Sabemo-lo bem dos filmes sobre a Natureza: nunca se deve provocar um urso. Sobretudo se for um daqueles assustadoramente grandes como os que Werner Herzog filmou em «Grizzly Man» em 2005, dois anos depois de um ou dois terem jantado Timothy Treadwell e a namorada no Parque Nacional de Katmai no Alasca, depois dele querer trata-los como bichinhos de estimação.
Vladimir Putin não é fera que deva ser enfurecida. Mantida à distância, sim, ou contida na medida do possível sempre que as circunstâncias o exijam, mas sem lhe dar o ensejo de demonstrar a notável inteligência estratégica revelada nas últimas semanas. Agora, com o território da Ucrânia parcialmente ocupado pelo exército russo, baliza-se num conjunto de argumentos - uns verdadeiros, outros manifestamente falsos - embora nenhum tão forte quanto a promessa ocidental, feita em 1991 em como a NATO jamais aceitaria no seu seio os países então desvinculados do implodido Pacto de Varsóvia. Aliás, e como sempre aqui tenho defendido, a preservação da existência da organização militar ocidental muito interessou aos interesses imperialistas norte-americanos e de nada serviu aos países, que a ela pertenceram até então.
O urso russo ficou seriamente ferido por essa altura e foi um fartar vilanagem: quer a NATO, quer a União Europeia acolheram de braços abertos esses países sem cuidarem da sua capacidade para sequer respeitarem a cartilha de deveres a que se comprometiam, sobretudo em relação à da segunda. Os exemplos da Polónia, da Hungria aí estão para o demonstrar, mas também se replicam nalguns outros países da antiga Europa de Leste onde, invariavelmente, as direitas mais extremas ganharam exagerada expressão e até chegaram às coligações governamentais. Sem que, à exceção da Alemanha, os países então pertencentes à CEE tenham ganho grande coisa com esse alargamento.
Enquanto esteve abalado nas suas feridas o urso foi aguentado aquilo que entendeu como sucessivos desaforos ocidentais. A NATO cresceu até às fronteiras russas e a União Europeia dilatou-se até aos atuais 27 membros. Com gananciosa vontade de acrescentar mais uns quantos, incluindo a Ucrânia, que Putin tem razão em considerar indissociável da própria Rússia, porque esta até terá tido ali o seu berço, antes de mudar a capital para Moscovo.
Ao mesmo tempo, e à medida que foi sarando as feridas, o urso russo foi garantindo as condições para o Ocidente não poder prescindir do seu gás natural e do seu petróleo. Pelo menos por agora, enquanto o aquecimento climático não tornar obsoletas essas fontes de energia.
Compreende-se que Putin tenha visto nesta conjuntura a janela de oportunidade para abocanhar o vizinho e expor as fraquezas e contradições do ocidente. É ditador? Claro que é! Nada tem a ver com o passado soviético, que ainda lhe vale por cá o apoio do PCP? Claro que não e por isso estamos todos curiosos do que, sobre este conflito, o poltrão do Chega dirá! Mas contando com o apoio explícito da China, Putin tem em mãos as condições para ser bem sucedido. Porque indiciou claramente a falta de qualquer escrúpulo para chegar a uma guerra de nível superior.
Que o criador de anedotas, promovido a presidente em Kiev, o não tenha percebido e queira agora entrar à pressa na NATO e na UE para obter o que, de facto, não tem - argumentos sólidos para evitar a derrota mais ou menos humilhante! - só demonstra a evidência da política ser coisa demasiado séria a protagonizarem os humoristas. É que a generalidade dos europeus já está a ver o custo de vida a aumentar, mormente nas bombas de combustível, e nenhuma emoção pró-ucraniana contrariará a urgência de não se ver tão despojado na carteira por um conflito que, neste banho maria, já a está a esvaziar.
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