao redil. E nada impedirá a China de replicar este exemplo em Taiwan por muito que o Pentágono direcione mais porta-aviões e submarinos para as suas imediações.

Porque, nem num, nem noutro caso, estamos a cuidar de outros modelos, que não sejam os de um capitalismo entrincheirado nas instituições do Estado, é altura da União Europeia reinventar-se, libertando-se dos Orbans e dos Kaczynskis, que, amando-o ou detestando-o, lhe replicam as intenções autoritárias, e se afirme como espaço de liberdade e de mais igualitária distribuição de rendimentos como forma de servir de farol para os povos, que queiram libertar-se dos respetivos ditadores. Porque, até agora, e com Angela Merkel como paradigmático exemplo, o espaço político comunitário olhou para a economia dentro da lógica do mero business as usual. Sem cuidar particularmente dos valores, que tanto proclama serem os seus...

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Eis-nos num mundo que nem todos são belos nem gentis!

 

Bem pode Manuel Carvalho, diretor do «Público», queixar-se da Rússia de Putin ter deixado de ser confiável à luz dos tratados e da boa vontade da cooperação internacional, que ele poderá sempre alegar o mesmo a respeito de um ocidente que aproveitou a implosão da União Soviética para levar a União Europeia, mas sobretudo a NATO até às suas fronteiras, fazendo toda a diferença ter mísseis norte-americanos a meia dúzia de quilómetros delas, quando, em contraponto, a Casa Branca reagiu como se sabe à hipótese contrária de havê-los na Cuba de Fidel Castro.

Por muito que antipatizemos com Putin nada ganhamos em replicar o patético discurso de José Milhazes na SIC que, perante os desesperados apelos de Volodomir Zelenski e a conformada reação europeia de acolher quantos refugiados provierem da derrotada Ucrânia, já imagina guerrilhas ativas nas florestas a combaterem o exército invasor.

Há que olhar racionalmente para o que está em causa e não ver a decisão de Putin como prova manifesta da sua loucura. É-a da sua perspetiva ditatorial de exercer o poder, mas em que altura da sua História, a Rússia esteve governada numa lógica democrática? E não existe apenas narrativa desviada da realidade, quando ele invoca a existência do batalhão Azov como prova de significativa participação neonazi na definição das políticas ucranianas nos últimos anos. Aliás uma das enviadas da SIC demonstrou-o bem quando mostrou uma reportagem em que um desses militantes dava treino militar a uns assustados cidadãos, ademais com armas de fazer de conta.

O que acontecerá a curto prazo pode-se imaginar: voltaremos ao tempo da Guerra Fria com blocos estratificados de uns e de outros a usarem a propaganda para denegrirem o campo inimigo. A energia será mais cara e, com ela o custo de vida, que deveremos suportar até por nos devermos resignar a orçamentos mais altos na rubrica das despesas militares. Por isso teremos mais uma culpa a imputar ao Bloco e ao PCP: terem inviabilizado um orçamento, que já poderia estar implementado e continha avanços progressistas de imediato postos em causa com os desafios a curto prazo do aumento dos juros da dívida. E, esperto como se tem mostrado, Putin não repetirá os erros de Gorbatchev: teremos de olhá-lo com o receio de quem o sabe capaz de recorrer às armas nucleares se vir nelas argumento bastante para prosseguir com os seus planos. 

Não é cenário que nos agrade? Pois não é! Mas lá dizia Guterres, que assim é a vida, não sendo a primeira vez que voltaremos a um mundo diferente do que nos prometiam em 1991: que todos seriam belos e gentis! Porque até a História teria chegado ao fim...

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Uma quase não notícia!

 

Sem surpresa Putin deu a ordem para o exército russo avançar fronteiras ucranianas adentro. Sem justificação, segundo o ocidente? Claro! Mas, à exceção da França, nenhum país deste lado do continente verberou George W. Bush quando  mandou atacar o Iraque em busca das armas de destruição maciça que Saddam Hussein não tinha. Há vinte anos, como hoje, os impérios decadentes cuidam das próprias narrativas para justificarem os ataques de agressão contra outras nações. A diferença reside em ter sido o então ocupante da Casa Branca uma personalidade de passagem, enquanto Putin veio para ficar. E sabendo que, se a Rússia, com maior ou menor dificuldade, pode viver razoavelmente bem sem a Europa e com os preços do petróleo e do gás natural a aumentarem, o mesmo não se passa com a União Europeia, que se arrisca a pagar com juros a afronta feita a Moscovo ao acolher no seu seio, e no da NATO, os antigos países do Pacto de Varsóvia. A começar pelos alemães, que tão dependentes estão do fornecimento energético russo e desse mesmo mercado para escoarem os seus automóveis.

Putin é execrável, mas em estratégia ninguém o bate por agora!

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Nunca se deve provocar um urso ferido!

 

Sabemo-lo bem dos filmes sobre a Natureza: nunca se deve provocar um urso. Sobretudo se for um daqueles assustadoramente grandes  como os que Werner Herzog filmou em «Grizzly Man» em 2005, dois anos depois de um ou dois terem  jantado Timothy Treadwell e a namorada no Parque Nacional de Katmai no Alasca, depois dele querer trata-los como bichinhos de estimação.

Vladimir Putin não é fera que deva ser enfurecida. Mantida à distância, sim, ou contida na medida do possível sempre que as circunstâncias o exijam, mas sem lhe dar o ensejo de demonstrar a notável inteligência estratégica revelada nas últimas semanas. Agora, com o território da Ucrânia parcialmente ocupado pelo exército russo, baliza-se num conjunto de argumentos - uns verdadeiros, outros manifestamente falsos - embora nenhum tão forte quanto a promessa ocidental, feita em 1991 em como a NATO jamais aceitaria no seu seio os países então desvinculados do implodido Pacto de Varsóvia. Aliás, e como sempre aqui tenho defendido, a preservação da existência da organização militar ocidental muito interessou aos interesses imperialistas norte-americanos e de nada serviu aos países, que a ela pertenceram até então.

O urso russo ficou seriamente ferido por essa altura e foi um fartar vilanagem: quer a NATO, quer a União Europeia acolheram de braços abertos esses países sem cuidarem da sua capacidade para sequer respeitarem a cartilha de deveres a que se comprometiam, sobretudo em relação à da segunda. Os exemplos da Polónia, da Hungria aí estão para o demonstrar, mas também se replicam nalguns outros países da antiga Europa de Leste onde, invariavelmente, as direitas mais extremas ganharam exagerada expressão e até chegaram às coligações governamentais. Sem que, à exceção da Alemanha, os países então pertencentes à CEE tenham ganho grande coisa com esse alargamento.

Enquanto esteve abalado nas suas feridas o urso foi aguentado aquilo que entendeu como sucessivos desaforos ocidentais. A NATO cresceu até às fronteiras russas e a União Europeia dilatou-se até aos atuais 27 membros. Com gananciosa vontade de acrescentar mais uns quantos, incluindo a Ucrânia, que Putin tem razão em considerar indissociável da própria Rússia, porque esta até terá tido ali o seu berço, antes de mudar a capital para Moscovo.

Ao mesmo tempo, e à medida que foi sarando as feridas, o urso russo foi garantindo as condições para o Ocidente não poder prescindir do seu gás natural e do seu petróleo. Pelo menos por agora, enquanto o aquecimento climático não tornar obsoletas essas fontes de energia.

Compreende-se que Putin tenha visto nesta conjuntura a janela de oportunidade para abocanhar o vizinho e expor as fraquezas e contradições do ocidente. É ditador? Claro que é! Nada tem a ver com o passado soviético, que ainda lhe vale por cá o apoio do PCP? Claro que não e por isso estamos todos curiosos do que, sobre este conflito, o poltrão do Chega dirá! Mas contando com o apoio explícito da China, Putin tem em mãos as condições para ser bem sucedido. Porque indiciou claramente a falta de qualquer escrúpulo para chegar a uma guerra de nível superior.

Que o criador de anedotas, promovido a presidente em Kiev, o não tenha percebido e queira agora entrar à pressa na NATO e na UE para obter o que, de facto, não tem - argumentos sólidos para evitar a derrota mais ou menos humilhante! - só demonstra a evidência da política ser coisa demasiado séria a protagonizarem os humoristas. É que a generalidade dos europeus já está a ver o custo de vida a aumentar, mormente nas bombas de combustível, e nenhuma emoção pró-ucraniana contrariará a urgência de não se ver tão despojado na carteira por um conflito que, neste banho maria, já a está a esvaziar.

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Previsibilidades e racionalidades (ou falta delas!)

 

Enquanto o país continua adiado à conta dos votos da emigração há quem se dedique a reanalisar as razões porque os portugueses deram a maioria absoluta ao Partido Socialista. E é difícil sair do tipo de leitura óbvia que faz São José Almeida no «Público» de hoje: “o eleitorado votou no partido e elegeu o líder que sente que, apesar de todas as contrariedades e disrupções dos últimos dois anos, o protegeu.”

Uma síntese que reitera a sensatez de uma população que, só em estratos minoritários, se deixou tentar por dúbios encantos propostos por xenófobos ou ultraliberais, e entendeu punir quem agiu com absurda falta de inteligência perante o cenário em que se projetaria com o chumbo do orçamento para o ano em curso.

Pacheco Pereira, cuja erudição nem sempre coincide com uma interpretação acertada dos acontecimentos, incumbe-se de fazer futurologia em relação ao partido a que ainda o julgamos associado. Por muito tempo? Provavelmente não, porque entende previsível o que nele se irá passar: uma viragem inequívoca à direita em busca dos “dourados tempos” de Cavaco Silva ou de Passos Coelho, dando ao partido do governo o ensejo para ocupar o espaço sociológico ao centro, que é tido como aquele em que se ganham eleições.

E dos textos hoje publicados ainda vale a pena olhar para o da autoria de Jorge Almeida Fernandes, que olha para Putin e sabe-o sem qualquer temor relativamente à Ucrânia ou à NATO. Pelo contrário a crise atual permitiu-lhe retomar papel de protagonista na cena internacional e nela vincar a justeza do seu velho sonho imperial. Conta para isso com a imprudência de Joe Biden, que tem atuado como um incendiário, e com a influência reduzida que líderes europeus vão demonstrando como o demonstram as elucidativas imagens de dialogarem com Putin a uma enormíssima distância.

Uma vez mais só posso lamentar que a organização militar, que constituía  o outro lado da moeda representado pelo Pacto de Varsóvia, não tenha desaparecido com a implosão da União Soviética e a União Europeia tenha-se apressado a acolher no seu seio  quem, como se constata com a Polónia e a Hungria, não cumpre os critérios de respeito pelas regras democráticas, que deveriam cumprir.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Queixinhas sem tino

 

É um dilema, que se justifica colocar: entre o cumprimento escrupuloso da lei e um acordo de cavalheiros, que a tenderia a contornar dando maior abrangência à participação dos emigrantes no ato eleitoral, qual a opção mais sensata? Sobretudo se a alternativa - a de só contar os votos acompanhados de fotocópia do cartão de cidadão, esbarra com a ilegalidade dessa prática em muitos dos países onde esses mesmos eleitores estão radicados?

Manda a verdade reconhecer que o país não deveria ficar adiado por causa dos pruridos legalistas dos partidos, que fizeram queixa ao Tribunal Constitucional e tinham, unanimemente, acordado a tal posição inicial. E, tendo em conta que nada de substantivo se alterará no resultado final, que lucro retira Rui Rio e os demais queixinhas da atitude, que tomaram? Pensaram por um momento nos benefícios para o país numa altura em que as dificuldades crescem dia-a-dia com o aumento do preço do petróleo, a inflação e os riscos de guerra no leste do continente?

Como de costume, o PSD e quem o acolitou numa jogada tão politiqueira, só pensaram nos ganhos imediatos sem equacionarem o quanto os portugueses ficam prejudicados com a entrada em funções tardia do novo governo...

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Coitado do Zé Albino!

 

O lamentável episódio relativo aos votos da emigração é bem elucidativo de como Rui Rio, além de mau perder, nada aprende com as derrotas. Fazendo figura de miúdo birrento, que se agarra aos pormenores para pôr em causa o essencial - a crescente participação dos nossos compatriotas de além-fronteiras no ato eleitoral! -, nem sequer o comoveu o facto de ter tido o beneplácito do seu representante na reunião preparatória do escrutínio em causa a decisão de aceitar todos os votos enviados pelas embaixadas para esses cidadãos, viessem ou não acompanhados de cópia de cartão de cidadão. E repare-se que essa decisão resultara num acordo unânime de todos os partidos presentes.

Não é que o caso valha grande coisa para além de reiterada demonstração do mau feitio de Rui Rio, destruindo de vez a pose simpática, que lhe aconselharam ter durante a campanha. E há que temer quanto o pobre do Zé Albino sofrerá às mãos de quem não teve pejo em convoca-lo para a praça pública apenas por assim julgar amaciável a ideia que dele criáramos quando fora autarca no Porto. No mínimo poderá esperar exasperados ralhetes em alemão!

sábado, 12 de fevereiro de 2022

Que mil condenações judiciais os fustiguem!

 

Não tenho simpatia por Francisco Louçã, mas o processo que pôs em tribunal contra um dos mentirosos do Chega, sendo-lhe reconhecida inteira razão, merece referência positiva por servir de exemplo ao que deverá ser o permanente escrutínio a que os doze deputados, e quem os apoia, deverão sujeitar-se, sempre recorrendo-se aos tribunais quando se justificar a sua condenação.

Bem pode o condenado réu arrazoar uns quantos dislates contra o poder judicial, que terá prometidas novas e merecidas humilhações públicas tão-só deixe vir ao de cima a índole de que é feito. A enraivecida reação, que meteu gulags pelo meio, não terá comovido o mais pertinaz anticomunista. Porque um mentiroso é um mentiroso, mentiroso é sem apelo nem agravo.

E estão prometidas mais desfeitas a um partido que só a incompreensível complacência de uns quantos permitiu formar-se, mas insiste em fazer da sua alegada estratégia antissistema a tentativa de nele ser reconhecido. O que se ouve dessa gente é um tal rol de mentiras e contradições, que só os néscios podem apoiar.

Para já fica a regra a seguir: tribunal com eles e que muitas condenações os fustiguem...

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Cegos são os que não querem ver

 

No seu recente «Pelo Socialismo», em que junta boa parte das crónicas publicadas no «Le Monde» entre 2016 e 2020, Thomas Piketty constata que, apesar da distração dos prosélitos do capitalismo mais selvagem não permitir-lhes compreenderem-no, a batalha pela diminuição das desigualdades está a pender para quem a defende, bastando olhar para a os gráficos da evolução dos detentores do património nos últimos cento e vinte anos. A fiscalidade e outros políticas comummente associadas ao Estado social têm operado uma evolução na distribuição dos rendimentos, que desmente a perceção quanto à sua crescente iniquidade. E até mesmo governos de direita, quando as circunstâncias os confrontam com o ter muita força o que tem de ser, contribuem para essa inevitável tendência.

Espanta é termos de estar sempre a repetir a matéria dada, demonstrando quanto o liberalismo defendido por Cotrim de Figueiredo não nos faz falta nenhuma.  Depois dos muitos danos causados pelos boys  da escola de Chicago as teses sobre as «vantagens» do Estado mínimo são tão falsas quanto outras teorias da conspiração, que proliferam nas redes sociais. Por isso mesmo continuam a fazer falta os textos como o hoje assinado por António Correia de Campos no «Público», que tem por tema o debate em torno do Estado Social. Sobre o qual conclui que, se “não detém o monopólio da bondade cívica, (...) é o mais poderoso equalizador social que até hoje foi construído. Sem pensões públicas a pobreza seria muito mais extensa e profunda, sem o SNS, hospitais e consultórios concentrar-se-iam nas zonas litorais e nos grandes aglomerados, abandonando as periferias, sem a escola pública perpetuar-se-iam ainda mais as desigualdades de nascimento. O Estado social deve ser modernizado, tornado mais enxuto, menos parasitado e mais focado em objetivos e metas. Enfraquecer o Estado social com a teoria do Estado mínimo, como pretendem velhos e novos liberais por crença acrítica no mercado, é destruir equilíbrios e pactos sociais de quase um século. Há registo de como se alcançou o Estado social, mas desconhecem-se os efeitos do seu desmantelamento.”

Por tudo quanto ele explicita convém que não cedamos um milímetro aos que anseiam por esse objetivo. Porque se os fascistas do Chega incomodam muito - sobretudo pelo ruído do seu banzé! - os vendedores de ilusões da privatização de tudo quanto incumbe constitucionalmente ao Estado,  constitui perigo sério a ser combatido com ainda maior determinação.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

O embrulho é vistos, mas o interior cheira a mofo

 

É um dos mistérios insolúveis, que tenho por resolver: como se explica a atração de alguma juventude por essa coisa absurda chamada Iniciativa Liberal em que muitas das suas propostas anti-Estado não são sequer defendidas pelos governos cuja cartilha radica no capitalismo mais selvagem?

É certo que o partido em causa é, sobretudo, um produto de marketing e, nesse aspeto, pode constituir um bom caso de estudo para quem se dedica a essa disciplina. Os seus responsáveis olharam para os eleitores como um universo donde pretenderam atrair o máximo de clientes, escolheram o nicho onde sabiam ser mais provável o sucesso e edulcoraram-no com o tipo de mensagens capazes de surtirem o necessário efeito.

Não admira por isso que, a par da ideologia ultraprivatizadora de todas as funções do Estado, a conciliem com aquilo que as direitas tanto gostavam de designar como “temas fraturantes” por colidirem com os seus valores conservadores. Assim, sabendo os jovens maioritariamente de acordo com a Interrupção Voluntária da Gravidez, a morte assistida ou a igualdade de género, integrassem essas posições, habitualmente de esquerda, no seu programa político. Dentro da lógica de quererem passar gato por lebre, essas modernices da prima do Chicão, apenas destinaram-se a embrulhar, em vistoso papel, aquilo que dentro do pacote cheira a mofo. Porque, que sentido faz manter uma ideologia, que aposta no aumento das desigualdades sociais numa altura em que a iníqua distribuição de rendimentos é uma das principais causas para o acelerado crepúsculo do capitalismo?

Quando era adolescente só me senti próximo da Ação Socialista Portuguesa enquanto a reconheci como organização clandestina e antifascista porque, ocorrida a Revolução dos Cravos, passei uns anos a militar na extrema-esquerda. À distância essa opção funcionou como demonstrativa da minha ignorância e imaturidade. Mas, ao contrário, de outros, que foram parar ao extremo oposto, sempre me mantive ideologicamente socialista, e assim morrerei, por ser-me óbvia a justeza de, enquanto humanos, termos os mesmos direitos, deveres e, tendencialmente, rendimentos.

O que levará os jovens, que votaram na IL a abraçarem ideias tão ignorantes e imaturas quanto as por mim perfilhadas na sua idade, agora de sentido radicalmente oposto? Tanto mais que quase todos eles beneficiaram da escola e da saúde públicas em contraponto com as características e custos das privadas!

Do ponto de vista político o Partido Socialista tem de olhar para os próximos quatro anos e definir uma estratégia consistente de recuperação de tais jovens não se conformando com o apoio maioritário dos eleitores do meu grupo etário, por muito que tenda a manter-se como um dos mais relevantes na definição das tendências do voto. Razão para acreditar que, para além de políticas ativas de melhoria da qualidade de vida dos mais velhos, também não faltarão as que retirem o fator da aleatória precariedade na dos mais jovens. Demograficamente trata-se de um imperativo e o futuro do país carece do seu contributo.

domingo, 6 de fevereiro de 2022

E durará, durará, durará...

 

Gosto de ler os textos de Teresa de Sousa embora me distancie dela o fervor atlantista pró-Nato. Mas dou-lhe o benefício de a não incluir na “bolha politico-mediática”, que ela própria denuncia na sua crónica de hoje e aponta como responsável para o completo enviesamento entre as previsões das sondagens e os resultados de domingo transato. Porque passou-se tão só isto:  a maioria dos comentadores, que andavam a deleitar-se com a tal corrida taco-a-taco entre António Costa e Rui Rio nada soube entender sobre os verdadeiros sinais dados por quem sentiu na pele a superação da crise económica e social trazida pela pandemia e constatou tudo quanto levou ao chumbo do Orçamento. De forma implícita a jornalista confia na capacidade de António Costa para vencer “o desafio de uma vida: provar que uma maioria absoluta não é “poder absoluto”, governando com abertura, magnanimidade, transparência e competência”.

Conseguindo-o dará razão a outra colunista do «Público», Ana Sá Lopes, que da observação do sucedido durante esta semana constata que “a direita não aprendeu nada com o que se passou a 30 de Janeiro e prepara-se para ser o seguro de vida do PS para os próximos anos .(...) Podiam ter aprendido qualquer coisa com os 16 anos de Angela Merkel e a maneira como ela lidou com a sua extrema-direita. Mas não querem — foram capturados por um partido racista e isso é muito significativo.”

Para já tudo se conjuga para eu ver confirmado o que há dias aqui previ: não haverá tergiversação com a tão desejada reforma da lei eleitoral, deixando lacrimosos os defensores dos círculos uninominais, que tanto favoreceriam o caciquismo local. Daniel Adrião, um daqueles “socialistas”, que bem dispensaria ter como fomentador de ruído de fundo, já veio proclamar que, assim, os portugueses têm menos direitos eleitorais que os restantes europeus”. Mas que haverá a acrescentar sobre alguém que tudo faz para ganhar alguma atenção mediática, mesmo que a anterior iniciativa pessoal tenha sido integrar-se num abaixo-assinado com o homem da CIP e outros que tais a pedinchar um governo de bloco central a Costa e a Rio?

Sem pio, e não Rio, que isso só ao PSD incumbe, tenderá a ficar o odioso facho: em seis meses menos dez mil pessoas necessitaram do RSI para reorientarem as suas vidas. Surjam soluções de emprego da sociedade e ninguém quererá (sobre)viver à conta de tão «choruda» benesse.

Resta, enfim, olhar para os danos causados pelo amigo do mesmo facho no outro lado do Atlântico: sem surpresas ficámos a saber que a desflorestação da Amazónia brasileira cresceu 56% desde a chegada de Bolsonaro ao poder. Razão para lhe desejar a mais urgente remoção de sítio para onde deixe de fazer tanto mal!